Macau:
a cidade, o sal e a luta por direitos
João Maria De Sousa Fraga
Fábio Pereira Feitosa
Por meio deste artigo
apresentamos parte de uma pesquisa que vem sendo
realizada desde março de 2014, cujo objeto de estudo é a cidade de Macau, em
particular o Sindicato dos Trabalhadores na Extração de Sal. Os dados que
servem de base para este trabalho foram coletados através de pesquisas
bibliográficas e também por meio de entrevistas realizadas com antigos
trabalhadores da extração do sal, em salinas macauenses e com seus familiares.
Os olhares lançados às questões apresentadas vêm da lupa de historiadores;
daqueles que não são bombeiros nem juízes, que não resgatam nem condenam;
tentam compreender, criticar, apontar contradições, estabelecer conexões plausíveis
a partir de uma argumentação baseada em indício deixados pelas fontes, como bem
mostra Napolitano (2004, p. 17). Neste sentido, o nosso objetivo maior é
revelar e interpretar dados importantes desse município, considerando o papel
político, histórico e econômico de protagonistas ainda pouco valorizados.
Macau possui espaços diversos, complexos e importantes. Optamos por contar recortes de sua história a partir do olhar daqueles que contribuíram significativamente para a grandeza desta região. Elegemos o sal como nosso fio condutor para o desenho desse texto (re) contado por co-autores diretamente implicados. Trataremos do contexto maior do sal no Brasil, visitaremos os espaços dos trabalhadores das salinas macauenses, trazemos anseios organizados em sindicatos e faremos nossas conclusões.
Macau possui espaços diversos, complexos e importantes. Optamos por contar recortes de sua história a partir do olhar daqueles que contribuíram significativamente para a grandeza desta região. Elegemos o sal como nosso fio condutor para o desenho desse texto (re) contado por co-autores diretamente implicados. Trataremos do contexto maior do sal no Brasil, visitaremos os espaços dos trabalhadores das salinas macauenses, trazemos anseios organizados em sindicatos e faremos nossas conclusões.
Macau uma perspectiva histórica (VISTA AÉREA)
(SONDA-TERRA)
O Brasil é dividido em cinco regiões (norte, sul,
nordeste, centro-oeste e sudeste). Macau está localizado na região nordeste.
Esta região possui nove estados; dentre eles, o Rio Grande do Norte. Esse
Estado tem 167 municípios e essa terra salineira se situa microrregião[1] de
Macau, na Mesorregião[2]
Central Potiguar e no Polo Costa Branca[3]. Inicialmente,
este território pertenceu ao município de Assú, desde 1783, depois, a Santana
do Matos, em seguida, a Angicos e finalmente tornou-se autônoma no ano de 1847.
Geograficamente, Macau faz fronteira ao norte com o oceano Atlântico, a leste
com o município de Guamaré, a oeste com os municípios de Pendências, Carnaubais
e Porto do Mangue e ao Sul com o município de Pedro Avelino. De acordo com o último
censo, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
no ano de 2010, Macau contava com uma população de aproximadamente de 28.954
habitantes, estando distantes 174.29 km de Natal, capital do estado.
Este município também é conhecido como um dos
principais polos carnavalesco do Rio Grande do Norte, o que atrai não só
visitantes locais, mas também de todo o Brasil.O
município de Macau encontra-se em umas das principais regiões produtoras de sal
marinho do Brasil, bem como de petróleo e de pescados, sendo reconhecido como um
dos maiores produtores de sardinha do Brasil.
De acordo com o folclorista Luiz da Câmara Cascudo (1968, p.206) Macau tem esse nome desde o ano de 1797. A raiz chinesa do nome explica-se pelo fato de que, desde 1557, Portugal possuía uma colônia na China com este nome.
Macau é uma corruptela da palavra
chinesa A-MA-NGAO e significa Porto ou Abrigo da Alma, deusa dos navegantes.
Tal alusão foi incorporada pela Igreja Católica em Macau em personificada no
nome da padroeira local: Nossa Senhora dos Navegantes, cuja celebração
litúrgica é realizada anualmente no mês de agosto.
Ao analisarmos historicamente o processo
de ocupação do atual município de Macau, percebemos que ele é uma consequência
direta do êxodo dos moradores da extinta ilha Manoel Gonçalves, localizada ao
norte de Macau. Os primeiros habitantes desta ilha chegaram àquela região por
volta do final do século XVII. Dentre os primeiros moradores, estavam
pescadores e trabalhadores das salinas. Ao longo do século XVIII, a ilha Manoel
Gonçalves se tornou um importante entreposto comercial, onde vários navios aportavam
em busca de sal, peixe e algodão, gerando assim uma significativa movimentação
mercantil. Essa atividade desencadeou a transformação da ilha em um importante
porto da então capitania do Rio Grande. O historiador e folclorista Câmara
Cascudo, ao referir-se à ilha Manoel Gonçalves, afirma:
“Em fins do século XVII
era intensamente povoada com armazéns de taipa para guardar peixe seco, rumas
de sal (...) além de gente pobre e pequenos traficantes, nela viviam
portugueses abastados com prole extensa (...)” (Revista do IHGRN –
XXXII/XXXVIII – 1935 a 1937).
A
saída das famílias da ilha Manoel Gonçalves começou a ser desenhada por volta
do ano de 1815. A razão para isso foi o avanço das águas do mar que culminou em
seu total desaparecimento em 1857. Tal evento está registrado no Roteiro da
Costa do Norte do Brasil, de 1857, sob a autoria do piloto Joaquim de Sousa
Aguiar.
Os
primeiros habitantes e povoadores de Macau foram os membros da família do
capitão João Martins de Ferreira. Com o decorrer do tempo, novos moradores
vieram e se fixaram nesta localidade, instalando casas de comércios e fabricas
de sal (Revista do IHGRN – XXXV a XXXVII -1940, p.220). De acordo com Carmo
Junior (2006, p.27): até meados de 1949, a cidade de Macau resumia-se a uma
área menor do que hoje é a área ocupada por seu principal bairro, o Centro.
Ao
analisarmos o desenvolvimento da cidade de Macau, percebemos este teve como período
áureo o intervalo entre as décadas de 1940 a 1960. Este período tornou-se
conhecido pelo significativo aumento da circulação de capital em Macau, decorrente
da atividade salineira. O incremento da economia macauense repercutiu
diretamente nas estruturas sociais, culturais e demográficas; chamamos atenção para
o espaço ocupado nesse contexto pela extração do sal.
Macau contado por homens do sal,
homens e mulheres da herança imaginária do contexto salineiro macauense.
O sal de Macau é protagonista das
belas dunas brancas que tanto encantam os turistas; das praias e do carnaval.
Mas também é protagonista das histórias que acalentas o revolto passado de
familiares que sobreviviam da extração do sal. Se por um lado, o município
ganhava visibilidade com esse recurso, devido ao status que ele tinha, por
outro lado, somava as histórias acalentadas pelos trabalhadores e silenciadas
na dor e na luta.
Sabemos que o sal vem sendo usado
desde os primórdios da humanidade, estando ele presente em diversas culturas
como, por exemplo, nas civilizações babilônicas, egípcia, chinesa e nos grupos ameríndios.
Para Silva (1966) em todo o mundo civilizado o sal sempre se constituiu em um
artigo de primeira necessidade.
Além
de sua importância natural, o sal ao longo da história foi imbuído de um
caráter místico por diferentes povos. Algumas das civilizações antigas o consagravam
as suas divindades. Para os egípcios, o sal era uma matéria sagrada, na Roma
Antiga, ele era tido como um símbolo de sabedoria, sendo utilizado em rituais
com recém-nascidos. Nestes, o sal era jogado sobre os bebês para que não lhes
faltasse sabedoria ao longo da vida. A Igreja Católica incorporou e adaptou
este costume, usando pedras de sal no batismo, para que a sabedoria venha ao
que se batiza (Silva, p.11).
Ao
longo da história, em virtude de seu valor, o sal tornou-se alvo de inúmeras
disputas no globo. Por volta do ano de 250 a.C, Roma e Cartago se envolveram em
uma guerra que tinha como objetivo conseguir o monopólio da produção e
distribuição do sal no mar Adriático e no mar Mediterrâneo. Por volta de 110
a.C, após dar início ao monopólio imperial sobre o sal, o imperador da China Ha
Wu Di passou a considerar como crime a pirataria do sal[4].
O
sal foi objeto de desejo da Coroa Portuguesa. Estando inserida na política
mercantilista, esta proibiu o Brasil de programar e desenvolver manufaturas
têxteis e a indústria de sal. A fim de estruturar tais medidas, o governo
português criou leis, sanções e multas. Ao se referir a este período, o
historiador Caio Prado Junior (1976, p.104), assegura:
“O sal marinho
constituía monopólio da coroa, tendo sido um dos mais pesados e onerosos que a
colônia teve de suportar, pois afetava um gênero de primeira necessidade,
encarecendo-o e para proteger a produção dificultava-se o mais possível a produção
brasileira”.
O monopólio do sal perdurou até meados de
1802, Sobre o seu fim, Caio Prado Junior, afirma:
“A partir da segunda
metade do século XVIII, a situação econômica internacional voltava-se
inteiramente contra as monarquias ibéricas. O antigo sistema econômico, fundado
naquilo que se convencionou chamar o pacto colonial e que representa o
exclusivismo do comércio das colônias para as respectivas metrópoles, entra em
declínio. Prende-se isto a uma transformação econômica profunda: é o aparecimento
do capitalismo industrial em substituição ao antigo e decadente capitalismo
comercial.”
O fim do controle estatal a este mineral é
resultante de uma série de fatores, entre eles: a expansão da pecuária no norte
agrário[5], o
desenvolvimento da mineração, tendo em vista que ambos repercutiram no aumento
da demanda de vários produtos, entre eles o sal. Incapaz de garantir o pleno
abastecimento, a coroa portuguesa permitiu o uso do sal brasileiro, desde que
comercializado por contratadores. Com a chegada da família Real Portuguesa ao
Brasil em 1808, o comércio do sal foi liberado.
O Rio Grande do Norte é um dos principais
produtores de sal do Brasil e tal posto foi fruto de uma série de fatores. Dentre
eles, destacam-se: a localização geográfica do RN, o clima e a periodicidade da
seca, a junção destes quefavorece a intensa obtenção do sal.
Entre os anos de 1808 a 1859, a
indústria da extração do sal em solo potiguar desenvolveu-se com objetivo de
atender à demanda do consumo nacional. O processo de evolução da indústria
salineira no Rio Grande do Norte, de modo especial em Macau, está intimamente
ligado ao contexto nacional de modo especial a partir de 1950, quando na gestão
presidencial de Juscelino Kubitschek a industrialização no Brasil entrou em uma
nova fase, sendo esta impulsionada pelo Plano de Metas[6],
por meio do quais várias indústrias foram beneficiadas.
O
trabalho nas salinas: A rotina dos trabalhadores na extração do sal
Antes de falarmos propriamente
sobre trabalho desenvolvido nas salinas é de suma importância estabelecer uma
diferenciação entre dois personagens que atuam nas dependências deste local e
que comumente são confundidos, são eles: o salineiro e o trabalhador na
extração do sal. O salineiro não é o trabalhador responsável pela labuta de
extrair o sal nas salinas, ele é o proprietário da salina. O trabalhador na
extração do sal é o responsável por extrair este mineral, e ao contrário do
salineiro, ganha miseravelmente.
A produção de sal marinho é fruto
de uma atividade extrativa, sendo este obtido a partir da exploração das águas
do mar. Os Trabalhadores da indústria salineira em Macau provinham
majoritariamente de dois grupos distintos, sendo o primeiro oriundo das zonas
periféricas, localizadas no entorno das salinas, o segundo procedia das zonas rurais
dos municípios vizinhos, como por exemplo: Assú, Pendências, Pedro Avelino,
entre outros. Este contingente era composto por agricultores, que no período de
seca envergavam no trabalho nas salinas uma forma de subsistência para si e
para suas famílias. O ex-trabalhador na extração do sal, Francisco Barbalho,
conhecido como “Tichico” afirma:
“Comecei a trabalhar nas salinas
com meus dezesseis anos (...). Não tinha trabalho, todo mundo da região de
Macau, da cidade de Assú, todo mundo trabalhava nas salinas (...)[7]
O trabalho deste segundo grupo,
assim como a produção do sal, era sazonal. Portanto, no período de entressafra,
que coincidia com o inverno, os trabalhadores voltavam as suas atividades
agrícolas.
A organização produtiva na extração
do sal exigia que os trabalhadores muitas vezes se submetessem a condições
análogas à escravidão. Eles possuíam uma dura jornada de trabalho, começando cedo
da madrugada e poderia variar de 14 a 18 horas por dia. Tinham um intervalo no
horário do almoço. A opção por este horário coincidia com a intensificação da
luminosidade refletida nas pilhas de sal. A jornada de trabalho na extração do
sal ocorria da segunda à sexta, incluindo, muitas vezes, sábados, domingos e
feriados.
A remuneração dos trabalhadores na
extração do sal era feita semanalmente e era calculada de acordo com a produção
individual. Ao desempenhar suas funções, eles utilizavam ferramentas
rudimentares como pás, chibancas e enxadas; não possuíam uniformes. Suas roupas
eram produzidas a partir de sacos de farinha e eles usavam sandálias fabricadas
a partir de borracha de pneus de automóveis amarradas com tiras feitas de
câmara de ar.
A extração do sal é por si só, uma atividade
constante de insegurança e angústia para os trabalhadores. Em virtude da
intensa jornada de labuta, Sabino (1985, p.30) remarca que os traços deixados
no ser humano ao chegar aos quarenta anos. Segundo o autor a aparência é semelhante
a “trapos humanos”. O Jornal A Folha de São Paulo, em reportagem realizada na
década de 1960, ao se referir aos trabalhadores na extração do sal, afirmou:
“Ganha miseravelmente alguns meses,
apenas, por ano (...)”. Além dos pés e das mãos violentadas pelo contato direto
com o sal bruto, há outro problema: o do salineiro que fica cego (...) reflexo
da luz sobre o sal branquíssimo que invade as retinas, força as sensibilidades
e acaba abastando a capacidade visual de um organismo desvitaminado (...)
(Folha de São Paulo, 18 de Abril 1963)
A produção do sal era medida em
alqueire[8]. O
alqueire oficial era de 32 de cuias, mas nas salinas o mesmo valia apenas 36,
essa diferença objetivava compensar o desgaste do sal sob o efeito do vento e
da chuva. O transporte do sal era feito nos chamados balaios. Sobre a condução
do sal nos balaios Fernandes (1995,p.80) em sua obra traz depoimentos de
trabalhadores. De acordo com um antigo trabalhador na extração do sal afirma:
“O balaio era
carregado por duas pessoas. Ele ficava pendurado num pau, uma pessoa ia à
frente e outra ia atrás. Quando estava botando o sal, no balaio, com mais de 60
kg, cada individuou era quem queria botar mais rápido, ai caia, em cima
daquelas pranchas, se arrasava todo... Ah meu amigo, aquilo é vida pro cão,
agora tudo aquilo, mal dormindo, mal comido, desassossegado. O balaio feria a
gente (...)”.
A
claridade do sol era considerada como um dos princípais inimigos dos trabalhadores
na extração do sal. O uso de óculos escuro era previsto em lei e tinham um
tempo útil de aproximadamente um ano. Todavia, quase sempre antes do prazo,
eles já não possuíam utilidade alguma, ocasionando graves problemas na visão. Em
virtude de tais problemas, muitos foram obrigados a se retirar do trabalho e,
diante da impossibilidade de prover o sustento de suas famílias, acabavam
adentrando nos caminhos da mendicância. Outro grave problema era o aparecimento
de tumores ocasionados pelo contato direto com a água do mar associada a
produtos químicos. Tais tumores eram conhecidos como “maxixe”. Eles apareciam
geralmente nos dedos dos pés e nas pernas. Objetivando criar uma suposta proteção
contra uma provável infecção e proliferação dos tumores, os trabalhadores
revestiam o(s) dedo(s) com um bico de mamadeira de criança. Nas salinas
inexistia qualquer tipo de assistência médica.
O transporte do sal para as
embarcações também se constituía em uma complicação enfrentada pelos
trabalhadores, tendo em vista que, ao longo do mesmo, os acidentes eram
constantes, de modo especial as quedas. O transporte era realizado à noite e
acontecia por cima de pranchas de madeiras. A falta de iluminação prejudicava o
percurso e ocasionava quedas.
O rancho era conhecido como um espaço
bastante frequentado pelos trabalhadores na extração do sal. Nele, era
preparada alimentação. Entre os provimentos que não podiam faltar estavam:
feijão, carne seca, farinha, café, bolacha e rapadura.
Os gêneros alimentícios eram
adquiridos pelos trabalhadores por meio da compra nos barracões que funcionavam
como uma espécie de mercearia, no interior das salinas. De acordo com o ex-funcionário
da Companhia de Comercio e Navegação, Francisco de Assis de Miranda, mais
conhecido como “Brizola”, estes locais eram de propriedade dos salineiros e
administrados por um encarregado. Os barracões de acordo com ele “acabavam com
os salineiros, porque vendiam tudo pelos olhos da cara[9]”
Tal afirmação é também confirmada
por Sabino (1985, p.30) quando ele assegura que o barracão cobrava “duzentas ou
trezentas vezes mais caro que os preços normais do comércio”. O pagamento dos
produtos adquiridos pelos trabalhadores era realizado no fim de semana, quando
estes recebiam o seu ordenado pelo labor semanal.
O
Sindicato dos Trabalhadores nas Salinas e luta por direitos
O
Sindicato dos trabalhadores nas salinas foi sem nenhuma dúvida uma das maiores
conquistas alcançadas, tendo em vista que ele surgiu como espaço de discussão
política da categoria. Os trabalhadores na extração do sal de Macau sempre
acalentaram o projeto de articulação e estruturação de uma entidade
representativa para tal setor. A
primeira entidade representativa surgiu em Macau por volta do século XIX,
quando Francisco Honório Canuto da Silveira, Fagundes de Menezes e Pedro Felipe
de Menezes, fundaram a Sociedade dos Homens que Trabalham no Sal. Na atualidade,
existem poucas informações sobre ela. Porém, sabe-se que, devido a sua luta
contra mandos e desmandos, ela foi alvo de forte retaliação por parte da classe
patronal.
A
reorganização da classe dos trabalhadores na extração do sal da cidade de Macau
foi fruto da convergência das inúmeras dificuldades enfrentadas pela classe dos
trabalhadores na extração do sal, bem como pelo contato direto com ideias
vindas do Sul do Brasil.
O
responsável pela rearticulação da classe dos trabalhadores da extração do sal
na cidade de Macau foi Venâncio Zacarias de Araújo. Oriundo de Santana do Matos
e, assim como a maior parte dos trabalhadores na extração do sal, alternava os
trabalhos agrícolas com as atividades nas Salinas.
Em
30 de agosto de 1938, Venâncio organizou uma reunião no rancho da salina Conde
Pereira, popularmente conhecida como salina Julião, Essa reunião teve como
pauta principal a criação de uma associação representativa dos trabalhadores na
extração do sal. Após a reunião, foi fundada a Associação dos Trabalhadores em
Salinas de Macau, sendo presidida próprio Venâncio Zacarias. O presidente da
associação contou com colaboração de Virgílio Bráulio Bezerra e João Eusébio.
Inicialmente, as atividades da
Associação dos Trabalhadores em Salinas de Macau foram realizadas no próprio
interior da salina Julião. Posteriormente, foram transferidas para a sede da
Delegacia do Sindicato dos Marítimos em Macau, onde funcionou de 1939 a 1943,
quando o seu principal líder, Venâncio Zacarias, migrou como Soldado da
Borracha para o Amazonas[10].
Após
uma tumultuada estadia no Amazonas, Venâncio retornou para a cidade de Macau
onde conseguiu um cargo de fiscal junto à prefeitura. Ao mesmo tempo em que
exercia suas funções como funcionário público, buscou reestruturar a
Associação, tendo em vista que a mesma, com a sua ida para o Amazonas, ficou
acéfala de sua principal liderança (Sousa, 2002, p.68).
Como
resultado direto do processo de reorganização desencadeado por Venâncio
Zacarias, a Associação dos Trabalhadores em Salinas de Macau obteve a sua carta
sindical em 11 de novembro de 1948. Esse documento foi emitido por Honório
Monteiro, Ministro do Trabalho na gestão do Presidente Eurico Gaspar Dutra.
A primeira sede do
recém-reconhecido Sindicato dos Trabalhadores na Extração de Sal de Macau
estava localizada próxima a esquina a antiga Rua do Cruzeiro.
A década de 1960 foi um momento de
grande desenvolvimento na indústria da extração do sal na cidade de Macau. Em
época de colheita, era comum encontrar até quatro mil pessoas trabalhando na
extração deste mineral. Tal número era refletido diretamente na arrecadação do
Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Extração de Sal, tendo em vista que
este chegou a possuir uma arrecadação semelhante ao orçamento da prefeitura
daquela cidade. O significativo arrecadamento obtido pelo Sindicato era
refletido em sua infra-estrutura. Ao se referir a ela, Enilde de Damundo[11]
afirma que o sindicato contava com uma sede própria, duas farmácias compostas
por uma grande variedade de medicamentos, além de médico para atender a
qualquer hora os trabalhadores na extração do sal, bem como, seus familiares e
alguns moradores das redondezas que por ventura viessem a precisar de
atendimento. Também possuía um ambulatório e dois carros. A entrevistada chama a atenção para o fato de
que o Sindicato também contava com um aparelho de Raios-X, nessa época nem a
prefeitura possuía um aparelho semelhante.
Ao analisarmos a história do
Sindicato dos Trabalhadores na Extração de Sal de Macau, percebemos que a mesma
está dividida em três fases, estando as duas primeiras interligadas, mas
possuindo características diferentes. As duas primeiras fases são marcadas pela
forte hegemonia sobre esta entidade, sendo ela personificada nas respectivas
gestões de Venâncio e Floriano Bezerra de Araújo.
O
ex-fiscal e ex-vereador Antônio Chagas, ao referir as duas primeiras fases do
sindicato, afirma que foi na gestão de Floriano Bezerra, que a luta em busca
por direitos e melhores condições de trabalho foi intensificada:
“Floriano possuía outras instruções (...) no
tempo de Venâncio no sindicato a gente pagava a contribuição sindicalista e só
tinha alguns direitos, mas no tempo de Floriano ele criou o Contrato Coletivo[12],
o trabalhador tinha direito a férias, tinha direito ao fundo de garantia,
Floriano assumiu e criou esses direitos todos”.
A
gestão de Floriano Bezerra foi marcada pelo rompimento com as práticas
assistencialista da gestão anterior, bem como, pela criação do Serviço Social
dos Trabalhadores na Indústria do Sal (SESTIS). Esse Serviço disponibilizava
assistência médica, odontológica, hospitalar e farmacêutica para os
trabalhadores e seus dependentes.
O sindicato dos trabalhadores na
Indústria da Extração do Sal de Macau, com o passar do tempo, foi agregando a
suas fileiras centenas de trabalhadores. Isso refletiu diretamente em sua
influência sobre a sociedade local, o aumento desta materializou-se na eleição
de alguns de seus membros: Venâncio Zacarias de Araújo, eleito prefeito de
Macau, Floriano Bezerra de Araújo, eleito deputado estadual, Antônio Chagas e
Evaristo da Silva, eleitos vereadores da cidade de Macau.
O salineiroVenâncio Zacarias
ampliou seu espaço de luta. Sua candidatura à prefeitura de Macau representou o
seu rompimento com os grupos ligados à elite política local, tendo em vista que
o mesmo, em um primeiro momento, estava ligado ao grupo político liderado por
Dr. José Augusto Varela. A sua candidatura representou um grande impacto para a
política local, Dr. Varela, aliado político da família Melo.
De acordo com
pessoas que vivenciaram a campanha de Venâncio Zacarias a prefeitura de Macau,
a mesma marcou a história dos pleitos eleitorais naquela cidade, tendo em vista
as diferentes origens dos candidatos concorrentes. Isso gerou um clima de
radicalização entre os eleitores, pois muitos afirmavam que aquela eleição era
uma peleja direta entre o “tostão e o milhão”.
No que se refere
às realizações ao longo da gestão de Venâncio Zacarias de Araújoenquanto
prefeito de Macau, Floriano Bezerra, destaca: a construção de salas de aulas, a
reconstrução de várias escolas e grupos escolares e o calçamento de pedra de
muitas ruas naquela cidade.
O
declínio do Sindicato dos Trabalhadores na Extração de Sal de Macau.
Entre os anos de 1964 a 1985, o
Brasil esteve imerso em um regime militar, tendo sido o mesmo implantado a
partir da deposição do então presidente João Goulart, deposto por meio de um
golpe civil militar. Tal golpe foi orquestrado por membros do alto escalão das
Forças Armadas do Brasil, juntamente com setores conversadores da sociedade
civil brasileira. Ao longo dos 21 anos em que o Brasil esteve sobre o julgo
militar, centenas de pessoas foram presas; torturadas; exiladas e acabaram
perdendo seus direitos políticos, entre elas: funcionários públicos; lideranças
sindicais, militares, estudantes, membros do clero.
Segundo Mailde Pinto Galvão (2004,
p.28), em 1964, o Rio Grande do Norte encontrava-se divido entre duas
oligarquias conservadoras e antagônicas, de um lado estava o governador do
estado Aluízio Alves e do outro o senador Dinarte Mariz. Neste cenário surge
como terceira força política o prefeito de Natal Djalma Maranhão, um político
de tendências esquerdista de cunho nacionalista que denunciava permanentemente
a interferência do imperialismo estadunidense no Rio Grande do Norte.
Após a consolidação do movimento
golpista diversas pessoas foram presas, entre elas dirigentes, trabalhadores
das bases e funcionários das entidades, independente de suas convicções
políticas, sendo o Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Extração de Sal
de Macau um dos mais atingido pela onda repressora.
Diversos membros
do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Extração de Sal de Macau foram
detidos, entre eles: Venâncio Zacarias, Presidente do sindicato; Floriano
Bezerra de Araujo; Cândido Assunção; Evaristo Lopes da Silva, Raimundo Damundo,
entre outros.
Em 15 de abril de 1964, Floriano
Bezerra, foi intimado a comparecer na Capitania dos Portos de Macau ao Capitão
Antônio Julio de Souza Bruno. Sobre este episódio o mesmo afirma:
“Ai
eu fui chamado pelo capitão Bruno. Recebi um carro da Marinha em casa dizendo
que eu fosse lá na Capitania e que fosse logo, chamei compadre Evaristo que era
meu substituto legal (...) Vamos lá Capitania porque quando eu chegar e pra
começar a conversa vou logo perguntar se eu estou autorizado ou não a falar
como representante do sindicato, se eu tiver muito bem, se eu não tiver ai meu
substituto legal vai falar pelo sindicato (...) a gente era sim, sempre
articulado (...)
Após
apresentar-se foi detido e transferido para a cidade de Natal, aonde
inicialmente ficou detido nas dependências do quartel da 7ª Divisão de
Infantaria, posteriormente transferido para o 16º Regimento de Infantaria, nas
dependências deste foi vitima de torturas físicas, psicológicas e morais. Em
entrevista aos autores Floriano Bezerra afirma que ao chegar ao 16º Regimento
de Infantaria o capitão Lacerda o acusou de ser um “comunista perigoso, nocivo
e virulento[13]”,
além de ter sido acusado de ser responsável pela articulação de todas as greves
ocorridas no Rio Grande do Norte naquele período. Em seguida foi transferido
para a ilha de Fernando de Noronha, fincando detido nas dependências do quartel
do Exercito. Sobre a prisão de Floriano Bezerra, Enilde de Damundo, afirma:
“Floriano
foi o primeiro a ser preso (...) o que me revolta é que um homem que nunca fez
nada de errado ter saído de Macau como um bandido (...) E pra complicarem a
situação de seu Venâncio e Floriano, pagaram um menino pra derramar todas as
hóstias ”
Floriano Bezerra foi libertado no dia
28 de outubro de 1964, voltando a ser preso em 1968, ficando detido por nove
meses no quartel da Polícia Militar de Macau, no qual saiu em 16 de junho de
1969.
A terceira fase
do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria do Sal de Macau corresponde ao
período da instalação do Golpe Civil Militar à intervenção estatal nos
sindicatos. Essa intervenção é conhecida como tendo sido extremamente
prejudicial para as diferentes categorias que se organizaram em torno dos sindicatos.
Isso decorre do fato de que tais entidades acabaram ficando acéfalas,
considerando que as suas principais lideranças foram detidas e a repressão
estatal não concedia espaço para a rearticulação dos trabalhadores. Tal
procedimento visava impedir o crescimento dos sindicatos. Então as forças estatais
logo trataram de colocar interventores a frente dos sindicatos. O interventor
escolhido para ficar a frente do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria da
Extração do Sal, foi o vereador José Ales de Oliveira, político filiado a época
ao Partido Social Democrático (PSD). Ele
enfrentou a resistência dos sindicalizados, chegando a ter sua integridade
física ameaçada.
Passados três
meses de intervenção do vereador José Alves de Oliveira, foram realizadas
eleições para a direção do Sindicato, em decorrência de problemas ao longo da
execução da mesma. Mas, o pleito foi cancelado por não atender os pressupostos
legais, tendo em vista que apenas 17 associados em um conjunto de mais de 3,
000 associados chegaram a votar. Novas eleições foram organizadas, elegendo
José Marques Filho e Valentim Chagas de Oliveira. Em decorrência de problemas
relacionados à falta de traquejo administrativo e pessoal com a categoria dos trabalhadores
na extração do sal, um novo interventor foi imposto. Desta vez, o Tenente da
Marinha Orlando Guedes assumiu o Sindicato com a Missão de preparar a transição.
A sua gestão, de acordo com Sousa (2002, p.115), foi marcada pelo rigoroso
controle sobre a entidade, bem como, sobre a categoria. Após a gestão do
Tenente Orlando, a direção do Sindicato foi entregue a Anacleto Pereira do
Nascimento e Luís de Vasconcelos, ambos nomeados pela Delegacia Regional do
Trabalho. Ambos ficaram à frente do Sindicato até outubro de 1967, quando um
novo pleito foi realizado, saindo vitorioso do mesmo José Francisco de Sousa,
tendo o apoio do grupo cuja influência de Venâncio Zacarias ainda era forte.
Mas o começo do fim do Sindicato já estava em andamento.
Gradativamente o Sindicato na
Extração do Sal de Macau foi perdendo o seu papel representativo da categoria
dos trabalhadores na extração do sal e na atualidade esta entidade funciona
apenas para a homologação de processo.
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[1] Microrregião, de acordo com a
Constituição Brasileira (art.25, §3°), é um
agrupamento de municípios limítrofes. Tendo como finalidade integrar a
organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse
comuns.
[2] Mesorregião é uma subdivisão dos
estados brasileiros que agrupa diversos municípios de uma área geográfica com
semelhanças econômicas e sociais
[3] O Polo Costa Branca é uma região
localizada no centro e no oeste do Rio Grande do Norte e possui uma geografia
plana, predominantemente marcada pela existência de dunas e de salinas.
NORSAL.
O sal na história. Disponível em: <http://www.norsal.com.br/o_sal/historia.html>. Acesso em: 23 de out. 2014.
[5]O
conceito de Norte Agrário refere-se à parte do atual Nordeste, tendo em vista
que no tempo do império, a divisão geográfica do Brasil limitava-se apenas a
Norte e a Sul. Sobre a criação do conceito Nordeste, ver: Albuquerque Júnior,
Durval Muniz de. A invenção do nordeste e outras artes.
[6]
O chamado Plano de Metas foi um importante programa desenvolvido ao longo da
gestão do Presidente Juscelino Kubitschek (1956-1961), o mesmo previa o
cumprimento de 31metas, estando às mesmas agrupadas em seis grupos: energia,
alimentação, indústria de base, transportes, educação e a construção de
Brasília. O Plano de Metas é visto por muitos como um programa ambicioso e
responsável por fomentar a indústria de base no Brasil.
[7]
Entrevista concedida aos autores em 12 de março de 2014.
[8]
Antiga medida de capacidade para secos, sobretudo cereais, mas de volume
variável.
[9]
Entrevista concedida aos autores em 22 de março de 2014.
[10] Soldado da Borracha foi o nome atribuído aos
brasileiros que entre os anos de 1943 a 1945 foram alistados e levados para a
Amazônia pelo Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia
(Semta) com objetivo de extraírem borracha para os Estados Unidos da América ao
londo da Segunda Guerra Mundial.
[11]
Entrevista concedida aos autores em 15 de março de 2014.
[12] O Contrato Coletivo de trabalho é um conjunto
de normas que regulam as relações profissionais de uma determinada categoria de
trabalhadores no alcance de seu sindicato. O Contrato Coletivo é a garantia ao
trabalhador de que os direitos serão respeitados.
[13]
Entrevista aos autores em 01 de março.