NILO PREIRA – O MENINO DO VALE
Lúcia Helena Pereira (*)
Somente
as pessoas dotadas de sensibilidade são capazes de transportar suas
emoções, seus momentos de ascese e contemplação do seu mundo interior,
para o coração de grandes platéias- Nilo Pereira foi mestre nessa arte.
Ele
sabia como demonstrar o seu largo saber, sua devotada e humanista visão
de fidelidadeao passado, enaltecendo, na maioria de suas palestras e
suas obras, o vale verde, seus vultos, paisagens, os engenhos espalhando
o odor do
melaço emanado dos grandes bueiros pincelando o ar!
Um
homem de princípios honestos. Conventual em muitas de suas atitudes,
católico praticante e devoto de São Francisco de Assis e N.Sra. da
Conceição, padroeira do vale ceara-mirinense.
Orador
de valor absoluto, inteligente, culto, estava sempre cheio de
sensibilidade intelectual. Levava-nos às melhores emoções com suas
palestras, seus livros, suas crônicas, fazendo-nos viajar através dos
tempos. Nessas viagens,
induzia-nos a fascinantes itinerários, onde podíamos vasculhar o
passado, principalmente quando se deleitava em contar sobre o seu amor
pelo vale. Amor evocado com a força do coração e da saudade.
Fiel
à cidadezinha que o viu nascer e alcançar os primeiros e dourados sóis
da adolescência, foi traído pelos mistérios do destino ao enfrentar as
intempéries da vida, com heroísmo, junto à sua família. Nasceu, assim, o
seu exílio
sentimental e voluntário, em Recife-Pernambuco, deixando a sua terra, a
gente, a paisagem, o Verde – Nasce. E Nilo Pereira deixou os galgos de
louça, primeiros habitantes do solar Guaporé, segundo ele: “Os dois
galgos de louça, na entrada do velho solar, pareciam
humanos. Tenho certeza de que falavam e, muitas vezes, choravam. Creio
que tinham alma”!
Na
cidade pernambucana, aos poucos ele foi vencendo os obstáculos, as
angústias da saudade, as inseguranças diante da cidade grande,
afirmando-se como advogado, intelectual respeitado, político, professor
universitário, imortal
da Academia da Academia Pernambucana de Letras, sócio da Fundação
Gylberto Freyre, do Instituto Histórico e Geográfico do RN, da Academia
Norte-Riograndense de Letras e demais congêneres.
Nilo
sempre voltava à velha cidadezinha dos canaviais – era o menino em
eterna viagem de regresso à sua terra sagrada. E visitava a cidade com
os olhos iluminados do verdor dos canaviais, escrevendo, com os lumes da
saudade, nos
pergaminhos de sua alma luminosa a história da cidade que ele tanto
amou. A prova desse amor está nos seus livros: “Imagens do Ceará-Mirim”,
Notícias do Invisível”, “A rosa Verde” , “Evocações de Ceará-Mirim”,
além da sua obra lapidar: “Manhã da Criação”.
Nilo
Pereira recebeu muitos prêmios, entre eles, o “Edgar Barbosa” e o
“Machado de Assis”, este último, por conjunto de obras, conferido pela
Academia Brasileira de Letras – prêmio que o RN enalteceu e pelo qual
Nilo foi louvado
e festejado.
Tudo isso provindo da sua ternura humana,
da sua teluridade, das visões dos verdes canaviais, do emocionante dobre
dos sinos da Matriz, do Solar Antunes, do Guaporé, do Verde-Nasce – sua
casa, sua vida, seu grande amor – e tudo
o mais que se constitui na sua paisagem emocional e eterna.
Ele foi uma das melhores expressões da
terra ceara-mirinense. Sempre contagiou a todos pelo imenso amor
devotado ao vale verde, à cidade de Natal e ao Recife – sua terra
adotiva . Esse mesmo amor que vai transpondo os degraus
da imortalidade e refulgindo em luz e brilho, nos olhos estelares da
noite eterna, embalando o menino do Ceará-Mirim, em seu leito de
esmeralda!
Neste
instante, nesta terra querida, não poderia encerrar este humilde
depoimento, sem parafrasear um breve diálogo entre Enélio Petrovich e
eu:-”Lúcia Helena, o nosso Nilo Pereira é o próprio Ceará-Mirim. É o
saudosismo, o misticismo
poético, o alumbramento diante do vale abençoado. O vale que ele tanto
amou e engrandeceu, como engrandecido está o Rio Grande do Norte pelas
honrosas contribuições que deixou”.
A saudade traz as sinfonias poéticas que o
tempo não apaga. Guardo pois, na memória, as palavras de Câmara
Cascudo, numa de suas constantes visitas à vovó Madalena Antunes, em
meados de abril de 1958, acompanhado de Edgar Barbosa
na casa da Hermes da Fonseca. Cascudo vinha eufórico e noticiou com
ênfase: “Madá (Madalena), o lançamento do seu livro menina, será uma
apoteose. Trago carta do seu sobrinho Nilo Pereira confirmando presença
em sua festa dos autógrafos de Oiteiro – Memórias
de uma Sinhá-Moça. Não é uma maravilha? Eis o menino que volta para
festejar a Sinhá-Moça”.
Por fim, com imensa honra, evocar a poesia
de Diógenes da Cunha Lima, dedicada ao Velho Solar – sua mais rica
inspiração, quando do discurso de Nilo, diante da restauração do Solar.
Nessa hora, Diógenes superou e se desprendeu
da matéria, incorporando-se nas dimensões do espírito, ao declamar:
“…No mistério da ausência,
Os pirilampos do vale
São círios da noite escura.
O Guaporé remergulha
Na quietude da morta.
O tempo, velho alquimista
Joga o verde em nossos olhos,
Dá outraq vida ao-que-foi
Na beleza restaurada:
Deus caprichou neste vale,
Na manhã da criação, Em verde, luz, soledade”!
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Comentário de Roberto Pereira
“Chorei
com esta página de saudade, sejam pelas fotos, seja, sobretudo pela
bela mensagem que você, Lucia Helena, grande poeta, escreveu com a tinta
do amor fraternal. Como filho de Nilo estou tocado de elevada emoção.
Obrigado,
querida prima. Abraços afetivos Roberto Pereira.