30/07/2015



Crear en Salamanca

ENTREVISTA AL NOTABLE POETA LUSITANO ANTÓNIO SALVADO. POR MIGUEL NASCIMENTO


1 António Salvado, por Miguel Elías 
António Salvado, por Miguel Elías


Crear en Salamanca tiene el privilegio de publicar por vez primera, y en portugués, la entrevista que Miguel Nascimento ha realizado a uno de los más destacados poetas del país vecino, rico en lírica de calidad. Salvado está muy ligado a Salamanca desde hace unos treinta años. Aquí se la publicado varias antología y poemarios traducidos por el poeta Alfredo Pérez Alencart, profesor de la Universidad de Salamanca y dilecyo amigo suyo. En varias ocasiones ha recibido homenajes de las dos universidades y del propio Ayuntamiento de Salamanca. Recordable es el dedicado dentro del XIII Encuentro de Poetas Iberoamericanos, celebrado en 2010, donde apareció la amplia antología titulada ‘La hora sagrada’.
1B Antonio Salvado y Miguel NascimentoAntonio Salvado y Miguel Nascimento



Obra poética do autor
A Flor e a Noite, 1955; Recôndito, 1959; Na Margem das Horas, 1960; Narciso, 1961; Difícil Passagem, 1962; Equador Sul, 1963; Anunciação, 1964; Cicatriz, 1965; Jardim do Paço, 1967, Tropos, 1969; Estranha Condição, 1977; Interior à luz, 1982; Face Atlântica, 1986; Amada Vida, 1987; Des Codificações, 1987, Matéria de Inquietação, 1988; Soneto em Lembrança de João Roiz de Castelo Branco, 1989; Utere Félix, 1990; Nausicaa, 1991; O Prodígio, 1992; Dis Versos, 1993; O Corpo do Coração, 1994, Estórias na Arte, 1995; Certificado de Presença, 1996, Castália, 1996; O Gosto de Escrever 1997; O Extenso Continente, 1998; Rosas de Pesto, 1998; A Plana Luz do Dia, 1999; Os Dias, 2000; Largas Vias, 2000; Quadras (in) populares e Sábios Epigramas, 2001; Flor Álea, 2001; A Dor 2002; Águas do Sonó, 2003; Pausas do Aedo, 2003; A Quinta Raça, 2003; Rochas, 2003; Coisas Marinhas e Terrenas, 2003; Entre Pedras o Verde, 2004; Palavras Perdudas seguidas de Oito Encómios, 2004; Se na Alma Houver 2004; Ravinas, 2004; Malva, 2004; Quase Pautas, 2005; Recapitulação, 2005; Modulações, 2005; Os Distantes Acenos, 2006, Afloramentos, 2007; No Fundo da Página, 2008, Essa Historia, 2008, Odes, 2009, Outono, 2009; O Sol de Psara, 2011; Conjunto de Sonetos seguido de Novas Odes e de Redondilhas e Heróicos Quebrados, 2011; Repor a Luz, 2011; Auras do Egeu e de Outros Mares, 2012; O Dia a Noite o Dia, 2012; Na Sua Mão Direita, 2013; Sonetos do Interregno, 2013; Ecos do trajecto seguido de Passo a Passo, 2014; Sinais do Fluir, 2014; Treze Odes Latinas, 2014; Igaedus, 2015, e No interior da Página seguido de Prosas Avulsas do Interregno, 2015.
2 Homenaje iberoamericano en 2010Homenaje iberoamericano en 2010


Conversa com António Salvado


1. António Salvado, numa idade relativamente avançada ainda escreve todos os dias? O que é para si escrever e em particular poesia?
Não direi todos os dias, pois nem sempre a necessidade ou o frémito a exigirem a escrita se perfilam com acto a ser, pertinaz e implacavelmente, concretizado através da palavra. Recordo uma passagem das “Cartas a um jovem poeta” de R. M. Rilke: nela diz o poeta alemão ao seu jovem destinatário (que lhe havia solicitado opinião crítica sobre os seus poemas) mais ou menos isto: “Alta noite interrogou-se: se eu deixasse de escrever, morreria? E aguarde a resposta.” Pois bem e indo de encontro ao teor da sua pergunta, seja-se legítimo afirmar que, para mim, escrever/poesia constitui (constituem) ‘itinerário’ assíduo aberto à minha capacidade criativa. Deste modo, o tempo (o meu tempo) será algo de muito alegórico e será nesse algo que se cruzam as virtualidades do presente e do futuro – e sem temor ou receio pela ‘passagem’ subjacente.


2. Depois de muitos anos a escrever prosa e poesia e a exercer muitas outras profissões como professor, tradutor, museólogo, entre outros, qual é o espaço reservado ao poeta e em particular ao “poeta da ibéria” como muitos, carinhosamente, o designam?


Em larga medida de consciente propósito, eu assegurei sempre à poesia, no desenrolar das actividades profissionais (estas balizadas também por um quotidiano de coerentes vivências), um lugar marcadamente relevante. Aliás, e para mim, conciliar o ensino ou museologia (dois segmentos essências no meu currículo) com uma outra realidade visceralmente tentadora fez parte, com apego, de uma atitude estratégica relativamente ao cumprimento de obrigações profissionais e à exigência da criação. Em larga medida, quantas vezes vibrou no meu íntimo mais profundo, a poesia do ensino ou a poesia da museologia. Concluindo: o ‘espaço’ exibiu-se sempre de forma idêntica; o impulso temporal que se aclarava com perfil convincente – esse diferenciava-se também sempre. Quanto ao… atributo de ‘poeta da Ibéria’ com o qual carinhosamente alguns me têm distinguido – o mesmo agrada-me sobremaneira, e isto porque na minha ‘cultura poética’ ocupa lugar luminoso o conhecimento da poesia galega, castelhana e catalã – da Idade Média até aos dias de hoje.


 3 Alfredo Pérez Alencart, António Salvado y Miguel Elías, en Partida (foto de Milola Gouveia)Alfredo Pérez Alencart, António Salvado y Miguel Elías, en Partida (foto de Milola Gouveia)
3. Os seus textos (prosa e poesia) estão traduzidos para castelhano, francês, inglês, italiano, alemão, búlgaro e japonês. Os especialistas da área consideram-no um grande embaixador da língua portuguesa. A defesa do “castelo cultural e da língua portuguesa” foi a demanda da sua vida?
Confesso-lhe que detesto o epíteto ‘grande’ como caracterizador de pessoa, de acto ou de circunstância. Julgo que o criador (poeta ou prosador) que faz da língua materna o veículo ou ‘suporte’ para a sua escrita formaliza com constância uma autenticação no que diz respeito ao conjunto das estruturas que padronizam a sua língua. Um pouco sem dar por tal realidade e na medida em que na minha bagagem intelectual viceja o ‘respeito’ pelas configurações que cimentam a língua portuguesa, nesse aspecto e naquilo que escrevo adivinhar-se-ão os sinais que revelam a eficácia daquele que é portador de mensagem (e eis o sentido da palavra ‘embaixador’).


4. António Salvado, depois da antologia que reuniu textos de 200 poetas de Portugal, Espanha, Brasil, África e de diversas geografias da América Latina, lançada no ano passado, podemos dizer que a poesia abraça “Um Extenso Continente” ou uma “Ilha” por descobrir?


Pessoalizando, sempre direi que, dada a extensão quantitativa da minha obra poética, a poesia se tem orquestrado, na sua polifónica essência, como porto de abrigo por um lado e, por outro, como um ‘extenso continente’ de contornos aliás imprecisos e algo indefiníveis – assente numa geografia sentimental cheia de amplitudes, de virtualidades, de seduções… E quantas vezes, na ininterrupta viagem sem bússola para a descoberta do ‘continente’, se torna necessário aportar primeiramente a uma ‘Ilha’, de cambiantes misteriosos para descanso e revigoramento. Mas este discurso metafórico levar-me-ia extensivamente longe, e vamos pôr-lhe um ponto final. Denotemos, e agora sim termino, ‘extenso continente e ilha’: duas espantosas antologias preenchidas por criações de poetas de várias latitudes e línguas – e nas quais sou lembrado. Que admirável surpresa!… Que enternecedora ‘convergência’ de amizades!…


4 Salvado traducido al español y japonésSalvado traducido al español y japonés

5. As suas palavras melódicas tocam temas sem fim. Alguns dos seus “arrazoados”, como costuma dizer, são também um grito de revolta em relação às questões da interioridade? Sentiu alguma limitação por escrever a partir das suas raízes, de Castelo Branco para o mundo ou, precisamente ao contrário, a Beira foi o motor que soprou as velas da sua “barca” poética?


Dos poetas que mais releio e admiro nunca descortinei um só (e quanto o ‘biografismo’ permite o estabelecimento de tal linha…) que pelas suas raízes não amplificasse um carinho e um respeito comovedores. Claro que, também e naturalmente, a… biografia existencial se ramifica com a permanência em locais diversos. Fernando Pessoa disse um dia que «a melhor maneira de viajar é sentir» … E eu julgo que, em matéria de criação poética, as raízes poderão consubstanciar (e talvez acima de quaisquer outros afloramentos) os alicerces que ajudarão à adequação de coordenadas axiais que, mais em evidência, menos visíveis, hão de transparecer no percurso criativo (de reconstrução) do poeta. Nem percebo como é que, a tal propósito, se possa falar da subjacente limitação manipuladora de vista curta… A localização geográfica da cidade onde nasci e onde actualmente vivo e existo (há diferença entre viver e existir…) cobre, em distância, a mesma até Lisboa ou até Salamanca. Falar, pois, de interioridade, porquê? Se sim, razões haverá que valorizarão propósitos de conteúdo político ou que alimentarão interesses calculados, secretos e humanamente desprezíveis. Para terminar: a Beira Baixa, província cuja capital é Castelo Branco, testemunha com propriedade, nas suas peculiaridades físicas, humanas e culturais, aquilo que o verso do genial poeta latino Virgílio (e traduzo) diz: “Perene primavera aqui floresce…”, verso que serve de epígrafe ao livro “Na Eira da Beira”, selecção dos meus poemas que permitem sejam adivinhadas as tipificações e as “atmosferas” beiroas mais envolventes, mais genuínas e mais multiformes.



6. Como nasceu esta grande paixão por Salamanca? O que o atraiu a esta magnifica cidade do outro lado da fronteira, nomeadamente num tempo em que as portas estavam semi-cerradas?

De visita ocasional à maravilhosa cidade de Tormes passei, com o trajecto do tempo, a uma relação de sensível e pautado alargamento. Realidades culturais do passado beirão apontavam-me Salamanca como referente universitário culminante pela qualidade do ensino que aí se ministrava. Na verdade, contam-se pelas muitas dezenas os estudantes albicastrenses (assim se designa os naturais de Castelo Branco) e da região que procuraram Salamanca para levarem a efeito os seus estudos, principalmente de medicina. Digamos de passagem que um importante médico cientista do Renascimento europeu, o albicastrense Amato Lusitano, realizou a sua formação superior em Salamanca. Depois, o ‘espectáculo’ dos monumentos, das ofertas culturais, a descoberta saudável de pessoas (poetas e não só), as surpresas das convivências, a ambiência generalizada de um quotidiano impregnado de originalidade – tudo enfim se associou para que a paixão pela cidade de Tormes se ampliasse em influência e em solidariedade. Depois, as relações de diferentes articulações, que passo a enunciar. Aquando da minha directoria no Museu de Castelo Branco múltiplas se desenrolaram as acções bi-laterais que a vários níveis cimentaram o amor por Castela/Salamanca. Recordo, saudoso, o contacto que tive com o jornalista Enrique Sena, o historiador José Luís Martin ou grande pré-historiador Francisco Jordá da Universidade de Salamanca. Mais tarde ainda e pela mão do professor e poeta Alfredo Pérez Alencart, e do meu grande amigo José Santolaya, a minha indicação para a Cátedra Poética “Fray Luís Léon” da Universidade Pontifícia de Salamanca, então dirigida pelo sábio e amigo Alfonso Ortega Carmona, ampliou novas vias de contacto. Com o Alfredo Pérez Alencart, laços profundos e mútuos de amizade e de admiração se foram cristalizando no decorrer dos anos – laços que, sem qualquer névoa, perduram com convicção inflexível.
Longe vai o tempo em que ir além da fronteira luso-espanhola significava tonalidade de tenebroso acentuado – a vigilância exercida pela polícia portuguesa e pela guarda civil espanhola, a ‘análise’ de tudo o que se levava e de tudo o que se trazia (de livros, principalmente), o estremecimento, passageiro embora, perante rostos que pouco ou nada ofereciam de amigável – tudo confluindo enfim para tornar a ida ao lado de lá numa espécie de inesquecível aventura. A coragem dos dois povos peninsulares riscou, e para sempre, essa situação fervente e amordaçante que nos obrigava a esconder o abraço e a alegria.

5 Los poetas Alencart, Amat, Sánchez, Luís Correia (alcalde de la ciudad), Quirós, Salvado, Frayle y Amador en Castelo Branco (foto de Jacqueline Alencar)) Los poetas Alencart, Amat, Sánchez, Luís Correia (alcalde de la ciudad), Quirós, Salvado, Frayle y Amador en Castelo Branco (foto de Jacqueline Alencar))


7. Há uns tempos disse, a propósito de uma reportagem de um jornal de Castilla y León, que sempre que ia a Salamanca se sentia em casa e bebia do seu espírito regenerador. Como é que isso acontece e porquê? São as pedras da cidade ou as pessoas que lhe dão este aconchego?

A resposta à sua pergunta plasma-se, em larga medida, nas linhas anteriores. É verdade: habituei-me a sentir Salamanca como uma mátria carinhosa na qual “pedras e pessoas” embelezam concludentemente o meu aperto de mão com Salamanca. Encontrar um amigo (poeta ou não), tomar um café em esplanada ou no interior da pastelaria, entrar numa livraria, assistir a uma sessão cultural – todos estes acontecimentos assumem o encantamento de um peculiar “aconchego”.


8. António Salvado é hoje um nome consagrado e com uma presença muito forte no espaço cultural espanhol onde, entre muitas outras coisas para além da poesia, se tem destacado como tradutor. Como foi este percurso? Há alguma obra ou algum criador cultural que tenha gostado mais de traduzir?

“Nome consagrado” – tanto não direi; “presença não muito forte mas persistente” – estarei de acordo. São inúmeros os poetas de expressão castelhana ibéricos e sul-americanos que tenho traduzido e que continuo a traduzir – ‘atitude’ que desenvolvo com particular interesse e que me tem proporcionado momentos de verdadeiro prazer. Por vezes, estas ‘transfusões de sangue’ revestem-se de algumas dificuldades, que (dizem os entendidos) eu consigo ultrapassar. Grato me foi reunir num pequeno livro alguns poemas de Claudio Rodríguez, poeta fascinante que tanto admiro. Outros houve e há como o grande Aníbal Nuñez, o afectuoso Pepe Ledesma Criado, o luminoso Antonio Colinas ou o original jovem Raúl Vacas que li, continua a ler e a… traduzir. E é natural que eu releve as traduções que a obra de Alfredo Pérez Alencart me tem proporcionado, e (também) por pertinências já atrás apontadas.


6 Antología y homenaje  salmantino del año 2000Antología y homenaje salmantino del año 2000

9. O poeta Alfredo Pérez Alencart tem sido um grande promotor da obra de António Salvado, numa relação que parte da amizade, alimentada ao longo de muitos anos de cumplicidade, para um trabalho persistente de divulgação dos seus poemas e da sua obra no espaço lusófono e ibero-americano. Ou seja, esta vossa relação vai muito para além da amizade…. Tem dado os seus frutos no palco da cultura. Como se construiu esta verdadeira união entre dois bons amigos que gostam de poesia e percorrem muitos caminhos por ela?

Sem dúvida que sim. Embora com outro cariz, a resposta está dada anteriormente. Tem, ao longo dos anos, acontecido uma cumplicidade interpelante, sem atropelos ou meandros menos correctos, que o gosto pela poesia sintonizou em harmoniosa relação: a tradução de este ou de aquele livro à ‘tradução pontual’ de poemas (para revistas, antologias, etc), às sessões públicas em Portugal e em Espanha com a intervenção de ambos, ou, ainda e relevantemente, à persistente e consistente ‘convivência’ pela presença pública, pela carta, pelo telefone. Inolvidável também o relevo muito precisado com que Alfredo Pérez Alencart me tem envolvido nos “Encuentros de poesia iberoamericanos”, realizados em Salamanca desde há alguns anos… Um desses “Encuentros” foi inteiramente consagrado à minha poesia, facto esse que se concretizou numa edição na qual os meus poemas ocupam dimensão notável, acompanhados por poemas a mim dedicados e da autoria de dezenas de poetas de língua castelhana!…


10. Os dois poetas e amigos, Alfredo Pérez Alencart e António Salvado, evidenciam uma espécie de “híper-actividade” de grande excelência ao nível da criatividade cultural. Um grande exemplo tem sido a realização dos encontros “poetas e Deus”. As palavras do poeta António Salvado, digo eu, vão muitas vezes ao encontro de Deus. Qual a importância que Deus tem na sua obra e porque sentiu a necessidade de organizar um encontro de poetas com Deus? Para os aproximar? Foi para condensar a espiritualidade na palavra? Ou foi outra coisa?

Vai para dez anos que, e sempre no mês de Novembro e em Toral de Los Guzmanes (Léon), o Alfredo realiza (ao poeta se deve a sua consecução) um “Encuentro” (o único de características semelhantes tão próprias e em toda a Península Ibérica) durante o qual é dada a palavra aos poetas que às sessões assistem (católicos, evangélicos, etc.) para, através dos seus versos, ‘emitirem’ uma ‘aproximação’ a Deus. Sucesso enorme tem singularizado este “Encuentro” que eu, com a minha presença, tenho também ajudado a corporificar-se – presença que, com ternura o afirmo, em cada ano me é ‘agradecida’ com inexcedível simpatia.
Tornou-se asserção generalizada, essa que me faz ser considerado (tendo-se em mente alguma parte da minha obra) um… trovador de Deus. E já o afirmei mais que uma vez (em entrevista de periódicos): “Se o poeta não encontra Deus, será Deus quem encontra o poeta”. Nesta recôndita e impalpável ‘certeza’ reside a força que leva alguns poetas a reunirem-se em Toral de Los Guzmanes: o terem escolhido correspondeu a um apelo espiritualizado difícil de definir. E a grande ‘aproximação’ é de tal grandeza que cada “Encuentro” fica (e para sempre) gravado no corpo saudoso do coração dos poetas participantes; que cada “Encuentro”, e pela voz dos poetas, saberá condensar a espiritualidade que transborda dos poemas que se lêem durante as sessões; que cada “Encuentro” perfilará, no íntimo de cada poeta, a centelha de uma sempre desejada e futura serenidade.


7 Antología de Toral de los GuzmanesAntología de Toral de los Guzmanes


11. António Salvado, depois de um percurso tão longo de uma escrita límpida, fina, densa e inquietante, ….podemos esperar o surgimento de mais projectos e da continuidade da demanda cultural?
Refere-se ao longo percurso da minha escrita… Mas parece-me que a medição que implica tal afirmação não responderá precisamente a um horizonte ‘geométrico’ alumiado por exactidão… Sabe? É que a longevidade patenteada no B. I. talvez não concorde com a longevidade traçada pela escrita. E, porque não confessá-lo? Conservo ali meia-dúzia de livros inéditos que aguarda oportunidade editorial. Por outro lado, não me fatigo em considerar solicitações que, concretizadas, me levarão ao contacto público com os outros.

8 Salvado y Alencart en Salamanca (foto de José Amador Martín)Salvado y Alencart en Salamanca (foto de José Amador Martín)

9 Retrato de Miguel Elías Retrato de Miguel Elías

10 Malva, traducido por A. P. AlencartMalva, traducido por A. P. Alencart
3 Noticias de Salvado en los periódicos de la Beira Interior
Noticias de Salvado en los periódicos de la Beira Interior

________________________________
COLABORAÇÃO DE DAVID LEITE

29/07/2015

Os Morenos do Rio Grande do Norte




João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Matemático, sócio do IHGRN e do INRG.
O mais famoso Moreno, que passou aqui pelo Rio Grande do Norte, foi Martim Soares Moreno, que em 1609 era tenente desta Capitania, servindo na Fortaleza dos Reis Magos ao capitão-mor Lourenço Peixoto. Foi um grande guerreiro na conquista do Ceará e Maranhão, bem como na luta contra os holandeses.

Mas é nos registros paroquiais da Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação que vamos encontrar membros da família Moreno. Nos velhos registros, que hoje estão no Instituto Histórico de Pernambuco, encontramos dois membros dessa família batizando filhos no final do século XVII.

 Aos 25 de setembro de 1693, batizou o Padre Manoel Dias Santiago, de licença minha, a Eugênia, filha de Mathias Moreno e de sua mulher Maria da Assunção. Foram padrinhos João da Costa Marinho, e Izabel de Andrade. Do que fiz este assento, em que me assinei, Basílio de Abreu e Andrada.

Aos 8 de dezembro de 1694, batizou o padre Jerônimo de Albuquerque, da Companhia de Jesus, a Izabel, filha de João Moreno e de sua mulher Joanna da Costa. Foram padrinhos o capitão Afonso de Albuquerque Maranhão e D. Izabel de Barros.

De um registro confuso e de difícil leitura extraímos, resumidamente, o casamento de mais um Moreno que segue: Aos 21 de junho de 1747 anos, na Capela de Nossa Senhora do O’ de Mipibu, desta Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação do Rio Grande do Norte, feitas as denunciações, na forma do Sagrado Concílio Tridentino, nesta Matriz, e nas partes necessárias desta Freguesia e na Freguesia do Assú, onde assistiu o contraente, em presença do Reverendo Padre Antonio Araújo e Souza, de licença minha, e dos presentes por testemunhas, o capitão Francisco de Souza Gusmão, e Felis de Souza, pessoas conhecidas, os quais vinham assinados junto com o Reverendo assistente no assento, se casaram em face da Igreja solenemente, por palavras Matheus Moreno, filho legítimo de José Raposo, já defunto, e  de sua mulher Eugenia de Andrade, com Antonia Dias de Barros, filha de Ana de Barros, já defunta, ambos naturais e moradores da Ribeira de Mipibu, desta Freguesia e lhes deu as bênçãos conforme os ritos e cerimônias da Santa Madre Igreja, e pelo assento que veio do dito Reverendo mandei faze este que por verdade me assino, Manoel Corria Gomes. 

Não deu para descobrir, mas essa Eugenia, mãe desse Matheus, pode ser aquela batizada em 1693.
Vejamos, agora, o casamento de Estevam Moreno, que no registro tem acrescentado o sobrenome Assunção, que deve ter vindo da esposa de Mathias Moreno.

Aos 17 de julho de 1748 anos, na Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres, da Aldeia de Guajiru, desta Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação do Rio Grande do Norte, feitas as denunciações na forma do Sagrado Concílio Tridentino, nesta Matriz e nas mais partes necessárias desta Freguesia, sem se descobrir impedimento algum, como consta dos banhos, que ficam em meu poder, em presença do Reverendo Padre Mestre José de Amorim, da Companhia de Jesus, superior da dita Aldeia, de licença do Reverendo Coadjutor que fazia vezes de Pároco, em minha ausência, e sendo presentes por testemunhas o sargento-mor Manoel de Souza Jardim, e João da Silva, pessoas conhecidas, se casaram em face da Igreja, solenemente, por palavras Estevão Moreno da Assunção, filho legítimo do Alferes João Moreno, e sua mulher Antonia Machado de Miranda, natural desta  dita Freguesia, com Adriana Freire, filha legítima de Feliciano Carneiro, e de sua mulher Leandra da Sylva, natural da Freguesia de São Lourenço da Mata de Capibaribe, que veio de menor idade para esta dita Freguesia do Rio Grande, e logo lhes deu as bênçãos conforme os Ritos e Cerimônias da Santa Madre Igreja, e pelo assento que veio do dito Reverendo mandei fazer este, em que assino. Manoel Correia Gomes, Vigário.

A testemunha Manoel de Souza Jardim foi casado com minha tia-pentavó, Felizarda Coelho Marinho, filha de João Machado de Miranda e Leonor Duarte de Azevedo. Talvez essa  mãe de Estevão fosse, também, filha desse meus hexavós.

Nos assentamentos de praça encontramos  Estevão Moreno, que neste trabalho é o eixo de uma genealogia dessa família.

Estevão Moreno, homem pardo, casado, natural da Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação e morador na mesma, filho legítimo de João Moreno, da Assunção, de idade de que representa ter de cinquenta anos, pouco mais ou menos, de estatura ordinária, grosso de corpo, cor trigueira, nariz grande, de ventas abertas, cara comprida, olhos pequenos, e as sobrancelhas grossas, com todos os dentes, assenta praça por portaria dos sucessores do governo desta capitania, o tenente José Baptista Freire e Antonio da Câmera Silva, e intervenção do Vedor Geral o Doutor Antonio Carneiro de Albuquerque Gondim, em 8 de fevereiro de 1777 anos.

Pelo documento acima, Estevão deve ter nascido por volta de 1727, pouco mais ou menos. Naquele tempo as pessoas pareciam não saber da própria idade. Vejamos alguns filhos de Estevão e de Adriana, que foi possível encontrar. Em alguns registros o nome dele é escrito Estevam, e o nome a esposa é escrito Anna, no lugar de Adrianna. Outro detalhe é que os lugares de nascimento, para uma mesma pessoa, variam de registro para registro.

Leandra, filha legítima de Estevão Moreno, natural desta Freguesia, e de Adriana Freire, natural de Goianinha (?), neta por parte paterna de João Moreno da Assunção e de sua mulher Antonia Machado naturais desta Freguesia, e pela parte materna de Faustino Freire (Feliciano Carneiro) e de sua mulher Leandra da Silva, naturais da Freguesia de Santo Tracunhaém, nasceu aos 25 de julho e foi batizada com os santos óleos, de licença minha, na Capela de Nossa Senhora da Conceição de Jundiaí, pelo padre Lourenço Gracy de Mello, aos 10 de agosto do 1766. Foram seus padrinhos José da Costa Valerino, casado, e Eleutéria Freire, mulher de João da Silva, moradores nesta Freguesia, Pantaleão da Costa de Araújo, Vigário do Rio Grande.

Bernarda, filha legítima de Estevão Moreno, natural desta Freguesia e de Anna Fernandes (Adriana Freire), natural de Santo Antão da Mata, neta por parte paterna de João Moreno e de Antonia Machado, naturais desta Freguesia, e pela materna de Feliciano Carneiro e Leandra da Silva, de Santo Antonio da Mata, nasceu aos 8 de julho de 1773, e foi batizada com os santos óleos, de licença minha na Capela de Santo Antonio desta Freguesia pelo padre Manoel Antonio de Oliveira, aos 29 de agosto do dito ano; foram padrinhos Manoel de Melo Andrade, solteiro, e dona Rosa Maria, filha do capitão Jerônimo Teixeira da Costa, moradores nesta Freguesia.Pantaleão da Costa de Araújo, Vigário do Rio Grande.

Nos dois registros de batismo a seguir, encontramos dois filhos de Estevão e Adrianna, com o mesmo nome.

Francisco, filho legítimo de Estevão Moreno, e de Anna (Adrianna) Freire, neto por parte paterna de João Moreno e de Antonia Machado, naturais desta Freguesia e pela parte materna de Feliciano Carneiro e Leandra da Silva, ambos naturais de Santo Antão da Mata, nasceu aos 9 de maio de 1771, e foi batizado sem os santos óleos, na Capela de Nossa Senhora da Conceição de Jundiaí, de licença minha, pelo padre João Tavares da Fonseca aos 20 do dito mês e ano; foram padrinhos  o capitão Francisco Delgado Barbosa e Anna Maria Soares, mulher do dito, Pantaleão da Costa de Araújo, Vigário do Rio Grande.

Francisco, filho legítimo de Estevão Moreno, natural desta Freguesia e Anna (Adrianna) Freire da Freguesia de São Lourenço, neto por parte paterna de João Moreno e Antonia Machado, naturais desta Freguesia, e materno de Feliciano Carneiro, natural da Bahia, e Leandra da Silva, natural de São Lourenço, nasceu aos 13 de junho e foi batizado com os santos óleos na capela de Jundiaí, de licença minha, pelo padre Manoel de Aragão Cabral, aos 19 de agosto, foram padrinhos José Bezerra de Lira e sua mulher Jenoveva Bezerra. Pantaleão da Costa de Araújo. Embora não tivesse ano, mas pelos batismos próximos, era 1775.

Francisco Freire, que aparece a seguir, dever ser o segundo, nascido em 1775.

Antonio, filho legítimo de Francisco Freire e de Maria do Nascimento, naturais e moradores desta Freguesia, neto paterno de Estevão Moreno e de sua mulher Adriana Freire, naturais desta Freguesia, e pela materna de João Rodrigues da Costa, natural da Paraíba, e de Anna Maria dos Prazeres, naturais desta Freguesia, nasceu aos oito de setembro de 1796, e foi batizado com os santos óleos, por mim na capela de São Gonçalo do Potigi, aos 28 de outubro do dito ano, foram padrinhos Manoel Rodrigues Machado e sua mulher Maria Pereira, moradores desta freguesia, do que para constar fiz este assento em que me assino. Ignácio Pinto de Almeida Castro. Vigário Encomendado do Rio Grande.

Aos 4 de junho de 1798, o padre José Gonçalves de Medeiros, de minha licença, batizou e pôs os santos óleos a inocente Joanna, filha legítima de Francisco Freire e Maria do Nascimento, neto por parte paterno de Estevão Moreno e de Adrianna Freire, e pela materna de João Rodrigues da Costa e Anna Maria dos Prazeres, todos desta Freguesia, foram padrinhos Domingos Fernandes Veras e Bernarda Maria. Felicano José Dornelles. Na lateral do registro o nome é Anna em vez de Joseph

Feliciano, filho legítimo de Estevão Moreno, natural desta Freguesia e de Anna (Adrianna) Freire, natural desta Freguesia de Santo Antão, neto por parte paterna de João Moreno e de Antonia Machado, naturais desta Freguesia, e pela materna de Feliciano Carneiro e de Leandra da Silva, naturais da Freguesia de Santo Antonio, nasceu aos 27 de fevereiro de 1770 e foi batizado com os santos óleos, de licença minha, na Capela de Nossa Senhora da Conceição  desta Freguesia pelo Padre João Tavares  da Fonseca, aos 21 de março do dito ano; foram padrinhos o capitão Jerônimo Teixeira casado e D. Luzia de Mello de Andrade, sua mulher. Pantaleão da Costa de Araújo, Vigário do Rio Grande.

Feliciano Carneiro Cabral, solteiro, e morador na Serrinha, filho de Estevão Moreno, de idade de dezoito anos, senta praça por ordem dos Presidentes interinos desta Capitania e intervenção do Doutor Vedor Geral em 7 de dezembro de 1788.

Aos 22 de dezembro de 1754, de licença do Reverendo Vigário Doutor Manoel Correa Gomes, na Capela de Santo Antonio, batizou e pôs os santos óleos, o Reverendo padre Theodosio da Rocha Vieira, a Joseph, filho legítimo de Estevam Moreno e de sua mulher Anna (Adrianna) Freire. Foram padrinhos Joseph Mendes, solteiro, e Leandra da Silva, viúva. Marcos Soares de Oliveira. Visitador.

José Mendes, homem pardo, solteiro, natural e morador desta Freguesia, filho legítimo de Estevão Moreno, de estatura ordinária, cara redonda, cor alva, olhos pequenos, sobrancelhas delgadas, sem falta de dentes, assenta praça por portaria dos sucessores do governo desta capitania, o tenente José Baptista Freire e o alferes Antonio da Câmera Silva e intervenção do Vedor Geral, o Doutor Antonio Carneiro de Albuquerque Gondim, em 8 de fevereiro de 1777 anos. (consta como falecido, abaixo do registro, sem especificar a data). 

Vejamos, agora, o casamento de José Mendes: Aos 4 dias do mês de maio de 1781 anos, pelas quatro horas da tarde, corridos os banhos de suas naturalidades, nesta Matriz, e na capela do Senhor São Gonçalo filial da mesma, onde os contraentes são naturais e moradores sem se descobrir impedimento algum até a hora de seu recebimento, examinados em doutrina cristã, e confessados, se casaram por palavras de presente José Mendes, filho legítimo de Estevão Moreno e de Adrianna Freire da Conceição, com Anna Bezerra de Mello, filha natural de José de Mello da Cruz, todos naturais e moradores nesta Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação do Rio Grande; e cujo sacramento assistiu, de licença minha, o Reverendo Padre Luiz Felis de Vasconcellos, Administrador em São Gonçalo, e logo lhes deu as bênçãos na forma dos Sagrados Ritos da Santa Madre Igreja, sendo presentes por testemunhas Domingos Rodrigues da Silveira, e João Gomes da Silveira, casados, moradores no mesmo lugar de São Gonçalo, e pessoas conhecidas de mim. Francisco de Souza Nunes, vice-vigário do Rio Grande.

Outra filha de Estevão e Adrianna, que não encontramos o batismo, foi Eleutéria, cujo casamento segue: Ao primeiro de agosto de 1764, na Capela de Nossa Senhora da Conceição de Jundiaí, dispensados no terceiro grau de consanguinidade com que se achavam ligados, satisfeito tudo, o que estava disposto na sua sentença de dispensa, e corridos dos banhos dos seus domicílios, juxta tridentinum, sem se descobrir impedimento algum, fora do que já estava dispensado, na presença do Padre Lourenço Gracy de Mello, de licença minha, se casaram com palavras de presente João da Sylva Gomes, filho legítimo de Manoel dos Santos, e de Marcelina Gomes, naturais da Freguesia de Santo Antão da Mata, com Eleutéria Freire, filha legítima de Estevão Moreno da Assunção, e de Anna (Adrianna) Freire, naturais e moradores desta Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação e, logo lhes deu as bênçãos nupciais, conforme os ritos da Santa Madre Igreja, presentes por testemunhas Francisco de Araújo Correia e Manoel Álvares Correia, que vinham assinados na certidão que fica em meu poder. Pantaleão da Costa de Araújo.

Segue alguns registros de netos de Estevão e Adrianna, filhos de João da Silva e Eleutéria.

Florência, filha legítima de João da Silva, natural de São Lourenço da Mata, e de Eleutéria Freire, natural desta Freguesia, neta por parte paterna de Manoel dos Santos, e de Marcelina da Costa, naturais de São Lourenço da Mata e pela materna de Estevam Moreno, natural desta Freguesia e de Anna (Adrianna) Freire, natural de Santo Antão da Mata, nasceu aos 13 de agosto de 1769, e foi batizada com os santos óleos, de licença minha, na Capela de Nossa Senhora da Conceição de Jundiaí, pelo Padre Miguel Pinheiro Teixeira, aos 3 de setembro do dito ano, foram padrinhos Estevam Moreno e sua mulher Anna (Adriana) Freire. Pantaleão d Costa de Araújo.

João, filho legítimo de João da Silva, natural de Engenho Novo de Capibaribe e de Eleutéria Freire, natural desta Freguesia, neto por parte paterna de Manoel dos Santos e de Marcelina da Costa, natural da Freguesia de Santo Antão, e pela materna de Estevam Moreno e Anna (Adrianna) Freire, naturais desta Freguesia, nasceu aos 13 de maio de 1771, e foi batizado com os santos óleos, na Capela de Nossa Senhora da Conceição de Jundiaí, de licença minha, pelo Padre João Tavares da Fonseca, que no assento que mandou lançar declarou a quantos foram padrinhos o capitão Francisco Xavier de Souza e sua mulher Bernarda Dantas da Silveira. Pantaleão da Costa de Araújo

Manoel, filho legítimo de João da Silva Gomes e de Eleutéria Freire da Conceição, naturais desta Freguesia, neto por parte paterna de Manoel dos Santos, natural da Freguesia de São Lourenço da Mata, e de Anna Ferreira (Marcelina da Costa), desta Freguesia, e pela materna de Estevam Moreno e Marcelina da Costa (Adrianna Freire), naturais desta Freguesia, nasceu ao primeiro de maio do ano de 1773 e foi batizado com os santos óleos de licença minha, na Capela de Santo Antonio desta Freguesia, pelo Padre Bonifácio da Rocha Vieira, Coadjutor, aos 18 do dito mês e ano, foram padrinhos o capitão João de Moura com procuração do capitão Jerônimo Teixeira da Costa e Dona Rosa Maria, filha deste, moradores nesta Freguesia. Pantaleão da Costa de Araújo.

Alexandre, filho de João da Silva e de sua mulher Eleutéria Freire, natural desta Freguesia e, ele de Pernambuco, neto paterno de Manoel dos Santos e Marcelina da Costa, e materna de Estevão Moreno, natural desta Freguesia e de Anna (Adrianna) Freire, de Pernambuco, nasceu aos 10 de dezembro de 1774, e foi batizado com os santos óleos de licença minha, na Capela de Jundiaí, pelo padre Manoel de Aragão Cabral aos 11 de janeiro de 1775, foram padrinhos Manoel Carneiro, solteiro e Thereza, filha de Estevão Moreno. Pantaleão da Costa de Araújo.

Aos 25 de dezembro de 1788, faleceu da vida presente João da Silva, casado com Eleutéria Freire, tão somente confessado, de idade que representava de quarenta e oito anos, pouco mais ou menos, e foi envolto em mortalha branca, encomendado pelo padre José Gonçalves Bezerra, foi sepultado na Capela de São Gonçalo aos 26 do dito mês e ano, e não se continha mais no dito assento. Pantaleão da Costa de Araújo.

Vejamos mais um filho de Estevão, de nome Manoel Cabral: Aos 23 dias do mês de agosto de 1784 anos, sendo às três horas da tarde, do dito dia, na capela de Nossa Senhora da Conceição de Jundiaí, filial desta Matriz, de Nossa Senhora da Apresentação do Rio Grande do Norte, corridos os banhos de suas naturalidades, os do nubente na Freguesia de Extremoz, e os da nubente nesta Freguesia, onde é moradora, sem se descobrir impedimento algum, até a hora de seu recebimento, de licença minha, em presença do Reverendo Administrador Manoel Antonio de Oliveira, se casaram por palavras de presente, na forma do Sagrado Concílio Tridentino, Manoel Cabral, filho legítimo de Estevão Moreno, e de Adrianna Freire, naturais e moradores nesta Freguesia de Extremoz, com Constantina de Freitas Amorim, filha legítima de João da Silva Gonçalves, e de Maria José da Rocha, naturais e moradores nesta Freguesia, e logo lhes deu as bênçãos, na forma dos Sagrados Ritos e Cerimônias, da Santa Madre Igreja, confessados e examinados na doutrina cristã, sendo presentes por testemunhas Francisco Anselmo José de Faria, e Gonçalo Barbosa de Moura, solteiros, moradores nesta Freguesia, pessoas conhecidas de mim, do que fiz este assento pelo próprio que veio do Reverendo Administrador sobredito, e fica em meu poder. Francisco de Souza Nunes, vice-vigário do Rio Grande.

Essa nubente teve seu batismo como segue: Constantina, filha legítima de João da Silva Gonçalves, natural da Freguesia de Santo Antonio de Tracunhaem, e de Maria José, natural da Freguesia, neta por parte paterna de Antonio Gonçalves de Atalaia, e de Joanna Mendes da Silva, natural da Freguesia de Santo Antonio de Tracunhaém, e pela materna de Antonio Gomes Monteiro, natural do Rio São Francisco, e de Constantina de Freitas, natural desta Freguesia, nasceu a 27 de dezembro de 1765, e foi batizada, com os santos óleos, de licença minha, pelo Reverendo Padre Miguel Pinheiro Teixeira, na Capela de São Gonçalo do Potigi, aos 19 de janeiro de 1766, foram padrinhos João Pedro de Sá Bezerra e Manoella Freire de Amorim, sua mulher. Pantaleão da Costa de Araújo.

Uma irmã de Constantina era: Anna, filha legítima de João da Silva Gonçalves, natural da Freguesia de Tracunhaém, e de Maria José da Rocha, desta Freguesia, neta por parte paterna de Antonio Gonçalves Atalaia e Joanna Mendes da Silva, naturais da Freguesia de Tracunhaém, e pela materna de Antonio Gomes Monteiro, natural do Rio São Francisco, e de Constantina de Freitas desta Freguesia, nasceu aos 19 de dezembro de 1773, e foi batizada com os santos óleos, de licença minha, na Capela de Santo Antonio do Potigi, pelo Padre Manoel Antonio de Oliveira, aos 6 de janeiro de 1774, foram padrinhos Prudente de Sá Bezerra Junior, casado e Anna Maria, filha de Manoel Cruz, moradores desta Freguesia. Pantaleão da Costa de Araújo.

Vejamos, também, o batismo de outro irmão de Constantina: Bonifácio, filho de João da Sylva Gonçalves, natural da Freguesia de Santo Antonio de Tracunhaém, e de Maria José da Rocha, neto por parte paterna de Antonio Gonçalves de Atalaia, e de Joanna Mendes da Silva, naturais da Freguesia de Santo Antonio de Tracunhaém, e pela materna de Antonio Gomes Monteiro, natural do Rio São Francisco, e de Constantina de Freitas, natural desta Freguesia, nasceu aos 10 de abril de 1768, e foi batizado com os santos óleos, na Capela de Santo Antonio do Potegi, de licença minha, pelo Padre Manoel Antonio de Oliveira, aos vinte e oito do dito mês e ano, foram padrinhos José de Araújo (Pereira) e sua mulher Elena Bezerra. Pantaleão da Costa de Araújo.

Antonio José Moreno era outro filho de Estevão e Adrianna. Não encontramos seu batismo, mas a prova documental vem do registro dos seus filhos, como podemos ver a seguir.

Eleutéria, filha de legítima de Antonio José Moreno e Antonia de Freitas, neta por parte paterna de Estevão Moreno e Adriana de Freitas(Freire), e pela materna de Maria José e João da Silva Gonçalves, moradores no Guajiru foi batizado aos 5 de julho de 1788 com os santos óleos, pelo padre José Gonçalves de Medeiros, foram padrinhos João Gonçalves, solteiro, filho do sargento-mor Prudente de Sá Bezerra e Anna Maria filha do dito. E não continha mais no dito assento. Pantaleão da Costa de Araújo.

Nosso personagem principal, faleceu no começo do século XIX: Aos seis do mês de agosto do ano de 1807, faleceu sem sacramentos Estevam Moreno, viúvo, morador no Tabuleiro Cramisso, de idade de 76 anos, pouco mais ou menos, foi sepultado na capela de São Gonçalo em hábito branco, encomendado de minha licença pelo Padre Antonio Pedro de Alcântara, e para constar mandei fazer este assento em que me assinei. Feliciano José Dornelles. Vigário Colado.

Encontro um Gervásio Moreno, filho de João Moreno, e de Antonia Machado, padrinho no ano de 1754. Não encontro outros registros para ele.

Pelo interior do Rio Grande do Norte, há vários membros da família Moreno, que não foi possível incluir aqui.

Eugenia de Matheus Moreno

28/07/2015

   
Marcelo Alves

 


Precedentes: o outro lado (I)
Nos últimos anos, muito se tem escrito e falado sobre a aplicação vinculante dos precedentes judiciais no Brasil. E, via de regra, se tem defendido um incremento cada vez maior dessa boa prática entre nós. Eu mesmo tenho sido um entusiasta do tema, escrevendo aqui sobre o “common law”, a teoria geral dos precedentes obrigatórios, súmula e efeito vinculante, incidentes de uniformização e por aí vai. 

Hoje (e em alguns pequenos artigos que seguirão, aviso desde logo), entretanto, para que vocês não me chamem de parcial, vou escrever sobre o outro lado da moeda: as chamadas “desvantagens”, reais ou aparentes, da doutrina do “stare decisis” (ou dos precedentes judiciais obrigatórios). 

A doutrina do “stare decisis”, mesmo na Inglaterra e nos Estados Unidos, sempre teve seus defensores e opositores, arduamente debatendo seus pontos de vista. E - verdade seja dita - sua adoção implica vantagens e desvantagens, como, quiçá, tudo na vida. Jacqueline Martin (em “English Legal System”, livro publicado pela editora Hodder & Stoughton), com um certo exagero, chega a afirmar, quanto ao “stare decisis”, que a cada “vantagem corresponde uma desvantagem”. 

Pondo de lado o exagero, a autora tem certa razão. E cabe aos operadores do direito, aperfeiçoando a “mecânica” de aplicação da doutrina “stare decisis” em cada país, fazer com que as vantagens superem satisfatoriamente as desvantagens, sendo essa a diretriz quanto a isso na Inglaterra e nos Estados Unidos. 

A literatura jurídica aponta várias desvantagens na adoção da teoria do “stare decisis”, entre as quais: a rigidez e a complexidade dos sistemas fundados em precedentes vinculantes, a ocorrência neles de muitas distinções ilógicas, a morosidade no aperfeiçoamento do direito e as supostas ofensas aos princípios da persuasão racional do juiz e da separação dos poderes. Essa lista de “desvantagens” não é exaustiva. Todavia, procura refletir o que há de mais recente na doutrina inglesa e americana, sem esquecer as desvantagens apontadas pelos estudiosos brasileiros. Resta lembrar, apenas, que algumas dessas desvantagens ou defeitos são mais aparentes que reais, como se verá seguir. 

Comecemos aqui falando da denominada “rigidez” (“rigidity”) ou do engessamento do sistema, problema, em princípio, preocupante. Nos países que adotam a teoria do “stare decisis”, o fato de as cortes terem de seguir seus próprios precedentes e os precedentes das cortes superiores faz o sistema, em princípio, ser tido por bastante rígido. Sobretudo, porque, como se sabe, apenas em pouquíssimos casos, a partir da persistência das partes, um processo chega, por exemplo, à Suprema Corte do Reino Unido na Inglaterra ou à Suprema Corte dos Estados Unidos (parece não ser o caso do Brasil, onde “tudo” chega ao Supremo Tribunal Federal, sendo certo que precisamos de uma grande reforma em nosso sistema recursal). E, de fato, não é salutar imobilizar a evolução natural da jurisprudência. 

Todavia, é necessário esclarecer um pouco as coisas. Os sistemas jurídicos que adotam a teoria do “stare decisis” têm também a sua faixa de flexibilidade, que é maior nos Estados Unidos do que na Inglaterra. Entre outras coisas, há, primeiramente, o poder de distinguir, que, usado corretamente, dá aos tribunais liberdade para se afastar de decisões anteriores; ademais, mesmo que seja uma exceção, há a possibilidade do “overruling”, que servirá para, revogado um precedente considerado incorreto, desenvolver o direito. O exemplo dos Estados Unidos serve para comprovar que a existência da vinculação aos precedentes dentro de um sistema jurídico não quer significar imutabilidade perpétua. Na verdade, havendo uma decisão anterior de seguimento obrigatório, o que está vedado ao julgador é apartar-se dela arbitrariamente; todavia, é possível afastar-se do precedente mediante o emprego de uma fundamentação suficiente e razoável. 

Outra desvantagem apontada é a complexidade (“complexity”) da doutrina do “stare decisis”, que decorre, primeiramente, da seguinte circunstância: diante da existência, somente na Inglaterra (imaginem nos Estados Unidos da América) de alguns anos atrás, de centenas de milhares de casos reportados, não é fácil achar todos os precedentes relevantes, mesmo com o uso das mais avançadas ferramentas eletrônicas. Além disso, dos precedentes encontrados em determinada pesquisa, para citação em um caso em análise porque supostamente adequados, muitos não são realmente relevantes para esse caso, embora, num primeiro momento, pudessem parecer que sim. Essa complexidade é enxergada pelos juristas do “common law”, tanto que, na Inglaterra, por exemplo, para minimizar o problema, o “Lord Chief of Justice” emitiu, no ano de 2001, uma “practice direction” (que podemos traduzir como uma “diretriz”) estabelecendo uma série de regras de como os precedentes deveriam ser citados perante às cortes, sendo isso feito com o objetivo de restringir a citação a precedentes que realmente sejam relevantes e úteis para o caso em julgamento. Por fim, a própria doutrina dos precedentes vinculantes, como foi originalmente construída no âmbito do “common law”, é complexa. Só para ficar em um ponto: diferentemente do que muitos pensam, a única parte do precedente realmente vinculante, como lembram Rupert Cross e J. W. Harris (em “Precedent in English Law”, livro publicado pela Clarendon Press), é sua “ratio decidendi” ou razão de decidir e, muitas vezes, em determinado precedente, não há uma distinção precisa entre os meros “obiter dicta” (afirmações “a latere”) e a “ratio decidendi” do caso. 

Registre-se, todavia, que, no caso específico do Brasil, com a simples adoção da súmula vinculante do STF, por exemplo, esses problemas, em princípio, não existiriam. Ao contrário, através da súmula, como sabemos, identifica-se, rapidamente, a jurisprudência cristalizada de um tribunal acerca de variados temas jurídicos. Ademais, o enunciado da súmula, como verdadeiro extrato ou compêndio de conteúdo eminentemente jurídico, consistente na interpretação de questão de direito, de várias decisões anteriores no mesmo sentido, não possui afirmações “a latere” (as referidas “obiter dicta”) e todo o seu conteúdo é considerado essencial. 

Bom, dito isso, encerro por aqui, prometendo, todavia, retornar semana que vem para tratar de mais algumas “desvantagens” da doutrina dos precedentes obrigatórios. 

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP