A
manhã do dia 14, no auditório Professor Otto de Brito Guerra, foi
indiscutivelmente radiosa. Auditório cheio e presenças ilustres entre
convidados, depoentes, autoridades e a comunidade universitária.
Os
pronunciamentos foram feitos dentro da medida certa e a abertura
emocionou a todos com a execução de duas canções marcantes da
resistência estudantil - "Coração de Estudante", de Milton Nascimento e
"Por que não falar de flores", de Geraldo Vandré, fazendo toda a
plateia, de pé, entoar esse verdadeiro hino de libertação.
A
mesma sensação ocorreu no encerramento, quando convocado o Professor
Aldo da Fonseca Tinoco para receber cópia do livro-relatório como
representante dos depoentes, a plateia, respeitosamente de pé, o
aplaudiu efusivamente.
Na ocasião o Presidente da Comissão proferiu as seguintes palavras, em nome de todos os seus componentes:
Quis o Criador que eu tivesse recebido, no
entardecer da existência, tarefa tão importante para a minha trajetória
profissional e para a história da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Trabalho árduo, mas gratificante, seja
pela emoção de desvendar histórias de vidas, seja pela convivência
absolutamente harmônica e responsável de todo o grupo que formou a Comissão da
Verdade da UFRN, onde tive a feliz oportunidade de rever velhos amigos do tempo
de juventude e outros novos – meninos que poderiam ser meus filhos ou netos.
Registro o penoso ritual de ouvir verdades
e compará-las com outras verdades, num cruzamento que somente aumentou nossos
conhecimentos, trazendo para cada um de nós a emoção de carreiras
interrompidas, caminhos desviados, separação do seio familiar, de atraso
significativo no curso da busca de um melhor lugar ao sol, inclusive o
conhecimento de perseguições, torturas e até mortes, graças a Deus, estas
últimas fora das cercanias da Universidade.
Particularmente, sofri pelo fato de haver
convivido com as pessoas e as circunstâncias de um período sombrio, mas não ter
participado ativamente da busca pela reconquista da liberdade, não por vontade
própria, mas pela coincidência de naquele exato período em 1964, haver iniciado
e assumido encargos de família e de construção de novos seres: quatro
filhos/filhas e netos/netas. Nessa tarefa comecei muito cedo.
A persistência e o denodo dos estudantes
ao desvendarem arquivos em lugares diferentes, arrecadando documentos
fundamentais para a construção de uma verdade mais consistente, com a coleta de
documentos confidenciais, processos e a oitiva de pessoas protagonistas de toda
essa trajetória, os que estavam no lado do Governo e os que combatiam a
ditadura, de cuja análise tiramos muitas conclusões, todas elas absolutamente
isentas de espírito de revanchismo ou de pressão ideológica.
O Relatório que conseguimos elaborar, em
meu sentir, é uma peça da melhor e maior valia, pois descreve e comprova fatos,
momentos marcantes da vida acadêmica, nos seus três segmentos – docente,
discente e funcional.
Foi possível, com a consulta documental,
iconográfica e depoimentos construir um Relatório revelador, onde estão
registradas recomendações à UFRN para algumas reparações de ordem moral, que
torne permanente a indicação dos perseguidos e dos perseguidores, “ad perpetuam
memoriam”.
Uma palavra especial para a Magnífica
Reitora Ângela Paiva, que nos ofertou toda a estrutura necessária para a busca
dos objetivos da Comissão, cujo acervo ficará, provisoriamente, na estante 051
do Arquivo Geral e outra parte no Curso de História até que seja possível a
construção de um Memorial no prédio da velha Faculdade de Direito da Ribeira,
facilitando a consulta de todos os interessados em conhecer a verdade.
Poderia, mas não o faço, tecer comentários
ao papel de cada um dos membros da Comissão, dos estagiários e colaboradores,
mas isso será melhor apreendido com a leitura do Relatório Final, do qual me
orgulho e, tenho a certeza, de que também os demais construtores desse alentado trabalho. Contudo, não posso deixar
de agradecer, em especial, a duas pessoas: Kadma Maia, Secretária da Comissão,
que deu régua e compasso aos trabalhos e a Juan de Assis Almeida, representante
dos estudantes, o mais persistente pesquisador do Grupo, que tornou possível
descobrir nomes e reverenciar memórias.
Não pensem que o trabalho é definitivo,
pois omissões involuntárias podem ter acontecido, o que será reparado no tempo
devido, pois o tema será eternizado nos currículos da UFRN como meio de legar à
posteridade os exemplos que devem e os que não devem ser repetidos. Os detalhes
de tudo vocês virão na leitura do Relatório.
Por fim, esperamos da UFRN que torne
realidade as recomendações da Comissão da Verdade e que reconheça os erros
cometidos e se penitencie perante a comunidade acadêmica.
De tudo, restará a saudade das nossas
reuniões, verdadeiras audiências públicas, pois permitimos a presença e a participação
de qualquer pessoa que tenha demonstrado interesse na busca da verdade.
Já podeis da Pátria filhos,
Ver contente a mãe gentil;
Já raiou a liberdade
No horizonte do Brasil
Já raiou a liberdade,
Já raiou a liberdade
No horizonte do Brasil.
Ver contente a mãe gentil;
Já raiou a liberdade
No horizonte do Brasil
Já raiou a liberdade,
Já raiou a liberdade
No horizonte do Brasil.
Evaristo Ferreira da Veiga
(trecho do Hino da Independência do Brasil)
Artigo Final. Fica proibido o uso da palavra liberdade, a qual
será suprimida dos dicionários e do pântano enganoso das bocas. A
partir deste instante a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio, e a sua morada será sempre o coração do homem.
como um fogo ou um rio, e a sua morada será sempre o coração do homem.
Thiago de Mello: Estatuto
do homem
Santiago do Chile, abril de 1964.
Santiago do Chile, abril de 1964.
NOSSA
MISSÃO ESTÁ CUMPRIDA.
OBRIGADO.
CARLOS
ROBERTO DE MIRANDA GOMES
Presidente
da Comissão da Verdade da UFRN