28/09/2016

Serejo



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A REVOLTA DOS GUARAPES

Vicente Serejo*

Outro dia perguntei ao meu amigo Valério Mesquita, legítimo senhor do velho principado de Macaíba, como se faria para o governo estadual iniciar as obras de restauração do casarão dos Guarapes. Valério contraiu o cenho como um velho personagem de romance, e me respondeu: "Não sei. Só soube que Fabrício Pedroza, inconformado com esse abandono sem fim, arregimenta os fantasmas guerreiros e vai descer do alto dos Guarapes numa revolta armada e sem fronteiras".
Ora, essa mania de gostar de literatura tem esse defeito medonho: não fazemos diferença entre o real e o irreal. A narrativa para nós, leitores como eu, ou escritores como ele, é um toque mágico que faz viver com a força da palavra o que parece ser apensas um quadro na parede, para usar o verso belíssimo do poeta Drummond de Andrade. Pois assim aconteceu. Foi Valério descrevendo a cena épica e o medo cavalgando sobre a alma melancólica deste pobre homem da Rua da Frente.
Já imagino o mui austero Fabrício Pedroza, senhor de terras e de gados, de sonhos e de riquezas, na sua ira santa. Duas vezes querem vê-lo vencido pelos reveses da vida. Na saúde que perdeu tão moço e, agora, no seu casarão colonial que deixam cair em ruínas, numa agonia de mais de um século. Resta um frontão já consumindo suas últimas forças, mantendo a aristocracia de seu olhar sobre o rio e os tabuleiros, ali onde seus olhos ficaram pregados na paisagem íntima.
Numa ira santa e tão desafiado na sua coragem dura e antiga como as pedras do seu chão, ninguém duvide mesmo se numa madrugada dessas Fabrício Pedroza, feito um Dom Quixote no seu delírio sonhador, descer do alto do Paço dos Guarapes arrastando seus alabardeiros com as suas alabardas em riste como a guarda suíça do Vaticano. Quando desse rio e desse mar não foram tesouros seus no comércio das riquezas e das palavras perdidas? Enfrentá-lo, quem há de?
Velho de mais de um século e meio, o casarão de Fabrício É um símbolo pela voragem dos anos, nem o tempo pode apagar sua história. A agitação dos seus dias na exposição de sal, peles, algodão, açúcar e especiarias, conta a história viva de um tempo de fulgor, aqui e dalém mar. Quem sepultará o sonho de Fabrício Pedroza, morto em 1871, se suas mãos e seus feitos não repousam em paz no velho Cemitério de São João Batista?
A ninguém o rigor histórico perdoará pela rendição. Não é só um casarão decaído, suspirando entre ruínas. Mas seus anos de fama, riqueza e poder. Por isso, talvez pela mania de acreditar no milagre da transcendência, tive medo quando Valério Mesquita disse que corre na feira de Macaíba a notícia de que o pequeno e heróico exército de Fabrício Pedroza, sem glória e sem sossego, nesses dias desce do alto dos Guarapes. Numa revolta feita de mágoa e solidão.

(*) Escritor e Jornalista


   
   
 

 
   
Marcelo Alves
 

Por detrás da decisão 

Marbury v. Madison 5 US 137, 1 Cranch 137, 2 L.Ed. 60 (1803) é certamente um dos casos mais famosos da história do direito. Nele está, segundo convencionado, a origem do “judicial review of the constitutionality of the legislation” (que chamamos de controle jurisdicional de constitucionalidade das leis – modelo americano), que assim não proveio de texto expresso da Constituição dos Estados Unidos da América, mas foi, sim, uma criação predominantemente jurisprudencial da Suprema Corte desse imenso país. Nessa famosa decisão da Suprema Corte dos EUA, o seu presidente de então, John Marshall (1755-1835), representando a unanimidade de seus membros (chamados de “Justices”), afirmou que a Constituição foi a expressão de um soberano desejo constituinte e, por conseguinte, regulava o exercício de todo poder governamental. Isso incluía tanto os atos do Executivo Federal e do Congresso Nacional como também os atos dos governos estaduais. Do contrário, os atos do Legislativo e do Executivo seriam supremos e incontroláveis, não obstante as prescrições contidas na Constituição, resultando em usurpações extremamente perigosas, sem qualquer remédio à disposição do cidadão. De acordo ainda com Marbury v. Madison, se a Constituição é suprema em relação à legislação infraconstitucional, qualquer lei que a contradiga será declarada nula e ineficaz. E é o Judiciário quem detém o poder de “invalidar” (declarar inválidos, melhor dizendo) os atos do governo contrários à Constituição, tendo a última palavra sobre a questão. Segundo a opinião de muitos, a doutrina inaugurada por Marshall em Marbury v. Madison foi a maior contribuição até hoje dada pelos EUA à ciência política do passado e dos nossos dias. 

Mas isso, em regra, todo profissional e estudante do direito, desde que minimamente dedicado à coisa, sabe. 

O que poucos sabem são os fatos por detrás desse famoso caso e, sobretudo, os pormenores da enrascada em que John Marshall se achava. E é isso que eu vou tentar contar para vocês aqui. 

Antes de mais nada, vamos aos fatos e aos personagens (mais do que ilustres) do caso. O ano era 1800. John Adams (1735-1826), o segundo presidente dos EUA, havia acabado de perder a eleição presidencial para Thomas Jefferson (1743-1826), o terceiro Presidente americano. Adams, que era do antigo Partido Federalista (dominante, com Alexander Hamilton e a simpatia de George Washington, no comecinho da história política americana), antes do fim do seu mandato, tratou de indicar/nomear vários juízes “federalistas” para postos vagos na Justiça americana. Muitos entraram normalmente em exercício, entre eles John Marshall, também ilustre federalista, nomeado para o mais alto cargo na hierarquia judiciária do país. Outros não, como foi o caso William Marbury (1762-1835), indicado para o cargo de juiz de paz (1762-1835). Em muitos casos, como lembra Michael H. Roffer (em “The Law Book: from Hammurabi to the International Criminal Court, 250 Milestones in the History of Law”, Sterling Publishng Co., 2015), “o Senado somente aprovou as indicações de Adams no último dia do seu mandato, apenas permitindo ao Presidente assinar e encaminhar as nomeações na tarde daquele dia, o que acabou atribuindo aos juízes assim nomeados o apelido de 'juízes da meia-noite'”. As nomeações/posses de Marbury e de três outros juízes não foram finalizadas ao tempo de Adams, e Thomas Jefferson (1743-1826), fundador do antigo Partido Republicano americano (não confundir com o partido atual de mesmo nome), o terceiro Presidente dos EUA, já no exercício do cargo, se recusou a levá-las a cabo. 

William Marbury (1762-1835), que não ia deixar a coisa por isso mesmo, manejou/pleiteou um “mandado de segurança” – para ser mais preciso, um “writ of mandamus”, como dizem por lá, que, se concedido, à semelhança do nosso remédio heroico, pode implicar uma ordem à autoridade pública para praticar ou deixar de praticar determinado ato – à Suprema Corte dos Estados Unidos da América, para que esta determinasse a James Madison (1751-1836), então Secretário de Estado e posteriormente o quarto Presidente dos EUA, levar a cabo a sua nomeação e posse no cargo de juiz de paz. 

E é aí que, dizem, entrou John Marshall numa enrascada. Sua histórica ligação com o Partido Federalista poderia levar à suspeição (não falo tecnicamente, mas, sim, politicamente) da sua decisão, se concessiva da segurança. E o pior: podia a decisão não ser cumprida pelo Executivo, o que levaria a sua desmoralização e, sobretudo, a uma desastrosa desmoralização da própria Suprema Corte dos EUA, que, à época, ainda engatinhava em sua hoje ilustrada história. 

Mas John Marshall teve uma brilhante ideia – embora alguns, de língua mais ferina, digam que ele agiu covardemente, sendo certo que pelo menos William Marbury não gostou da solução dada ao caso. Como anota o já citado Michael H. Roffer: “Anunciando a decisão unânime da Corte, Marshall anotou primeiro que Marbury tinha legalmente direito ao seu cargo. O Senado tinha confirmado a indicação; o Presidente tinha então assinado a nomeação, confirmando a indicação. Este último ato necessariamente fez de Marbury um juiz; decidir diferentemente implicaria um poder presidencial de exonerar juízes constitucionalmente independentes. Marshall (e a Corte Suprema como um todo) chegou à necessária conclusão de Marbury tinha direito a um 'remédio'. A única questão era se esse 'remédio' poderia ser dado diretamente pela Suprema Corte. A Lei do Judiciário ('The Judiciary Act') de 1789 parecia dizer que sim; mas Marshall afirmou essa lei inconstitucional; a Suprema Corte não tinha competência constitucional para funcionar como corte de primeira instância, exceto em casos envolvendo estados federados e embaixadores, e o Congresso não podia expandir a competência originária da Corte”. 

Bom, certa vez disse Otto Von Bismarck (1815-1898): “Leis são como salsichas. É melhor não ver como elas são feitas”. Parece que o mesmo se dá com algumas decisões judiciais. 

Marcelo Alves Dias de Souza 
Procurador Regional da República 
Doutor em Direito pelo King’s College London – KCL 
Mestre em Direito pela PUC/SP

25/09/2016

DIA 28


Lançamento Livro sobre Antigos Carnavais de Natal

Resultado de imagem para CONVITE DE GUTENBERG COSTA PARA O LIVRO OS ANTIGOS CARNAVAIS
No principio, era só o “mela–mela” popular: foliões utilizando de tudo o que dispunham para brincarem o então chamado‘Entrudo’: cinza de carvão, goma, farinha, barro e muita água suja. Os que se atrevessem a passar pelas imediações da Igreja Matriz, no Centro Alto e redondezas da antiga Rua Grande, em Natal, corriam riscos de serem “batizados” com a mistura peculiar. Os jornais da época divulgavam as primeiras manifestações populares carnavalescas E em Natal, entre 1875 a 1900. 
Brincantes se organizaram e levaram os festejos para a alegre Rua da Palha, atual Rua Vigário Bartolomeu, ainda na Cidade Alta (1910/1920). Festeiros, boêmios, artistas e até políticos eram frequentadores. Tempos depois o carnaval ficou mais organizado e desceu para a larga e boemia Avenida Tavares de Lira, na Ribeira (1923/ 1935). O carnaval superou crises e ultrapassou os apertos políticos e econômicos e volta à Cidade Alta, na moderna Avenida Rio Branco e proximidades do seu Grande Ponto (1936/1945). Driblou violências policiais e até as severas censuras da ditadura Vargas...
Essas e outras histórias se descortinam no livro “ANTIGOS CARNAVAIS DA CIDADE DO NATAL – Volume I: de 1875 a 1945”, fruto de décadas de pesquisa do folclorista Gutenberg Costa. São quase 300 páginas, ilustradas com fotografias antigas, de personagens e agremiações envolvidas. O escritor escreveu a obra tendo como base relatos dos jornais das épocas: “Basicamente tudo o que os antiguíssimos jornais registraram sobre as folias de rua. Os seus cronistas reclamando ou elogiando os festejos momescos”, relatou Gutenberg. Além disso, a obra é rica em imagens. “O livro contém fotos inéditas a partir dos anos 1910. Registros das festas paralelas, oficiais e particulares.
Os primeiros bailes festivos no velho Teatro Carlos Gomes... o material é vasto. E este é apenas o primeiro volume.”, revelou Gutenberg, que também é organizador do Movimento Cultural Antigos Carnavais, célebre por levar milhares de foliões anualmente às ruas, no melhor estilo do passado, com banda de frevo, no chão.
O livro é publicado pela Editora 8 e tem o patrocínio cultural do Fundo de Incentivo à Cultura (FIC), da Prefeitura de Natal e recursos do próprio autor. É apresentado pelo historiador e escritor Claudio Galvão, com comentários do também historiador e escritor Claudionor Barbalho e do pesquisador e escritor Anchieta Fernandes. Arte de capa e diagramação do designer visual Marcelo Sena.
Lançamento: 28 de Setembro de 2016.
Local: Capitania das Artes (Funcarte) – Cidade Alta. Natal/RN
Horário: 18h.
Com coquetel regional e surpresas aos presentes.
Contato: Gutenberg Costa:
Fones: (84) 99427-3363 (Oi) / (84)99878-4493 (Tim).



RETALHOS DO FOLCLORE POLÍTICO I

Valério Mesquita*

01) As acontecências da política e do folclore humano de Macaíba são como uma vertente inesgotável. Quanto mais são narradas mais brotam facilmente de outros mananciais. Almoçava certa vez com Aldo da Fonseca Tinôco quando me narrou a estória do Xenovis que já ouvira falar antes, mas sem retê-la completamente na memória. Aldo iniciou a sua vida publica praticamente em Macaíba com Alfredo Mesquita, ao lado de José Maciel, Aguinaldo Ferreira e tantos outros. No auge do seu prestígio político, contou-me Aldo, Mesquita era consultado por todos e se constituía na palavra final e segura para qualquer assunto. O Xenovis era um livro antigo, volumoso e grande sobre práticas de medicina em geral, revestido de uma capa circunspecta que parecia imprimir respeito e obediência a quem o manuseasse. De uma feita, Seu Mesquita foi procurado por um compadre cuja filha havia sido deflorada e o autor, bem mais jovem, estava se recusando terminantemente a casar. Seu Mesquita mandou chamar a sua casa o jovem e o seu pai. Após, baldados os esforços persuasórios preliminares, mais uma vez, o jeito foi recorrer o velho Xenovis. Em pé, calvo, óculos de grau no meio do nariz, fisionomia severa e preocupada, Seu Mesquita passava as páginas do livro como se procurasse algo escrito que iria resolver o problema, sob os olhares tensos e atentos dos circunstantes. “Achei”, disse, fitando grave e calmamente o rapaz. “Para esses casos de defloramento e recusa de casamento a pena é de dois anos e meio de cadeia!”. O rapaz, completamente amedrontado e aturdido pelo anúncio, exclamou: “Seu Mesquita, a mulher tem 28 anos. Não dá pra fazer por menos não?”.
02) O tenente PM, Pedro Joaquim da Costa, maçom, “dinartista do pé roxo”, como gostava de se autoproclamar, foi delegado em Macaíba nos idos de 1970. Ao chegar com a família de Santa Cruz, trazia consigo uma cachorrinha de estimação chamada Kelly. Era o tempo do MDB x ARENA. A política do Rio Grande do Norte vivia mais um período tenso e intenso do seu radicalismo. Naquela época, era meu ferrenho adversário político em Macaíba o deputado Magnus Kelly. A rede de fofoca, em alta voltagem, impulsionada pelos vis novidadeiros, não demorou em comunicar ao deputado que o delegado politiqueiro colocou o seu sobrenome na cadelinha. O mundo deu um tombo. Magnus levou o assunto para o rádio, para a Tribuna do Norte e para os comícios. Por mais que explicasse o equívoco, o tenente Pedro não convencia. O problema foi parar na maçonaria que decidiu que Kely não era Kelly, porque um era cão e o outro era homem e tinha um L a mais. E ademais, ainda havia os pneus Kelly. Terminou tudo como na comédia shakespeariana: “Muito barulho por nada”.
03) Zé Buchudo era um comerciante, proprietário de um pequeno açougue, nos fundos do mercado. Certa feita, numa dessas manhãs chatas da cidade, foi convidado pelo farmacêutico Manoel Guedes e patota, a empreenderem uma viagem de circunavegação pelos bares da cidade. Guedes, capitão de longo curso, dirigiu logo a nau dos insensatos à cidade de Parnamirim, onde ancoraram no famoso cabaré de Tibinha. Desnecessário dizer das abluções profundas e repetidas até a hora vespertina, quando pressentiram que o náufrago Zé Buchudo havia mergulhado a estibordo, em abismal sono etílico. Retornaram a Macaíba e entregaram a domicílio o invólucro corpóreo do que restou do nosso herói. Estirado no sofá da sala, Zé Buchudo sobreviveu a todos os exercícios de ressurreição ministrados pela esposa e filhos. Findas algumas horas, aí então, veio a cena patética: Zé Buchudo abriu os olhos, viu de plano, a esposa inclinada sobre si, soltou a catastrófica exclamação denunciadora: “Mas, fia, que é que você está fazendo aqui no cabaré de Tibinha?”. Depois dessa, Zé Buchudo era a imagem do próprio cristão trucidado.

(*) Escritor

24/09/2016


   
Marcelo Alves

Sobre Clarence Darrow 
Já escrevi aqui sobre grandes juízes e juristas – Oliver Wendell Holmes Jr. (1841-1935), Benjamin Nathan Cardozo (1870-1938), Roscoe Pound (1870-1976) e Lon Fuller (1902-1978), entre eles – dos Estados Unidos da América. Pois hoje vou tratar daquele que é o mais célebre advogado militante americano: Clarence Darrow (1857-1938). 

Clarence Darrow nasceu no estado americano de Ohio, na pequena comunidade de Kinsman, em 1857, filho de pais ativistas, especialmente do abolicionismo e dos direitos das mulheres, o que certamente influenciou a formação do caráter combativo do futuro advogado. Muito jovem, Darrow cursou direito na University of Michigan Law School e foi admitido na Ordem dos Advogados do seu estado natal, a “Ohio State Bar”, com apenas 21 anos, em 1878. Exerceu a advocacia em pequenas vilas/cidades do seu estado natal (Ohio), Andover, Ashtabula e Youngstown, entre elas. Casou-se. Moveu-se para Chicago, a gigante metrópole do estado do Illinois. Envolveu-se na política com o Partido Democrata. Envolveu-se mais ainda organizando o Partido Populista americano no estado do Illinois. Chegou a ser candidato, embora derrotado, à Casa dos Representantes dos EUA. Em Chicago, entrou na advocacia de vez. E restou assim apelidado o “advogado de Chicago” (às vezes prejorativamente, denotando a tão comum arrogância do “advogado da cidade grande”). 

Por curtíssimo tempo, Darrow trabalhou como advogado para a própria municipalidade de Chicago. Em seguida, trabalhou como advogado corporativo para a gigante “Chicago and North Western Transportation Company”. Mas logo ele mudou de lado ou “cruzou a linha”, como mais poeticamente anota Robert Hockett em seu “Little Book of Big Ideas – Law” (livrinho, já muitas vezes aqui referido, publicado pela A & C Black Publishers Ltd. em 2009): Darrow foi ser advogado de sindicatos, de trabalhadores e, acima de tudo, de muitas causas e clientes impopulares América afora. 

Já em 1894, Darrow defendeu Eugene Debs (1855-1926), líder sindical de trabalhadores em estradas de ferro, cinco vezes candidato à Presidência dos EUA pelo Partido Socialista americano, na querela judicial que redundou da desastrosa greve “Pullman”, sendo Debs, muito provavelmente, seu primeiro cliente “famoso” (de boa ou má fama, não importa). 

No mesmo ano, Darrow representou Patrick Eugene Prendergast (1868-1894), nada menos do que réu confesso do assassinato do prefeito de Chicago, Carter Harrison (1825-1893). Alegou a insanidade do seu cliente. Não obteve sucesso. Seu cliente foi sentenciado à morte e, em decorrência, executado. Esse insucesso, o único desse viés em sua carreira (segundo se diz), fez com que Darrow virasse, para toda a vida, um crítico feroz da pena capital. 

Outro caso célebre de Clarence Darrow foi o dos irmãos McNamara, John J. (1876-1941) e James B. (1882-1941), acusados de, em 1910, em meio a uma luta trabalhista/sindical, explodir uma bomba no prédio do Los Angeles Times, o que redundou em dezenas de vítimas fatais. Aqui, já em 1911, ele obteve certo sucesso, entabulando uma confissão que livrou seus clientes da pena capital. 

Famosíssimo é também o caso Leopold/Loeb (também apelidado de “O julgamento do século”), de 1924, no qual um Darrow já mais maduro faz a defesa dos “infames” Nathan Freudenthal Leopold Jr. (1904-1971) e Richard Albert Loeb (1905-1936), estudantes da Universidade de Chicago, que, naquele ano (1924), segundo eles mesmos confessaram, assassinaram o garoto Bobby Franks apenas porque queriam cometer um “crime perfeito”. Mais uma vez Darrow conseguiu livrar seus clientes da pena de morte. Aliás, de tão badalado, esse caso foi posteriormente levado à grande tela em filmes como “Festim Diabólico” (“Rope”, de 1948, dirigido por Alfred Hitchcock) e “Estranha compulsão” (“Compulsion”, de 1959, dirigido por Richard Fleischer). 

Mas certamente a atuação mais inspiradora de Clarence Darrow se deu no denominado “Julgamento do Macaco” (pelo menos é essa a minha opinião, já que não simpatizo com uma boa parte da clientela do grande advogado de Chicago). Em 1925, Clarence Darrow defendeu John Thomas Scope (1900-1970), professor na pequena cidade de Dayton, no estado americano do Tennesse, criminalmente processado por haver infringido uma lei estadual que proibia o ensinamento da teoria da evolução nas escolas. Do outro lado, na acusação, estava o também célebre William Jennings Bryan (1860-1925), advogado e político norte-americano, que chegou a ser Secretário de Estado dos Estados Unidos da América (1913-1915) e três vezes candidato derrotado à presidência do país (1896, 1900 e 1908). No final, após muitas peripécias jurídicas e retóricas (sobretudo estas), que agitaram todo o país, Scope foi considerado culpado e condenado a uma multa (certamente simbólica) de 100 dólares, sendo esse julgamento posteriormente anulado, por razões processuais, e nunca mais retomado. De tão célebre, o “Julgamento do Macaco” virou livro e foi levado ao teatro e à grande tela inúmeras vezes, sendo que recomendo deveras, para quem se interessar sobre o caso, o filme “O vento será a tua herança” (“Inherit the Wind”), de 1960, dirigido por Stanley Kramer, que é simplesmente fantástico. 

A excelência da retórica de Darrow, muitas vezes cínica, é inquestionável. “Num julgamento, só faça uma pergunta se você conhecer a resposta” e “Eu nunca matei um homem, mas li muitos obituários com muito prazer” são algumas de suas tiradas precisas. Mas é necessário registrar que Clarence Darrow, a exemplo do seu papel no denominado “Julgamento do Macaco”, não foi apenas um advogado de assassinos hediondos. Sobretudo mais para o final da vida, Darrow direcionou seu talento para a defesa dos direitos civis dos mais necessitados, em especial de negros americanos, acusados justa ou injustamente. E uma propensão para causas impopulares, sua visão política progressista e a sua admirada eloquência fizeram de Darrow, como registra Robert Hockett (em seu “Little Book of Big Ideas – Law”), uma “lenda ainda em vida”. Recentemente, entre outras homenagens, sua vida virou objeto de um filme para a TV, “Darrow” (1991), em que o célebre advogado de Chicago, que se consagrou na defesa dos desacreditados, é representado por Kevin Spacey. Na verdade, Clarence Darrow é muito provavelmente o advogado real mais citado e representado – de forma elogiosa, na grande maioria das vezes – na literatura, no teatro e no cinema americano, o que, convenhamos, não é pouco. É muito, muitíssimo. 

Marcelo Alves Dias de Souza 
Procurador Regional da República 
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL 
Mestre em Direito pela PUC/SP