22/09/2015


 
 

 
  
Marcelo Alves
 

Sobre “O sol é para Todos” (I)
Há alguns anos, quase numa só tirada, escrevi aqui, misturando Cinema e Direito, sobre alguns “filmes de tribunal”, que, em inglês, como uma subdivisão do gênero “legal films” (filmes cujo enredo, de uma forma ou outra, tem considerável ligação com o Direito), são chamados de “trial movies”, “trial films” ou “courtroom dramas”. Se a memória não me prega uma peça, dei aqui meus pitacos sobre clássicos desse (sub)gênero, tais como “Doze Homens e uma Sentença” (“12 Angry Men”, de 1957, dirigido por Sidney Lumet e com Henry Fonda no papel do jurado que, no confinamento da sala secreta, obstando a unanimidade, consegue convencer os demais onze jurados para fins de absolvição do jovem réu), “Testemunha de Acusação” (“Witness for the Prosecution”, de 1957, talvez o melhor dos “courtroom dramas”, dirigido por Billy Wilder e baseado em peça homônima de Agatha Christie) e “Anatomia de um Crime” (“Anatomy of a Murder”, de 1959, filme de Otto Preminger, estrelado pelo queridíssimo James Stuart).

À época, prometi, um dia, (re)assistindo mais um tanto desses grandes “filmes de tribunal”, voltar a escrever sobre o tema. Cumpro hoje minha promessa, tratando de “O Sol é para Todos” (“To Kill a Mockingbird”, no original), filme de 1962, baseado no romance homônimo (de 1960), vencedor do prêmio Pulitzer (de 1961), da escritora norte-americana Harper Lee (1926-).

Confesso que a escolha de “O Sol é para Todos” (“To Kill a Mockingbird”) para retomar a temática dos “filmes de tribunal” não foi aleatória. Foi motiva pelo recente lançamento, nos Estados Unidos da América, do novo livro da escritora Harper Lee, “Go Set a Watchman”, redigido nos anos 1950 como um primeiro esboço do romance “O Sol é para Todos” (“To Kill a Mockingbird”). “Go Set a Watchman” tem causado polêmica nos EUA e, talvez por isso mesmo, ali batido recordes de venda. Para se ter uma ideia, em “Go set a watchman”, Atticus Finch (personagem principal da trama) é um homem racista e intolerante, em claro contraste com o Atticus Finch de “O Sol é para Todos” (no filme maravilhosamente interpretado por Gregory Peck), advogado honrado que, no conservador Alabama pós Crise de 1929, defende um homem negro, acusado de haver estuprado uma jovem branca. Com lançamento no Brasil previsto para outubro (pelo que sei), “Go Set a Watchman”, muito provavelmente, será assunto, no futuro, de uma nova conversa nossa por aqui. Essa é minha intenção, pelo menos.

Sobre o filme “O Sol é para Todos” (“To Kill a Mockingbird”), é importante que se diga, antes de mais nada, que ele faz parte do período de ouro dos “trial films”, que vai dos últimos anos da década de 1950 aos primeiros da década de 1960 (de fato, já tive a oportunidade de registrar na crônica “Filmes de tribunal” que são desse período alguns dos maiores clássicos do gênero e, por que não dizer, do cinema como um todo).

Por sua qualidade, no Oscar de 1963, “O Sol é para Todos” acabou levando três estatuetas, melhor ator (Gregory Peck), melhor roteiro adaptado (por Horton Foote) e direção de arte em preto e branco, sendo o grande vencedor daquela edição, merecidamente, o premiadíssimo “Lawrence da Arábia” (“Lawrence of Arabia”, 1962), dirigido por David Lean.

Dirigido por Robert Mulligam, “O Sol é para Todos” conta no seu elenco com o premiado Gregory Peck (no papel de Atticus Finch), Mary Badham (Jean Louise “Scout” Finch), Phillip Alford (Jem Finch), John Megna (Dill Harris), Brock Peters (Tom Robinson), James Anderson (Bob Ewell), Robert Duvall (Arthur “Boo” Radley), Wilcox Paxton (Mayella Ewell), Estelle Evans (Calpurnia), Rosemary Murphy (Miss Maudie Atkinson), Frank Overton (Xerife Heck Tate) e Paul Fix (Juiz Taylor), entre outros.

No livro “100 filmes: da literatura para o cinema” (organizado por Henri Mitterand; publicado no Brasil, em 2010, pela editora BestSeller), o enredo de “O Sol é para Todos” está assim competentemente resumido: “Estado do Alabama, Grande Depressão da década de 1930 [precisamente, 1932]. Desde a morte da mulher, Atticus Finch, advogado idealista, cria sozinho os dois filhos, Scout [que narra, em forma de “flashback”, toda a estória] e Jem. Encarregado de defender um operário negro [Tom Robinson] acusado de espancar e violentar uma jovem branca [Mayella Ewell], Atticus enfrenta o ódio e o racismo da população local, em um julgamento de grande repercussão. Após uma tentativa de linchamento comandada pelo pai da vítima, Bob Ewell, o operário é condenado, apesar das provas de sua inocência. Desesperado, ele tenta fugir, e é abatido. Algum tempo depois, Scout e Jem são brutalmente agredidos por Ewell, mas Boo Radly, vizinho simplório [e com visíveis transtornos psiquiátricos] da família Finch, interfere e mata acidentalmente o agressor. O caso é abafado por Atticus e pelo xerife da cidade, tanto mais que uma forte suspeita recai sobre Ewell no caso do estupro de sua filha”.

“O Sol é para Todos” tem tudo que se requer de um excelente “trial movie”. Parte da estória se passa perante uma corte de justiça em pleno funcionamento, com advogado, promotor, juiz e júri realizando suas performáticas peripécias jurídicas. Como pano de fundo filosófico, há a tensão entre a falibilidade/hipocrisia/injustiça do sistema (ou da “justiça humana”) e a noção, com forte apelo no Direito Natural e na igualdade entre os homens, do que é a verdadeira Justiça. No mais, ao lado da imaginação poética da infância encarando a realidade da vida dos adultos (que seria o enredo “humano” do filme), o enredo “jurídico” de “O Sol é para Todos” foca no advogado generoso e idealista que é Atticus Finch, no controverso instituto do júri e, sobretudo, na absurdez de uma justiça (e de uma sociedade como um todo) racista e desigual.

Embora “O Sol é para Todos” possa nos levar, em alguns momentos, a visões equivocadas sobre a realidade do sistema judicial norte-americano (afinal, essencialmente, como quase todos os “filmes de tribunal, ele é uma obra de ficção), vale muito a pena estudar alguns dos seus temas “jurídicos”.

E é isso que faremos, se Deus permitir, na semana que vem.

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

20/09/2015

EULÁLIA BARROS é A NOVA IMORTAL DA ANRL






 

















Em Assembleia Geral Extraordinária da última terça-feira, dia 15 de setembro, sob a presidência do acadêmico Diogenes da Cunha Lima, realizou- se a sessão da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, especialmente convocada para a eleição da nova ocupante da Cadeira nº 13 cujo patrono é Luis Fernandes, fundador Luis da Câmara Cascudo e sucessores Oriano de Almeida e Anna Maria Cascudo Barreto. Concorreram ao pleito as escritoras Eulália Duarte Barros e Naide Gouveia. 
Abertos os trabalhos precisamente às 16 horas, foi designada uma Comissão Eleitoral formada pelos Acadêmicos Carlos Roberto de Miranda Gomes, Leide Câmara de Iaperi Araújo, sob a presidência do primeiro, para a recepção de votos e apuração do resultado. A eleição ocorreu de forma absolutamente cordial até às 17h30 quando foi encerrado o processo de recepção de votos e iniciada a fase de apuração, com o seguinte resultado:  
Contados os sufrágios foi constatada a existência de 26 votos, entre as cédulas colocadas de forma presencial, em número de 20 e outras enviadas por correspondência, em número de 06. Não houve votos em branco ou nulos, nem ocorreu qualquer anormalidade, impugnação ou recurso, tendo todos os votos válidos sufragados em favor da candidata EULÁLIA DUARTE BARROS, em razão do que foi proclama pelo Presidente da Academia como eleita, sendo sido a mesma cientificada e solicitada a data para a posse.
A candidata eleita nasceu em Goianinha (1935), filha de Manuel Duarte Filho e Maria Nazareth de Andrade Duarte. Casada com o médico Genibaldo Barros. Graduada em Letras, curso de Bacharelado pela UFRN, tem pós-graduação, Mestrado em Educação pela própria UFRN. Como professora adjunta IV, foi fundadora do Núcleo Educacional Infantil, diretora do NEI por oito anos, assessora para assuntos da educação na  Biblioteca Central Zila Mamede.  É membro da União Brasileira de Escritores-UBE/RN e tem as seguintes obras publicadas:

Uma Escola Suíça nos Trópicos, 2000
Verdes Campos, Verdes Vales, 2004
Alguns Aspectos da Literatura Infantil
Escola Doméstica de Natal - 100 anos em retratos, 2014
É colaboradora com diversas revistas (Revista da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, Todas as Cores, Tribunal de Contas do Rio Grande do Norte, Revista Monsenhor).
Parabéns à nova imortal, de quem se espera uma profícua atividade em favor da cultura potiguar.

19/09/2015

Academia Potengiense de Letras



DISCURSO DE POSSE NA ACADEMIA

“OPTIMUS INTERPRES VERBORUM QUISQUE SUORUM”
Ocupo, nesta Casa, com alegria profunda, GAUDIO PERFUNDI, a Cadeira de nº 22 cujo Patrono é o inesquecível Dom José Adelino Dantas, falecido em Natal, em 24 de Março de 1983. DIES SUPREMUM VALE! Um Homem Digno, um Príncipe da Igreja.  Foi um dos maiores Latinistas da nossa Igreja. Sacerdote de sensibilidade e cultura, sua vida foi uma exaltação à Verdade. Sua simplicidade arrastou até os incrédulos. Era de gesto manso e acolhedor, tinha a capacidade de sempre reunir e nunca de dispersar. De uma profunda cultura filosófica e teológica, foi eleito Bispo para servir à sua Igreja. Seu Lema Episcopal era de profundo sentido cristão, palavras cheias de Unção: “IN FINEM DILEXIT”. Ele era, em primeira linha, um Liturgo, e a partir deste seu predicado primeiro, um Mestre e um Pastor. Acompanhava e vivia as Determinações do Concílio Vaticano II, principalmente, na Desejada Renovação de toda a Igreja, OPTATAM TOTIUS ECCLESIAE RENOVATIONEM. Foi Membro da Academia Norte-Rio-Grandese de Letras, tendo tomado posse, exatamente, no dia 13 de Setembro de 1949, hoje, completando 66 anos, em substituição ao Cônego Luiz Gonzaga do Monte, ocupando a Cadeira de nº 22. A Solenidade aconteceu, na Sede do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, presidida pelo então Acadêmico, Paulo de Viveiros. Dom José Adelino Dantas, um Acadêmico que honrou a “Imortalidade”, um dos nomes mais altos com que pôde contar uma Academia de Letras. Tinha um domínio absoluto dos Clássicos. Poeta de grande estilo e de grande valor. Conhecia o maravilhoso segredo de dizer as coisas e tudo dizia com aquela nobreza de estilo e com aquela austera e linda disciplina. Era um homem sábio, sim, sabia tratar das coisas externas, sem perder a concentração interna; era um místico por dentro e um ativo por fora; homem de implosão mística e de explosão ética; um Pedagogo do Evangelho, educava pela presença, pela amizade, pela convivência, pela defesa dos valores da vida. Possuia sabedoria intuitiva, sem se derramar pela ciência analítica; guiava os outros sem os constranger; não se cansava de servir, não se cansava de ser útil. A este Homem de Cultura e de Fé minha homenagem, AB IMO CORDE, do mais íntimo do coração. Hoje, na Eternidade, a dizer ao seu Deus: – “ECCE EGO QUIA VOCASTI ME” – Chamaste-me e aqui estou. ADELINUS EPISCOPUS, ECCE SACERDOS MAGNUS, NOMEN MEMOR NOSTRUM SEMPER ERIT. PAX ET LAUS TIBI, COLUMNA LUCIS! MIHI PLACET LEGERE VESTIGIA TUA.
Sinto-me feliz em pertencer a esta Casa de Cultura e de Saberes. Isto redunda em honra para mim – ID MIHI LAUDI EST. Casa já enriquecida pelo Verbo dos que aqui, já convivem, fraternalmente, em Emulação, o que significa vida para as Letras e para a Cultura desta Cidade. Esta Academia é de Letras e também de Artes. Nela, há cultores também específicos de outras atividades intelectuais que não as Letras IN INGENUIS ARTIBUS VERSARI, mas todos, enfim, dominando os recursos linguísticos, na exposição do Pensamento. Todos dominando a Língua que traduz a nossa vida, a Língua que nos introduz à Nacionalidade, a Língua em que expressamos nossas raízes, nosso cotidiano, nosso futuro, a Língua Portuguesa, a Última Flor do Lácio, Inculta e Bela, no dizer de Olavo Bilac.
Esta Academia tem um Lema bonito e profundo: “SAPIENTIAM VOLUMUS” – Queremos Sabedoria. Todos nós nascemos com Inteligência, uns mais, outros menos, cabendo a cada um desenvolvê-la, no decurso da vida. A Sabedoria, porém, é um Dom de Deus, recebe-a quem assim for merecedor, quem se colocar, diante de Deus, com Humildade. O homem prepotente nunca a terá, daí a grande diferença, entre o Homem Inteligente e o Homem Sábio. “DOCTUS VIDERI POTEST, ESSE AUTEM SAPIENS NULLO MODO”, disse Santo Agostinho. Poderá parecer douto, inteligente e culto, porém, de modo algum, será sábio. Somente respirando o Húmus dos nossos defeitos é que podemos chegar perto de Deus. Do contrário, permanecemos como bêbados cambaleantes, amargando nossas solidões sem rumo. O remédio para todas as patologias da alma é a Humildade. O Húmus escondido que fertiliza e fecunda todas as nossas ações. Prepotência é fraqueza e miséria do Homem: Sonho de uma sombra. Para ser feliz é necessário Virtude e, principalmente, Moderação. “Não procures ser um Deus” – MÈ MATEÚSE THEÒS GENÉSTAI – disse o Poeta Grego Píndaro, que nas suas Odes, cantava os Felizes do Mundo.
O homem, na verdade, não se impõe pelo seu grau de escolaridade ou pela sua erudição. O homem se impõe pela sua Sabedoria que o torna capaz de extrair da própria vida, os elementos que lhe permitem compreendê-la. Ela é atividade do Espírito, esse Espírito que age, através dos nossos desejos, de nossas aspirações, de nossa inteligência. Ele é o elã de nossos sentimentos, o invólucro de nossas palavras. Ele é maior do que nossas impressões. Ele nos leva a fazer o caminho da Interioridade e a Descoberta do avesso de todas as coisas. Ele é o motor secreto de todo compromisso, Aquele entusiasmo que anima, Aquele fogo interior que alenta as pessoas, na monotonia das tarefas cotidianas, Aquele que permite manter a soberania e a serenidade, nos equívocos e nos fracassos da vida. Nossa Sabedoria se avalia pela abertura ao Espírito, na disponibilidade à Sua ação, num silêncio habitado. É no Silêncio do Coração, que aprendemos a discernir Sua presença e a ouvir Seus passos. Sabedoria, enfim, não é conhecimento intelectual, é algo que tem o gosto do desconhecido. Somos todos buscadores do Infinito, nômades no encalço da plenitude da vida. Fomos feitos para ir além, sempre além. Ninguém tem o direito de habituar-se e de satisfazer-se, no meio da estrada, é preciso buscar o que pode plenificar. Por detrás das coisas de todos os dias, estamos tentando nos deixar guiar por Aquele que mostra Caminhos, que aponta para a Luz. Estamos sempre fazendo e refazendo. Tudo está feito e tudo precisa ser refeito. “NIHIL ACTUM, SI QUID AGENDUM”.
O Lema da nossa Academia é um Dístico latino. Os Lemas das Instituições do Passado eram todos em Latim, bem como, por exemplo, os Tratados filosóficos, teológicos, os Prefácios dos Tratados de Medicina, como os de Dioscórides, Antístio e Hipócrates, sem falar das Encíclicas Papais e das Constituições Dogmáticas da Igreja. Latim, Língua Nobre, Culta, Erudita. Latim, Idioma requintado que nos permite uma liberdade, praticamente, absoluta do emprego da ordem indireta, permitindo aos bons Prosadores e Poetas uma sonoridade verbal que deleita os ouvidos e uma concisão de linguagem que nos encanta a mente. Língua riquíssima e harmoniosa, cuja Literatura representa, talvez, a mais perfeita expressão do Belo, reflexo da Beleza Infinita. A inegável gravidade e solenidade deste Idioma faz com que QUIDQUID LATINE DICTUM SIT, ALTUM VIDETUR, ou seja, qualquer coisa dita em Latim, soa profundo. Latim, Idioma de Virgílio, Ovídio e Horácio, Poetas latinos que tive a honra e o privilégio de traduzi-los, quando Aluno e quando Professor, no Seminário de São Pedro, “MIHI PRAETER OMNES, HIC FORMOSUS ANGULUS RIDET”. “ITA VIXI UT NON FRUSTRA NATUM ESSE EXISTIMEM”.
Casa Religiosa onde conheci noites e madrugadas, debruçado sobre Livros, aprofundando-me, nos conhecimentos do Mistério da vida. Aprendi que o orgulho mata a Bondade e a impaciência destrói a Esperança; que a dúvida condena o Sorriso e o medo torna o Amanhã impossível. Seminário onde a dinâmica da Educação definia, claramente, qual a atividade natural da Inteligência, dando-nos a orientação intelectual e espiritual, impulsionando-nos a alma em direção ao Absoluto, fazendo-nos acreditar que nascemos para destinos mais altos. Para mim, foi um tempo KAIROLÓGICO, tempo privilegiado, qualitativo e proveitoso. Tempo em que minhas palavras estavam sempre tecidas de silêncio e, sem ele, elas não teriam sido audíveis. Não era um mero calar-se, era um estado de vida, uma maneira de ser. Assim entendia que o meu silenciar não era apenas um ato civilizado, mas também um gosto pela palavra ouvida no coração. Palavra que expulsava o temor, suprimia a tristeza, infundia alegria, dilatava a compaixão. Palavra que constituia o acontecimento de tudo – VOX VERO VERBI OMNIS EVENTUS REI. Enfim, o silêncio não me era um abismo vazio, mas o que me permitia escutar bem a vida, condicionando-me à Ação Sagrada. Sobre tudo isto, “NON POSSUM NON LOQUI”, ou seja, não posso ficar calado. HOC MIHI HEREDITATE VENIT. Recordemos as palavras do Profeta que diz: – “O ato de olhar para o passado nos permite vislumbrar a esperança futura”. A vida sempre junta coisas do Passado e do Presente e assim a pessoa vai avançando, porque engloba no seu Presente, o Passado pela Memória, e o Futuro pelo projeto a ser realizado. Tudo o que foi, sempre é. O Velho e o Novo aparecendo entrelaçados entre si. O Novo crescendo do Velho e o Velho encontrando, no Novo, uma explicação mais plena. Eis o adágio que formula, em palavras lapidárias, as relações entre o Passado e o Presente. Diz, explicitamente, que o Antigo se manifesta no Novo, como o Novo está latente no Antigo – “VETUS IN NOVO PATET, NOVUM IN VETERE LATET”.  Se se perde a memória histórica, perde-se o rumo também. Quem perde o seu Passado, perde, também, as balizas do seu Futuro. Preservar o Passado é Tradição. Uma Tradição que nos possibilita ouvir, verdadeiramente, as vozes extintas do Passado.
Agradeço a todos a Bondade de me acolherem nesta Casa. Sou simplesmente um Ser humano em busca da Luz, em busca da Sabedoria. Digo como Fernando Pessoa: – “Não sou da altura que me veem, mas, sim, da altura que meus olhos podem ver”. Ninguém melhor que Blaise Pascal para expressar o Ser complexo que somos: – “O Ser humano, disse ele, é um nada diante do infinito, e um tudo diante do nada; um elo, entre o nada e o tudo, mas incapaz de ver o nada de onde é tirado e o infinito para onde é engolido”. O Teólogo Teilhard de Chardin completa dizendo: – “Nele, o Homem, cruzam-se os três Infinitos: O infinitamente pequeno, o infinitamente grande e o infinitamente complexo”. Diante de tudo isto, podemos concluir dizendo: – Sentimo-nos todos incompletos e ainda nascendo. Estamos sempre na pré-história de nós mesmos, somos um projeto infinito que reclama seu objeto adequado, também infinito, chamado Deus. Não podemos aceitar que o Sal se torne insípido e a Luz fique escondida. Caminhamos rumo a um horizonte que nos transcende, vamos além da nossa própria finitude, buscando as coisas do Alto, e com asas bastante vigorosas para nos lançarmos ao vácuo. QUAE SURSUM SUNT QUAERITE. Disse o Poeta latino Ovídio, no começo de “As Metamorfoses”: “PRONAQUE CUM SPECTENT ANIMALIA CAETERA TERRAM / OS HOMINI SUBLIME DEDIT, CAELUMQUE TUERI / IUSSIT ET ERECTOS AD SIDERA TOLLERE VULTUS” – E, ao passo que os outros animais se inclinam para a terra, Ele, (o Criador), deu ao Homem um rosto voltado para o Alto, mandando-o encarar o Céu e contemplar os Astros. Finalizando, digo a todos que este Momento me marcou. Acredito que vocês me receberam, não tanto no espaço de uma Casa, mas, sobretudo, no afeto e na alegria de uma vida acadêmica de nível elevado. “FORSAN ET HAEC OLIM MEMINISSE IUVABIT” – Um dia, será bom relembrar essas coisas. NON DEPONERE POSSUM MEMORIAM – Não posso esquecer o que, aqui, aconteceu.

São Paulo do Potengi, 13/09/2015
José Ferreira da Rocha
Escritor

17/09/2015

VINICIUS DE MORAES

 
Tadeu Arruda Câmara
14 de setembro às 11:28

SONETO DE SEPARAÇÃO
Inglaterra , 1938
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
(Vinícius de Moraes)
Oceano Atlântico, a bordo do Highland Patriot, a caminho da Inglaterra, setembro de 1938.

16/09/2015

Marcelo Alves

   



O juridiquês, mais uma vez 

Hoje vou voltar a um tema já tratado em outros textos: o “juridiquês”, o conhecido e (por muitos) odiado “vocabulário empolado dos juristas”. Como já disse aqui, embora necessário - afinal, toda ciência precisa de linguagem técnica própria -, o “juridiquês” é um vocabulário complicado não só para os leigos, mas também, em grande medida, para nós, supostos juristas. O vocabulário jurídico é um “campo ideal para desentendimentos”, também já disse, sendo um dos grandes desafios do jurista contemporâneo (falo aqui do jurista de verdade) trabalhar melhor a sua linguagem. 

Nessa trilha, entendendo ser de alguma valia descomplicar o “juridiquês”, hoje vou tentar distinguir duas expressões bastante comuns do nosso direito processual constitucional (falo aqui, sobretudo, do controle de constitucionalidade das leis e dos atos normativos, tema especialmente caro para mim), “eficácia erga onmes” e “efeito vinculante”, que, por nós juristas, são muitas vezes confundidas. 

Antes de mais nada, essas duas expressões - “eficácia erga onmes” e “efeito vinculante” - identificam qualidades atribuídas às decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal no controle concentrado das leis e dos atos normativos, especialmente na ação direta de inconstitucionalidade e na ação declaratória de constitucionalidade, visando dar um mínimo de uniformidade ao nosso sistema de controle de constitucionalidade como um todo (gravemente comprometido nesse ponto), que, como sabemos, em razão da coexistência do modelo difuso, também é exercido por qualquer juiz do país. 

Em segundo lugar, sem dúvida, “eficácia erga onmes” e “efeito vinculante”, tecnicamente, são coisas distintas. Isso restou dito há mais de 20 anos com a Emenda Constitucional 3/93 e a redação que ela deu, à época, ao § 2º do art. 102 da Constituição Federal. Na oportunidade, criando a ação declaratória de constitucionalidade, previram-se, expressamente, como coisas diversas, a “eficácia erga omnes” e o “efeito vinculante”. 

Na verdade, a “eficácia erga omnes” em uma decisão no controle concentrado, que se restringe a sua parte dispositiva, quer significar que ela atinge a própria eficácia geral e abstrata da norma objeto do controle e, por conseguinte, atinge a todos (correspondendo, portanto, embora não completamente, à denominada “força de lei” do modelo alemão). Já faz bastante tempo que Piero Calamandrei (na obra “Direito processual civil”, publicada entre nós pela editora Bookseller), fundado no modelo italiano e tratando apenas da declaração de inconstitucionalidade, dizia isto: “Pela extensão de seus efeitos, pode-se distinguir em geral ou especial, segundo que a declaração de certeza da ilegitimidade conduza a invalidar a lei erga omnes e a lhe fazer perder para sempre eficácia normativa geral e abstrata, ou bem que conduza somente a negar sua aplicação ao caso concreto, com efeitos limitados ao só caso decidido”. Declarando a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no primeiro caso confirmando a eficácia geral e abstrata que lhe é inata, no segundo retirando-lhe essa eficácia, a decisão atinge, por isso mesmo, todos os potenciais destinatários, incluindo os órgãos do Poder Judiciário e, inclusive, o próprio Supremo Tribunal Federal. 

Já “efeito vinculante” significa algo diverso. Em resumo, ele é um “plus” em relação à “eficácia erga omnes” e significa a obrigatoriedade da Administração Pública e dos órgãos do Poder Judiciário, excluindo o Supremo Tribunal Federal, de submeter-se à decisão proferida na ação direta. Em termos práticos, significa que o Poder Executivo e os demais órgãos judicantes, nos julgamentos de casos de sua competência em que a mesma questão deva ser decidida incidentalmente, devem, obrigatoriamente, aplicar o provimento contido nessa decisão. Se não o fizerem, afrontam autoridade de julgado do Supremo Tribunal Federal, o que “abre as portas” para uma “reclamação” (sobre esse instituto, recomendo o livro do nosso conterrâneo Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, “Reclamação Constitucional no Direito Brasileiro”, publicado pela editora Sergio Antonio Fabris), conforme prevista no art. 102, I, l da Constituição Federal, além, naturalmente, do cabimento dos recursos cabíveis às instâncias superiores. Ou seja, se não for respeitada a decisão proferida na ação direta, o prejudicado poderá valer-se de um instituto próprio, denominado Reclamação, requerendo ao Supremo Tribunal Federal que garanta, de uma vez, a autoridade de sua decisão. É o que também diz o Ministro do STF Teori Albino Zavascki (em “Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional”, livro publicado pela editora RT): “Nos países da Europa em que tais institutos são adotados, considera-se efeito vinculante uma qualidade da sentença que vai além das suas eficácias comuns (erga omnes, coisa julgada, efeito preclusivo), ‘uma peculiar força obrigatória geral’, uma ‘qualificada força de precedente’, variável em cada sistema, extensivo, em alguns deles, ao próprio legislador. É esse o sentido que melhor se adapta ao sistema brasileiro: o efeito vinculante confere ao julgado uma força obrigatória qualificada, com a consequência processual de assegurar, em caso de recalcitrância dos destinatários, a utilização de um mecanismo executivo - a reclamação - para impor o seu cumprimento”. 

Bom, espero ter sido claro nas minhas explicações. Com o tal “juridiquês” nunca se está 100% seguro disso... 

Marcelo Alves Dias de Souza 
Procurador Regional da República 
Doutor em Direito pelo King’s College London – KCL 
Mestre em Direito pela PUC/SP