Marcelo Alves , Clóvis Protásio e Robson Felipe de Lima publicaram no grupo Adoramos Natal . Marcelo Alves 9 de setembro às 15:53 Vai o artigo publicado domingo passado, dia 06 de setembro de 2015, no jornal Tribuna do Norte: Duas igualdades A igualdade perante a lei - proclamada em termos jurídicos diretos e expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), art. VII - vem sendo consagrada, como verdadeiro dogma político e jurídico, nas mais diversas constituições, dos mais diversos países, como é o caso da Constituição brasileira de 1988. Sem medo de errar, pode-se afirmar que é uma proclamação constante dos ordenamentos jurídicos de todos os países democráticos. Trata-se, ademais, de uma proclamação ou principio que necessariamente deve transcender o plano normativo. Ela deve ter um lugar de destaque na solução dos casos concretos na vida em sociedade. De fato, ela parecerá irrealizável se a lei for interpretada de modo diferente, apesar de serem semelhantes as situações. Afinal, de que adianta a lei ser igual para todos se, caso a caso, perante o Judiciário, ela é aplicada de modo diverso? O jurisdicionado, sobretudo o homem do povo, não concebe decisões diversas resolvendo a mesma questão de direito, o mesmo princípio e a mesma categoria de fato. Assim, para o jurisdicionado, nada mais justo que casos semelhantes sejam resolvidos de modo semelhante; ao revés, nada mais injusto que esses casos (semelhantes) sejam decididos, arbitrariamente, de modos diversos. Entretanto, é necessário se fazer uma diferenciação entre as chamadas igualdade formal e igualdade material (ou substancial). A igualdade perante a lei é afirmação contida em nosso texto Constitucional, no seu art. 5º, caput: “Todos os brasileiros são iguais perante a lei (...)”. Daí, lógico, decorre o princípio da igualdade, devendo todas as pessoas, assim, por esse princípio, merecer tratamento igualitário da lei e em juízo. Todavia, devemos sempre ter cuidado ao lermos um documento tão importante como a Constituição. Se lida a nossa Constituição ao pé da letra, de forma apressada ou por artigos isoladamente, teríamos, à luz do seu art. 5º, caput, um sistema jurídico dito de igualdade formal (partes iguais para todos). Um sistema é assim tido, como nos explica Felix E. Oppenheim, professor da Universidade de Massachusetts/Amherst, em texto constante do “Dicionário de Política” (de Norberto Bobbio, publicado pela Editora da Universidade de Brasília), “se todos os benefícios ou encargos forem distribuídos, em partes iguais, por todos. É este o princípio aristotélico da Igualdade numérica - ‘serem igual e identicamente tratados no número e volume das coisas recebidas’ (Política, 1301 b) -, aplicado a tudo quanto cada um deve receber ou renunciar”. Mas não é isso que a nossa Constituição quer, pois uma suposta igualdade jurídica formal não impede a existência de desigualdades no mundo dos fatos. As desigualdades existem e o próprio texto Constitucional, em várias paragens, fundado na conceituação positiva de igualdade (dever do Estado de propiciar iguais oportunidades a todos), traz como objetivo do Estado Brasileiro pôr fim a elas. Entre muitos outros, o art. 3º, inciso III, da Constituição é um exemplo lapidar disso quando afirma de forma bastante abrangente: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”. Surge, assim, o princípio da igualdade material, verdadeiramente amparado na nossa Constituição, como na de todos demais países democráticos. Enrique M. Falcon (no livro “Elementos de derecho procesal civil”, publicado na Argentina pela Editora Abeledo-Perrot) explica bem como deve ser interpretado o princípio constitucional da igualdade: “a) deve transcender a igualdade aritmética para chegar à igualdade substancial; b) não consiste na nivelação absoluta dos homens, mas sim relativa, por meio de leis tendentes a aplicar, no possível, medidas aptas a evitar as desigualdades naturais; c) não impede que a legislação considere de modo distinto situações distintas; e d) as discriminações legais não devem ser observadas somente do ponto de vista individual, mas também do ponto de vista social etc.”. No mais, os casos de tratamento igualitário material ou substancial no nosso direito - esse tratar desigualmente os desiguais na medida da sua desigualdade, beneficiando os hipossuficientes - são inúmeros. Não vou me dar o trabalho de relacioná-los. Deem uma olhada no nosso direito constitucional, do trabalho, do consumidor ou até mesmo processual. Fica como dever de casa para este preguiçoso domingo. Marcelo Alves Dias de Souza Procurador da República Mestre em Direito pela PUC/SP Doutorando em Direito pelo King’s College London – KCL Curtir Comentar Compartilhar |
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Duas igualdades |
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A igualdade perante a lei - proclamada em termos jurídicos diretos e expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), art. VII - vem sendo consagrada, como verdadeiro dogma político e jurídico, nas mais diversas constituições, dos mais diversos países, como é o caso da Constituição brasileira de 1988. Sem medo de errar, pode-se afirmar que é uma proclamação constante dos ordenamentos jurídicos de todos os países democráticos. Trata-se, ademais, de uma proclamação ou principio que necessariamente deve transcender o plano normativo. Ela deve ter um lugar de destaque na solução dos casos concretos na vida em sociedade. De fato, ela parecerá irrealizável se a lei for interpretada de modo diferente, apesar de serem semelhantes as situações. Afinal, de que adianta a lei ser igual para todos se, caso a caso, perante o Judiciário, ela é aplicada de modo diverso? O jurisdicionado, sobretudo o homem do povo, não concebe decisões diversas resolvendo a mesma questão de direito, o mesmo princípio e a mesma categoria de fato. Assim, para o jurisdicionado, nada mais justo que casos semelhantes sejam resolvidos de modo semelhante; ao revés, nada mais injusto que esses casos (semelhantes) sejam decididos, arbitrariamente, de modos diversos. Entretanto, é necessário se fazer uma diferenciação entre as chamadas igualdade formal e igualdade material (ou substancial). A igualdade perante a lei é afirmação contida em nosso texto Constitucional, no seu art. 5º, caput: “Todos os brasileiros são iguais perante a lei (...)”. Daí, lógico, decorre o princípio da igualdade, devendo todas as pessoas, assim, por esse princípio, merecer tratamento igualitário da lei e em juízo. Todavia, devemos sempre ter cuidado ao lermos um documento tão importante como a Constituição. Se lida a nossa Constituição ao pé da letra, de forma apressada ou por artigos isoladamente, teríamos, à luz do seu art. 5º, caput, um sistema jurídico dito de igualdade formal (partes iguais para todos). Um sistema é assim tido, como nos explica Felix E. Oppenheim, professor da Universidade de Massachusetts/Amherst, em texto constante do “Dicionário de Política” (de Norberto Bobbio, publicado pela Editora da Universidade de Brasília), “se todos os benefícios ou encargos forem distribuídos, em partes iguais, por todos. É este o princípio aristotélico da Igualdade numérica - ‘serem igual e identicamente tratados no número e volume das coisas recebidas’ (Política, 1301 b) -, aplicado a tudo quanto cada um deve receber ou renunciar”. Mas não é isso que a nossa Constituição quer, pois uma suposta igualdade jurídica formal não impede a existência de desigualdades no mundo dos fatos. As desigualdades existem e o próprio texto Constitucional, em várias paragens, fundado na conceituação positiva de igualdade (dever do Estado de propiciar iguais oportunidades a todos), traz como objetivo do Estado Brasileiro pôr fim a elas. Entre muitos outros, o art. 3º, inciso III, da Constituição é um exemplo lapidar disso quando afirma de forma bastante abrangente: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”. Surge, assim, o princípio da igualdade material, verdadeiramente amparado na nossa Constituição, como na de todos demais países democráticos. Enrique M. Falcon (no livro “Elementos de derecho procesal civil”, publicado na Argentina pela Editora Abeledo-Perrot) explica bem como deve ser interpretado o princípio constitucional da igualdade: “a) deve transcender a igualdade aritmética para chegar à igualdade substancial; b) não consiste na nivelação absoluta dos homens, mas sim relativa, por meio de leis tendentes a aplicar, no possível, medidas aptas a evitar as desigualdades naturais; c) não impede que a legislação considere de modo distinto situações distintas; e d) as discriminações legais não devem ser observadas somente do ponto de vista individual, mas também do ponto de vista social etc.”. No mais, os casos de tratamento igualitário material ou substancial no nosso direito - esse tratar desigualmente os desiguais na medida da sua desigualdade, beneficiando os hipossuficientes - são inúmeros. Não vou me dar o trabalho de relacioná-los. Deem uma olhada no nosso direito constitucional, do trabalho, do consumidor ou até mesmo processual. Fica como dever de casa para este preguiçoso domingo.
Marcelo Alves Dias de Souza Procurador da República Mestre em Direito pela PUC/SP Doutorando em Direito pelo King’s College London – KCL |
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