29/03/2017


 
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Marcelo Alves

 


Minhas livrarias em Nova York (III)


Completando nossa série de artigos sobre os comércios de livros da ilha de Manhattan, hoje trataremos de alguns estabelecimentos localizados nas regiões apelidadas de “midtown” e “uptown” Nova York. 

Vou começar suavemente, por “midtown”, com duas dicas de livrarias “especiais” que ficam muito próximas do hotel onde nos hospedamos, o “The Tuscany – A St Giles Signature Hotel” (120 East 39th Street), bem pertinho do Grand Central Terminal, hotel que, por sinal, recomendo deveras. A primeira delas é a pequenina livraria da “New York Public Library”, que fica no número 476 da 5ª Avenue (metrô 5ª Avenue ou 42ª Street/Bryant Park). A segunda é também a pequenina livraria da “Morgan Library & Museum”, que se acha no número 225 da Madison Avenue (metrô 5ª Avenue ou 33ª Street). Para além da visita às duas famosas bibliotecas, sobre as quais escreverei qualquer dia desses, a ida a essas pequenas livrarias vale muito a pena para quem se interessa por coisas e livros sobre livros. 

Muito próximo dessas duas “dicas” fica a livraria que muito provavelmente é a maior de Manhattan (tirando, claro, a “Strand Bookstore”, que, além de ser livraria e sebo ao mesmo tempo, é “hors concours”): a badalada “Barnes & Noble” do número 555 da 5ª Avenida (metrô Grand Central 42ª Street ou 47-50ª Streets Rockefeller Center). A “Barnes & Noble”, como muitos devem saber, é a maior rede varejista de livrarias nos Estados Unidos da América, com mais de seiscentas lojas espalhadas por cinquenta estados da Federação. Vende, além de livros dos mais variados temas e estilos, revistas, jornais, DVDs, “e-books”, jogos eletrônicos, utensílios de leitura (entre eles, o NOOK, seu “e-reader”), brinquedos e mil e uma outras coisas do gênero. De praxe, em cada loja da “Barnes & Noble” há uma cafeteria com produtos “Starbucks”, o que, digo logo, é “mais que bom”. A loja da 5ª Avenida, com seus vários andares, aberta de domingo a domingo, até as 21 horas, tem tudo isso de sobra. Várias poltronas e cadeiras estão espalhadas pela loja, e você pode, confortavelmente, sem que ninguém o incomode, ler a vontade, não importa o que. Se você vai comprar algo, embora acabe sempre comprando, isso é outra história. 

Bem pertinho dessa gigante “Barnes & Noble”, vou sugerir para vocês o que considerei um tesouro achado inesperadamente: a livraria do “The Center for Fiction”, que fica no número 17 East da 47ª Street, precisamente entre a 5ª e a Madison Avenues (metrô Grand Central 42ª Street ou 47-50ª Streets Rockefeller Center). “The Center for Fiction” é uma instituição, talvez a única nos Estados Unidos, dedicada exclusivamente à arte da ficção. O mais interessante é que ela é uma sucessora da outrora importantíssima “Mercantile Library”, fundada em 1821, e que, por volta de 1870, antes da criação da “New York Public Library”, era a quarta maior biblioteca dos EUA, atrás somente da “Library of Congress”, da “Boston Public Library” e da “Harvard University Library”. Nessa pequena e simpática “bookshop”, que é também um sebo, comprei livros usados baratíssimos, capas dura e mole, por coisa de três e dois dólares, respectivamente. De graça mesmo. 

No mais, ainda naquele “miolão turístico e de business, cheio de tudo, lojas, escritórios, teatros, cinemas e restaurantes”, como define Nelson Mota (em “Nova York é aqui: Manhattan de cabo a rabo”, editora Objetiva, 1997) o burburinho de “midtown”, há uma loja da “Midtown Comics”, livraria especializada em quadrinhos que, embora não seja esse tema minha praia, acho que vale a pena visitar. Fica no número 200 West da 40ª Street, na “confusão” do Times Square, sendo facílimo de chegar por qualquer das várias estações de metrô da 42ª Street. 

Por derradeiro, já em “uptown”, para além do Central Park, numa pitoresca região da cidade, chamada “Morningside Heigths”, onde fica a prestigiada e belíssima Columbia University, tenho duas livrarias para recomendar. Uma delas é a própria “Columbia University Bookstore”, também uma “Barnes & Noble” (aqui cultura e capitalismo andam juntos), que fica no número 2922 da Broadway Avenue (metrô 116 Street – Columbia University). Embora seja uma livraria voltada para fins acadêmicos, ela, ao contrário da livraria da New York University (sobre a qual falamos no artigo da semana passada), tem um bom acervo de livros técnicos em geral, incluindo de direito. Recordo-me de haver ali comprado dois livros sobre legislação e interpretação, “Legislation and Statutory Interpretation” (de William N. Eskridge Jr., Philip P. Frickey e Elizabeth Garret, Fundation Press, 2006) e “Legislation: Statutory Interpretation 20 Questions” (de Kent Greenawalt, Fundation Press, 1999), sendo que, para meu desgosto, o último deles, quando cheguei em casa descobri, eu já possuía. 

A outra livraria fica bem pertinho, na mesma Broadway Avenue, no número 2915 (metrô 116 St – Columbia University), e chama-se “Book Culture”. Pequenina, charmosa e “pet friendly” (tenho até uma foto com um enorme cão branco que “decorava” o local). Soube depois, pelo Facebook, que é uma livraria de famosos, incluindo astros do cinema. Não encontramos ninguém badalado, confesso, e olhem que ficamos um bom tempo vagando, abasbacados, pelas redondezas. 

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

23/03/2017

C O N V I T E - DIA 27


Marcelo Alves
22 de março às 12:22
 
Amigos,

É com muito orgulho que anuncio o lançamento do documentário "Pedro Jorge: uma vida pela justiça", produzido pela Procuradoria Regional da República da 5ª Região (PRR5), em parceria com a Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). O trabalho é um média-metragem sobre o assassinato do procurador da República Pedro Jorge de Melo e Silva, responsável pela denúncia dos envolvidos no chamado "Escândalo da Mandioca", grande esquema de corrupção que aconteceu no interior do estado de Pernambuco, no início da década de 1980.

O "teaser" (que é um "trailer" reduzido) do documentário está disponível no link abaixo:
https://youtu.be/xX7sLyKF8cA

O filme terá uma sessão especial de lançamento na noite da próxima segunda-feira, 27 de março, no Cinema São Luiz, uma das salas de exibição mais tradicionais do Recife. O evento contará com a presença da família de Pedro Jorge, de diversas autoridades e do público em geral, que terá acesso a 300 ingressos gratuitos distribuídos uma hora antes da exibição.

O documentário foi produzido sem orçamento próprio, apenas com os recursos humanos e materiais disponíveis na PRR5 e na Unicap. O principal objetivo desse trabalho é contribuir para a preservação da memória institucional, resgatando um importante episódio na história do Ministério Público Federal.
Amigos,

É com muito orgulho que anuncio o lançamento do documentário "Pedro Jorge: uma vida pela j...

O IHGRN SE MODERNIZA


ESTIMADOS ASSOCIADOS E PESQUISADORES, ESTUDANTES E COMUNIDADE POTIGUAR, o INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO RIO GRANDE DO NORTE, NO ENSEJO DOS SEUS 115 ANOS ESTÁ EM TRABALHOS DE MODERNIZAÇÃO.


 AS FOTOS MOSTRAM A MONTAGEM DAS ESTANTES DESLIZANTES PARA UM NECESSÁRIO E ADEQUADO ACONDICIONAMENTO DO SEU ACERVO DOCUMENTAL, FOTOGRÁFICO E DE OBRAS IMPRESSAS, AS QUAIS ANTERIORMENTE ESTAVAM EM ESTANTES ABERTAS, SEM ILUMINAÇÃO E AREJAMENTO, OCASIONANDO O ESTRAGO EM PARTE DO ACERVO.


 AGORA TODO ESSE MATERIAL DE GRANDE IMPORTÂNCIA HISTÓRICA SERÁ DEVIDAMENTE CONSERVADO EM LUGAR ADEQUADO À DISPOSIÇÃO DOS USUÁRIOS.


 O PRÓXIMO PASSO SERÁ A CATALOGAÇÃO DO ACERVO E DIGITALIZAÇÃO DE DOCUMENTOS PARA FUTURAMENTE DISPONIBILIZÁ-LO POR MEIO VIRTUAL.


O PRESIDENTE ORMUZ SIMONETTI LUTA PARA ENTREGAR O EQUIPAMENTO ATÉ O PRÓXIMO DIA 29, DATA DA COMEMORAÇÃO DOS 115 ANOS.


CONVITE PARA A SOLENIDADE DOS 115 ANOS


21/03/2017



   
Marcelo Alves
 

Minhas livrarias em Nova York (II)
 

Na semana passada conversamos aqui sobre algumas livrarias e sebos da região mais ao sul da ilha de Manhattan, também chamada de “downtown” Nova York. 

Hoje, partindo do coração do Greenwich Village, iremos um pouquinho mais para o norte, mas ainda em “downtown”, para tratarmos de livrarias que se acham ao derredor da animada Union Square. Por aquelas bandas, que é uma região agradabilíssima, bastante central e movimentada, cheia de restaurantes e de lojas, por onde passam várias linhas de metrô, tenho pelo menos quatro dicas de comércios de livros.
 

A primeira delas é a pequenina “Alabaster Bookshop”. Fica ao sul da Praça da União, no número 122 da 4ª Avenue, entre as 12ª e 13ª Streets (metrô Union Square), precisamente onde outrora existiu o histórico “book row” de Nova York, que chegou a ter quarenta e oito comércios de livros em pleno funcionamento. Vende livros usados e raros. É, portanto, basicamente, um sebo. Mas é muito bom. Foi lá que encontrei um livro que procurava em inglês fazia tempo (claro que poderia tê-lo comprado pela Internet, via Amazon, mas não teria a mesma graça): “Animal Liberation”, do filósofo australiano Peter Singer (1946-), uma obra que, publicada em 1975, foi seminal no que toca ao tratamento que devemos dar aos nossos amigos não-humanos. Minha edição é de 1977, da Avon Books, em papel-jornal, mas está novinha.
 

Bem pertinho dali, no mesmo quarteirão, no número 828 da Broadway Avenue, esquina com 12ª Street (metrô Union Square), fica o que eu considero o melhor e maior comércio de livros novos e usados de Nova York: a “Strand Bookstore”. Gigante. Quatro andares de livros ou, como a própria livraria define em suas sacolas de compras, “18 miles of books”. Foi fundada em 1927 por Benjamin Bass, no já desaparecido “book row” da 4ª Avenue, do qual é a última sobrevivente, para vender livros usados. Mudou para o atual endereço em 1957. Em 1988 passou a vender também livros novos. Em 2000 começou a vender livros pela Internet. Possui ainda alguns pequenos quiosques espalhados pela cidade. Pelo que sei, ela continua sendo uma empresa familiar, gerida por Fred e Nancy Bass, respectivamente filho e neta do fundador. Como certa vez disse Katia Zero, no seu “Guia de New York” (edição de 1998 da Makron Books), que me foi muito útil nas primeiras vezes em que estive na “Big Apple”: “Escolha o livro onde for e venha comprá-lo aqui. O maior depósito de livros de segunda mão dos Estados Unidos. Dezoito milhas de prateleiras abrigam mais de dois milhões de volumes usados, review copies, os tais volumes dados aos jornalistas que escrevem críticas etc. Dos enormes volumes de arte e decoração até brochuras encontra-se aqui com 30 a 50% de desconto. Até mapas e guias do ano têm descontos. Preciosos volumes da biblioteca de Delfim Neto foram, em parte, comprados aqui”. Desta última vez em Nova York, estivemos várias vezes na “Strand”. Nem dá para precisar aqui o que comprei. Mas só na minha frente agora tenho títulos como “A History of American Law” (de Lawrence M. Friedman, Simon & Schuster Inc., 1985), “Great Decisions of the U.S. Supreme Court” (editado por Maureen Harrison e Steve Gilbert, Barnes & Noble Books, 2003), “American on Trial: Inside the Legal Battles that Transformed our Nation” (de Alan M. Dershowitz, Warner Books, 2004), “The American Judicial Tradition: Profiles of Leading American Judges” (de G. Edward White, Oxford University Press, 2007) e “The Handy Supreme Court Answer Book” (de David L. Hudson Jr., Visible Ink Press, 2008). Todos grandões e novinhos, o mais barato custando seis dólares, o mais caro treze. Voltaria lá, na “Strand”, tanto quanto possível.
 

Do lado oposto da praça (refiro-me à Union Square), ao norte, vizinho a um grande pet shop (“Petco Animal Supplies”), fica mais uma loja da “Barnes & Noble”. O endereço preciso é 33 East 17ª Street (metrô Union Square). Como de estilo com as “B&N”, ela é enorme. E se você procura por livros novos, num ambiente superorganizado – tudo o que a “Strand” não é –, e por um bom café, esse é o lugar.
 

Por fim, mais para cima, já nas abas da “midtown”, a dois passos do Madison Square Park e do curioso Flatiron Building (o “ferro de engomar”), no número 1133 da Broadway Avenue (metrô 28ª Street Broadway ou 23ª Street), temos a famosa “Rizzoli Bookstore”, que – especializada em arte, arquitetura, design, fotografia, culinária, línguas e literatura – por mais de cinquenta anos tem estado na vanguarda das livrarias independentes de Nova York. É verdade que esta é uma nova loja, que substitui a saudosa loja da 57ª Street. Mas esta nova “Rizzoli”, ainda chique e sofisticada, tem o seu charme.
 

E Isso sem falar que a “Rizzoli” fica muito pertinho do Eataly NYC Flatiron, onde podemos dar uma parada para uma boa massa e, sobretudo, alguns bons vinhos.
 

Marcelo Alves Dias de Souza 
Procurador Regional da República 
Doutor em Direito pelo King’s College London – KCL 
Mestre em Direito pela PUC/SP

15/03/2017

ARQUIVOS

Valério Mesquita*

01) Rebuscando papéis, certo dia, fui achar uma carta que remeti ao jornalista e poeta maior Sanderson Negreiros, datada de 21 de novembro de 1971. Eterno capataz dos mistérios circundantes, o poeta utilizava os seus “Quadrantes” para captar o humanismo asmático. Para tanto, tinha profunda e oxigenada “respiração filosófica”. Sou seu leitor e eleitor de suas emoções. Vez por outra, me empolgava com a cosmologia dos seus sentimentos e lhe escrevia. Ai vai uma cartinha de 46 anos que o poeta de “Lances Exatos” recebeu sobre um assunto ainda bem atual:
“Lendo a sua última crônica sobre os fariseus da maledicência, deduzi, com pesar, que a grandeza de alma, nesses dias decadentes, não é contagiosa. Aqui, parafraseando Shakespeare, é o exílio e longe a liberdade.
A hidrofobia deixou de ser um caso veterinário para se tornar um problema psiquiátrico de muita gente. E ninguém mais do que você se acha saciado da expressão claramente perceptível dos homens e das coisas. Por isso, entre agir e ser imbecil nessa terra, é preferível, permanecer na regra três. O bom é ser místico. Místico na arte, na vida e na natureza. Buscar nas profundezas da vida ou nas solenidades da dor, a verdade blindada: crêr no invisível para não se suicidar no palpável. O visível encerra vícios redibitórios. Viver encarcerado na vontade hesitante de ao invés de ser herói da própria vida, ser o espectador do próprio drama.
Resta assumir aquele compromisso com o imponderável de que você sempre falou. Para que a maledicências ou o ódio dos homens não puxem o tapete de alguém, o remédio é não tomar as feições das circunstâncias. Nesses tempos agitados a intenção deve equilibrar-se a coragem. O importante é repetir e repetir sempre que “o amor pode ler o que se acha escrito nas mais remotas estrelas”, no dizer de Wilde.
E por último a dolorosa constatação: Edmar Letreiro aplaudido pelo povo e Baracho cultuado como santo. Daí se conclui que nos desencontros do mundo toda celebridade quando não é célere é celerada”.”
02) Preocupado em preencher os meus ócios com a matéria meritória de  pesquisar o inusitado, o folclórico e até mesmo o bizarro, deparei-me  com  uma  preciosidade  rara  em  matéria  associativa. Pela Lei n° 6.469, de 15 de setembro de 1993, foi reconhecida de Utilidade Pública pela Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte a Associação dos Doentes da Coluna e Reumatismo de Nova Cruz, referendada pelo ex-governador Vivaldo Costa, com toda certeza, um “colunático” benemérito.
Desejo dizer que nada tenho contra a respeitável e samaritana entidade. Até porque dela podem fazer parte amigos eméritos e queridos como os novacruzenses famosos Diógenes da Cunha Lima, Luiz Eduardo Carneiro Costa, Leonardo e Cassiano Arruda Câmara e tantos outros. Mas, o que me chamou a atenção foi imaginar que numa cidade do interior existam tantos doentes da coluna e do reumatismo que ensejem a reunião de todos em uma colunável corporação.
Daí, eu passei a divagar, caso a moda pegue, no surgimento de inúmeras associações congêneres em defesa do corpo humano, por outros municípios afora. A “Associação dos Portadores de Chulé e Pé de Atleta”, por exemplo, a “Associação dos Carecas e Portadores de Caspa e Seborreia”, a “Associação dos Deficientes Penianos”, a “Associação dos Loucos de Todo o Gênero”, enfim, somos um país democrático, reivindicatório e corporativo.
Se os profissionais da medicina se corporatizaram em Clínicas, Institutos, Hospitais, porque não os doentes, os pacientes, em revide, não possam se unificar? Afinal, a nossa constituição é a mais corporativista de todas!
O ex-presidente FHC padecia de terríveis dores de coluna. Iguais àquelas sofridas por João Batista Figueiredo curado em São Paulo por um fisioterapeuta japonês. O então deputado federal Carlos Alberto de Souza à época, também recebeu massagens e mensagens ao lado do ex-presidente, do competente nissei/paulista.
Daí, não censuro os reumáticos, os doentes da coluna, de lumbago da altiva Nova Cruz e nem de Macaíba. Eles também são filhos de Deus. E devem servir de exemplo nesses tempos ruins de SUS e de saúde nacional sucateada.
Doentes de todos os quadrantes, uni-vos!

(*) Escritor

14/03/2017


Para repousar, rede de deitar

14/03/2017




Mobiliário & objetos
texto Gustavo Sobral e ilustração Arthur Seabra

A patente declarada é ser herança indígena. Peça do mobiliário brasileiro, foi ficando mansa ao repouso dos ventos nas varandas e terraços, nos alpendres, formando curva armada entre as pilastras, segura nos armadores, para contemplação e sossego, seja sentado, deitado, atravessado. Dizem que à noite, nela os casais se fazem um só e são capazes de gerar terceiros, é o milagre da multiplicação que também está na rede. Portátil desde sempre, os índios não foram bobos que nada, fizeram uma cama para levar a qualquer lugar, basta enrolar e fazer uma trouxa.

É possível de pendurar em qualquer canto. Já se viu muito caminhoneiro pela estrada, quando há parada para descanso, armá-la na sombra da carroceria. Antigas do tempo das ocas preenchiam o vão do espaço e nela se deitava todo mundo, balançavam os mais velhos e os meninos. E assim foi ficando. Um conhecido tinha por hábito, que não herdou dos barões e do rei Dom João VI, de andar de rede conduzido por dois carregadores. Privilegio do uso de quem lhe fazia as vontades. Dizia à mulher, quero andar de rede, e lá se ia realizado o capricho.

A arquiteta ibrasileira (de origem italiana) Lina Bo Bardi quando conheceu a rede tomou-se encanto: era além de cama, cadeira, certa que o que povo confia e leva adiante no tempo é a verdadeira sabedoria do conforto no uso.  Feita de tecido, corda, os materiais são diversos, para explicar a sua composição basta se dizer assim: é como um grande lençol que se estica para deitar.  Nas pontas, os chamados punhos, que é onde está a estrutura para pendurar ou amarrar, seja numa pilastra, que lhe dará sustento, porque é feita para ser pendurada, seja onde for.


É um móvel extremamente utilitário, mas como o homem é bicho que não vive sem enfeite, para ela foram feitas as varandas, que são bordados que se prendem às suas margens laterais, tramas desenhadas e compostas pelas rendeiras. O sertanejo pobre também dela se aproveitou para sepultura. O defunto se enterra com sua rede. Nela adormecido no sono eterno, por ela é levado para a cova (rasa) quando se transpassa uma vara entre os punhos para armá-la conduzida por dois serventes do destino último na solidariedade derradeira da vida.

C O N V I T E