26/06/2016

GUMERCINDO SARAIVA

  
CANTINELA
DO
BECO DA QUARENTENA

A célebre rua estreita e curta, na sua longa existência tem aparecido através de música, teatro, prosa, quadra epoemas modernos, mas, nunca em versaria completa, historiando a sua vida passional, como agora o fazemos, dando-lhe o título de CANTILENA DO BECO DA QUARENTENA, O mestre Castilho, em sua época, condenou as Sextilhas, mas os cantadores de vida, principalmente Nordestinos, escreveram seus poemas no estilo tradicional, também conhecidos por versos-de-seis pés.

A Sextilha-setissílaba tem várias formas de rimas, mas adotamos, como a maioria dos cantores-matutos, na fórmula mais popularizada – ABCBDB, - muito usada a começar do Século XVI. Mesmo os poemas eruditos, versejaram neste estilo e eram aplaudidos porque o canto logo cedo seria decorado pelo emparelhamento das rimas visivelmente aparecendo quase juntas.

Sobre o termo CANTILENA, que tanto pode ser uma cantiga suave, como também uma narração fastidiosa, impertinente e enfadonha, resolvemos situá-la fora da canção que, na musicologia - aparece i

Há muitos anos vimos realizando uma pesquisa em torno de logradouros natalenses, insignificante, inexpressiva, atoa, e J. J.,Rousseau chegou a dizer que não era aconselhável seu nome aparecer nos dicionários musicais, contudo, o dicionarista português Ernesto Vieira afirmou - "Hoje emprega-se o termo num sentido desprezível para
designar uma melodia trivial e monótona". E num dos versos de Camões
- OS LUSÍADAS - encontramos: - “As doces Cantilenas que cantavam os emicapros deuses”,

No nosso livro ADAQIÁRIO MUSICAL BRASILEIRO, editado por Saraiva S/A, S. Paulo, pg. 41, sobre o termo, escrevemos: - “Acaba com essa cantilena - que é uma canção suave, cantiga simples. No sentido em que se emprega o adágio, quer dizer' entretanto, que se deve acabar com a maneira usada para iludir, com a astúcia, Acabe com cantilena - isto é, deixe de querer tapear, iludir, enganar”.

Estando, portanto, Cantilena em vários dicionários de música, chegamos à conclusão que o vocábulo de tão simples formação, representa um insignificado aspecto na fonologia de um povo. E, de sua inexpressividade, apelidamos a versaria comida neste trabalho.

-oOo-

A promiscuidade dos sexos, o oficialismo da prostituição adesmoralização da sociedade com seus costumes educativos a perversão desenfreada, edificam-se em Natal no início do Século XVII e talvez atravesse outros tempos que vierem pela frente, porque continua cada vez mais alargado o caminho espaçoso, tenso e amplo da miséria humana, vivida no centenário “Beco da Quarentena”.
mas, o "Beco da Quarentena" foi o que mais impressionou ao estudioso dos costumese tradições norte-rio-grandenses, porque em nossa meninice fomos assíduos frequentadores daquele antro de vícios, juntamente com outros colegas que já se foram do nosso convívio. Consequentemente, jamais no bairro da Ribeira uma rua ilustrou tanto as páginas de jornais, com assiduidade e constância, a boemia, a vagabundagem, a imoralidade e a falta de decoro na ociosidade daquele ambiente de degenerescência moral.

Anos passados, numa das aulas que demos 'no "Curso João Caetano", promoção do "Teatro de Amadores de Natal", a convite do teatrólogo Sandoval Wanderley, no prédio do "Instituto Histórico e Geográfico do Rio G. do Norte, abordamos o tema da poesia popular, ocasião em que lemos o trabalho agora transformado numa plaquete, a nosso ver, sem nenhum fator literário. Oferecendo em seguida a versaria, eis que Sandoval Wanderley transformou o assunto numa peçade sua autoria.

No decorrer do tempo, outros poetas e escritores escreveram trabalhos literários enriquecendo a cultura norte-rio-grandense, envolvendo fatos existidos no famigerado logradouro que ainda hoje vive seus dias amargurados porque ainda é notória e até de “utilidade pública” sua vivencia repleta de mulheres “perdidas”, alcoólatras inveterados e toxicômanos encontrando nos entorpecentes as sensações anômalas de uma geração cheia de complexos sociais. 

A história contada pelo amigo que pediu segredo é verdadeira. Ouvimo-la e a levamos para a versaria já conhecida por alguns intelectuais de nossa terra, pois há precisamente cinco anos fizemos publicação na Tribuna do Norte – 22-7-73 de uma parte da narração e, em seguida, um grupo de oficiais da Policia Militar do Estado tirou vários exemplares em xerox.

G. S.
Natal, março de 1979



Vinha do alto sertão
Trazendo um velho vestido
Uma calça e um sutiã.


Sua cor de Tez morena
Com cabelo cacheado
O corpo era um violão
Como sendo torneado
Tinha o rosto de criança
Parecia um mimo achado.

Sem nenhuma experiência
Embrenhou-se na desgraça
Juntamente com as colegas
Que eram moças de outra praça
Tomando a sua maconha
Com tangerina e cachaça

Às vezes, elaia no banho
La no Rio Potengi
Em noites de lua clara
Muitas horas eu assisti
Seu corpo banhado n’água
Como se fosse a Jaci.

Ainda nas calças curtas
Residindo na Ribeira
As mulheres “davam sopa”
Vivendo na bebedeira
Minha vida tinha inicio
No antro da “buraqueira”.

Naquele Becoda lama
Constantemente vivia
Entrando de porta adentro
E a pobre da inquilina
Desamparada morria.

Sem ter pra quem apelar
A miséria ali reinava
Jamais a “Saúde Pública”
Naquele Beco passava
Poe isso é que uma criança
Perdida no mundo estava.



Muitas “doenças do mundo”
Empestavam a mocidade
E essa chaga malditosa
Contaminava a cidade
Pois conheci muita, gente
Morrendo na flor da idade

A Polícia era constante
Dava ronda a noite
inteira
Mas nunca evitou as brigas
Vivendo de tal maneira
Que muitas mortes ali houve
Por-causa da bebedeira.

No outro dia, os Jornais
Lamentavam, tinham pena
Dando notas alarmantes
A coluna era pequena
Pra contar as suas brigas
No “Beco da Quarentena”.

Ocrime mais hediondo
De que tive conhecimento
Foi feito por um tarado
Por nome de Nascimento
Matou a Maria Rosa
ex-esposade um detento.

Nascimento era “embarcado”
Do navio “D. Vital”
E passando o ano inteiro
Afastado de Natal
Por isso matou a Rosa,
Através do seu punhal.

Naquele Beco infeliz.
Conheceu a tal mulata
Conquistando o seu amor
Dando-lhe joias de prata
Assim, a Maria Rosa
Das mulheres, era a “nata” ...
Também conheci a Rosa
E com ela tive amor...
Era mulher carinhosa
Com seu corpo de esplendor
Seu riso, seu olhar triste
Tinha a ternura da flor.

Cantava samba e modinha
Ao som do meu violão
Recitava alguns poemas
Coma maior exaltação
Parecia a voz dos pássaros
Nas manhãs do meu sertão

Praieira dos meus amores
Rosa cantava sorrindo
Ninguém melhor do que ela
Interpretava sentindo
O que Otoniel contou
Naquele poema tão lindo.

Outras modas potiguares
Rosinha cantarolava
“Abre a janela ...” do Ivo
Feita a mulher que ele amava
E Olímpio Batista Filho
Horas depois, musicava.

As mulheres mais formosas
Daquele Beco infernal
Tinham os nomes mais lindos
Que conheci em Natal;
Rosa, Judith, Jurema.
Jaqueline e Marial,

Iracema eJacira
Julimar, Inês, Bonina
Iraci, Branca e Maria
Isabel, Mara e Alvina
Inês, Pureza, Cecí
Alice, Marta, Venina.


Foram “mulheres da vida”
eu de todas tinha pena
Pela fome que passavam
Corno um bando de falena
Vivendo desabrigadas
No “Beco da Quarentena”.

Infeliz de uma mulher
Que morar naquela rua
Nunca mais terá sossego
Com a vida que ali flutua
Pois pra ganhar o seu pão
Tem que ficar toda nua.


Vendendo por mixaria
O que lhe deu o Criador
Beijos, abraços, afetos
Felicidade e pudor
E seu formoso corpinho
O coração, e o amor.

Quarentena! És um inferno
Que os bichos-homens criaram
No reinado da miséria
Suas vidas estragaram
Infelizes dos mortais
Que naquele Beco andaram.

Quantas vidas preciosas
No Beco da perdição
Tiveram sua má sorte
Pois não indo pra Prisão
Findavam no Cemitério
Sem ter uma "Extrema-Unção".

Faca, peixeira, quicé
Canivete e até porrête
Eram armas que se usavam
Quando havia “tirinête”
E a soldada fugia
Pra se livrar do cacete.

Meu amigo Zé Vicente
Que morava em Caicó
Foi um menino educado
Pela sua bisavó
Logo cedo foi ao Beco
Saindo de lá, cotó.

Numa briga de malandros
Defendendo o Pedro Tasso
Duma bruta covardia
Levou um forte balaço
Indo ficar no "Hospital"
Perdendo afinal um braço

Pederastas, cafetinos
Maconheiros, afamados
Frequentavam o tal Beco
Sendo bastante estimados
Avistando com seus homens
Com os quais eram amigados.








22/06/2016

   
Tomislav R. Femenick
 
 
6 de agosto de 1955

“Meu caro Mota Neto:

Guardo ainda magnífica impressão da visita que fiz à progressista e culta cidade de Mossoró. Não posso conter as repetidas emoções que aí experimentei, ao contato da gente laboriosa e na contemplação das belas paisagens que as planícies e as pirâmides de sal mais embelezam.

É, realmente, Mossoró uma oficina de trabalho constante, cujos resultados transpõem as fronteiras do município e contribuem para o fortalecimento das indústrias de todo o país. Dentro dessa colmeia se erguem as chaminés de suas fábricas, movimentadas por seus operários compreensíveis e capitães de indústria, que oferecem aos habitantes e consumidores de outras regiões os produtos e as matérias-primas tiradas de seus campos agrícolas e do seu subsolo, prodigiosamente rico.

As extensas salinas estão a reclamar a iniciativa dos homens progressistas, como a cera de carnaúba, o algodão, o gesso e a semente de oiticica reclamam um aproveitamento mais racional com a sua industrialização no próprio centro de produção. Isto permitiria a atividade de uma multidão de trabalhadores, como impediria a evasão de rendas que viriam enriquecer o município e o Estado.

Você, a quem me acostumei a estimar, desde a nossa passagem pela Câmara Federal, ainda é moço e animado de confiança nos destinos de nossa terra. Ao lado do jovem prefeito Vingt Rosado, cujo dinamismo de perto admirei, e do deputado Dix-Huit Rosado, herdeiro, como seu irmão, das virtudes cívicas de Jeronymo Rosado, que se refletiram, também, na realidade varonil do saudoso Governador Jeronymo Dix-sept Rosado Maia, muito pode fazer pela vitória de nossa campanha democrática.

Essa convicção se fortaleceu no meu espírito na troca de ideias que tive com o nosso digno candidato a Governador, deputado Jocelyn Vilar, que me pôs a par do movimento que se está procedendo no Rio Grande do Norte e, principalmente, na Zona Oeste, cujo centro mais importante é a cidade de Mossoró.

Esse município não poderia mentir ao seu passado de baluarte da liberdade, submetendo-se as imposições extemporâneas de forças ocasionais no cenário político do país.

Os atuais líderes da democracia em Mossoró – e você é um deles – apenas repetiram o gesto altivo dos abolicionistas de 1833. Sei que foi a sua residência transformada no centro de reação contra os falsos defensores do brio e da dignidade do povo potiguar. Nesse centro – sei também – que se reuniram na mesma harmonia de pensamento, políticos e patriotas da estirpe de Lucas Pinto, Vingt Rosado, Rodrigues de Carvalho, Francisco Brasil de Góis, Dix-Huit Rosado e Francisco Amorim, formando uma verdadeira trincheira de defesa democrática, culminando com a feliz e vitoriosa de Jocelyn Vilar ao governo do Rio Grande do Norte.

A minha disposição de atender as aspirações dessa região já tive o ensejo de expor em comícios realizados aí e em Areia Branca, acentuando, principalmente, que o porto de Areia Branca, o sexto do país em volume de exportação, será a minha primeira preocupação, na série de obras a serem realizadas, no que se refere ao Rio Grande do Norte. Esse mesmo compromisso assumi em conversa que tive com o deputado Jocelyn Villar, cujos propósitos de servir a sua terra são idênticos aos meus.

Recomende-me a todos os correligionários e receba um afetuoso abraço do

Juscelino Kubitschek"

20/06/2016

 
   
   
 
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As leis de Sólon

Algumas poucas dezenas de anos após a época de Drácon (650-600 a.C., aproximadamente) e de seu famoso “código de leis”, as “leis draconianas”, datadas de 621 a.C. (aproximadamente), sobre quem e o que conversamos na semana passada, a Grécia ateniense se via novamente despida de paz e em vias de enfrentar uma guerra civil (algo não muito raro naqueles tempos lendários) entre os vários clãs e classes sociais existentes.

É nesse difícil contexto político e social, mais precisamente no ano de 595 a.C., que emerge a grande figura de Sólon de Atenas (638-558 a.C., aproximadamente), aristocrata de nascimento, comerciante de profissão, filósofo, poeta, estadista e magistrado, que – junto com Pítaco de Mitilene, Periandro de Corinto, Tales de Mileto, Quílon de Esparta, Cleóbulo de Lindos e Bias de Priene, segundo o rol que se tornou mais comum – é considerado um dos sete sábios da Grécia antiga.

A despeito de sua origem aristocrática, Sólon era por todos – velhos e jovens, políticos e comerciantes, aristocratas e homens comuns – tido em alta conta em virtude da sua sabedoria e da sua honestidade. Sobre Sólon, o grande historiador e biógrafo grego Plutarco (45-120) anotou algo como: “a classe alta concordou com ascensão política de Sólon porque ele era rico; e os pobres, porque sabiam que ele era honesto”.

Sólon, portanto, era o nome perfeito para pôr fim às guerras de facção e à desordem em geral e para promover as reformas (políticas, sociais, econômicas e jurídicas) necessárias.

E, assim, em 595 a.C., Sólon foi nomeado magistrado (arconte) de Atenas, com a responsabilidade de elaborar um novo conjunto de leis – ou “Constituição”, na forma ainda rudimentar de então, da qual ele foi, segundo Aristóteles, o seu grande “árbitro” – para essa cidade-estado.

No campo do direito propriamente dito, Sólon, antes de mais nada, revogou a maior parte da severa legislação de Drácon. Sólon, assim, deu uma nova abordagem ao direito na sociedade/civilização grega, apartando-se da tradição vigente. Entre outras coisas, como exemplifica e explica Michael H. Roffer (em “The Law Book: from Hammurabi to the International Criminal Court, 250 Milestones in the History of Law”, Sterling Publishng Co., 2015): “Acreditando que a igualdade desestimula a guerra, Sólon introduziu um novo equilíbrio de poder entre os nobres e os cidadãos comuns. (…). Ele tornou a justiça mais acessível ao facultar a todos os cidadãos o direito de ação e ao estabelecer o direito de apelação das decisões dos magistrados”. Atribui-se a Sólon a criação da Eclésia, assembleia popular da qual podiam participar todos os homens livres atenienses, desde que filhos de pai e mãe atenienses e maiores de 30 anos. Dentro da Eclésia, Sólon criou uma corte suprema, a Helieia, responsável por conhecer das apelações dos cidadãos. Sólon também criou a Bulé, uma assembleia/conselho de representantes de diferentes classes sociais encarregado de debater os projetos de lei antes da apreciação/aprovação pela Eclésia. Como também anota Michael H. Roffer, “a maioria dos historiadores veem nos esforços e sucessos de Sólon o fundamento da democracia grega, principalmente na flexibilização dos requerimentos de elegibilidade para o exercício dos cargos públicos, permitindo ao cidadão comum o acesso a estes”.

Ademais, como lembra Robert Hockett (em “Little Book of Big Ideas – Law”, A & C Black Publishers Ltd., 2009), Sólon também patrocinou várias reformas legais destinadas a eliminar práticas deletérias fundadas no poder econômico. Ele perdoou as dívidas dos agricultores e eliminou a escravidão como forma de execução de dívidas ou em razão de insolvência, sem falar nas medidas tomadas “diretamente contra cidadãos ricos que usavam do

seu poder econômico para obter vantagens nos vários níveis de governo”. Sólon, claro, provocou descontentamentos. Muitos na rica aristocracia não queriam perder seus privilégios; e boa parte povo queria mesmo, sobretudo, uma ampla reforma agrária. Bom, paciência, não dá para agradar a todos.

Por derradeiro, Sólon também cuidou para que sua legislação fosse o mais estável, previsível e acessível possível. Suas leis eram gravadas tanto em peças de madeira (chamadas “anoxes”) como em pilares de pedra (denominados “kyrbeis”), que eram fixados em espaços públicos para o conhecimento de todos. Talvez por isso, somado às qualidades intrínsecas delas, muitas das “leis de Sólon” vigoraram em Atenas por cerca cinco séculos; talvez por isso, somado à divulgação por ele mesmo empreendida em suas viagens, durante o seu exílio voluntário de dez anos, pelo mundo conhecido de então, a sua legislação tenha servido de modelo para várias outras cidades-estado da Grécia antiga.

Isso tudo, junto e misturado, faz do sábio/poeta Sólon um dos “pais fundadores” de Atenas (à semelhança do que Licurgo foi para Esparta) e da civilização grega como um todo. O que é muito. Aliás, “muito mais do que muito”, como diria o nosso poeta da “ave de prata”.

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

16/06/2016


O TEMPO E O SENSO

Valério Mesquita*

Nos dias de hoje, o ânimo de viver nos torna inconstante e nos empurra para buscas ávidas de expressão, imaginação e criatividade. O próprio  Luís  da Câmara Cascudo, no passado, apesar de um ser simples, foi uma figura numerosa, pois escreveu sobre tudo e sobre todos. Conheço muitos escritores conterrâneos que detêm idêntica curiosidade inesgotável e volubilidade inventiva contagiadas pelas ideias, gostos e poder aliciante do charme da escrita cascudiana. E nesse particular, todos foram largamente influenciados pelo desejo insofreável de ressurreição do tempo morto, pela inestimável compreensão da alma coletiva das gerações passadas que se encontram como que cristalizadas em todos nós. São as nossas afinidades eletivas fincadas na íntima, nostálgica página evocativa que romantiza a realidade ou, às vezes, a fantasia. Daí, não me encantar tanto com os procedimentos rotulados de culturais pela mídia eletrônica e certos gestores públicos. Não é a compulsão de recapturar o antigo só por ser antigo. O que desejamos, penso, é respirar o oxigênio cultural que foi dotado de um poder de radiação imanente, que se manteve vivo, apesar do efeito paulatino, paradoxal e destrutivo de uma “cultura de aparências”, fóssil e fútil, atualmente em alto astral! O crítico Paulo Prado chegou a afirmar no seu livro Retrato do Brasil que a proliferação desse contraditório “representava a astenia da raça, o vício de nossas origens mestiças”. Nada mais verdadeiro e impiedoso.

A cultura se transformou num circo mambembe de vaidades ressentidas, perdida nas suas cismas e inseguranças, desde o tempo em que o Ministério da Cultura tornou-se serpentário de figuras exóticas e estereotipadas. No Rio Grande do Norte, por exemplo, está na hora do governador reunir os órgãos de cultura do estado: Academia Norte-rio-grandense de Letras, Conselho de Cultura, Instituto Histórico e mais ensaístas, poetas, historiadores, sociólogos e críticos literários para ouvir sugestões dessa atividade tão pluralista e significativa da sociedade, porém, totalmente esquecida e somente lembrada para eventos passageiros. Nas vésperas, por exemplo, do governo contrair um vultoso empréstimo internacional, as entidades culturais não foram ouvidas para discutir e identificar os seus problemas estruturais. É com profunda lástima que vemos as edificações, casarões e monumentos que representam o vasto painel da dramática criação de uma sociedade civil de cem e de duzentos anos passados se encontrarem em estado de deterioração. Lembremo-nos que o “passado não passa”. A beleza plástica dos casarões, o teor emotivo e sentimental que retrata a abordagem lírica de épocas imemoriais, em qualquer país civilizado, nunca foram substituídos por folguedos e fanfarras. A preservação do patrimônio histórico e artístico do Rio Grande do Norte precisa de maior atenção e acuidade perceptiva dos governos. Como na Trindade Santa, o passado, o presente e o futuro se entrelaçam na mesma realidade temporal. São três tempos distintos numa só integridade temporal; amalgamados de ideias e inteiriços. Que esse cabedal seja intenção e deliberação permanentes dos órgãos de cultura do estado. Vamos aguardar.

15/06/2016


A HONESTIDADE EMPRESTA
CORAGEM a quem a possui
                                                    Por  JANSEN LEIROS

Cheguei ao flat AYAMBRA, na rua 25 de dezembro, nº 525, em Natal, na Praia do Meio  e me dirigi à recepção do HOTEL,  para saber se lá estaria hospedado o Dr. Diógenes Veras, professor da UFRN. 
Uma jovem muito bem apessoada atendeu-me, respondendo que o professor morava ali, efetivamente, e que, em poucos minutos eu seria anunciado e por ele atendido.
De fato, dois minutos depois, ali estava o professor Diógenes Veras, que me recebeu gentilmente, convidando-me para sentar ao seu lado,  enquanto ele refrescava a garganta com uma cerveja,  convidando-me para acompanha-lo. Agradeci!

É oportuno dizer que, estando aposentado dos quadros da Procuradoria Geral do Estado, na condição de Assessor Jurídico, fora convidado a prestar assessoramento à Presidência do Instituto Histórico e Geográfico do RN, o que aceitei, honradamente,  pois que fazer cultura é coisa que nos empolga sobremaneira.
O assessoramento que presto à presidência do IHGRN, implica em catalogar notícias à guisa de crônicas, objetivando contribuir com o noticiário da cidade, informando acontessências.
Amigo pessoal do Dr. Diógenes, filho de um amigo da juventude, o Dr. Alcyr Veras, e conhecendo suas andanças pela Europa, pedi que ele me relatasse um episódio, ocorrido no Além Mar, para meu conhecimento, merecedor de registro que era.. Vejamos!
 A esposa do Professor Diógenes fora agraciada com uma bolsa de estudos em Madrid, na Espanha, através da qual defenderia uma tese de mestrado.    
Arrumaram suas malas e voaram para Madrid, na Península Ibérica!
Obviamente que Diógenes, possuidor de cultura eclética, logo conseguiu entrosar-se no meio universitário e, de mãos dadas com sua esposa passaram alguns anos usufruindo dos ares da Terra de Cervantes!
Todavia, uma greve eclodiu na  Universidade e, depois de várias tentativas de negociação não exitosas, a Presidência da República do Brasil, usando de sua autoridade, determinou que o ponto dos faltosos fosse cortado. A bolsista teve seu ponto bloqueado!
Fora de seu país, sem parentes e sem meios para suprir suas necessidades, a família brasileira, constituída de cinco pessoas, passou a ter dificuldades no exterior..    Assim,    Diógenes    chegou   a    ter   sérios problemas de sobrevivência  e chegou até a trabalhar de garçom, porteiro de edifício  e  outras atividades, para sustentar seus dependentes!
Tomando  conhecimento de que  o Presidente da República do Brasil,  Dr.  Fernando  Henrique  Cardoso  visitaria oficialmente  a capital da Espanha, Diógenes decidiu redigir  uma carta respeitosa e entrega-la ao Presidente, se possível pessoalmente.  
Traçou seu plano e lá se foi o brasileiro entregar a bendita carta, seguindo ao encontro do ilustre visitante.  
Preparou-se emocional e espiritualmente e foi para o logradouro, onde passaria o Presidente do Brasil e outras autoridades convidadas, para a solenidade programada. 
Muitas horas Diógenes ficou perfilado, aguardando seu Presidente.
Aliás, muitas outras autoridades desfilaram à sua frente: Viu a chegada do Presidente Russo, Gorbachev; do Presidente Bil Clinton, dos Estados Unidos, que chegou a conversar com um patrício que ali se encontrava;  dando seguimento, chegava a comitiva do Dr. Fernando Henrique Cardoso, com seu com seu séquito, bastante pomposo, e, quando o Presidente aproximou-se de onde estava Diógenes, ele ergueu o braço, mostrando a carta que segurava em sua mão, dizendo  Presidente!Tenho uma carta para o Senhor    O Presidente Chamou uma senhora de sua comitiva, vestida de branco, que    deve ter pedido a alguém  para apanhar a carta. 
Um senhor alto dirigiu-se até Diógenes e apanhou o documento que, segurando em uma das mãos, testou-a batendo-a no próprio braço, para certificar-se da não existência de veneno ou algum explosivo a ela aderido e entregou-a ao Presidente, que a guardou num dos bolsos do palitó.

Meses depois, Diógenes recebera uma correspondência do Governo Brasileiro, desculpando-se da ocorrência e comprometendo-se a proceder ao pagamento das faltas descontadas. 
Mostrou ali, que o pais ainda era sério. 

14/06/2016

MEMÓRIA VIVA - TVU


Quarta feira, dia 15 às 19:30 horas será exibida pela TVU no programa MEMORIA VIVA, entrevista que gravei na semana passada. Entrevistador principal: Tarcísio Gurgel. Outros entrevistadores: Carlos D Miranda Gomes e Odúlio Botelho.
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Marcelo Alves


As leis de Drácon

Como sabemos, antes do advento das primeiras leis escritas – algumas delas já comentadas aqui, como o Código de Ur-Nammu e o Código de Hamurábi –, as pessoas (infelizmente) dependiam da memória e da tradição oral para fins de conhecimento e transmissão do direito de geração para geração. 

É dentro desse contexto de valorização do direito escrito, muito mais estável e seguro que o direito oral, que emerge a figura de Drácon (650-600 a.C., aproximadamente), aristocrata, estadista, legislador e magistrado grego (titulado de “arconte”, como membro da assembleia de nobres grega denominada “Arconato”) que é por muitos considerado o responsável pelas primeiras leis escritas de Atenas e da Grécia antiga, as “leis draconianas”, datadas de 621 a.C. (aproximadamente). 

Muito pouco se sabe com segurança sobre a vida e a morte de Drácon, ambas envoltas em lenda, além do “código de leis” ou “Constituição” que ele elaborou (ou talvez muito mais compilou, cristalizando leis já existentes), que restou conhecido, na história do direito, pela sua severidade, ao ponto de, hoje, o adjetivo “draconiano” ser representativo, com conotação pejorativa, de um rigor absurdamente excessivo e indesejado. 

“As leis de Drácon” – chegou a afirmar, segundo reza lenda, o orador e diplomata grego Dêmades (380-319a.C., aproximadamente) – “foram escritas não com tinta, mas com sangue”. De fato, como registra o grande historiador e biógrafo grego Plutarco (45-120), na legislação de Drácon a pena morte era atribuída para a maioria das ofensas/crimes ali previstos. Assim se dava, por exemplo, tanto com um homicídio como com um “simples” furto. E, nesse ponto, também reza a lenda que o próprio Drácon, quando questionado sobre a imposição da pena de morte para ofensas/crimes de pequena monta, haveria dito algo como: “as ofensas/crimes menores merecem a pena de morte; e, infelizmente, não há pena maior que eu possa atribuir aos crimes mais graves”. 

Entretanto (e antes que vocês pensem o contrário), deve-se enfatizar que muito também milita em favor de Drácon e de sua legislação. Antes de mais nada, boa parte dessa legislação não é propriamente criação de Drácon. Mas ele foi o responsável por colocar no “papel”, veículo de transmissão do conhecimento (e do direito, especificamente) muito mais preciso que a tradição oral, aquilo que já existia (incluindo as antigas e severas leis e punições). E aqui reside, em boa medida, a grandeza de Drácon, como instrumento do ideal de que o direito deve ser estável, previsível e acessível a todos. Até o tempo de Drácon, como anota Rene Albert Wormser (apud Michael H. Roffer, “The Law Book: from Hammurabi to the International Criminal Court, 250 Milestones in the History of Law”, Sterling Publishng Co., 2015), o direito grego “repousava nas memórias dos aristocratas e dos seus sacerdotes”; a partir de Drácon, “tornou-se possível para um cidadão comum [ao apelar para o Areópago, o tribunal supremo de Atenas] apontar para uma página [ou para o pedaço de madeira, no qual as leis foram também gravadas] e um parágrafo e dizer: 'estes são os meus direitos'”. Sob esse ponto de vista, muitos, entre eles o grande Aristóteles (384-322 a.C.), apontam Drácon como o responsável pela primeira Constituição escrita de Atenas (embora uma Constituição muito rudimentar para o conceito que hoje temos dessa espécie de diploma legal). 

No mais, mesmo quanto ao conteúdo, a legislação de Drácon contém muita coisa boa, progressista por assim dizer, se levarmos em consideração os padrões do direito daquela época, mas também tendo por parâmetro a evolução da ciência jurídica até nós. Nesse sentido, a mais famosa disposição da legislação de Drácon – até porque muito pouco “draconiana” – diz respeito à inovadora distinção entre homicídio intencional (ou doloso, se fizermos uso, mesmo com alguma atecnia, de uma expressão mais comum entre nós) e não intencional (ou culposo), punindo este último crime com a pena mais leve de exílio. Drácon, para quem não sabe, é considerado até hoje o “pai” dessa elogiável e necessária distinção. 

Bom, considerando tudo isso, convenhamos, o que fez esse tal de Drácon – cujo epíteto em forma de adjetivo (draconiano) viajou por mais de dois milênios –, tanto para a sua Atenas como para nosso direito, não foi pouca coisa. 

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP