20/10/2015


vinheta175
            Lá pelos anos sessenta do século passado o ex-deputado Carlos Borges de Medeiros, então já residindo em Natal, foi a Mossoró, oportunidade em que foi visitar o seu vizinho e amigo José Rodrigues, o meu avô. Conversa vai, conversa vem, e o dr. Carlos disse que a cidade estava muito mudada, que até o musica que dava início às sessões do Cine Pax tinha sido alterada; no lugar de O Guarani, de Carlos Gomes, tinham colocado uma das Bachianas, de Vila Lobos. Para mim aquele foi apenas um comentário passageiro. Mas não foi bem assim.
             No dia seguinte, o meu avô mandou me chamar em sua casa e, para minha surpresa, ele pediu que eu fosse com ele até a residência do Padre Mota, seu cunhado e, portanto, meu tio. Surpresa porque ele somente saia de casa para trabalhar, pois não era homem dado a visitas. Quando lá chegamos, o reverendo e ex-prefeito de Mossoró, também demonstrou sua surpresa, pois aquilo era algo realmente inusitado. Mais surpresos ficamos nós, eu e o padre, quando soubemos o motivo da visita: a troca do prefixo musical do Cine Pax.
             Vamos explicar melhor a causa desse quase espanto. José Rodrigues de Lima era comerciante, industrial, agropecuarista e um construtor quase que compulsivo; construiu para ele mesmo mais de 100 imóveis em Mossoró, Natal e Areia Branca. Entretanto, ele era quase que um autodidata, quase sem instrução formal. Lia relativamente muito, sobre quase tudo, mas não que se saiba sobre música ou que gostasse de qualquer gênero, muito menos de música clássica. Somente no decorrer da conversa foi que nos inteiramos do motivo daquela mudança de habito de um quase recluso social. Quando da constituição da empresa para construir um novo e moderno cinema na cidade, o meu avô foi um dos sócios e somente fez uma exigência: que se tocasse O Guarani, anunciando o inicio das sessões, como ele tinha visto em um cinema do Rio de Janeiro, lá pelos anos trinta. Então, ele queria a intervenção do seu cunhado para que Carlos Gomes voltasse a anunciar o começo das sessões do Pax. Só isso.
             Foi deixar o meu avô em casa e voltei para a residência do Padre Mota. Quando eu entrei, ele me disse: “Ligue para Jorge Pinto e peça para ele vir aqui, agora”. Liguei para seu Jorge, então o dono do cinema, transmiti-lhe o recado e ele foi. Ai se deu um dialogo curioso, impregnado daquelas “coisas do Padre Mota”:

– Jorge, eu queria um favor seu – disse o padre.
– É só dizer – respondeu seu Jorge
– Dá para repor Carlos Gomes no lugar que ele sempre ocupou no Pax?
– Vilas Lobo é mais moderno. Foi até uma sugestão do prefeito Raimundo Soares.
– O Rei morreu, viva o Rei.
– Não, monsenhor. O senhor sempre será o prefeito de Mossoró, esteja ou não no comando da Prefeitura.
– Então volte O Guarani.
– Mas, por que?
– Porque eu gosto de ouvir O Guarani.
– Mas, como? O senhor não vai ao cinema e não dá para ouvir daqui de sua casa.
– Eu ouço com os ouvidos da alma.
      Na mesma noite o velho prefixo voltou a anuncia o início da apresentação no Pax. Comuniquei o fato ao meu avô. Ele me respondeu solfejando o refrão da musica de Carlos Gomes. Depois disse: “Só não gosto de O Guarani, quando toca na Voz do Brasil; isso porque não gosto de nada que é obrigado”.

   
Marcelo Alves

Direito e literatura (II) 
Como registrado aqui na semana passada, direito e literatura, interdisciplinarmente, se enlaçam de várias formas e, comumente, para fins de estudo sistematizado, esses enlaces são assim classificados: o direito da literatura (“the law of literature”, “le droit de la littérature”); o direito como literatura (“law as literature”, “le droit comme littérature”); e o direito na literatura (“law in literature”, “le droit dans la littérature”). 

Cabe-nos agora explicar, mesmo que sucintamente, cada um desses enlaces. 

Frequentemente considerado o menos importante dos três enlaces entre o direito e a literatura, o direito da literatura (“the law of literature”, “le droit de la littérature”) trata, basicamente, de modo transversal aos ramos clássicos do direito (constitucional, civil, penal etc.), da regulação jurídica dada à literatura pelo sistema jurídico de determinado lugar e época. Como aponta Philippe Malaurie (no livro “Droit et littérature: une anthologie”, publicado pela Éditions Cujas), nesse tipo de enlace entre direito e literatura estão incluídos temas jurídicos variados, tais como a propriedade literária, a responsabilidade civil e penal do escritor, a liberdade de expressão, o direito da imprensa e por aí vai. Explicando e sistematizando esse tipo de enlace direito/literatura, André Karam Trindade e Roberta Magalhães Gubert (no texto “Direito e literatura: aproximações e perspectivas para se repensar o direito”, que faz parte do livro “Direito & literatura: reflexões teóricas”, publicado pela Livraria do Advogado Editora) afirmam que o direito da literatura limita-se a reunir e investigar questões específicas, essencialmente normativas, da regulação jurídica da literatura, “isto é, as disciplinas de direito privado, no que diz respeito à propriedade intelectual, aos direitos autorais, copyrights, etc.; de direito penal, tendo em vista os crimes de imprensa e demais crimes praticados pelos meios de comunicação, os crimes contra honra, etc.; e de direito constitucional, cuja matéria está ligada à liberdade de expressão, à censura, etc.; e, ainda, de direito administrativo, naquilo que se refere às regulações do exercício da atividade profissional literária, às diretrizes dos programas escolares, às regulações das bibliotecas públicas, etc.”. Um exemplo entre nós de obra sobre o direito da literatura é o bastante conhecido “Direito de autor”, de Carlos Alberto Bittar, que, pela editora Forense, vem sendo (re)editado repetidamente. 

Já o direito como literatura (“law as literature”, “le droit comme littérature”), articulação direito/literatura com forte apelo nos Estados Unidos da América (ali dominante, pode-se dizer), investiga a forma, a capacidade retórica e a potencialidade interpretativa da narrativa jurídica, visando, ostensivamente, dimensionar sua qualidade literária. Para tanto, lembram os já citados André Karam Trindade e Roberta Magalhães Gubert, o direito como literatura, que se transformou em movimento bastante organizado nos EUA, faz uso dos métodos de análise e de interpretação pertencentes à crítica literária, aplicando-os, com as devidas adaptações, aos textos jurídicos (com destaque às decisões judiciais). Um exemplo desse tipo de estudo é o excelente livro “Law and Literature”, publicado pela Harvard University Press, do conhecido jurista, economista, professor e juiz federal americano Richard A. Posner, que trata, em alguns dos seus capítulos, exatamente, do direito como literatura. 

Por fim, o enlace/movimento denominado direito na literatura (“law in literature”, “le droit dans la littérature”) é vocacionado à análise de trabalhos literários, sobretudo de ficção, que, de alguma forma, abordam “questões jurídicas”, variando essa abordagem, consideravelmente, a depender da obra analisada, em termos de intensidade e de estilo. Recordemos, como o faz William P. MacNeil (em “Novel Judgements: Legal Theory as Fiction”, livro publicado pela editora Routledge), que a literatura tem tomado emprestado do direito muitos dos seus temas, das suas personagens e da sua dramaticidade. Há uma infinidade temas jurídicos que a literatura faz uso: justiça, sistema judicial, prisões, crimes não explicados, homicídios, sequestros, fraudes, corrupção, heranças contestadas, disputas por terras e por aí vai. Há as personagens, a saber, os policiais, advogados, promotores, juízes, partes, criminosos e testemunhas, em torno das quais gira a estória contada. E, por fim, há a dramaticidade que o mundo do direito, sobretudo a aquilo que se passa teatralmente em um tribunal, empresta à literatura. Movimento com grande apelo na Europa (provavelmente mais do que nos Estados Unidos da América), o direito na literatura investiga, portanto, uma das relações mais fecundas para a arte ocidental (relação literatura/direito, frise-se), bastando lembrar, para exemplificar essa relação, entre os clássicos, “O mercador de Veneza” (1596) e “Medida por Medida” (1603) de Shakespeare (1564-1616), “A casa sombria” (1853) de Dickens (1812-1870), “Recordações da casa dos mortos” (1862) e “Crime e castigo” (1866) de Dostoiévski (1821-1881) e “O processo” (1925) de Kafka (1883-1924) e, mais recentemente, os muitos romances de Scott Turow (1949-) e John Grisham (1955-). 

Dito isso, por falta de espaço (mais uma vez), encerramos por aqui, prometendo, entretanto, no futuro próximo, entabularmos mais algumas conversas sobre direito e literatura. Acho que valerá a pena. 

Marcelo Alves Dias de Souza 
Procurador Regional da República 
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL 
Mestre em Direito pela PUC/SP

19/10/2015


Artigo de Pedro Vicente Costa Sobrinho (*) publicado no blog Cenas e ...

Setenta anos de Pedro Vicente ( hoje 19 de outubro 2015)
Memória Acadêmica
Pedro Vicente Costa Sobrinho
Nasceu em Macau/RN a 19 de outubro de 1945 viveu  em Recife, onde  residiu por dezoito anos, entre as cidades de Jaboatão e Ribeirão. Foi escritor, pesquisador e professor da UFRN e da Universidade do Acre, cidade onde residiu durante alguns anos. Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte e da União Brasileira de Escritores. Dirigiu editoras, livrarias e jornais. Publicou vários livros, dentre os quais destacamos “Capital e trabalho na Amazônia Ocidental”.
 Pedro Vicente foi eleito para Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, cadeira 31 cujo patrono é Padre Francisco de Brito Guerra (Campo Grande/RN-18/4/1977  Rio de Janeiro/RJ  26 de fevereiro de 1845, com 68 anos). Posse de Pedro Vicente,  foi eleito no dia 25 de julho de 2002  e tomou posse no dia  26 de agosto de 2004, quando foi saudado pelo Acadêmico Manoel Onofre Júnior. Pedro Vicente,  faleceu em Natal no dia 5 de setembro de 2013; foi cremado e suas cinzas jogadas no Rio Acre/AC.  A saudação de Louvor  foi feita pela Acadêmica Anna Maria Cascudo Barreto(1936-2015). A cadeira31,  hoje é ocupada pela Acadêmica Leide Câmara.

Acadêmica Leide Câmara
Natal/RN, 19 de outubro de 2015

   
Bernardo Celestino Celestino Pimentel

 
A CRIANÇA QUE OBSERVAVA A DOR DO ALCOOLÁTRA

EU SEMPRE OBSERVEI AS PESSOAS TRISTES...e ficava triste com elas... 
Sempre observei e respeitei as pessoas pobres...e sofria com a pobreza delas.... 

Fui uma criança que observava facies,tristezas, sofrimentos, atos e omissões... 
A bodega de Dona Lindalva Bezerra em Nova cruz foi a faculdade de HUMANIDADE que eu fiz, na minha infância... 

Depois de rapaz, ví Chico Buarque repetir o lema do velho Paulo BEZERRA: 
PELA MINHA LEI, A GENTE ERA OBRIGADO A SER FELIZ...APRENDÍ ESTA VERDADE AINDA COM CINCO ANOS...ERA ASSIM QUE FAZIA E TRATAVA O MEU QUERIDO TIO... 
O PORTEIRO DO cine éden , QUE TAMBÉM ERA PANDEIRISTA, bebia muito...as chibatas do mundo pressionavam o tio paulo: 
Por que o senhor não bota este homem para fora...Tio Paulo respondia:se eu coloca-lo pra fora, ele fica desempregado...ninguém é capaz de dar um emprego a ele...eu não posso fazer isto.... 
Mais quem era mais triste era DORGIVAL...um homem sem nenhuma palavra....sem nenhum sorriso...fazia os mandados de Seu Paulo e Dona Lindalva...varria a bodega...não exigia nada...queria ter sempre uma chamada de cana,para continuar existindo... 
Era um homem bonito, OLHOS VERDES,feições bonitas, porém maltratado...um moço velho...SOFRIDO, ESFARRAPADO... 

Falava-se que Dorgival sofria de saudades...de um amor que o abandonara...que reduziu a sua auto estima a zero... 
Na hora da chegada do trem,cuja estação era em frente a bodega,observava Dorgival parar no tempo, na esperança de ver descer alegria, do trem...não sei se ele esperava um beijo, um abraço,ou o chicote do seu suplício... 
O que sei é que Dorgival era um homem bom...manso...calado...um bêbado discreto, que nunca virou uma mesa, nem falou alto...sei que ele era contido por uma grande dor... 
Ví tantas indiferenças neste ébrio, que depois compus uma música , e sei que a inspiração foi ele...vejamos: 

Só anda calado, com os olhos distantes, 
e mais do que antes não pensa em amar, 
se alguém lhe pergunta ele vai e responde: 
que a vida lhe deu, o que tinha de dar... 
Ele está sempre aqui na espera do trem, e diz que é triste esperar quem não vem, 
e limpa os seus olhos tão meigos e cansados, e beija um retrato e se entrega ao além...

18/10/2015

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MACAÍBA: 138 ANOS

Valério Mesquita*

O ponto alto das comemorações dos 138 anos da emancipação política e administrativa de Macaíba neste 27 de outubro próximo, continua sendo o bicentenário de nascimento do seu fundador Fabrício Gomes Pedroza, cujas cinzas foram trasladadas do Rio de Janeiro para a igreja matriz de Nossa Senhora da Conceição. O vinte e sete de outubro de 1877, pela lei nº 801, Macaíba – que antes se chamava Coité – desmembrou-se de São Gonçalo. Aí amplia-se o período de esplendor comercial do porto de Guarapes que irradiou energia econômica a todos os quadrantes. Monopolizou o sal para o sertão, incentivou a indústria açucareira do vale do Ceará-Mirim, financiou a produção adquirindo as safras das fazendas de algodão, cereais, couros e peles. Fundou a “Casa dos Guarapes” e do alto da colina comandou o seu mundo de transbordamentos, onde tudo era rumor, vida, agitação, atividade.
É nesse vácuo de duzentos anos que reside a minha perplexidade. Um silêncio dominado pelo abandono e a indiferença. Ninguém coloca em cena a coragem de contemplar restituído o universo oculto de Fabrício que fez brilhar o nome de Macaíba dentro e fora do Rio Grande do Norte, na segunda metade do século dezenove. Não bastam, apenas, reprisá-lo com lendas e narrativas, como tivesse sido um mundo de ficção. Melhor que a dispersão da palavra solta é ouvir o eco de suas paredes reerguidas, das vozes trazidas pelo vento das vidas que não se pulverizaram mas renasceram pelas mãos das novas gerações. Esse universo semidesaparecido, clamo por ele, aqui e agora, afirmando que a melhor imagem de um homem, após a morte, não são as cinzas, mas a obra que legou à posteridade, revivida e restaurada como reconfortante e fiel fotografia de sua história e vida.
Como guerreiro solitário, luto há mais de quinze anos pela restauração dos escombros do empório dos Guarapes. Como membro, àquela época, do Conselho Estadual de Cultura do Estado, consegui o tombamento. De imediato, no desempenho do mandato parlamentar obtive do governo a desapropriação da área adjacente. Batalhei, em alto e bom som, junto aos gestores públicos a elaboração do projeto arquitetônico, que, até hoje, dormita em armário sonolento da burocracia. Foi uma agitação, apenas, que não se moveu nem comoveu. Saí dos movimentos da superfície oficial, para as janelas da imprensa e outras vozes, em coro uníssono, oraram comigo pelas ruínas da mais reluzente história da economia do Rio Grande do Norte: os Guarapes. Todo esse conjunto de verdades fixas foi ilusão imaginar que a lucidez jamais se disfarçaria em surdez. Como enfrentei e venci no passado, partindo de perspectivas débeis e precárias, óbices quase intransponíveis para a restauração das ruínas do Solar do Ferreiro Torto e da Capela de Cunhaú, sinto que não perdi os laços entre a fragmentação do sonho e a fé incondicional no meu pragmatismo, de que tudo, até aqui, nada foi em vão.
Reproduzir a realidade, tal que se imagina que fosse, o burburinho comercial e empresarial daquele tempo de Fabrício, faz-nos refletir e aprender para ensinar aos jovens de hoje através de exemplos, imagens e ritmos, a saga de que vultos como o dele iniciaram uma figuração, nova, nítida e luminosa, pouco tempo depois, numa Macaíba que começava a nascer com Auta de Souza, Henrique Castriciano, Tavares de Lyra, Augusto Severo, Alberto Maranhão, João Chaves, Octacílio Alecrim e outros que construíram em modelos de vidas o prestigio da terra natal – que não se evapora, nem se desmancha. Essa realidade para mim é tensa e inquieta, porque cabe hoje revivê-la em todos nós. É imperioso que os nossos governantes tracem esboços para uma saída, uma superação, criando-se fendas e passagens, para juntos, todos, respirarmos o oxigênio da convivência com os nossos antepassados. Se todos nós pensarmos assim, com cada palavra significando labareda, lampejo, no centésimo trigésimo oitavo aniversário, derrubem, pois, os obstáculos que impedem as luzes da memória dos Guarapes refletirem sobre a posteridade. Se assim não agirmos tudo será cinzas.
(*) Escritor.

17/10/2015

UM MÊS ALVISSAREIRO



Contrariando nossas expectativas negativas, este mês de OUTUBRO vem se apresentando alvissareiro para o nosso Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.
Mercê da crise econômica e financeira pela qual atravessa o Estado brasileiro, com natural reflexo nos Estados Federados e nos Municípios, ficamos temerosos que a Cultura ficasse esquecida, não sendo colocada como prioridade.
Sabemos que as Casas de Cultura representam a história sem a qual nenhuma Nação pode prosperar.
Tivemos notícias que, apesar de estarmos no final do ano e quase no término da gestão liderada pelo escritor Valério Mesquita, merecem comemoração:
1. O Estado do Rio Grande do Norte, através da Secretaria de Estado da Educação e da Cultura liberou metade de um Convênio celebrado com o IHGRN para dotá-lo de estantes deslizantes e assim acomodar tecnicamente bem o nosso acervo documental e bibliográfico;
2. a Prefeitura Municipal do Natal celebrou outro Convênio, cujos recursos vão permitir a preparação do nosso sistema de arquivamento e recuperação física e registral de todo o valioso acervo da Instituição;
3. Recebemos informação do Gabinete do Deputado Hermano Morais da ordem de liberação de uma das suas emendas parlamentares para que o IHGRN possa ultimar os seus serviços de segurança contra incêndio e acessibilidade;
4. A Assembleia Legislativa propôs um termo de cooperação para a recuperação de documentos e a catalogação do nosso acervo;
5. O Estado do Rio Grande do Norte, através da Fundação José Augusto e com a interveniência da Procuradoria Geral do Estado cedeu, a título provisório, terreno na Praça André de Albuquerque para servir de estacionamento do Instituto;
6. Contando com o apoio da COSERN estaremos lançando alguns números da Revista do IHGRN, a partir do nº 91.
Estamos todos radiantes com as conquistas e agradecemos aos administradores de boa vontade, em nome do povo, verdadeiro destinatário do nosso patrimônio cultural.

16/10/2015


   
Marcelo Alves
 

Direito e literatura (I) 
O que o direito tem a ver com a literatura? Vale pena misturá-los para fins de estudo? E como se faz isso de forma sistematizada? 

Essas são algumas perguntas que este artigo (e alguns outros que a ele seguirão) tentará, ao final, razoavelmente responder. 

Antes de mais nada, interagir o direito com a literatura faz parte de uma tendência, cuja origem remonta à França e à Itália dos anos 1960, mas que se torna bastante visível no mundo acadêmico contemporâneo: a dos estudos interdisciplinares. De fato, na academia de hoje, uma das “coqueluches” (leia-se tendência ou moda) é a interdisciplinaridade, aqui entendida, no seu sentido lato, como a interação, nos mais diversos níveis de complexidade (multidisciplinaridade, pluridisciplinaridade, interdisciplinaridade em sentido estrito e transdisciplinaridade), das áreas do saber, visando à compreensão e ao aperfeiçoamento da realidade que nos cerca. 

O direito não foge a essa tendência (dos estudos interdisciplinares). Para falar a verdade, exemplos isolados de interdisciplinaridade no direito remontam a um passado ainda mais distante que os anos 1960. Apenas para que se dê um exemplo, levando em consideração o direito e a sociologia, basta referir Émile Durkheim (1858-1917) Max Weber (1864-1920) e Eugen Ehrlich (1862-1922), pensadores com formação tanto em direito como em sociologia, que, em fins do século XIX e no começo do XX, deram marcantes contribuições para a interação dessas duas ciências. Nas últimas décadas, entretanto, o estudo interdisciplinar do direito, misturando esse ramo do saber com outras ciências sociais, tem ganho cada vez mais espaço na academia e na literatura jurídica em geral, sobretudo nos Estados Unidos da América. “Movimentos” como “law and society”, “law and economics”, “critical legal studies”, “feminism jurisprudence”, “critical race theory”, dentre outros, são os exemplos mais conhecidos desses movimentos interdisciplinares. Mesmo que de forma não tão organizada como nos EUA, no Brasil de hoje, nos cursos de bacharelado e de pós-graduação, aos professores é recomendado, em conformidade com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996), trabalhar toda e qualquer disciplina jurídica curricular em interação com os demais ramos de direito, assim como interagir com as demais ciências, tais como a filosofia, a política, a economia e a sociologia. 

Seguindo essa boa moda (embora esta palavra, referida aqui mais uma vez propositalmente, tenha também um viés pejorativo) da interdisciplinaridade, por que não misturar os estudos do direito e da literatura? 

Na verdade, sobretudo nos Estados Unidos da América e no Reino Unido (e, com uma velocidade menor, no Brasil), desde pelo menos a década de 1980, os estudos de “law and literature” (direito e literatura) vêm ganhando, paulatinamente, cada vez mais destaque na teia dos já referidos “movimentos” interdisciplinares, com a publicação de livros e artigos voltados à temática e mesmo com sua inclusão nos currículos dos cursos de direito. 

Levando em consideração a realidade americana, a publicação de “The Legal Imagination” (1973), de James Boyd White (1938-), professor da University of Michigan, é convencionalmente considerada como marco fundante do movimento “law and literature” (direito e literatura). Mais recentemente, na mesma trilha, James Boyd White ainda publicou “Justice as Translation: An Essay in Cultural and Legal Criticism” (1990) e “Acts of Hope: Creating Authority in Literature, Law, and Politics” (1994), entre outros. No mais, segundo registrou Eliane Botelho Junqueira há cerca de duas décadas (em “Literatura e direito: uma outra leitura do mundo das leis”, Editora Letra Capital, 1998), para se ter uma ideia: “Em pesquisa realizada em 1987 entre 175 faculdades de direito dos Estados Unidos, 38 ofereciam uma disciplina que poderia ser classificada dentro do tema law and literature (Gammette, 1989), número que, com certeza, deve ser bem mais expressivo em 1995. Chama a atenção, por exemplo, o curso 'Law and Dickens' oferecido pela Harvard Law School, uma das principais faculdades de elite nos Estados Unidos”. A situação hoje nos Estados Unidos da América, no que toca aos estudos de “law and literature” (direito e literatura), acadêmicos ou não, em termos de uma maior quantidade, variedade e qualidade, é certamente ainda mais impactante. 

Por fim, antes de terminar este riscado, é necessário indagarmos como se dá esse enlace interdisciplinar do direito com a literatura e se há alguma sistematização para fins de estudo adequado. 

A resposta para tanto é que direito e literatura se enlaçam de várias formas. Comumente, para fins de estudo sistematizado, esses enlaces são classificados em três vertentes: o direito da literatura (“the law of literature”, “le droit de la littérature”); o direito como literatura (“law as literature”, “le droit comme littérature”); e o direito na literatura (“law in literature”, “le droit dans la littérature”). 

E dito isso, por falta de espaço, paramos por aqui, deixando a explicação dessa classificação tripartite (e outras coisistas mais) para uma próxima conversa. 

Marcelo Alves Dias de Souza 
Procurador Regional da República 
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL 
Mestre em Direito pela PUC/SP