22/12/2017

VM

O TEMPO E O SENSO

Valério Mesquita*

Nos dias de hoje, o ânimo de viver nos torna inconstante e nos empurra para buscas ávidas de expressão, imaginação e criatividade. O próprio Luís da Câmara Cascudo, no passado, apesar de um ser simples, foi uma figura numerosa, pois escreveu sobre tudo e sobre todos. Conheço muitos escritores conterrâneos que detêm idêntica curiosidade inesgotável e volubilidade inventiva contagiadas pelas idéias, gostos e poder aliciante do charme da escrita cascudiana. E nesse particular, todos foram largamente influenciados pelo desejo insofreável de ressurreição do tempo morto, pela inestimável compreensão da alma coletiva das gerações passadas que se encontram como que cristalizadas em todos nós.
São as nossas afinidades eletivas fincadas na íntima, nostálgica página evocativa que romantiza a realidade ou, às vezes, a fantasia. Daí, não me encantar tanto com os procedimentos rotulados de culturais pela mídia eletrônica e certos gestores públicos. Não é a compulsão de recapturar o antigo só por ser antigo. O que desejamos, penso, é respirar o oxigênio cultural que foi dotado de um poder de radiação imanente, que se manteve vivo, apesar do efeito paulatino, paradoxal e destrutivo de uma “cultura de aparências”, fóssil e fútil, atualmente em alto astral! O crítico Paulo Prado chegou a afirmar no seu livro “Retrato do Brasil” que a proliferação desse contraditório “representava a astenia da raça, o vício de nossas origens mestiças”. Nada mais verdadeiro e impiedoso.
A cultura se transformou num circo mambembe de vaidades ressentidas, perdida nas suas cismas e inseguranças, desde o tempo em que o Ministério da Cultura tornou-se serpentário de figuras exóticas e estereotipadas. No Rio Grande do Norte, por exemplo, já passa do tempo do governador reunir os órgãos de cultura do estado: Academia Norte-Riograndense de Letras, Conselho de Cultura, Instituto Histórico e mais ensaístas, poetas, historiadores, sociólogos e críticos literários para ouvir sugestões dessa atividade tão pluralista e significativa da sociedade, porém, totalmente esquecida e somente lembrada para eventos passageiros. No ensejo, por exemplo, do governo contrair um vultuoso empréstimo internacional, as entidades culturais não foram ouvidas para discutir e identificar os seus problemas estruturais.
É com profunda lástima que vemos as edificações, casarões e monumentos que representam o vasto painel da dramática criação de uma sociedade civil de cem e de duzentos anos passados se encontrarem em estado de deterioração. Lembremo-nos que o “passado não passa”. A beleza plástica dos casarões, o teor emotivo e sentimental que retrata a abordagem lírica de épocas imemoriais, em qualquer país civilizado, nunca foram substituídos por folguedos e fanfarras. A preservação do patrimônio histórico e artístico do Rio Grande do Norte precisa de maior atenção e acuidade perceptiva dos governos. Como na Trindade Santa, o passado, o presente e o futuro se entrelaçam na mesma realidade temporal. São três tempos distintos numa só integridade temporal; amalgamados de idéias e inteiriços. Que esse cabedal seja intenção e deliberação permanentes dos órgãos de cultura do estado. Vamos aguardar.


(*) Escritor

21/12/2017

ÚLTIMOS MOMENTOS DO IHGRN NO FINAL DE 2017

ÚLTIMA REUNIÃO DA DIRETORIA - DIA 19


VISITA DA REITORA ÂNGELA MARIA CRUZ, DA UFRN - DIA 21







DIA 22

Encerramento das atividades no IHGRN. Reunimos a Diretoria e os funcionários e entregamos o Prêmio do Funcionário do Ano ao sr. Manoel Bezerra da Silva. Por se tratar da Casa da Memória não podíamos deixar de exibir a "memória do wisque nacional". Estaremos de volta no dia 8 de janeiro de 2018. Tenham todos um bom Natal e um 2018 cheio de realizações.


I H G R N - COMUNICADO DE ADIAMENTO DE FESTIVIDADE



ORMUZ BARBALHO SIMONETTI, Presidente do INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO RIO GRANDE DO NORTE, divulgou o seguinte comunicado aos seus associados, amigos e convidados, pedido de todos a devida compreensão:

Caros confrades, amigos e convidados. Em virtude da preocupante situação de falta de segurança que passa os cidadãos de nossa cidade, a Diretoria do IHGRN resolve adiar, por tempo indeterminado, a solenidade prevista para amanhã (quinta feira) 21 de dezembro de 2017. Oportunamente comunicarmos o dia que a solenidade será realizada.

"LEMBRANDO SANDERSON NEGREIROS"


Ivan Lira de Carvalho
  Conheci Sanderson quando ingressei na graduação em Direito na UFRN, na mesma turma de Ângela, sua esposa, que já era formada e estava fazendo o segundo curso. Ele era Chefe da Casa Civil do governo Tarcísio Maia.
 Acompanhava a mulher nas nossas confraternizações, que eram bem frequentes - e não só natalinas, como atualmente. Aí os nossos papos amiudavam, sobre cultura geral e “causos” que ele amealhou na vida acadêmica e nos cargos públicos que exerceu.
Tirava onda consigo, ao recordar que chamou o “vade mecum” de “quo vadis” nos primeiros tempos de faculdade. Misturou o bolor dos fóruns com a Sétima Arte, pela qual tinha maior predileção.
 Dizia-me da admiração profunda pelo irmão padre, Emerson, que foi vigário de Santa Cruz por muitos anos e para onde rumava em férias o seminarista Sanderson, balançado entre as virtudes sacerdotais e o apego à literatura laica. Findou vencendo o extra-muros do vetusto prédio curial da Av. Campos Sales. Consolidou-se a opção com a entrega de todo amor armazenado no coração-sentimento à doce Ângela, anjo da sua vida dali em diante. Em nova esquina da vida o destino nos marcou um encontro: pouco tempo depois de formados - um ano e meio, com precisão - eu e Ângela fomos aprovados em concurso e ingressamos na magistratura do Estado do Rio Grande do Norte.
Eu fui presidir a Comarca de Augusto Severo, miolo do Médio Oeste; ela foi judicar em Touros, linda praia onde os alísios curvam o continente. A cada jantar, a cada almoço, a cada solenidade, a cada celebração que a vida funcional nos proporcionava, eu sempre arranjava um jeito de sentar-me à mesa do poeta, para entre taças de vinho e garfadas generosas (ele era bom nessas duas ferramentas...), abastecer-me de saber e de bondade.
Certa feita dedicou uma noitada a explicar-me as virtudes da doutrina espírita e o sentido da eternidade; do real valor da expressão “plano” no contexto kardecista. O aluno aqui, indo com mais frequência à taça do que ao garfo, perdeu as conclusões da aula, à medida que a sobriedade esfumou-se como o perfume da bebida.
 Mas juntei pedacinhos daqueles ensinamentos e montei, à minha maneira, a compreensão das vidas repetidas. Noutras jornadas expunha o seu desejo de estruturar em páginas uma novela que tinha prontinha na mente, ambientada no sertão cearense, cercanias de Pereiro, onde as pessoas deixavam um casarão histórico fechado e partiam para outras plagas e quando retornavam, anos adiante, encontravam tudo intacto - paredes, portas, teto, mobiliário, utensílios -, mas que se desmanchavam ao simples toque dos dedos, reduzindo-se a pó.
As quadras se passavam e a cada encontro eu lhe cobrava a obra, obtendo a resposta gargalhada “ainda não”. Há poucos anos um abril chegou com a triste notícia da morte de Ângela. De logo vaticinei que em breve partiria Sanderson, independentemente do seu estado de saúde. E assim aconteceu. Não li, mas acredito que no registro do seu óbito, no espaço destinado à “causa mortis”, o oficial lançou a palavra “saudade”."


 

20/12/2017

Para guardar, o criado mudo


Mobiliário & objetos

texto Gustavo Sobral e ilustração Arthur Seabra

Iminência parda, em par, firma-se sentinela ao lado da cama. Mutismo total é testemunha silenciosa da alcova, talvez venha daí a sua porção muda, enquanto a criadagem se deve às funções de guardar objetos em suas gavetas e depositar em seu cimo as coisas da necessidade do repouso e da dormida. Abajur para noite, óculos de leitura, livros e revistas de cabeceira, quem sabe um copo d´água, xícara de chá, e o que mais prouver e for útil, inclusive o velho despertador de guerra amigo dos compromissos, tudo isso e mais já andou no seu telhado, a cobertura, ao alcance da mão.


Também é conhecido por um nome mais isento, que designa o lugar em que se encontra, é mesa, mesa de cabeceira porque ali está assim também chamado pela língua inglesa, é uma beside table, e até, por estar no quarto, mais utilizado à noite, de night table. Geralmente vem com a cama com ela combinando no material, estilo e forma, mas há aqueles que além de criados e mudos são totalmente independentes da cama que ladeiam, única rebeldia permitida ao seu ofício de servir.

SÁBIOS CONSELHOS

Fernando Sabino, o conselheiro e suas listas






texto Gustavo Sobral e ilustração Arthur Seabra

Não foi da corte de nenhuma realeza para receber título de conselheiro, na verdade os conselhos nem são assim seus propriamente dito, pegou emprestado, de tanto escutar, aprendeu e repassa. Mineiro que se carioquizou, fez-se romancista e está no panteão dos maiores cronistas brasileiros, divisando com Rubem Braga o ponto sublime, o cume da montanha.

Muitas dos conselhos que saíram em suas crônicas, é bom que logo se diga, e que deram nome a um dos seus livros, donde lhe entrevistamos, são fruto dos conselhos do velho pai, o seu Sabino. Desfrutem Fernando Sabino pelo viés dos seus conselhos, para depois cair nas listas.

Adora fazer listas. Listas de tudo que é coisa, pois toda coisa, parece, é passível de ser listada. Sétima entrevista da série entrevistas imaginadas, quando se falará de e com poetas e escritores, pelo que já disseram em seus versos e prosa, por isso, imaginadas, mas nunca imaginárias, porque o fundo da verdade é o que já disse e está estampado no que já disseram. O entrevistado da vez, como se disse, é cronista. Entrevistamos no volume de crônicas No fim da certo.

Entrevistador: falemos dos conselhos...  Sabino, o que são as coisas?
Fernando Sabino: São como são e não deveriam ser ou gostaríamos que elas fossem.

Entrevistador: E o que não tem solução?
FS: O que não tem solução, solucionado está, não adianta gastar boa vela com mau defunto.

Entrevistador: E as coisas mudam, conselheiro?
FS: Se mudou, é porque não deu certo!

Entrevistador: Para antes de entrar...
FS: Veja por onde sair!

Entrevistador: Um bom conselho?
FS: Faça somente o que gosta. Para isso, passe a gostar do que faz.

Entrevistador: a melhor forma de resolver um problema é...
FS: a única forma de resolver um problema é primeiro resolver o do outro.

Entrevistador: E no fim, dá certo?
FS: Se não deu, é porque você não chegou ao fim.

Entrevistador: E as listas?
FS: Tenho um fraco por listas. Listas de tudo: das pessoas simpáticas que conheço, ou das mais chatas; dos livros que gostaria de já ter lido; dos melhores filmes que já vi...

Entrevistador: E a aquela das pequenas coisas que o desagradam, tem o que?
FS:Tampa de pasta de dentes, roupa sob medida, comprar a prestação, retirar gelo da forma da geladeira, esperar o que quer que seja, até mesmo pagamento! Salas de espera, vento, buzina, luz florescente, motocicleta, copo de plástico, poema lido pelo artista, a frase “você está lembrando de mim?”

Entrevistador: e por que a implicância com a tampa da pasta de dente?
FS: porque ela escapole da mão, cai no ralo da pia e é uma desgraça tentar tirá-la...

Entrevistador: E das coisas que agradam?

FS: Dia de chuva sem precisar sair de casa, carta que não exige resposta, conseguir desfazer um compromisso sem precisar mentir, pagar a última prestação, a frase “está tudo pago”, chegar atrasado no teatro e o espetáculo não ter começado, a frase “tenho uma boa notícia para você”, cinema sem fila, descobrir que ainda é cedo, dá tempo de tomar mais um, sabonete novo, fazer lista das pequenas coisas que realmente agradam...

   
Marcelo Alves

 
Parlamento e tribunal

Já escrevi aqui, embora faça muito tempo, sobre a Suprema Corte do Reino Unido (Supreme Court of the United Kingdom), criada pelo “Constitutional Reform Act” de 2005 (com efeitos a partir de outubro de 2009) e hoje a mais alta corte de justiça da Terra da Rainha. Todavia, por estes dias, um amigo – certamente, mais saudosista do que eu – me perguntou o que era a tal Casa dos Lordes (House of Lords) para os fins do sistema judicial daquele Reino. 

Para quem não sabe, fazendo par com a mais badalada (e importante, registre-se) Casa dos Comuns (House of Commons), numa espécie de parlamento bicameral, como é o do Reino Unido, a Casa dos Lordes é hoje a câmara alta desse Parlamento, possuindo uma porção de competências legislativas, impossíveis de discriminar aqui. Sem um número pré-determinado de membros, ela é hoje composta por setecentos e tantos Lordes Parlamentares, a imensa maioria, tirando os chamados Lordes Espirituais (bispos e arcebispos da Igreja Anglicana, que não chegam a trinta), com funções vitalícias. É bom lembrar que seus membros não são eleitos para um mandato, ao contrário do que se dá com a Casa dos Comuns ou com a maioria das câmaras e senados mundo afora. Bom, parece que eles estão satisfeitos por lá. 

Também para quem não sabe, a House of Lords, ao mesmo tempo uma das casas do Legislativo, foi, durante muito tempo (até 2009, como dito acima), também a mais alta corte de justiça do Reino Unido. Aliás, segundo nos lembram Mary Ann Glendon, Michel Wallace Gordon e Christopher Ossakwe (em “Comparative Law Traditions in a Nutshell”, West Publishing Co., 1982), “a função judicial da House of Lords antecede [melhor dizendo, antecedia] a sua função legislativa”. 

Entretanto, como eu já disse aqui mesmo, tão-somente em teoria os processos judiciais, tanto de sua competência originária quanto da recursal, eram apreciados pela Casa dos Lordes como um todo. Na prática, os nobres leigos não participavam das sessões judiciais da Casa, e os processos judiciais eram realmente apreciados e decididos pelo denominado “Appellate Committee of the House of Lords”, de fato competente para o exercício da função jurisdicional da Casa e formado apenas por profissionais do direito. O tal “Appellate Committee” era constituído pelo “Lord Chancellor”, seu presidente, e pelos “lords of appeal in Ordinary”, chamados “Law Lords”. Os “Law Lords” eram escolhidos por nomeação direta dentre os “barristers” (categoria de advogado existente no Reino Unido, juntamente com os “solicitors”) mais eminentes ou por promoção de um juiz, geralmente da chamada Corte de Apelação (Court of Appeal), corte imediatamente inferior na hierarquia. Uma vantagem de ser “Law Lord” era, evidentemente, a qualidade de nobre. O “Appellate Committee” detinha competência tanto civil como criminal e predominantemente recursal, conhecendo, no que toca à Inglaterra, por exemplo, sobretudo de recursos provenientes de decisões da Court of Appeal e, excepcionalmente, pelo denominado “procedimento de salto”, da Alta Corte de Justiça (High Court of Justice). Evidentemente, as decisões da House of Lords, salvo raríssimas exceções, eram obrigatórias para todas as demais cortes do Reino. Isso decorria naturalmente da sua posição de mais alta corte e da existência da doutrina dos precedentes obrigatórios no Reino Unido. 

Bom, até o mais conservador dos conservadores há de rever suas tradições quando o panorama da sociedade, espontaneamente ou por pressão externa, impõe mudanças que não podem ser adiadas. As pressões externas vieram; o panorama mudou. O objetivo principal do fim das funções judiciais da Casa dos Lordes (mais concretamente da abolição do “Appellate Committee of the House of Lords”) e da criação da Supreme Court of the United Kingdom resta evidente das discussões previamente empreendidas pelas instituições envolvidas: atribuir a órgãos distintos as funções legislativa e judicial do Reino Unido, em clara homenagem ao princípio da separação dos poderes e ao preconizado na Convenção Europeia de Direitos Humanos. O fato é que, após relevantes serviços, por disposição do já citado “Constitutional Reform Act 2005”, a House of Lords deixou oficialmente de funcionar, como a mais alta corte de justiça do Reino Unido, em setembro de 2009. 

E que se conforme o meu amigo saudosista!

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP