06/11/2017

LUTAS DE VALÉRIO


LUTAS E ADVERSIDADES

Valério Mesquita*

Outubro se despediu em meio à efemérides, tormentos e mistérios. Nele foi celebrada a canonização dos mártires de Cunhaú e Uruaçu. Provou-se que a alma é divina e a obra humana imperfeita. As formas imprecisas e os rostos invisíveis dos martirizados não foram abstratos. Mas reconhecidos na história e nos altares. Lembro o infante arcebispo Nivaldo Monte pugnando e estabelecendo o rumo e o prumo da longa jornada. Nada pode ficar encoberto. Tudo teve que ser revelado. Monsenhor Francisco de Assis e o padre Pio empreenderam viagem de circunavegação flamenga que antes Mauricio de Nassau fizera em 1630 de lá para cá. Em Haia, o silêncio, a névoa do tempo e o assombro da hecatombe dos cristãos não esmoreceram o ânimo dos dois pesquisadores.
Nesse anfiteatro de ressurreição de ambientes, lembro ter feito o meu dever de casa ao tempo em que presidi a Fundação José Augusto. Dom Nivaldo foi o entusiasta maior no sonho de desvendar as ruínas de Cunhaú. Tudo era escombro. Apenas tijolos, monturos e entulhos. O projeto de restauração elaborado pelos arquitetos Paulo Heide Feijó e Orígenes Monte sofreu ingentes resistências no IPHAN em Recife, exigindo viagens em meio às turbulências e dúvidas. A última nau saída do cais da Tavares de Lyra em Natal conseguiu convencer os técnicos pernambucanos que a densidade histórica do solo e do genocídio de Cunhaú não poderiam ficar à margem. Afinal, foi restituída a capela de Cunhaú, com recursos do Programa Pró-Memória do governo federal e da Fundação Roberto Marinho sob as lágrimas de dom Nivaldo, quando revivia em palavras o sofrimento do martírio.
A restauração de ruínas históricas são possibilidades técnicas cosagradas e aceitas no sentido de resguardar e/ou recompor as origens, a memória, as raízes, em qualquer sentido, apurados os fundamentos, o legado e a importância no contexto cultural de qualquer local, cidade ou povo. Assim ocorreu também com as ruínas do Solar do Ferreiro Torto em Macaíba. Em 1974, como prefeito, desapropriei o velho casarão e toda a área adjacente que pertencia aos herdeiros de dona Amélia Machado. Houve contenda cartorial (que era de se esperar), mas, por sentença judicial, meses depois, o município tomou posse do imóvel em ruínas. Ano seguinte, convidado pelo então governador Tarcísio Maia, assumi a presidência da Empresa de Turismo do Rio Grande do Norte, renunciando um ano do mandato de prefeito. Com recursos obtidos junto ao governo federal para a restauração de monumentos históricos para fins turísticos, foi celebrado convênio com a Fundação José Augusto e repassados os recursos recebidos, visto que, ela é a instituição responsável pelo patrimônio memorialístico do Rio Grande do Norte. Essa decisão, corroborada pelos colegas da diretoria Valmir Targino e Francisco Revoredo, custou a minha saída do cargo de presidente da EMPROTURN. O governador desejava que o recurso federal fosse aplicado na recuperação da cadeia pública de Mossoró. Mas, o Solar do Ferreiro Torto felizmente foi restaurado com luta e adversidade. Paguei caro por uma obstinação que muitos esqueceram.
Sobre esse episódio cabe uma reflexão: por que o atual governo recusou a dotação federal de quase hum milhão de reais para restaurar o empório dos Guarapes? Ademais, a área desapropriada é propriedade do Rio Grande do Norte, tombado pelo patrimônio histórico, já com o projeto técnico pronto e o dinheiro na Caixa Econômica Federal “ouvindo” a omissão, conforme atestou a Procuradoria da Defesa do Patrimônio e do Meio Ambiente. Chegaram até a informar que a verba havia retornado a Brasília. Depreende-se que o governo do Estado procura convencer permanentemente as pessoas com aquilo que elas não precisam.
Com a palavra os responsáveis.

(*) Escritor.

02/11/2017

FINADOS


Dia de Finados: O que diz a Bíblia?

por Pr. Natanael Rinaldi

No dia 2 de novembro se celebra o culto aos mortos ou o dia de Finados. Qual a origem do culto aos mortos ou do dia de Finados?

O dia de Finados só começou a existir a partir do ano 998 DC. Foi introduzido por Santo Odilon, ou Odílio, abade do mosteiro beneditino de Cluny na França. Ele determinou que os monges rezassem por todos os mortos, conhecidos e desconhecidos, religiosos ou leigos, de todos os lugares e de todos os tempos. Quatro séculos depois, o Papa, em Roma, na Itália, adotou o dia 2 de novembro como o dia de Finados, ou dia dos mortos, para a Igreja Católica.

Como chegou aqui no Brasil essa celebração de 2 de novembro ser celebrado o dia de Finados?

O costume de rezar pelos mortos nesse dia foi trazido para o Brasil pelos portugueses. As igrejas e os cemitérios são visitados, os túmulos são decorados com flores, e milhares de velas são acesas.

Tem apoio bíblico essa tradição de se rezar pelos mortos no dia 2 de novembro? Como um cristão bíblico deve posicionar-se no dia de Finados?

Nada de errado existe quando, movidos pelas saudades dos parentes ou pessoas conhecidas falecidas, se faz nesse dia visita os cemitérios e até mesmo se enfeitam os túmulos de pessoas saudosas e caras para nós. Entretanto, proceder como o faz a maioria, rezando pelos mortos e acendendo velas em favor das almas dos que partiram tal prática não encontra apoio bíblico.

A maioria das pessoas que visitam os cemitérios no dia de Finados está ligada à religião católica. Por que os católicos fazem essa celebração aos mortos com rezas e acendendo velas junto aos túmulos?

Porque segundo a doutrina católica, os mortos, na sua maioria estão no purgatório e para sair mais depressa desse lugar, pensam que estão agindo corretamente mandando fazer missas, rezas e acender velas. Crêem os católicos que quando a pessoa morre, sua alma comparece diante do arcanjo São Miguel, que pesa em sua balança as virtudes e os pecados feitos em vida pela pessoa. Quando a pessoa não praticou más ações, seu espírito vai imediatamente para o céu, onde não há dor, apenas paz e amor. Quando as más ações que a pessoa cometeu são erros pequenos, a alma vai se purificar no purgatório.

Existe base bíblica para se crer no purgatório, lugar intermediário entre o céu e o inferno?

Não existe. A Bíblia fala apenas de dois lugares: céu e inferno. Jesus ensinou a existência de apenas dois lugares. Falou do céu em Jo 14.2-3 e falou do inferno em Mt 25.41.

Segundo a Bíblia o que acontece com os seres humanos na hora da morte?

No livro de Hebreus 9.27 se lê que após a morte segue-se o juízo. E Jesus contou sobre a situação dos mortos Lc 16.19-31. Nessa parte bíblica destacamos quatro ensinos de Jesus: a) que há consciência após a morte; b) existe sofrimento e existe bem estar; c) não existe comunicação de mortos com os vivos; d) a situação dos mortos não permite mudança. Cada qual ficará no lugar da sua escolha em vida. Os que morrem no Senhor gozarão de felicidade eterna (Ap 14.13) e os que escolheram viver fora do propósito de Deus, que escolheram o caminho largo (Mt 7.13-14) irão para o lugar de tormento consciente de onde jamais poderão sair.

Fora a crença sobre o estado dos mortos de católicos e evangélicos, existem outras formas de crer sobre a situação dos mortos. Pode indicar algumas formas de crer?

Sim.

A) os espíritas crêem na reencarnação. Reencarnam repetidamente até se tornarem espíritos puros. Não crêem na ressurreição dos mortos.
B) os hinduístas crêem na transmigração das almas, que é a mesma doutrina da reencarnação. Só que os ensinam que o ser humano pode regredir noutra existência e assim voltar a este mundo como um animal ou até mesmo como um inseto: carrapato, piolho, barata, como um tigre, como uma cobra, etc.
C) os budistas crêem no Nirvana, que é um tipo de aniquilamento.
D) As testemunhas de Jeová crêem no aniquilamento. Morreu a pessoa está aniquilada. Simplesmente deixou de existir. Existem 3 classes de pessoas: os ímpios, os injustos e os justos. No caso dos ímpios não ressuscitam mais. Os injustos são todos os que morreram desde Adão. Irão ressuscitar 20 bilhões de mortos para terem uma nova chance de salvação durante o milênio. Se passarem pela última prova, poderão viver para sempre na terra. Dentre os justos, duas classes: os ungidos que irão para o céu, 144 mil. Os demais viverão para sempre na terra se passarem pela última prova depois de mil anos. Caso não passem serão aniquilados.

E) os adventistas crêem no sono da alma. Morreu o homem, a alma ou o espírito, que para eles é apenas o ar que a pessoa respira, esse ar retorna à atmosfera. A pessoa dorme na sepultura inconsciente.

Como se dará a ressurreição de todos os mortos?

Jesus ensinou em Jo 5.28,29 que todos os mortos ressuscitarão. Só que haverá dois tipos de ressurreição; para a vida, que ocorrerá mil anos antes da ressurreição do Juízo Final. A primeira ressurreição se dará por ocasião da segunda vinda de Cristo, no arrebatamento. (1 Ts 4.16,17; 1 Co 15.51-53). E a ressurreição do Juízo Final como se lê em Apocalipse 20.11-15.


01/11/2017

O IHGRN ESTÁ VIVO E ATUANTE


 COMENDA "VALORES FAMILIARES E COMUNITÁRIO"


O Presidente ORMUZ foi palestrante e recebeu a Comenda pelo IHGRN e, coincidentemente a Sra. Priscilla Simonetti, sua filha, pela INTERTV.

 Momento da palestra

 Entrega do Diploma

 Exposição dos troféus

OUTRO INSTANTE FOI PROPORCIONADO NA OPORTUNIDADE DA ABERTURA DAS JANELAS DA BIBLIOTECA, APÓS A REFORMA, OUTRORA SEM ACESSO, E POR MUITOS ANOS, ESCONDENDO A VISÃO QUE AGORA ESTÁ SENDO VISLUMBRADA DIARIAMENTE COMO SE PODE VER DAS FOTOGRAFIAS DE GUSTAVO SOBRAL
 VISTA PARA OS FUNDOS DO PALÁCIO POTENGY (HOJE DA CULTURA)
 VISTA PARA A PRAÇA ANDRÉ DE ALBUQUERQUE, VENDO-SE O OBELISCO ERGUIDO PELO IHGRN HÁ 100 ANOS, EM HOMENAGEM AOS MÁRTIRES POTIGUARES DA REVOLUÇÃO PERNAMBUCANA DE 1917, CUJAS PLACAS FORAM DESTRUÍDAS E SERÃO RECOLOCADAS COM A PARTICIPAÇÃO DA MAÇONARIA
 VISTA PARA A CALÇADA DA VELHA CATEDRAL 
NOSSA SENHORA DA APRESENTAÇÃO
 AINDA A PRAÇA ANDRÉ DE ALBUQUERQUE
 OUTRA VISTA PARCIAL DA PRAÇA E CALCAÇADA 
DA VELHA CATEDRAL
 PARTE LATERAL DA VELHA CATEDRAL, 
VENDO-SE O PORTÃO DE ACESSO DE VEÍCULOS
 VISTA DO LARGO VICENTE DE LEMOS E SEU BELO JARDIM
PARTE LATERAL DA VELHA CATEDRAL 
 COLOCAÇÃO DE PORTA DE ACESSO LATERAL DO 
ANEXO DO IHGRN, SEGUINDO AS PRESCRIÇÕES E 
FISCALIZAÇÃO DO IPHAN
 VISTA LATERAL PARA A PRAÇA PADRE JOÃO MARIA
VISÃO DOS SERVIÇOS NA PARTE INTERNA
PORTA PARCIALMENTE COLOCADA
PORTA DEFINITIVAMENTE COLOCADA, AINDA SEM NOVA PINTURA 

O RENASCIMENTO DE CUNHAÚ

Valério Mesquita*

Câmara Cascudo, em sua Acta Diurna publicada em "A REPÚBLICA", em 13 de outubro de 1945, dizia:
"Não há trecho de terra mais sagrado para nós. Foi o primeiro núcleo industrial da Capitania e a região mais revirada pela guerra e molhada de sangue. Ali viveram os filhos e descendentes do fundador da Cidade do Natal. Ali lutaram Felipe Camarão e Henrique Dias. Ali viveu na tranqüilidade André de Albuquerque.
Lutas, festas, crimes, atrocidades, riquezas, alegrias, orgulhos, poderio, tudo passou como poeira ao vento solto.
Restam as ruínas negras, guardando a lembrança sem pausa do martírio. Sem túmulo, rondam, no silêncio da noite tropical, as almas dos sacrificados.
A Capela era o cemitério aristocrático dos Albuquerque Maranhão. E um altar inteiro, devocionário de religião instintiva, como os heróis que se dedicam ao Deus do Céu e ao Rei da Terra."
Em 1985, a Capela de Cunhaú foi restaurada pela Fundação José Augusto com o apoio das Fundações Pró-Memória e Roberto Marinho. A tarde festiva do seu ressurgimento, foi a maior emoção que vivi ao longo dos cinco anos que passei na F.J.A.
Ali há o convívio equilibrado entre o místico e o humano. Território livre da fantasia, Cunhaú é o grande palco onde melhor se revela a alma de uma época e os seus valores essenciais. Numa singular procissão de lembranças, hoje, os gestos, os passos, as silhuetas dos que povoaram o templo e as cercanias se eternizam. Cunhaú exerce sobre nós um poderoso fascínio, uma paixão obscura e recôndita, nunca aplacada nem satisfeita, a conduzir a imaginação em viagens lendárias e míticas, ao universo feudal dos Albuquerque Maranhão, dos fidalgos, dos colonos, dos escravos, dos religiosos, dos índios e dos invasores, como se tudo ainda estivesse suspenso no ar, como nos versos de Manoel Bandeira. A reflexão dessas paredes da Capela de Nossa Senhora das Candeias nos conduz a essa pátria dos sonhos, terra das ilusões, de almas taladas à ferro e a fogo, como se fôra um desejado e atingível Paraíso Perdido.
Enfim, evoco a Capela de Cunhaú, neste canto de página emergido do escuro nebuloso e mágico, engrandecida na reconstituição de arquitetos, engenheiros, pedreiros e serventes, todos historiadores manuais de sua magnitude esplendorosa.
Hélio Galvão, à maneira proustiana, diz que o tempo perdido pode ser procurado. Talvez até recuperado. O poder da evocação pode fazer o milagre de repassar aos nossos olhos a paisagem que desapareceu, as pessoas que já não vivem ou refluir aos ouvidos a voz emudecida e trazer de novo à memória, aos pedaços, episódios, fatos, gestos, modos que não vimos nem participamos.
A necessidade da restauração da Capela era um desejo acalentado há muito tempo. A decisão política culminou com a determinação do então Presidente da SPHAN-Pró-Memória, Dr. Marcos Vinícius Villaça, através da visita à mesma conosco acompanhado, em princípio de 1985. Adotamos como critério a reincorporação dos elementos antigos constituintes da mesma, como a lápide, a pia de água benta, local do sino e finalmente a imagem de Nossa Senhora das Candeias, sua padroeira, com a finalidade de mantermos acesa, para gerações futuras, a chama que testemunha nosso passado histórico.
Ver a Capela hoje é ouvir, é sentir. Por isso, ouçamos Cascudo, novamente, que dizia em 1949, pedindo a sua restauração:
"O Forte dos Reis Magos e Capela de Cunhaú tem sido constantes tão vivas e permanentes na minha atividade provinciana como os dois movimentos fisiológicos da respiração.
A Capela de Cunhaú é o santuário do Rio Grande do Norte.
Lugar de morte pelo ódio e em louvor da fidelidade à tríade antiga consagradora, a Deus, ao Rei e à Família.“
Era a antevisão de Cascudo há 45 anos atrás. O apelo emocional depois atendido.
A Fundação José Augusto, ao restaurar em 1985 aquele relicário, ressuscitou um desfile sonoro, a paisagem das almas, o firmamento de sonhos, o chão dos túmulos que guardam os espíritos. Enfim, resgatou a memória histórica do Rio Grande do Norte.


(*) Escritor.

31/10/2017

H O J E

ACADEMIA CEARAMIRINENSE DE LETRAS E ARTES "Pedro Simões Neto"

Ocorrerá hoje - dia 31 de outubro de 2017, às 17 horas, no Céu das Artes - o primeiro evento da programação cultural conjunta Acla Pedro Simões Neto e Prefeitura Municipal de Ceará-Mirim, através da Secretaria Municipal da Juventude, Esporte, Cultura e Lazer, Secretaria Municipal de Educação Básica, Fundação Nilo Pereira e Céu das Artes.
- Inauguração da Biblioteca "Pedro Simões Neto"
- Vernissage da Exposição de telas "Engenhos do Ceará-Mirim".


30/10/2017

   
Marcelo Alves



Cardozo, o direito e a literatura

Já faz muito tempo, eu escrevi aqui sobre Benjamin N. Cardozo (1870-1938), que foi juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos da América e um dos maiores juristas que aquele país produziu. Na oportunidade, tratei essencialmente do Cardozo “jusfilósofo” e da sua concepção quanto ao papel do juiz na formulação do direito. Tratei do Cardozo das aulas na Yale University, depois publicadas com o título “The Nature of Judicial Process” (Yale University Press, 1921), obra que virou um clássico. Do Cardozo que afirmava: “fácil é explicar, em teoria, a interpretação da lei ou a evolução histórica do common law; difícil é explicar como os juízes, efetivamente, decidem os casos postos ao seu conhecimento”. 

Para quem não sabe, Benjamin Nathan Cardozo nasceu na cidade de Nova York em 1870. Seu pai foi também juiz, infelizmente implicado em um caso de corrupção durante a infância de Cardozo (o que, sugere-se, influenciou a vida do futuro jurista, que trabalhou com afinco para “restaurar” o nome da família). De origem judia e luso-espanhola, sua família tinha certa tradição e boa condição financeira. Cardozo, assim, na sua juventude, foi educado por tutores particulares, entre eles o escritor Horatio Alger (1832-1899, famoso por seus romances para jovens). Ingressou na Columbia University. Estudou na School of Law dessa famosa instituição e, mesmo sem terminar o curso, ingressou na Ordem dos Advogados de Nova York (New York Bar) em 1891 (o que, supõe-se, era permitido à época). Exerceu a advocacia até 1914, sendo sobretudo um “advogado de advogados, a quem estes procuravam ou indicavam para os casos difíceis”, registra Bernard Schwartz em “A History of the Supreme Court” (Oxford University Press, 1995). Nesse ano (1914), tornou-se juiz da New York Court of Appeals, onde ficou por dezoito anos, sendo cinco como “Chief Judge”. Além do já citado “The Nature of Judicial Process” (1921), Cardozo escreveu, conforme lembra G. Edward White em “The American Judicial Tradition: Profiles of Leading American Judges” (Oxford University Press, 2007), pelo menos duas outras importantes obras, “The Growth of Law” (1924) e “The Paradoxes of Legal Science” (1927), ambos também resultado de aulas dadas, em que refina o seu pensamento. Indicado pelo Presidente Herbert Hoover (1874-1964), Cardozo chegou à Suprema Corte dos Estados Unidos da América em 1932, sem a aprovação unânime do Senado americano, mas com os aplausos – e mesmo o apelo – de toda a comunidade jurídica do país. Sucedeu nada menos que Oliver Wendell Holmes Jr. (1841-1935); foi sucedido por Felix Frankfurter (1882-1965), outro grande juiz. Foi relator de inúmeros e importantes casos durante toda a sua carreira como magistrado. Ficou na Suprema Corte dos EUA até 1938, ano em que também faleceu. 

Como anota o já citado Bernard Schwartz, talvez com exceção de Oliver Wendell Holmes Jr., o “Justice Cardozo foi o mais importante juiz da primeira metade do século XX [americano]”. Um artesão do direito, mestre dos princípios e das técnicas, a maior contribuição de Cardozo para o direito americano foi, segundo o mesmo autor, o “uso de técnicas judiciais tradicionais para adaptar o direito a uma sociedade que necessitava de mudanças. Para Cardozo, a função do juiz era adaptar a experiência do passado de forma que servisse melhor às necessidades do presente. Mais do que qualquer outro juiz, ele mostrou como a técnica do common law poderia ser adaptada para o uso contemporâneo. Raciocinando por analogia, ele mostrou como as doutrinas existentes poderiam ser adaptadas às novas necessidades. Sua maestria na técnica judicial fez com que o direito emergente parecesse ser o produto lógico de doutrinas estabelecidas; em sua mãos, o novo common law foi feito de uma mistura tanto de continuidade como de criatividade”. 

Hoje, entretanto, vou lembrar de uma outra faceta da vida jurídica de Cardozo: a interação que ele buscou fomentar entre o direito e a literatura. 

De fato, Benjamin N. Cardozo também foi, seguindo a trilha aberta por John Henry Wigmore (1863-1943), autor das famosas listas de “Legal Novels” (publicadas sucessivamente em 1900, 1908 e 1922, pelo menos) e sobre quem recentemente escrevi aqui, um dos precursores do movimento “Direito e Literatura” (“Law and Literature”). Foi o seu artigo “Law and Literature”, publicado em 1925 na The Yale Review, direcionado ao estudo do “direito como literatura” (“law as literature”, “le droit comme littérature”), que definitivamente pavimentou, para os que viriam a seguir, o caminho e a aventura de misturar, interdisciplinarmente, nos EUA, esses dois ramos do conhecimento humano. Nesse ensaio de 1925, Cardozo privilegiou o lado criativo e imaginativo dos juízes, além de tratar o ato de julgar sob um enfoque estilístico. Nesse último caso, tratando as sentenças judiciais como exemplos de literatura, ele examinou a qualidade literária do texto jurídico. Curiosamente, tanto Wigmore como Cardozo nadaram contra a corrente pós-industrial da época, notadamente pragmática e comercial, que levava os juízes a despersonalizarem-se e os advogados a especializarem-se, sacando do direito os seus importantes vínculos com os valores, o estilo e a imaginação. 

Assim, segundo explica Richard Weisberg, no artigo “Derecho y Literatura en los Estados Unidos y en Francia. Una primera aproximación”, que se acha no livro “Imaginar la ley: El derecho en la literatura” (título original em francês: “Imaginer la loi: Le droit dans la Littérature”, organizado por Antoine Garapon e Denis Salas, e publicado pela Editorial Jusbaires na Argentina, com o apoio do Poder Judicial de la Ciudad de Buenos Aires/Consejo de la Magistratura, em 2015), tanto Wigmore como Cardozo devem ser vistos como “profetas de uma nova época ciceroneana [em referência ao grande jurista romano Marco Túlio Cícero, 106-43 a.C.], muito mais interessante que a da geração deles. Eles tiveram a intuição de considerar o vínculo entre direito e literatura como uma necessidade para a 'formação' dos juízes”. 

Bendito seja Wigmore; bendito seja Benjamin N. Cardozo. 


Marcelo Alves Dias de Souza 
Procurador Regional da República 
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL 
Mestre em Direito pela PUC/SP