28/06/2016

 Cortez Pereira e a dúvida de Celso da Silveira

Por João Felipe da Trindade
jfhipotenusa@gmail.com
Fui ao Solar João Galvão em busca do acervo, ali deixado, do escritor Manoel Rodrigues de Melo. Meu interesse maior era encontrar maiores informações sobre Macau. No meio da documentação encontrei uma carta de Celso da Silveira, datada de 21 de junho de 1974, com subsídios para a ascendência de Cortez Pereira, no ramo dos Silveira Borges. 
“Professor Manoel Rodrigues
Num caderno de notas de papai encontrei esta referência à filiação de João Celso da Silveira Borges, meu avô, que não corresponde ao registro de casamento do seu pai, Manoel da Silveira Borges. 
A diferença está em que nas notas de papai o Manoel casou com Maria Deolinda e no registro da Paróquia de Santana do Matos, com Maria Genérica Francelina. O velho Manoel casou com esta em 1840, e meu avô, seu filho, nasceu em 1844, daí surgindo um equívoco se ele era filho de Manoel com Maria Deolinda ou de Manoel com Maria Genérica. Acho que a localização do registro ou do batistério de João Celso da Silveira Borges poderá dissipar a dúvida e vou procurar.
Aí tem o senhor mais essa ascendência de Vivaldo Pereira, pois o velho Manoel era filho de Joaquim da Silveira Borges e Ana Joaquina da Trindade. Manoel, como me foi dado saber, foi o bisavô de Cortez Pereira. Joaquim, portanto, era seu tetravô. ” 
Não sei se Celso conseguiu dirimir sua dúvida, mas este artigo vai esclarecer, a partir de documentos da Igreja, a verdadeira filiação de João Celso, como a ascendência de Cortez Pereira, no ramo dos Silveira Borges.
Vamos fazer nossa exposição de trás para frente, começando com o batismo de José de Araújo Cortez Pereira e, depois, o casamento dos seus pais: a 11 de novembro de 1924, nesta Matriz, batizei solenemente a José, nascido a 17 de outubro deste ano nesta cidade, filho legítimo de Vivaldo Pereira de Araújo e Olindina Pereira Cortez, sendo padrinhos Manoel Pereira de Araújo e Ananilia Silveira de Araújo; a 6 de fevereiro de 1907, nesta Matriz, perante as testemunhas José Christino e Elias Enoque Pereira de Araújo, assisti ao matrimonial de Vivaldo Pereira de Araújo e Olindina Dantas Cortez, meus paroquianos. O Vigário Francisco Coelho de Albuquerque não informou o nome dos pais dos nubentes.
Os pais de Vivaldo Pereira de Araújo (2º do nome) eram Vivaldo Pereira de Araújo e Maria Quitéria da Silva. Eles casaram no Sítio Conceição, aos 27 de novembro de 1883, sendo filhos legítimos, ele, de Thomaz de Araújo Pereira Junior e Rita Regina de Miranda, e ela, de Manoel da Silveira Borges e Maria Quitéria Barbalho Bezerra. Essa Maria Quitéria casou com Manoel da Silveira Borges, após este ficar viúvo de Maria Genérica Francelina, esta, filha de Luiz da Rocha Pita e Leonarda Maria da Apresentação. 
Manoel da Silveira Borges tinha casado com Maria Genérica, realmente, em 1 de março de 1840. Ele, filho legítimo de Joaquim da Silveira Borges e Ana Joaquina da Trindade e, ela, de Luiz da Rocha Pita e Leonarda Maria da Apresentação. Houve dispensa de impedimento de consanguinidade.
Dois registros de batismos, relativos a Manoel da Silveira Borges, chamam nossa atenção, tanto que transcrevemos para cá.
O primeiro está inserido nos registros de batismo de Santana do Matos, do ano de 1839, um pouco antes do casamento de Manoel: Maria, branca, filha natural de Izabel Francisca de Sousa, branca, viúva, e de Manoel da Silveira Borges, branco, solteiro, naturais e moradores nesta Freguesia, nasceu aos dezesseis de julho de 1828, e foi batizada solenemente com os santos óleos, aos 28 do dito mês e ano, na Fazenda Conceição, desta Freguesia, por mim, o qual disse em minha presença que reconhecia  a dita párvula, por sua filha, e me pediu fizesse essa mesma declaração para a todo tempo constar e, para certeza do referido, assinou comigo; foram padrinhos Antônio da Silva Carvalho e sua mulher Maria da Silva Velosa (irmã de Manoel) – do que para constar mandei fazer este assento e por verdade assinei. Manoel da Silveira Borges, Vigário João Theotônio de Sousa e Silva.
Não encontrei notícia posterior dessa filha natural de Manoel da Silveira Borges, nem o destino da viúva Izabel.
O segundo batismo está inserido nos registros de batismo 1840, final de fevereiro e começo de março, após, possivelmente, o casamento de Manoel e Maria Genérica: Thereza, branca, filha legítima de Manoel da Silveira Borges, e de sua mulher Maria Francelina Genérica, naturais e moradores nesta Freguesia, nasceu aos 15 de janeiro de 1839, e foi batizada  com os santos óleos, nesta Matriz, aos 4 de fevereiro de 1840, por mim, foram padrinhos Joaquim da Silveira Borges, casado, e Ana Joaquina da Trindade Junior, solteira. João Theotônio de Sousa e Silva.
Como Manoel da Silveira Borges faleceu aos 17 de janeiro de 1876, com a idade de 64 anos, 1 mês e 9 dias, de ferida cancerosa no rosto, deixando viúva Dona Maria Quitéria Barbalho Bezerra, essa sua filha natural, Maria, nasceu quando ele tinha, aproximadamente, 16 anos. A segunda proeza fez quando tinha 27 anos.
Não encontrei nenhuma informação sobre Maria Diolinda,  mas, o casamento de João Celso da Silveira Borges, onde consta o nome de sua mãe, resolvendo, portanto, a dúvida de Celso: Aos vinte e cinco de novembro de 1862, pelas noves horas da noite, no Sítio Pocinhos desta Freguesia, o Reverendo Elias Barbalho Bezerra, de licença do Reverendíssimo Vigário, uniu  em matrimônio, e deu as bênçãos aos contraentes João Celso da Silveira Borges, e Juvina Serina Barbalho Bezerra, paroquianos desta Freguesia, ele, filho legítimo de Manoel da Silveira Borges, e de Maria Genérica Francelina, já falecida, e ela, filha legítima de Antônio Barbalho Bezerra e de Ignácia Francisca Bezerra, foram testemunhas  o Padre Antônio Barbalho Bezerra Tote, e Juventino da Silveira Borges, solteiro; do que para constar fiz este assento em que me assino. Antônio Germano Barbalho Bezerra Tote, Coadjutor Pró Pároco.

27/06/2016


HOMENAGEM A EXPEDITO BOLÃO

Valério Mesquita*

Mês passado faleceu o ex-vereador Expedito Mariano de Azevedo, o “Expedito Bolão”, aos 96 anos. Uma das figura essenciais do folclore político de Mossoró e do Rio Grande do Norte. Tive a alegria de narrar dezenas de causos do seu humor e de seus repentes. Os sinceros pêsames à toda família.
01) Certa vez, chegando à rodoviária da Ribeira foi a uma lanchonete. “Traga aí uma água mineral. Quero a mais pura e mais gelada que tiver!”. O rapaz perguntou: “O senhor quer com ou sem gás?”. Expedito corrigiu: “Com gás? Lá em Mossoró, água com gás a gente dá banho nos cavalos. Lá tomamos água minerálica, termal, cloroterápica, como diz o doutor Dix-Huit.” O balconista sem entender o fraseado, disponibilizou seis garrafinhas: “Por favor, doutor escolha aí uma do seu agrado”.
02) Certa vez, em Natal, entrou no elevador do INSS ecom ele, um jovem bem vestido acompanhado de duas moças. Expedito avisa ao ascensorista: “Vou para o oito!”. O rapaz replicou: “É o oitavo andar?”. Expedito olhou de lado e comentou: “Lá em Mossoró, tem dona Oitava Rosado, aqui é oitavo. Engraçado né?”. Ninguém riu. Em dado momento, o irreverente vereador dá “uma rasgada de mescla”, (o famoso flato trovão). O granfino, com a mão no nariz, criticou: “O senhor fazer isso na frente da minha noiva?”. Bolão disparou: “Desculpe, eu não sabia que era a vez dela...”.
03) Expedito Bolão, costumava participar de grupos de amigos para um aperitivo. Não demorou muito, saiu-se com essa: “Ontem eu descobri que sou um deus”. “Lá vem você, com essas besteiras”, comentou alguém. “Verdade!”, retrucou Bolão. “Estava acordando quando ouvi a minha mulher dizer, enquanto fazia o sinal da cruz: Com Deus me deito, com Deus me levanto; logo, como só tava eu ali...”.
04) Bolão disparou certa vez nas urnas de Mossoró. Liliam – candidata que não chegou lá – estava p. da vida. Não aceitava saber que ele havia recebido quatro vezes mais sufrágios do que ela. Um domingo, no mercado, os dois se encontraram. Liliam não se conteve e mandou impropérios contra o vereador. “Expedito”, disse ela, “o povo parece que é cego. Votar em você... baixinho, feio, velho... você era pra estar morto e enterrado.” Expedito, enfrentando a cólera da mulher, justificou anatomicamente: “E é porque eu só tenho um buraco... avalie se eu tivesse dois!.”
05) O restaurante “Quixabeirinha” era parada obrigatória para quem viajava no trecho Natal/Mossoró. Certa vez, o expresso da Nordeste parou no estabelecimento e todos desceram com propósitos diversos. Expedito Bolão, sentando-se no salão, pediu a garçonete: “Por favor, traga-me cuscuz e três ovos mexidos”. A moça anotou o pedido e saiu rumo à copa. Um pouco adiante parou e perguntou a Expedito: “O senhor usa sal nos ovos?”. O irreverente Bolão respondeu: “Não. Eu uso talco Rossi...”.
06) A praça Rodolfo Fernandes, em Mossoró, todas as noites, a vida alheia, era o prato preferido de uma dúzia. Certa vez, Bolão abordou assunto de maridos traídos. Ele logo comentou: “Minha opinião é que só existem duas espécies de cornos no mundo. Primeiro: aquele que é, e sabe; segundo: aquele que é, mas ainda não sabe!”. Dita a sentença, Expedito olha para o vereador Zadock, e interrogou: “O amigo concorda comigo? Em qual das duas classes você está enquadrado?”. Foi um minuto de silêncio e uma gargalhada geral pelo suspense.
07) A campanha parecia fácil em Mossoró, mas quase se complicava. O professor Vingt-Un, que fazia questão de dizer que não era médico, garimpava votos na zona rural, com o vereador Expedito Bolão. Estavam na comunidade Riacho Grande, ouvindo as reivindicações populares. Na área rural, ainda hoje, muita gente chama bronquite asmática de “puxado” (dificuldade de respirar). Uma idosa que sofria desse problema parou Expedito e suplicou: “Homem de Deus! Me dê um remédio... O que eu faço pra deixar de “puxar”?”. Expedito com ar professoral, respondeu: “Bote na frente e tanja”. “Ô cabra felá da...”, explodiu a velha pedindo desculpas a Vingt-Un.

(*) Escritor

O Presidente da ACADEMIA DE LETRAS JURÍDICAS DO RIO GRANDE DO NORTE - ALEJURN, acadêmico Adalberto Targino, tem a honra de convidar Vossa Excelência e família para participarem da sessão especial na qual o acadêmico Joanilson de Paula Rêgo fará o necrológio do pranteado acadêmico JOANILO DE PAULA RÊGO, que ocupava a cadeira nº 27 (Patrono José Gonçalves de Medeiros).

Data: 01 de julho de 2016 (sexta-feira)
Horário: 10 horas
Local: Auditório da Procuradoria Geral do Estado
Av. Afonso Pena, 1155 – Tirol (Natal/RN)

Confirmar presença: (84) 3232-2890
Email: alejurn2007@gmail.com


26/06/2016

GUMERCINDO SARAIVA

  
CANTINELA
DO
BECO DA QUARENTENA

A célebre rua estreita e curta, na sua longa existência tem aparecido através de música, teatro, prosa, quadra epoemas modernos, mas, nunca em versaria completa, historiando a sua vida passional, como agora o fazemos, dando-lhe o título de CANTILENA DO BECO DA QUARENTENA, O mestre Castilho, em sua época, condenou as Sextilhas, mas os cantadores de vida, principalmente Nordestinos, escreveram seus poemas no estilo tradicional, também conhecidos por versos-de-seis pés.

A Sextilha-setissílaba tem várias formas de rimas, mas adotamos, como a maioria dos cantores-matutos, na fórmula mais popularizada – ABCBDB, - muito usada a começar do Século XVI. Mesmo os poemas eruditos, versejaram neste estilo e eram aplaudidos porque o canto logo cedo seria decorado pelo emparelhamento das rimas visivelmente aparecendo quase juntas.

Sobre o termo CANTILENA, que tanto pode ser uma cantiga suave, como também uma narração fastidiosa, impertinente e enfadonha, resolvemos situá-la fora da canção que, na musicologia - aparece i

Há muitos anos vimos realizando uma pesquisa em torno de logradouros natalenses, insignificante, inexpressiva, atoa, e J. J.,Rousseau chegou a dizer que não era aconselhável seu nome aparecer nos dicionários musicais, contudo, o dicionarista português Ernesto Vieira afirmou - "Hoje emprega-se o termo num sentido desprezível para
designar uma melodia trivial e monótona". E num dos versos de Camões
- OS LUSÍADAS - encontramos: - “As doces Cantilenas que cantavam os emicapros deuses”,

No nosso livro ADAQIÁRIO MUSICAL BRASILEIRO, editado por Saraiva S/A, S. Paulo, pg. 41, sobre o termo, escrevemos: - “Acaba com essa cantilena - que é uma canção suave, cantiga simples. No sentido em que se emprega o adágio, quer dizer' entretanto, que se deve acabar com a maneira usada para iludir, com a astúcia, Acabe com cantilena - isto é, deixe de querer tapear, iludir, enganar”.

Estando, portanto, Cantilena em vários dicionários de música, chegamos à conclusão que o vocábulo de tão simples formação, representa um insignificado aspecto na fonologia de um povo. E, de sua inexpressividade, apelidamos a versaria comida neste trabalho.

-oOo-

A promiscuidade dos sexos, o oficialismo da prostituição adesmoralização da sociedade com seus costumes educativos a perversão desenfreada, edificam-se em Natal no início do Século XVII e talvez atravesse outros tempos que vierem pela frente, porque continua cada vez mais alargado o caminho espaçoso, tenso e amplo da miséria humana, vivida no centenário “Beco da Quarentena”.
mas, o "Beco da Quarentena" foi o que mais impressionou ao estudioso dos costumese tradições norte-rio-grandenses, porque em nossa meninice fomos assíduos frequentadores daquele antro de vícios, juntamente com outros colegas que já se foram do nosso convívio. Consequentemente, jamais no bairro da Ribeira uma rua ilustrou tanto as páginas de jornais, com assiduidade e constância, a boemia, a vagabundagem, a imoralidade e a falta de decoro na ociosidade daquele ambiente de degenerescência moral.

Anos passados, numa das aulas que demos 'no "Curso João Caetano", promoção do "Teatro de Amadores de Natal", a convite do teatrólogo Sandoval Wanderley, no prédio do "Instituto Histórico e Geográfico do Rio G. do Norte, abordamos o tema da poesia popular, ocasião em que lemos o trabalho agora transformado numa plaquete, a nosso ver, sem nenhum fator literário. Oferecendo em seguida a versaria, eis que Sandoval Wanderley transformou o assunto numa peçade sua autoria.

No decorrer do tempo, outros poetas e escritores escreveram trabalhos literários enriquecendo a cultura norte-rio-grandense, envolvendo fatos existidos no famigerado logradouro que ainda hoje vive seus dias amargurados porque ainda é notória e até de “utilidade pública” sua vivencia repleta de mulheres “perdidas”, alcoólatras inveterados e toxicômanos encontrando nos entorpecentes as sensações anômalas de uma geração cheia de complexos sociais. 

A história contada pelo amigo que pediu segredo é verdadeira. Ouvimo-la e a levamos para a versaria já conhecida por alguns intelectuais de nossa terra, pois há precisamente cinco anos fizemos publicação na Tribuna do Norte – 22-7-73 de uma parte da narração e, em seguida, um grupo de oficiais da Policia Militar do Estado tirou vários exemplares em xerox.

G. S.
Natal, março de 1979



Vinha do alto sertão
Trazendo um velho vestido
Uma calça e um sutiã.


Sua cor de Tez morena
Com cabelo cacheado
O corpo era um violão
Como sendo torneado
Tinha o rosto de criança
Parecia um mimo achado.

Sem nenhuma experiência
Embrenhou-se na desgraça
Juntamente com as colegas
Que eram moças de outra praça
Tomando a sua maconha
Com tangerina e cachaça

Às vezes, elaia no banho
La no Rio Potengi
Em noites de lua clara
Muitas horas eu assisti
Seu corpo banhado n’água
Como se fosse a Jaci.

Ainda nas calças curtas
Residindo na Ribeira
As mulheres “davam sopa”
Vivendo na bebedeira
Minha vida tinha inicio
No antro da “buraqueira”.

Naquele Becoda lama
Constantemente vivia
Entrando de porta adentro
E a pobre da inquilina
Desamparada morria.

Sem ter pra quem apelar
A miséria ali reinava
Jamais a “Saúde Pública”
Naquele Beco passava
Poe isso é que uma criança
Perdida no mundo estava.



Muitas “doenças do mundo”
Empestavam a mocidade
E essa chaga malditosa
Contaminava a cidade
Pois conheci muita, gente
Morrendo na flor da idade

A Polícia era constante
Dava ronda a noite
inteira
Mas nunca evitou as brigas
Vivendo de tal maneira
Que muitas mortes ali houve
Por-causa da bebedeira.

No outro dia, os Jornais
Lamentavam, tinham pena
Dando notas alarmantes
A coluna era pequena
Pra contar as suas brigas
No “Beco da Quarentena”.

Ocrime mais hediondo
De que tive conhecimento
Foi feito por um tarado
Por nome de Nascimento
Matou a Maria Rosa
ex-esposade um detento.

Nascimento era “embarcado”
Do navio “D. Vital”
E passando o ano inteiro
Afastado de Natal
Por isso matou a Rosa,
Através do seu punhal.

Naquele Beco infeliz.
Conheceu a tal mulata
Conquistando o seu amor
Dando-lhe joias de prata
Assim, a Maria Rosa
Das mulheres, era a “nata” ...
Também conheci a Rosa
E com ela tive amor...
Era mulher carinhosa
Com seu corpo de esplendor
Seu riso, seu olhar triste
Tinha a ternura da flor.

Cantava samba e modinha
Ao som do meu violão
Recitava alguns poemas
Coma maior exaltação
Parecia a voz dos pássaros
Nas manhãs do meu sertão

Praieira dos meus amores
Rosa cantava sorrindo
Ninguém melhor do que ela
Interpretava sentindo
O que Otoniel contou
Naquele poema tão lindo.

Outras modas potiguares
Rosinha cantarolava
“Abre a janela ...” do Ivo
Feita a mulher que ele amava
E Olímpio Batista Filho
Horas depois, musicava.

As mulheres mais formosas
Daquele Beco infernal
Tinham os nomes mais lindos
Que conheci em Natal;
Rosa, Judith, Jurema.
Jaqueline e Marial,

Iracema eJacira
Julimar, Inês, Bonina
Iraci, Branca e Maria
Isabel, Mara e Alvina
Inês, Pureza, Cecí
Alice, Marta, Venina.


Foram “mulheres da vida”
eu de todas tinha pena
Pela fome que passavam
Corno um bando de falena
Vivendo desabrigadas
No “Beco da Quarentena”.

Infeliz de uma mulher
Que morar naquela rua
Nunca mais terá sossego
Com a vida que ali flutua
Pois pra ganhar o seu pão
Tem que ficar toda nua.


Vendendo por mixaria
O que lhe deu o Criador
Beijos, abraços, afetos
Felicidade e pudor
E seu formoso corpinho
O coração, e o amor.

Quarentena! És um inferno
Que os bichos-homens criaram
No reinado da miséria
Suas vidas estragaram
Infelizes dos mortais
Que naquele Beco andaram.

Quantas vidas preciosas
No Beco da perdição
Tiveram sua má sorte
Pois não indo pra Prisão
Findavam no Cemitério
Sem ter uma "Extrema-Unção".

Faca, peixeira, quicé
Canivete e até porrête
Eram armas que se usavam
Quando havia “tirinête”
E a soldada fugia
Pra se livrar do cacete.

Meu amigo Zé Vicente
Que morava em Caicó
Foi um menino educado
Pela sua bisavó
Logo cedo foi ao Beco
Saindo de lá, cotó.

Numa briga de malandros
Defendendo o Pedro Tasso
Duma bruta covardia
Levou um forte balaço
Indo ficar no "Hospital"
Perdendo afinal um braço

Pederastas, cafetinos
Maconheiros, afamados
Frequentavam o tal Beco
Sendo bastante estimados
Avistando com seus homens
Com os quais eram amigados.








22/06/2016

   
Tomislav R. Femenick
 
 
6 de agosto de 1955

“Meu caro Mota Neto:

Guardo ainda magnífica impressão da visita que fiz à progressista e culta cidade de Mossoró. Não posso conter as repetidas emoções que aí experimentei, ao contato da gente laboriosa e na contemplação das belas paisagens que as planícies e as pirâmides de sal mais embelezam.

É, realmente, Mossoró uma oficina de trabalho constante, cujos resultados transpõem as fronteiras do município e contribuem para o fortalecimento das indústrias de todo o país. Dentro dessa colmeia se erguem as chaminés de suas fábricas, movimentadas por seus operários compreensíveis e capitães de indústria, que oferecem aos habitantes e consumidores de outras regiões os produtos e as matérias-primas tiradas de seus campos agrícolas e do seu subsolo, prodigiosamente rico.

As extensas salinas estão a reclamar a iniciativa dos homens progressistas, como a cera de carnaúba, o algodão, o gesso e a semente de oiticica reclamam um aproveitamento mais racional com a sua industrialização no próprio centro de produção. Isto permitiria a atividade de uma multidão de trabalhadores, como impediria a evasão de rendas que viriam enriquecer o município e o Estado.

Você, a quem me acostumei a estimar, desde a nossa passagem pela Câmara Federal, ainda é moço e animado de confiança nos destinos de nossa terra. Ao lado do jovem prefeito Vingt Rosado, cujo dinamismo de perto admirei, e do deputado Dix-Huit Rosado, herdeiro, como seu irmão, das virtudes cívicas de Jeronymo Rosado, que se refletiram, também, na realidade varonil do saudoso Governador Jeronymo Dix-sept Rosado Maia, muito pode fazer pela vitória de nossa campanha democrática.

Essa convicção se fortaleceu no meu espírito na troca de ideias que tive com o nosso digno candidato a Governador, deputado Jocelyn Vilar, que me pôs a par do movimento que se está procedendo no Rio Grande do Norte e, principalmente, na Zona Oeste, cujo centro mais importante é a cidade de Mossoró.

Esse município não poderia mentir ao seu passado de baluarte da liberdade, submetendo-se as imposições extemporâneas de forças ocasionais no cenário político do país.

Os atuais líderes da democracia em Mossoró – e você é um deles – apenas repetiram o gesto altivo dos abolicionistas de 1833. Sei que foi a sua residência transformada no centro de reação contra os falsos defensores do brio e da dignidade do povo potiguar. Nesse centro – sei também – que se reuniram na mesma harmonia de pensamento, políticos e patriotas da estirpe de Lucas Pinto, Vingt Rosado, Rodrigues de Carvalho, Francisco Brasil de Góis, Dix-Huit Rosado e Francisco Amorim, formando uma verdadeira trincheira de defesa democrática, culminando com a feliz e vitoriosa de Jocelyn Vilar ao governo do Rio Grande do Norte.

A minha disposição de atender as aspirações dessa região já tive o ensejo de expor em comícios realizados aí e em Areia Branca, acentuando, principalmente, que o porto de Areia Branca, o sexto do país em volume de exportação, será a minha primeira preocupação, na série de obras a serem realizadas, no que se refere ao Rio Grande do Norte. Esse mesmo compromisso assumi em conversa que tive com o deputado Jocelyn Villar, cujos propósitos de servir a sua terra são idênticos aos meus.

Recomende-me a todos os correligionários e receba um afetuoso abraço do

Juscelino Kubitschek"

20/06/2016

 
   
   
 
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As leis de Sólon

Algumas poucas dezenas de anos após a época de Drácon (650-600 a.C., aproximadamente) e de seu famoso “código de leis”, as “leis draconianas”, datadas de 621 a.C. (aproximadamente), sobre quem e o que conversamos na semana passada, a Grécia ateniense se via novamente despida de paz e em vias de enfrentar uma guerra civil (algo não muito raro naqueles tempos lendários) entre os vários clãs e classes sociais existentes.

É nesse difícil contexto político e social, mais precisamente no ano de 595 a.C., que emerge a grande figura de Sólon de Atenas (638-558 a.C., aproximadamente), aristocrata de nascimento, comerciante de profissão, filósofo, poeta, estadista e magistrado, que – junto com Pítaco de Mitilene, Periandro de Corinto, Tales de Mileto, Quílon de Esparta, Cleóbulo de Lindos e Bias de Priene, segundo o rol que se tornou mais comum – é considerado um dos sete sábios da Grécia antiga.

A despeito de sua origem aristocrática, Sólon era por todos – velhos e jovens, políticos e comerciantes, aristocratas e homens comuns – tido em alta conta em virtude da sua sabedoria e da sua honestidade. Sobre Sólon, o grande historiador e biógrafo grego Plutarco (45-120) anotou algo como: “a classe alta concordou com ascensão política de Sólon porque ele era rico; e os pobres, porque sabiam que ele era honesto”.

Sólon, portanto, era o nome perfeito para pôr fim às guerras de facção e à desordem em geral e para promover as reformas (políticas, sociais, econômicas e jurídicas) necessárias.

E, assim, em 595 a.C., Sólon foi nomeado magistrado (arconte) de Atenas, com a responsabilidade de elaborar um novo conjunto de leis – ou “Constituição”, na forma ainda rudimentar de então, da qual ele foi, segundo Aristóteles, o seu grande “árbitro” – para essa cidade-estado.

No campo do direito propriamente dito, Sólon, antes de mais nada, revogou a maior parte da severa legislação de Drácon. Sólon, assim, deu uma nova abordagem ao direito na sociedade/civilização grega, apartando-se da tradição vigente. Entre outras coisas, como exemplifica e explica Michael H. Roffer (em “The Law Book: from Hammurabi to the International Criminal Court, 250 Milestones in the History of Law”, Sterling Publishng Co., 2015): “Acreditando que a igualdade desestimula a guerra, Sólon introduziu um novo equilíbrio de poder entre os nobres e os cidadãos comuns. (…). Ele tornou a justiça mais acessível ao facultar a todos os cidadãos o direito de ação e ao estabelecer o direito de apelação das decisões dos magistrados”. Atribui-se a Sólon a criação da Eclésia, assembleia popular da qual podiam participar todos os homens livres atenienses, desde que filhos de pai e mãe atenienses e maiores de 30 anos. Dentro da Eclésia, Sólon criou uma corte suprema, a Helieia, responsável por conhecer das apelações dos cidadãos. Sólon também criou a Bulé, uma assembleia/conselho de representantes de diferentes classes sociais encarregado de debater os projetos de lei antes da apreciação/aprovação pela Eclésia. Como também anota Michael H. Roffer, “a maioria dos historiadores veem nos esforços e sucessos de Sólon o fundamento da democracia grega, principalmente na flexibilização dos requerimentos de elegibilidade para o exercício dos cargos públicos, permitindo ao cidadão comum o acesso a estes”.

Ademais, como lembra Robert Hockett (em “Little Book of Big Ideas – Law”, A & C Black Publishers Ltd., 2009), Sólon também patrocinou várias reformas legais destinadas a eliminar práticas deletérias fundadas no poder econômico. Ele perdoou as dívidas dos agricultores e eliminou a escravidão como forma de execução de dívidas ou em razão de insolvência, sem falar nas medidas tomadas “diretamente contra cidadãos ricos que usavam do

seu poder econômico para obter vantagens nos vários níveis de governo”. Sólon, claro, provocou descontentamentos. Muitos na rica aristocracia não queriam perder seus privilégios; e boa parte povo queria mesmo, sobretudo, uma ampla reforma agrária. Bom, paciência, não dá para agradar a todos.

Por derradeiro, Sólon também cuidou para que sua legislação fosse o mais estável, previsível e acessível possível. Suas leis eram gravadas tanto em peças de madeira (chamadas “anoxes”) como em pilares de pedra (denominados “kyrbeis”), que eram fixados em espaços públicos para o conhecimento de todos. Talvez por isso, somado às qualidades intrínsecas delas, muitas das “leis de Sólon” vigoraram em Atenas por cerca cinco séculos; talvez por isso, somado à divulgação por ele mesmo empreendida em suas viagens, durante o seu exílio voluntário de dez anos, pelo mundo conhecido de então, a sua legislação tenha servido de modelo para várias outras cidades-estado da Grécia antiga.

Isso tudo, junto e misturado, faz do sábio/poeta Sólon um dos “pais fundadores” de Atenas (à semelhança do que Licurgo foi para Esparta) e da civilização grega como um todo. O que é muito. Aliás, “muito mais do que muito”, como diria o nosso poeta da “ave de prata”.

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

16/06/2016


O TEMPO E O SENSO

Valério Mesquita*

Nos dias de hoje, o ânimo de viver nos torna inconstante e nos empurra para buscas ávidas de expressão, imaginação e criatividade. O próprio  Luís  da Câmara Cascudo, no passado, apesar de um ser simples, foi uma figura numerosa, pois escreveu sobre tudo e sobre todos. Conheço muitos escritores conterrâneos que detêm idêntica curiosidade inesgotável e volubilidade inventiva contagiadas pelas ideias, gostos e poder aliciante do charme da escrita cascudiana. E nesse particular, todos foram largamente influenciados pelo desejo insofreável de ressurreição do tempo morto, pela inestimável compreensão da alma coletiva das gerações passadas que se encontram como que cristalizadas em todos nós. São as nossas afinidades eletivas fincadas na íntima, nostálgica página evocativa que romantiza a realidade ou, às vezes, a fantasia. Daí, não me encantar tanto com os procedimentos rotulados de culturais pela mídia eletrônica e certos gestores públicos. Não é a compulsão de recapturar o antigo só por ser antigo. O que desejamos, penso, é respirar o oxigênio cultural que foi dotado de um poder de radiação imanente, que se manteve vivo, apesar do efeito paulatino, paradoxal e destrutivo de uma “cultura de aparências”, fóssil e fútil, atualmente em alto astral! O crítico Paulo Prado chegou a afirmar no seu livro Retrato do Brasil que a proliferação desse contraditório “representava a astenia da raça, o vício de nossas origens mestiças”. Nada mais verdadeiro e impiedoso.

A cultura se transformou num circo mambembe de vaidades ressentidas, perdida nas suas cismas e inseguranças, desde o tempo em que o Ministério da Cultura tornou-se serpentário de figuras exóticas e estereotipadas. No Rio Grande do Norte, por exemplo, está na hora do governador reunir os órgãos de cultura do estado: Academia Norte-rio-grandense de Letras, Conselho de Cultura, Instituto Histórico e mais ensaístas, poetas, historiadores, sociólogos e críticos literários para ouvir sugestões dessa atividade tão pluralista e significativa da sociedade, porém, totalmente esquecida e somente lembrada para eventos passageiros. Nas vésperas, por exemplo, do governo contrair um vultoso empréstimo internacional, as entidades culturais não foram ouvidas para discutir e identificar os seus problemas estruturais. É com profunda lástima que vemos as edificações, casarões e monumentos que representam o vasto painel da dramática criação de uma sociedade civil de cem e de duzentos anos passados se encontrarem em estado de deterioração. Lembremo-nos que o “passado não passa”. A beleza plástica dos casarões, o teor emotivo e sentimental que retrata a abordagem lírica de épocas imemoriais, em qualquer país civilizado, nunca foram substituídos por folguedos e fanfarras. A preservação do patrimônio histórico e artístico do Rio Grande do Norte precisa de maior atenção e acuidade perceptiva dos governos. Como na Trindade Santa, o passado, o presente e o futuro se entrelaçam na mesma realidade temporal. São três tempos distintos numa só integridade temporal; amalgamados de ideias e inteiriços. Que esse cabedal seja intenção e deliberação permanentes dos órgãos de cultura do estado. Vamos aguardar.