03/02/2018




DE ORADORES E ASTRÔNOMOS

Valério Mesquita*

01) Natal nunca perdeu a tradição de possuir uma plêiade de oradores circunstanciais. São as famosas patativas da palavra facultada. Assim foi o advogado José Guará, o comerciante e desportista José Prudêncio (o Pruda do ABC). Lembro-me do ex-comandante da Polícia Militar coronel Marcondes. Certa vez, ia pronunciar um discurso lido num evento social da PM. Mas o coronel Neves resolveu pregar-lhe uma peça, substituindo, sem que ele percebesse, a peça oratória. Na hora de falar, Marcondes discursou com a maior naturalidade e somente tomou conhecimento do ocorrido, quando tudo havia terminado. Em orador que se preza, a emoção suplanta a razão. De outra feita, mesmo sem estar escalado para falar, aproveitou a palavra facultada e tirou do bolso um enorme discurso e detonou: “Tomado de surpresa, nesta hora, levo a minha palavra a todos vocês etc., etc”. O bom orador sempre tem no bolso um discurso certo para as horas incertas.
02) O saudoso e querido professor Antônio Soares Filho foi um mestre na arte de dissimular e interpretar, tanto na política como no teatro amador, no tempo áureo de sua mocidade. Numa peça teatral sobre o império dos Césares, ele vivia o papel do prefeito de Roma. Ao entrar em cena, esqueceu de repente o diálogo. Sem se perturbar, bateu com a mão na barriga do ator que desempenhava Júlio César e disse: “E aí, tudo bem, César?”.
03)  O doutor Antônio Soares Filho exerceu o mandato de deputado estadual e de chefe do gabinete civil do então governador Dinarte Mariz. Era um político astuto da velha escola pessedista e provedor de soluções políticas para os mais intrincados problemas. Certa vez, algumas discrepâncias afastaram-no do Palácio Potengi. O governador Dinarte não suportou o distanciamento. Encontrou-se com o seu filho doutor Boucinhas e, naquele sotaque caicoense, indagou: “Meu filho, cadê Toinho? Diga a ele que venha me ver. Tô com saudades de suas cavilações”.
04) Outra atividade importante exercida pelo professor e acadêmico Antônio Soares Filho foi a astronomia. Pesquisou e estudou os planetas, os astros e defendeu em livro e seminários uma tese singular: o planeta Terra tinha duas luas. O assunto foi muito discutido, não só em Natal, mas em congressos nacionais e internacionais. Quando o russo Gagarin deu a volta ao redor da terra e nada declarou a respeito da existência de um segundo satélite, logo a imprensa natalense procurou ouvir o astrônomo Antônio Soares, que se saiu com essa defesa: “E por que ele não olhou para trás”.
05) Ainda no pique de suas grandes interpretações teatrais, é-lhe atribuída a cena em que a atriz, sozinha no palco, deveria acender um fósforo e queimar um papel. Como esqueceram de deixar a caixa sobre a mesa, atônita, começou a rasgar o papel. O ator que deveria entrar em cena exclamando sobre o cheiro do papel queimado era Antônio Soares, que de repente, mudou o script: “Mas que cheiro de papel rasgado!”.

(*) Escritor.

24/01/2018

Cecília Meireles, viajo sozinha no meu coração


texto Gustavo Sobral e ilustração Arthur Seabra

Dela disseram: cantou a reinvenção da vida e teve serenidade frente ao tempo. O que nos deixa sem mais para dizer. Conhecida tanto pela graça do seu Ou isto ou aquilo,  quanto pelo seu clássico Romanceiro da Inconfidência. Décima quarta entrevista da série entrevistas imaginadas, quando se falará de e com poetas e escritores, pelo que já disseram em seus versos e prosa, por isso, imaginadas, mas nunca imaginárias, porque o fundo da verdade é o que já disse e está estampado no que já disseram. O entrevistado da vez, como se disse, é poeta, Cecília Meireles que compartilha com o poeta Drummond o sentimento do mundo todo. Entrevistamos a poeta nos volumes Viagem e Vaga Música.

Entrevistador: Qual o motivo da sua poesia?
Cecília Meireles: Eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa.

E: É alegre ou é triste?
CM: não sou alegre nem sou triste: sou poeta.

E: E o que é que sabe?
CM: Sei que canto. E a canção é nada.

E: Algo mais?
CM: eu um dia sei que estarei mudo – mais nada.

E: É de passar ou de ficar?
CM: não sei, não sei. Não sei se fico ou se passo.

E: É hoje a mesma de ontem?
CM: Eu não tinha o rosto de hoje, assim calmo, assim triste, assim magro, nem estes olhos vazios, nem o lábio amargo.

E: Tem noção de quem é?
CM: entre mim e mim, há vastidões bastantes para a navegação dos meus desejos afligidos.

E: Como?
CM: Virei-me sobre a minha própria existência e contemplei-a.

E: E o que procura na vida?
CM: Ando à procura do espaço para o desenho da vida.

E: Mede a vida em régua e compasso?
CM: Em números me embaraço e perco sempre a medida.

E: Capaz de recuar?
CM: Se volto sobre o meu passo, é já distância perdida.

E: E assim não anda perdida?
CM: Não ando perdida, mas desencontrada.

E: Desencontrada?
CM: saudosa do que não faço, mas do que faço arrependida.

E: Então o que procuras, o que deseja?
CM: Tudo. Nada. Viajo sozinha no meu coração.


O MORRO DOS VENTOS UIVANTES

Valério Mesquita*
mesquita.valerio@gmail.com

Não é o romance da escritora inglesa Emily Bronte (1818-1848). O morro dos ventos uivantes é o Guarapes, entre Natal e Macaíba. Aquele frontispício em ruínas, vergastado pelo vento e cercado de densa vegetação – visto da estrada – tem aparência e transparência de mistério e esplendor. Uma ruína viva do passado. À noite, habitantes das redondezas escutam vozes e ruídos estranhos como se tudo desejasse restituir o burburinho de outrora. Fabrício Pedroza, o capataz dos mistérios circundantes, em vestes senhorais, já foi visto várias vezes subindo e descendo as encostas. Quem passar por ali, ao largo, sentirá frêmitos e calafrios. Há um gemido suspenso no ar pedindo para ser ouvido.
Toda aquela área é propriedade efetiva do governo do estado e afetiva do povo de Macaíba. Por ser um patrimônio histórico, foi tombado, desapropriado e pago pelo poder público estadual com o objetivo de restaurá-lo, desde o início do ano dois mil. Ali, doze décadas de história nos contemplam. Há anos que ergo a minha voz, sem que seja ouvido. Ao derredor do casarão semidestruído, grileiros se apossam para barganharem posses ilícitas e falsos privilégios. Tudo me parece crer que o dinheiro público foi enterrado sem a devolução da paisagem, do tempo e da história do Rio Grande do Norte. Uma página está faltando nos livros escritos pelos historiadores Câmara Cascudo, Tavares de Lyra, Tarcísio Medeiros, Olavo Medeiros Filho e tantos outros.
Nas urnas do ano 2006, em Macaíba, inúmeros parlamentares obtiveram votos para se elegerem. De estadual a federal. Ninguém se lembrou, até agora, de colocar uma emenda parlamentar em favor da restauração do empório dos Guarapes. Nem, ao menos, uma pífia proposição no plenário lembrando ao poder executivo o resgate dessa memória caída no escuro tenebroso do esquecimento. Não posso deixar de salientar as sucessivas promessas oficiais de cumprir esse compromisso. E o cobro em nome dos filhos de Macaíba, como acadêmico, como confrade do Instituto Histórico, como membro do Conselho Estadual de Cultura, e, enfim, como ex-parlamentar que iniciou todo esse processo memorialístico.
Anos passado, em encontros eventuais com os últimos governantes, entre outros assuntos, repeti a cobrança.  Primeiro, revelei que havia tido uma visão emblemática. Elas manifestaram curiosidade e estranheza. Narrei que ao passar pelo morro dos Guarapes me deparei com esquisita procissão liderada por Fabrício Pedroza e dezenas de falanges espíritas repetindo em uníssona voz que iriam perturbar o sono delas. Riam e entendam a sutileza do bem humorado e atípico lembrete. “Diga a Fabrício, que não precisa dessa assombração. Já me comprometi e vou fazer”. Cá comigo, disse eu: mas os ventos não cessam de uivar. Nem Vilma, nem Rosalba cumpriram a palavra ou não puderam. O tempo passou e veio o novo governador sob o domínio do mal. Esse fez pior. Devolveu um milhão de reais que o ministério do turismo havia remetido para o início da restauração do Casarão dos Guarapes. Agiu politicamente com ranço e rancor. O dinheiro estava na Caixa Econômica do Rio Grande do Norte. E o projeto técnico estava pronto e Faria não pediu, como deveria, a prorrogação do convênio.
Por fim, tudo voltou a estaca zero. Macaíba mergulhou no esquecimento.

(*) Escritor.


23/01/2018

A ILUSÃO E SEDUÇÃO DO PODER
PADRE JOÃO MEDEIROS FILHO 



Estão previstas para o segundo semestre de 2018 eleições em nível federal e estadual. Serão escolhidos deputados, senadores, governadores e presidente da república. Para muitos, época de corrida em busca do poder. A bem-aventurada Irmã Dulce dizia que “ninguém administra digna e eficazmente, se não cultivar a virtude da humildade”. Eis uma das raras definições de Cristo a seu respeito: “Aprendei de mim que sou manso e humilde” (Mt 11, 29). A humildade torna-nos mais humanos, mostrando nossas limitações e fragilidades, que dificultam ou impossibilitam mudanças de atitude. É preciso que ela exista, tanto no cidadão comum quanto nos que exercem cargos elevados. “Sem ela, não haverá líderes autênticos”, declarou recentemente o papa Francisco, em audiência a um chefe de estado. É o primeiro passo para a sabedoria, que permite encontrar saídas para as crises e expressar sensibilidade para definir o que realmente é certo e prioritário. 
O Brasil necessita urgentemente de verdadeiras lideranças, pessoas abertas a novas percepções e posturas políticas, dispostas a avançar sob o impulso do diálogo e da ética. Estes são antídotos contra a mediocridade de desempenhos e a pobreza de propostas daqueles que, em vez de pensar no bem comum, são orientados por partidarismos deletérios. 
Um tempo novo, um Estado reconstruído, uma sociedade equilibrada, capaz de superar tristes cenários, serão edificados, a partir dos pilares da humildade, da crítica e da ética. Deste modo, é mais fácil chegar à superação da nefasta cultura, que caminha na contramão da transparência e da honestidade. Assim é possível orientar condutas e neutralizar o famoso “jeitinho brasileiro”. Este consiste especialmente na falta de seriedade, no costume de burlar normas e procedimentos, com o objetivo de alcançar vantagens pessoais e para aqueles que lhes são próximos ou correligionários. 
Somente os éticos e humildes conseguirão transformar a sociedade. Infelizmente para tantos, o poder é a suprema ambição, a maneira de se comparar a Deus. Segundo alguns teólogos, a megalomania de Adão e Eva, na metáfora bíblica do Livro do Gênesis, mostra o primeiro pecado da humanidade. “Queriam ser iguais a Deus” (Gn 3, 5). Há políticos que gastam somas milionárias (dinheiro talvez subtraído das necessidades do povo) em campanhas eleitorais. Mesmo derrotados, voltam à cena. A sede hegemônica parece proporcional à fortuna que dilapidam. Sentem-se frustrados, expulsos do Olimpo dos deuses, quando ficam fora dos postos de mando. Caem em depressão e, passada a ressaca, voltam à disputa com menos escrúpulos. 
O exercício do poder modifica, em muitos, o modo de pensar, viver e agir, operando em certas pessoas uma transformação psicológica, social e cultural. Quantos se realizam e são felizes, cercados de bajuladores, convites e homenagens, rodeados de assessores e desfrutando de uma infraestrutura que os reveste de uma aura especial. Chegam a trocar de carro, casa, amigos e até de cônjuge. Jactam-se em aprovar projetos, liberar recursos, autorizar e inaugurar obras, permitir viagens, distribuir cargos, promover pessoas e conceder benesses. 
Não raro, quem galga e se apega a postos de alto escalão só admite elogios. As críticas minam sua autoimagem e exibem suas contradições. Daí, os poderosos formarem um círculo hermético, acessível apenas aos que seguem suas ideias e cumprem suas ordens. Por que o poder encanta tanto? Em geral, alimenta os medíocres, que gostam de ser incensados. Seu ego necessita de uma máscara ou cortina de fumaça. Ele já está latente na alma de muitos e revela o seu caráter. Isso acontece desde os dignitários do país aos que exercem funções mais simples. São poucos os que agem como Cristo ensinou, a serviço do bem, da justiça, da solidariedade e da paz. “Entre vós não deverá ser assim. Quem quiser ser o maior, seja aquele que vos serve. Quem quiser ser o primeiro, seja vosso servidor. Pois, o Filho do Homem veio não para ser servido, mas para servir e dar a sua vida para o bem de muitos” (Mt 20, 26). Há governantes, políticos, religiosos e autoridades que se servem do povo e não servem ao povo. Convém lembrar bem disso nas próximas eleições.

17/01/2018

MENSAGEM DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO RN


Caro sócio,

Desejamos um bom ano de 2018 e anunciamos o retorno das nossas atividades.

Informamos que, em Reunião de Diretoria realizada em data de 17 de julho de 2017, o valor da anuidade ficou majorado para R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais), a partir deste ano de 2018, o qual deverá ser liquidado até o dia 28 de março do corrente ano.
Entretanto, por decisão da presidência, o sócio que efetuar o pagamento, até o dia 28/02/2018, pagará apenas a quantia de R$ 300,00 (trezentos reais).
Solicitamos a compreensão de todos os sócios, para que efetuem o pagamento, o quanto antes, tendo em vista que a ANUIDADE é ÚNICA FONTE DE RENDA para as despesas correntes da instituição.

CALENDÁRIO CULTURAL
Aproveitamos o ensejo para informar a nossa programação cultural para o primeiro semestre de 2018 e anunciar que dentre em breve o nosso site estará no ar. Pedimos a todos que acompanhem as nossas atividades pelas redes sociais, Facebook e Instagram curtam, compartilhem, comentem.

Nosso horário de funcionamento, infelizmente, por carência de pessoal, atualmente é apenas pela manhã, de segunda à sexta, 8h às 12h e aos sábados, 9h às 16h.

Sejam sempre bem vindos.

Atenciosamente,

Assessoria da Presidência


PROGRAMAÇÃO CULTURAL 2018.1

EVENTOS
25/01 – 17 h – Abertura dos trabalhos do ano de 2018 e lançamento do sítio do IHGRN.
22/02 – 17 h – Lançamento do Catálogo do IHGRN, o primeiro do gênero, nos 115 anos de existência do IHGRN.
28/03 – 19 h – Sessão solene de comemoração do Aniversário do IHGRN
    – Lançamento da Revista do IHGRN

PALESTRAS – QUINTA CULTURAL
22/02 – 17 h – PALESTRA - Câmara Cascudo e o Símbolo Jurídico do Pelorinho, ministrada pelo jornalista Vicente Serejo.
08/03 – 17 h – O IHGRN – ministrada pelo pesquisador Cláudio Galvão
19/04 – 17 h – Atol das Rosas – Ministrada pela professora Zélia Sena
17/05 – 17 h  História do Rio Grande do Norte, ministrada pelo historiador Luiz Eduardo Brandão Suassuna (Coquinho)
14/06 – 17 h  O arquipélago de São Pedro e São Paulo, ministrada pelo professor José Lins

EXPOSIÇÕES
08/02 – 17 h - Exposição de Pinturas do acervo particular do médico e artista plástico Iaperi Araújo

15/03 – 17 h - Exposição de Minérios do RN, com mostra da coleção particular de Pedro Simões Neto Segundo, com explicação e distribuição de catálogo sobre o assunto.

16/01/2018

Casa de todos,

15/01/2018



texto Gustavo Sobral e ilustração Arthur Seabra

Camping do Amor
Seu alicerce é uma falésia vermelha, formada pelo tempo e talhada pelo vento. Seus sulcos são desenhos que a natureza construiu na perenidade da vida. Forma um grande terraço em que pequenos desníveis constroem um mirante privilegiado. Quadro permanente de mar e céu,  pinta-se a cada passagem do dia por uma cor e um sentimento. Céu e mar formam a grande janela dessa casa, cujo piso que se assenta é um gramado infinito.

A casa tem seus compartimentos ao ar livre. Recebe todos sem distinção e entrega a cada um o encontro com si mesmo. Ali, o homem é a natureza. É capaz de se integrar, de recuperar a simplicidade da vida. Sua matéria é o que lhe cerca. A casa é de todos. O nome da casa vem da praia, aquela que se vê lá embaixo, a Praia do Amor.

Está em Pipa/RN, uma casa que acolhe casas temporárias, barracas de acampamento de viajantes, gente de todo canto. É o mundo de Salma e de sua família, do marido Roberto, da filha Ananda e de seus visitantes. Acolhida para todos, casa temporária, para quem passa é permanência, é mundo, é terra. Uma casa que se esparrama por dez mil metros quadrados, cajueiros, árvores, gramado, horta, a casa também se faz do que se planta.


A arborização é a roupa da casa, conforme revela a proprietária. Tudo aprendido aos poucos com o convívio com as pessoas do lugar, na lida diária, na lavagem de roupa no rio, na produção do artesanato. A casa é uma casa de passagem onde vidas se cruzam na sua permanente transitoriedade, em que a brisa que do mar sopra e a Brisa, a cadelinha que corre e late, não deixam de contar que o tempo é hoje.