VILMA MARIA DE FARIA
Valério Mesquita*
Nela votei na eleição
para o senado e votaria de novo. Foi o meu primeiro voto. Sempre fomos amigos.
Ela nunca confundiu amizade com ocasionais divergências políticas. Foi
civilizada, republicana e democrática. Quebrou tabus, rasgou preconceitos e
exprimiu com limpidez o sentimento de coragem da mulher potiguar, de raízes
populares, sem arrogância.
Vim conhecê-la, quando
era estudante do Colégio Marista, através
de sua avó paterna Paulina Mariz de Faria, lá na rua Apodi. Era a Natal dos
idos cinquenta. D. Paulina foi amiga de minha avó materna Sofia Curcio de
Andrade. E, por extensão, de Morton (seu pai), Gastão (tio) e demais parentes.
Vilma foi herdeira política da saga dos Mariz e Faria. Procurou, lutou e achou
sua predestinação política com identidade própria, única e indivisível. Nada obteve
com facilidade, sendo mulher. Exerceu três mandatos de prefeita de Natal, duas
vezes governadora do Rio Grande do Norte e de permeio se elegeu deputada
federal constituinte.
As razões persuasórias
de suas mensagens ao povo amanheciam nas praças, com conteúdo e credibilidade,
pois eram vestidas da feminina claridade da surpresa da mulher potiguar, pela
primeira vez em Natal e no Rio Grande do Norte, no comando da gestão pública.
Não era reflexo de nenhum outro ser político. Ela tinha cores que vinham de
dentro de si mesma. Vilma me pareceu que ainda jovem, sonhou o destino que ia
ver. Conseguiu atravessar o horto de seus padecimentos no enfrentamento dos
caciques da época com determinação e sempre submissa a vontade popular.
Exemplos do que afirmo me conduzem a memórias dos reveses eleitorais que
sofreu, sem se sentir exausta de ser ou mesma vencida. Sempre exibia o riso
permanente no rosto, até a última vez que a vi não esqueceu o “V” dos dois
dedos da mão quando elegeu vereadora em Natal. Não conheço na vida pública
ninguém com esse perfil, tão instigante, perseverante, sem esmorecer nem
tergiversar.
Relembrá-la, como
mulher espartana, no mundo áspero e desumano da política, acosto-me, sem
restrição, ao sábio preceito de que “não são os cargos que dignificam as
pessoas, mas as pessoas que dignificam os cargos”. Num evento da Câmara
Municipal de Natal, já doente, cumprimentou-me com a cordialidade de sempre
como se representasse, no dizer de Câmara Cascudo, “uma saudade em vida
agarrada ao sonho de continuar a viver”. Não há cena mais dramática na passagem
do ser humano pela vida do que a do senso trágico da sua própria brevidade.
Tive a convicção, naquela hora, que carregava consigo a certeza que havia
construído a sua história, revivendo e reinventando as recordações e as ilusões
que viajaram com ela.
Em favor do Rio Grande
do Norte, realizou o que foi possível. É cedo emitir um julgamento completo do
que conseguiu construir. Nem sempre a capacidade de gerir define o sucesso
administrativo de qualquer governo. As suas reeleições tanto para o prefeito de
Natal como para o governo do estado, revelam a sua afinidade eletiva com o
trato da coisa pública, pela vontade do povo. Permanentemente conduziu consigo
entre erros e virtudes, como qualquer ser humano, a sua boa fé, calcada na
herança política recebida desde as lutas inaugurais de sua vida, com “duas mãos
e o sentimento do mundo”, como dizia o poeta. Teve em mente, como uma liturgia,
que o tempo é a dimensão da mudança. Vilma aprendeu a ouvir os gemidos do povo
num longo e tenaz exercício, sem rascunho, conforme era exigida pela voz das
urnas. Foi a luta com garra, abraçou a vida com paixão e na política venceu com
ousadia e até atrevimento. Daí o cognome de “guerreira”.
Onde estiver, que ela
não fique triste se ninguém quiser notar o que fez de bom.
(*) Escritor