28/12/2017



A VIDA É UM SOPRO

Valério Mesquita*

A simplicidade de Oscar Niemeyer era contagiante. Fez-me pegar a caneta como eu gosto e me habituei e passar a escrever ao sabor da emoção. Ateu mas tão socialista na oferta como Francisco de Assis. Agnóstico mas tão sábio quanto Agostinho. Reconhecido mundialmente no traço e no poder do concreto quanto Paulo nas planetárias epistolas: lógico e conciso. Tão comunista, quanto cristão na concepção arquitetônica de igrejas e capelas pelo Brasil afora. Humilde, acessivo e carismático tanto quanto João Paulo II na arte de conquistar o povo de Deus pelo olhar de plenitude e fragilidade. Niemeyer foi maior que qualquer rei do rock, do rap, dos ricaços de qualquer conglomerado empresarial neste país. Isso tudo porque foi um simples, que viveu, amou, se divertiu e se deu a respeito. Nunca ninguém leu o seu nome envolvido em falcatruas em meio a tantas criações e obras em governos mil.
Limpo e feliz, criativo e dedicado, suavizou o concreto e até a morte, nunca dela falando mesmo a vida se esvaindo. Inspirou-se no mestre Le Corbusier. Brasília, de parceria com Lúcio Costa, ele é o cara e o coroa quando expirou agora aos 104 anos. Postava-se tímido, fumante (vejam só), gostava do romance mas na arquitetura era instintivo. Falava em Deus mas não acreditava em religião. Já li esse fato em entrevista que concedeu. Claro que foi maior que sua arte. Falava em céu, firmamento, estrelas, tudo criado pelo Supremo Arquiteto do Universo, enquanto ele “o maior arquiteto do Brasil e um dos melhores do mundo”. Neste último conceito o seu estilo foi inimitável, único e incomparável.
Oscar Niemeyer possuía o dom de viver, daí a longevidade: sem ostensividade, vaidade ou vã glória. Laureado em todo o mundo, mas avesso as homenagens. Quando se sentiu ameaçado no regime militar  auto exilou-se em Paris. Não conspirou, não ameaçou nem foi terrorista. Apenas, confiava no comunismo como na sua arquitetura. Ficará conhecido e perenizado pela arte e não pela crença política. Mesmo assim, dava-se a respeito, mais do que muitos que a professaram. Sua morte foi lamentada em todo mundo. Estados Unidos, Inglaterra, França, Israel, Espanha entre outros paises, ele deixou um legado de obras cativantes, admiradas pela tipicidade e a “curva livre e sensual das suas linhas”.
Mas, a chama inapagável de Niemeyer não se notabilizou tão somente no milagre que esculpiu com a linha reta embelezando as curvas de tantas edificações. Embora centenas, todavia, dezenas de suas criações ao vivo ou à cores pela TV e fotos eu já admirava. Fui, exatamente, me emocionar com a simplicidade cósmica desse personagem. Famoso, rico honestamente – frise-se – no entanto, pacífico, modesto, recatado, ciente de sua transitoriedade. Enfim, um cristão sem reza, oração, igreja ou templo. Um pintor de arcos voltaicos, de auroras boreais, de crepúsculos planaltinos, de galáxias estrelares, com um pincel singelo, a pobreza de um proletário, revolucionário, vidente, vermelho mas suave no canto e na voz. Uma personalidade marcante para não ser esquecida que tinha no crayon o sentimento do mundo, apesar da “vida ser um sopro”, como dizia.


(*) Escritor.

27/12/2017

H O J E


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Sanderson e o querer bem



Lívio Oliveira – membro da ANRL e do IHGRN

Sanderson Negreiros partiu. Foi em busca de outras paisagens e paragens. Despediu-se de nós um dos maiores escritores do Rio Grande do Norte, um dos nossos mais sensíveis e profundos poetas, um amante dos livros, um sábio. Sanderson nos deixou após uma longa temporada de solidão e recolhimento. Imensamente sofria pela perda, há alguns anos, de sua amada Ângela: aquela que ele avistou, pela primeira vez, no céu.
Agora, novamente, o fez. No céu. No céu pleno e azul.

Lembro-me dos dias em que tive a especial oportunidade de visitá-lo e entrevistá-lo. O grande poeta e cronista ainda morava no Alto da Candelária, onde convivia apaixonadamente com Ângela e com os livros.

Cheguei a acreditar, antes de ingressar naquele verdadeiro templo do intelecto e da sensibilidade, diante de uma bela Acácia que ele plantara, que Sanderson não me receberia bem, que exibiria algum humor dificultoso ou vaidade demasiada (o que chega a ser comum no meio intelectual potiguar). Talvez eu tivesse tais impressões em face do seu semblante muitas vezes hermético, com ares de reflexão ou devaneio. 

Nada disso. Nada de mau humor. Sanderson era uma figura terna e harmoniosa. A partir da minha entrada em sua casa, passei a alimentar por ele um querer bem que me pareceu mesmo ser correspondido. Ele me dizia, sim, que eu era uma figura agradável e do bem. E isso me envaidecia, trazia-me e me traz responsabilidades, como me trouxe o voto entusiástico (considero sagrado) que dele recebi para o ingresso na Academia.

Foi ali, em meio aos livros, quando eu escrevia uma série de textos para O Galo –posteriormente enfeixados num volume publicado pelo Sebo Vermelho, intitulado “Bibliotecas Vivas do Rio Grande do Norte” – que Sanderson me falou acerca do seu maior amor, amor de toda a vida. Nada mais belo do que aquela história. Foi ele mesmo quem me disse, apontando para a presença forte de Ângela, a nos acompanhar na conversa:

“Conheci a minha mulher na praia de Genipabu, quando eu visitava, junto com Luís Carlos Guimarães, a casa dos pais de Ângela. Um avião pequeno dava rasantes sobre o mar. Eu, que estava pensando em voltar para o Rio de Janeiro, onde estava trabalhando, avisado sobre a moça aviadora, disse logo, sob o olhar desconfiado do seu pai: – Vou casar com ela! Hoje, a minha esposa é a minha conselheira espiritual, minha colaboradora, minha censora, a única pessoa que eu permito que me censure.”

Essa a grande paixão de Sanderson. E todos sabem o que a perda da inesquecível companheira ocasionou no interior do imortal. Todos nós, os seus amigos (apesar das diferenças relativas às gerações, acredito que ele me considerava assim), percebemos que o semblante de Sanderson mudara. Mesmo assim, não deixou de distribuir o bem querer entre as pessoas que o procuravam. A mim, por exemplo, sempre dirigiu palavras de incentivo honesto, verdadeiro e edificante. Sempre as colhi como quem colhe as mais belas flores da primavera. E as guardo na profundidade do coração. E da mente, porque Sanderson também sabia ensinar, orientar. Era uma das suas inegáveis vocações.

Sigo aqui, caro mestre Sanderson, com algumas de suas lições anotadas, como aquela advertência serena com que me presenteou uma vez: – Lívio, não trate o seu livro por “livrinho”. Nunca! Ele pode ficar triste! 

Estamos tristes, sim, querido Sanderson, mas ainda ouvimos firme a sua voz, que deixou impressa no tempo, para nos alegrar sempre. Vá em paz, em busca do seu maior amor no céu, onde o viu pela primeira vez.

Por aqui, vamos repetindo palavras com que nos brindou a todos, tatuadas na pele do mar: “Tenho a solidão/conhecida por altos príncipes/do azul.”

25/12/2017

NATAL COMPLETA 418 ANOS



25/12/2017  Parabéns Natal, pelos seus 418 anos! Fundada em 25 de dezembro de 1599 - NATAL, a Cidade do Sol e do sal; Terra dos Santos Reis; Esquina do Continente; Capital Espacial do Brasil; Trampolim da Vitória ou simplesmente Natal: das dunas, do rio, do mar. A capital do Rio Grande do Norte também tem como símbolo a sugestiva estrela de Belém, formato da Fortaleza dos Reis Magos, que “protege” a cidade, banhada pelas águas do Potengi e do Atlântico, e emoldurada de dunas por todos os lados.







FRATERNIDADE
 
Que me ajude o meu sangue árabe
Que me ajude o meu sangue judaico
Que me ajude o meu sangue europeu
Que me ajude o meu sangue africano
Que me ajude o meu sangue asiático
e aborígine
 
Que me ajudem todos os meus sangues
a construir a fraternidade universal
 
                                   (Horácio Paiva)

22/12/2017

VM

O TEMPO E O SENSO

Valério Mesquita*

Nos dias de hoje, o ânimo de viver nos torna inconstante e nos empurra para buscas ávidas de expressão, imaginação e criatividade. O próprio Luís da Câmara Cascudo, no passado, apesar de um ser simples, foi uma figura numerosa, pois escreveu sobre tudo e sobre todos. Conheço muitos escritores conterrâneos que detêm idêntica curiosidade inesgotável e volubilidade inventiva contagiadas pelas idéias, gostos e poder aliciante do charme da escrita cascudiana. E nesse particular, todos foram largamente influenciados pelo desejo insofreável de ressurreição do tempo morto, pela inestimável compreensão da alma coletiva das gerações passadas que se encontram como que cristalizadas em todos nós.
São as nossas afinidades eletivas fincadas na íntima, nostálgica página evocativa que romantiza a realidade ou, às vezes, a fantasia. Daí, não me encantar tanto com os procedimentos rotulados de culturais pela mídia eletrônica e certos gestores públicos. Não é a compulsão de recapturar o antigo só por ser antigo. O que desejamos, penso, é respirar o oxigênio cultural que foi dotado de um poder de radiação imanente, que se manteve vivo, apesar do efeito paulatino, paradoxal e destrutivo de uma “cultura de aparências”, fóssil e fútil, atualmente em alto astral! O crítico Paulo Prado chegou a afirmar no seu livro “Retrato do Brasil” que a proliferação desse contraditório “representava a astenia da raça, o vício de nossas origens mestiças”. Nada mais verdadeiro e impiedoso.
A cultura se transformou num circo mambembe de vaidades ressentidas, perdida nas suas cismas e inseguranças, desde o tempo em que o Ministério da Cultura tornou-se serpentário de figuras exóticas e estereotipadas. No Rio Grande do Norte, por exemplo, já passa do tempo do governador reunir os órgãos de cultura do estado: Academia Norte-Riograndense de Letras, Conselho de Cultura, Instituto Histórico e mais ensaístas, poetas, historiadores, sociólogos e críticos literários para ouvir sugestões dessa atividade tão pluralista e significativa da sociedade, porém, totalmente esquecida e somente lembrada para eventos passageiros. No ensejo, por exemplo, do governo contrair um vultuoso empréstimo internacional, as entidades culturais não foram ouvidas para discutir e identificar os seus problemas estruturais.
É com profunda lástima que vemos as edificações, casarões e monumentos que representam o vasto painel da dramática criação de uma sociedade civil de cem e de duzentos anos passados se encontrarem em estado de deterioração. Lembremo-nos que o “passado não passa”. A beleza plástica dos casarões, o teor emotivo e sentimental que retrata a abordagem lírica de épocas imemoriais, em qualquer país civilizado, nunca foram substituídos por folguedos e fanfarras. A preservação do patrimônio histórico e artístico do Rio Grande do Norte precisa de maior atenção e acuidade perceptiva dos governos. Como na Trindade Santa, o passado, o presente e o futuro se entrelaçam na mesma realidade temporal. São três tempos distintos numa só integridade temporal; amalgamados de idéias e inteiriços. Que esse cabedal seja intenção e deliberação permanentes dos órgãos de cultura do estado. Vamos aguardar.


(*) Escritor