13/08/2017

COISAS DE MACAÍBA!



BATERIA, POR QUE CHORAS?



Valério Mesquita*




José Paulino de Brito, magro, moreno, vulgo “Banga”, apelido que o credenciava tanto como ponta esquerda do Cruzeiro F.C. ou - no comando da bateria do regional musical - tocava as festas do Pax Club ou em qualquer lugar. Era o acrobata do tarol. Nos desfiles da banda de música municipal pela cidade, desde os anos cinquenta, não somente tocava, mas, se exibia com jeitos e trejeitos como se buscasse o aplauso fácil, espontâneo, provocando a impaciência do maestro. Nas temporadas dos circos em Macaíba, ver Banga contorcer-se na bateria acompanhando uma caliente rumba olhando fixo - ali bem perto, os quadris carnudos da rumbeira rebolativa - era um espetáculo à parte. Cheio de “pinga” Banga deixava-se hipnotizar pelo bumbum, caprichando na percussão da bateria tal e qual um falo frenético em cada movimento sensual da arte erótica da rumbeira circense. Doente do pulmão, Banga viveu de reminiscências, na rua Rodolfo Maranhão, antigo bas-fond macaibense. Os seus olhos, refletiam as luzes dos bailes e circos de sua vida.

Banga ao falecer, desapareceu um dos últimos expoentes do lirismo humano e musical de Macaíba, onde pontificaram Pereira (piston), Rey (trombone), Neif Nasser (sax), Chicozinho (cavaquinho), Belchior (banjo), Geraldo Paixão (contra-baixo), Tião (surdo), Perequeté (pratos), Paraca, Jessé, Edivan e tantos outros que integravam a banda de música da prefeitura que Cornélio Leite Filho ironizava apelidando de: “a peidona”. José Paulino de Brito foi servidor municipal (porteiro da câmara de vereadores). Aposentado, fazia biscates como garçom e em casas de jogo.

Era filho do casal seu Paulino (barbeiro) e Hilda, fiel eleitora de seu Mesquita. Fui amigo de infância de seus irmãos: Raimundo (Prego), Dione, Canindé e Toinho Chimba. Com a sua morte, a cidade perdeu um pouco a identidade boêmia, na pessoa de um autêntico notívago e pastorador de auroras das ruas antigas de sessenta anos passados. Como ponta esquerda do Cruzeiro, o azul celeste dos gramados do futebol, armava as jogadas simples e complicadas sob a orientação técnica de Nestor Lima. Ao lado dos atletas Bedé, Tota, Passarinho, Loreto, Chico Cobra, Malheiro, Edílson, Magela, Mauro, Aguinaldo (Barbosinha), Galamprão, Caíco e muitos, que formam na minha mente, uma sinfonia provinciana de humanismo e simplicidade de um tempo de ouro, retalhos de cetim.

Os jovens daquela época ainda sobreviventes como eu, testemunhas ou notários públicos, hoje podem relembrar e testemunhar as figuras citadas desse universo semidesaparecido: Cícero Martins de Macedo Filho, Armando Leite de Holanda, Karl Mesquita, Dickson e Nássaro Nasser, Silvan Pessoa, Eudivar Farias, além de tantos que não dá para citar.

A lembrança de José Paulino de Brito, emite sons e sinais de que o tempo apaga lentamente as impressões digitais da antiga Macaíba. Banga, mesmo na sua humildade de nascimento e vida, a sua morte diminui uma fase áurea. Apaga nas ruas e as paredes dos bares da cidade a memória dos simples. Não são somente os notáveis, os ricos ou os ambiciosos de todo o gênero que fazem a história de uma cidade, estado ou país. Lembrem-se que na historiografia da humanidade, somente os pobres se assemelham aos mártires.



(*) Escritor.

11/08/2017


   
Marcelo Alves
11 de agosto às 14:00
 

Bibliotecas espanholas (I)
Na minha última estada na Espanha, em 2015, para participar do 3º Encontro Internacional da Associação Nacional dos Procuradores da República/ANPR (que teria lugar sobretudo em Madrid), aproveitei para chegar uns dias antes e fazer um “tour” pelas regiões de Castela e Leão e Castela-La Mancha, que ficam ao derredor da capital do país. Se a memória não me prega uma peça, antes de aportamos em Madrid, estivemos em Ávila, Salamanca, Zamorra, Leão, Burgos, Predaza, Segóvia, San Lorenzo del Escorial e Toledo, entre outras belezuras.

Nesse giro todo, tivemos a oportunidade de visitar três excelentes bibliotecas espanholas.

Sobre uma delas eu até já escrevi aqui: a “Biblioteca Nacional de España”, cuja sede principal fica no Paseo de Recoletos, 20-22, na “Madrid dos Bourbon” (estações de metrô Colón e Serrano). É uma “biblioteca de trabalho”, ou seja, não é só um lugar para apreciação do ambiente e de belos livros. Tricentenária, gigante, ela é depósito legal de todos os livros publicados na Espanha, além de possuir, claro, uma riquíssima coleção de livros raros, manuscritos, jornais, desenhos, fotografias, partituras, gravações sonoras etc. O museu da Biblioteca Nacional, antigo “Museo del Libro”, à semelhança dos museus de outras grandes bibliotecas (o exemplo que logo me vem à memória é o da British Library), é fantástico. Como já sugeri aqui, vale a pena passear, vagarosamente, por cada uma de suas salas, sobretudo as denominadas (à época em que lá estivemos) “La Biblioteca a través de la historia”, “La escritura y sus soportes” e “La memoria del saber”. A BNE está aberta de segunda a sábado até as 20 horas e também aos domingos pela manhã. E o melhor: a entrada é gratuita.

O segundo “templo” dedicado aos livros que visitamos nessa estada na Espanha foi a “Biblioteca do Monastério Real de San Lorenzo del Escorial”. A noroeste de Madrid, cerca de uma hora de carro, a cidade de San Lorenzo del Escorial em si, que visitamos num dia frio mas ensolarado, é pequenina (menos de 20 mil habitantes) e sem muito atrativos “mundanos”, por assim dizer. O que ali nos atrai, sem dúvida, é o seu palácio/monastério, “El Escorial”, que, para muitos espanhóis, sobretudo os mais antigos, é a oitava maravilha do mundo.

A história do palácio/monastério – que está indissoluvelmente ligada à majesdade de Filipe II de Espanha (1527-1598, e rei a partir de 1556 até a sua morte) – é longa e complicada para ser aqui resumida. Mas é fato que, edificado entre os anos de 1563 e 1584, “El Escorial” foi concebido mais como museu, retiro espiritual e mausoléu do que como residência para a dinastia Habsburgo. A mistura de monastério e palácio não era uma ideia original, é verdade. Mas, no caso do “Escorial”, o sucesso da austeridade pretendida, pela manifesta falta de ornamentação, fez dele um dos edifícios mais belos, importantes e influentes da história da arquitetura europeia, em especial espanhola, e modelo de um novo estilo de edificação. Como registram os autores de “A biblioteca: uma história mundial” (Edições Sesc, 2016, e cujo título original é “The Library: a World History”), James W. P. Campbell (texto) e Will Pryce (fotografias), “'não existe nada parecido com o Escorial, nem Windsor, na Inglaterra, nem Peterhof, na Rússia, nem Versalhes, na França', escreveu Alexandre Dumas, pai, em 1846. 'Sem similares, criado por um homem que dobrou sua própria época a sua vontade, um devaneio moldado em pedra, concebido durante as horas insones de um rei em cujo reino o sol nunca se põe'”.

Na concepção do prédio do “Monastério Real de San Lorenzo del Escorial”, ao lado da Basílica e do Panteão Real, a sua “Biblioteca” tem um papel fundamental. Idealizada pelo próprio rei Filipe II, a concepção da dita cuja (da biblioteca, refiro-me) reflete o espírito renascentista desse grande soberano. Uma das últimas etapas da construção do Monastério, foi efetivamente projetada e construída, entre os anos 1575 e 1583, por Juan de Herrera (1530-1597), arquiteto que substituiu Juan Bautista de Toledo (1515-1567) como inspetor de monumentos da Espanha. Como acrescentam os autores de “A biblioteca: uma história mundial”, o teto da bilbioteca “tem afrescos de Pellegrino Tibaldi [que são um aspecto mais que fundamental para a maravilha do conjunto] e foi finalizado, provavelmente, por volta de 1585. Consiste em um espaço único com abóbada de berço, com 68m de comprimento e janelas da altura das paredes intercaladas de ambos os lados. Trechos compridos de parede entre as janelas dão espaço para grandes estantes bem encaixadas. Embora enormes e construídas contra as paredes, as estantes são, para todos os efeitos, grandes peças de mobília, cada uma formando uma unidade autônoma. No entanto, diferem radicalmente de armários de biblioteca anteriores: os livros agora estão em exposição, tornando-se parte da decoração”. Realmente, harmonizando com os deslumbrantes afrescos do teto, as estantes, finamente trabalhadas, nem claras nem escuras, são belíssimas.

No mais, como apontam Guillaume de Laubier e Jacques Bosser, em “Bibliothèeques du monde” (Éditions de La Martinière, 2014), para o sobredito rei espanhol, “o conhecimento não residia apenas nos livros, mas também nas cartas, nos mapas, nas pinturas, nos instrumentos científicos e nas mil e uma curiosidades e maravilhas que seus navios lhe trouxeram das mais longínquas expedições”. Segundo os mesmos autores, “se o acervo atual da biblioteca real não passa de 45000 obras impressas, ela é enriquecida com 5000 manuscritos. Sua extraordinária qualidade [mais uma vez] reflete as ambições de Filipe II, apaixonado por seus livros e pela escrita em geral”.

Por derradeiro, informo que a terceira biblioteca que visitamos nesse nosso périplo – pela capital e pelas regiões espanholas de Castela e Leão e Castela-La Mancha, relembro – foi a “Biblioteca da Universidade de Salamanca”. Mas sobre ela, por falta de espaço hoje, papearemos somente na semana que vem.

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

10/08/2017

11 DE AGOSTO - DIA DO ADVOGADO



A criação dos cursos jurídicos em 11 de agosto de 1827 permitiu o surgimento de ideais corporativistas à imagem da Ordre des Avocats da França, berço cultural dos bacharéis do Brasil, ávidos por uma regulamentação profissional, uma vez já existente em atuação, um certo número de advogados, provisionados e de solicitadores, que não possuíam formação acadêmica oficial, mas para exercerem a advocacia faziam exames teóricos e práticos.
A data de 11 de agosto, por conseguinte, foi escolhida para comemorar essa grande iniciativa, considerada como O Dia do Advogado, consagrando as forças do primitivo ideal do Parlamento do Império – alforriar, além da independência política que fora conquistada, também a liberdade intelectual, através dos Cursos de Direito de Olinda, Recife e São Paulo, como verdadeira Carta Magna, que nos ofereceram os sempre lembrados Bacharéis Teixeira de Freitas, José de Alencar, Castro Alves, Tobias Barreto, Ruy Barbosa, o Barão do Rio Branco, Joaquim Nabuco, Fagundes Varella, dentre tantos outros e que inspirou o Mestre Prado Kelly a dissertar:

“... só há justiça, completemos, onde possa haver o ministério independente, corajoso e probo dos advogados. Tribunais de onde eles desertem, serão menos o templo do que o túmulo da Justiça.”

09/08/2017

HOJE


EM DEFESA DA VIDA E CONTRA A VIOLÊNCIA


COMITÊ EM DEFESA DA VIDA
CARLOS ROBERTO DE MIRANDA GOMES, escritor
         Em 1989, quando fui Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil -Seção do Rio Grande do Norte, em sessão memorável, lancei um Manifesto criando o Comitê em Defesa da Vida, num trabalho conjunto com a Comissão de Direitos Humanos e Comissão de Justiça de Paz da Arquidiocese de Natal, tudo com a finalidade de combater todo tipo de violência, logrando algumas vitórias.
Naquela ocasião, tive por inspiração as palavras do grande poeta amazônico Thiago de Mello:

Os Estatutos do Homem (Ato Institucional Permanente)

Artigo I
Fica decretado que agora vale a verdade.
agora vale a vida,
e de mãos dadas,
marcharemos todos pela vida verdadeira.

        Pois bem, agora, com o recrudescimento da violência em nosso Estado, com ausência de uma política eficiente por parte do Governo, assistimos diariamente o noticiário das mortes ou agressões aos cidadãos, em episódios absolutamente inusitados e já atingindo pessoas de idade vetusta, como nos recentes exemplos do tenente-coronel, dentista aposentado da Polícia Militar do Estado e do médico Airton Wanderley, dois exemplos de honradez da terra potiguar.
        Estamos numa situação tal que permite indagar: quando chegará a minha vez? Pois ninguém mais escapa da bandidagem, mercê da fragilidade com que é tratado o aparato policial, com contingente defasado e equipamento sucateado.
        O governo atual se elegeu sob a promessa de ser consagrado como o Governador da Segurança, mas a verdade está no outro lado da palavra. Temos que tomar uma providência imediata.
        Conclamo a sociedade civil organizada, em particular os movimentos religiosos, dos Direitos Humanos e a OAB/RN a convocar uma audiência pública para a tomada de posição sobre tão crucial assunto, que vem mantendo reclusas as famílias e libertas as facções criminosas. Não é esse o Estado que sonhamos e escolhemos para viver.

        Chegou o momento de se cobrar somente a verdade, em valorização da vida. Marchemos de mãos dadas na direção de dias melhores.

08/08/2017


O ALECRIM FC QUE CONVIVI 

Berilo de Castro


O Alecrim FC comemora os seus 102 anos no dia 15 de agosto de 2017. Anos de resistência e heroísmo.
No ano de 1961, atleta na categoria juvenil da equipe do Riachuelo Atlético Clube (RAC), fui convidado pelo treinador do  Alecrim FC, Pedro Teixeira – o Pedrinho Quarenta -, para assinar contrato profissional com o Alecrim FC. Um susto! Um coisa nova! Uma supresa agradável e desafiadora.
Com o conhecimento e o aval do meu pai, assinei o meu primeiro contrato como profissional de futebol com apenas dezoito anos de idade.
Iniciava, naquele momento, a minha  curta e memorável trajetória vestindo a camisa esmeraldina.
Encontrei uma geração de veteranos bons de bola, já em fim de carreira – pendurando as chuteiras. Recordo muito bem de: Beú, Petit, Mangueira, Monteiro, Jair, Chiquinho, Petita, o seu irmão Canindé, muito bom jogador.
Os primeiros anos da década de  1960 foram  praticamente de renovação, de muito empenho, com um objetivo único e sonhador: chegar a disputar o título oficial  do campeonato da cidade, uma vez que o América FC estava afastado da competição.
Contava a sua diretoria com um grupo de  abnegados alecrinenses, à  frente um baiano que passou a gostar e amar Natal como poucos: João Bastos Santana –  Seu Bastos, uma grande e inesquecível figura.
No ano de 1962, muda o comando técnico,  sai Pedrinho Quarenta e entra Geraldo (Geleia), um conhecido e experiente treinador de equipes amadoras do bairro do Alecrim; alfaiate de ofício.
Em 1963, a equipe se alinha e parte para o sonho desejado. Reúne e forma uma jovem e  competente equipe.
Faço parte do elenco em uma posição nova, a de quarto-zagueiro, uma vez que comecei no futebol atuando como meio-campista.
A equipe contava com: Manuelzinho, Miltinho, Orlando, Berilo e Miro, Ilo e Caranga; Zezé, Osiel, Galdino ( Paulo) e Ferreira.
Na época, apesar de o futebol ser praticado de forma mais dura, mais ríspida; sem cartões disciplinares; de atuar em um campo sem condições para a prática do bom futebol, com muito desníveis (buracos) sujeitos a contusões fáceis; mesmo assim, a equipe dificilmente sofria baixas na sua formação; fato que muito contribuiu para sua trajetória vitoriosa.
Assim sendo, a mesma formação que iniciou o certame foi  a mesma que concluiu, levantando oficialmente o primeiro título oficial de futebol da cidade. Uma apoteose! E ainda mais: em cima do ABC FC, o papão de títulos do Estado.
No ano seguinte (1964), muda a direção técnica, volta Pedrinho Quarenta. A equipe sofre  poucas mudanças. No meio-de campo, entram João Paulo (João Porquinho) e Hélio Carioca, saindo Caranga e Ilo.
      Foi um campeonato tranquilo. Fizemos excelente campanha e novamente chegamos sem maiores dificuldades ao bicampeonato, novamente diante do nosso maior rival, o ABC FC, com uma vitória por 3X1, com o velho Estádio Juvenal Lamartine, lotado e vibrante.
Em 1965, continuamos como o melhor time da cidade. Aí, chega a soberba. Entra o relaxamento. Disputamos o campeonato em três turnos, ganhamos dois; precisávamos somente de uma simples vitória sobre o nosso maior adversário – o ABC FC – para  levantar o almejado e importante terceiro título consecutivo.
As coisas começaram a dar para trás. Jogos e mais jogos e derrotas e mais derrotas. Nada dava certo. Uma  época de final do ano, período de festas, com longas e cansativas concentrações, sem nenhuma  motivação e estímulo por parte dos dirigentes.
Fizemos uma série interminável de partidas, com derrotas injustificáveis e deprimentes.
Enfim, perdemos o título, aquele que a princípio nos parecia o mais fácil de todos; aquele que nos deixaria em uma condição privilegiada, com a conquista do primeiro tricampeonato da cidade, fato inédito e histórico.
Ano de 1966, encerro a minha curta, aproveitável  e honrosa convivência com o clube Alecrim FC. Time que  me consagrou como atleta e que levarei para sempre na lembrança e no coração, com muita saudade, muito orgulho e muito carinho.
Parabéns,  Alecrim FC, pelos seus 102 anos de existência e heroísmo.
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Berilo de Castro – Médico, escritor, membro do IHGRN  – berilodecastro@hotmail.com.br