N O S R U M O S
D A I N D E P E N D Ê N C I A
Por GILENO
GUANABARA, sócio efetivo do IHGRN
Decidida a
estada no Brasil, D. Pedro recebeu representação das Províncias de S. Paulo e
das Minas, que solicitavam a formação de um Conselho
de Estado. Diante dos rumos que tomavam os acontecimentos, as Côrtes de
Lisboa pressionavam. Uma esquadra fora enviada, cujas naves foram contidas ao
largo da barra. Em carta dirigida ao Rei de Portugal, com pedido de que fosse
dado conhecimento às Côrtes, dizia: (...) para
que saibam que o Brasil tem honra e é generoso com quem lhe busca o mal. Já
impaciente, em missiva posterior, o Príncipe verberava contra as facciosas, horrorosas e pestíferas Côrtes. A
habilidade política de D. Pedro devia-se aos seus conselheiros.
Diante da
penúria financeira do tesouro, o Príncipe tomou medidas saneadoras. Transferiu
sua residência para a quinta da Boa-Vista e acomodou a administração no paço da
cidade. Reduziu o pagamento de alugueres, de sua mesada e
das cavalariças. Visitou repartições, tribunais, quartéis, impingindo sua
personalidade. Ao mesmo tempo, a divisão, que era instigada nas Províncias do
Norte pelas tropas portuguesas lá sediadas, exigiam juramento. Na Bahia, a
tropa dava como certo seu desligamento da Regência, em obediência às Côrtes,
com influência em outras Províncias. A esse espírito recolonizador antepôs-se a
ação desassombrada da Maçonaria, no Rio de Janeiro e Niterói, com larga
influência nas lojas maçônicas e no recém criado Grande Oriente, ao qual D. Pedro viria a se filiar. A essa força
juntaram-se a imprensa, com a criação do Revérbero
Constitucional Fluminense e a força do púlpito exercida pelo clero em suas
igrejas.
O aporte do
brigue de guerra Infante D. Sebatião,
trazendo decretos das Côrtes que ordenavam a prisão e a deportação de pessoas
acusadas de encitamento da ordem pública,
foi rejeitado por D. Pedro. Uma comissão do Senado solicitara uma audiência
que se aprazou para o dia 9 de janeiro de 1822, a fim de serem ouvidas as
súplicas e votos dos povos do Rio de Janeiro e de Províncias do Sul. Desde a
Igreja do Rosário, onde se aglomerou a multidão, o Senado e os notáveis, marcharam
em grande estilo e gala, tendo à frente o estandarte da Câmara, na direção do
paço da cidade, onde precisamente, às onze horas, foram recebidos pelo
Príncipe. Com habilidade bastante, o presidente do Senado, José Clemente
Pereira, leu o discurso aguardado. Na proclamação, lembrou que o Brasil não
desejava separar-se de Portugal, mas exigia
um centro de união e governo, uma assembleia nacional e um poder executivo no
seu próprio seio (...) que o Príncipe acolhesse benignamente os votos dos
povos, e continuasse na Regência, pois só assim se retardaria a independência
completa do Brasil com a República. Após ouvir a súplica, o Príncipe
dirigiu-se à multidão: Agora só tenho a
recomendar-vos – união e tranquilidade.
No sentido
de burlar a decisão anunciada, a tropa portuguesa, sob o comando do general
Jorge de Avilez e de seus oficiais, tornou revolta a turba de soldados da
guarnição e a plebe ignara. Ocuparam o sítio do alto do Castelo, de onde vislumbravam
toda a cidade, hostis e ameaçadores. De outro lado, a Praça do Campo de
Sant’Anna ocupado pelo povo em vibrações patrióticas, por milicianos e voluntários
de Minas, Rio e São Paulo, sob o comando dos generais Xavier Curado, Nóbrega e Joaquim
de Oliveira Álvares, os quais se puseram ao lado do Príncipe Regente: mais de seis mil pessoas de todas as classes
pegaram em armas... Eram dois exércitos aptos para a batalha. O militar
português, recuado na Praia Grande e face o ultimato de D. Pedro, fez com que
Avilez e suas tropas, à espera de reforços da Coroa que não chegaram, batessem
em retirada da Baia da Guanabara, no rumo de Portugal.
Debelada a
última resistência, em meados de janeiro, o Príncipe Regente decidiu compor em
coalisão o seu ministério. A pasta do Reino, Justiça e Estrangeiros, coube a José
Bonifácio de Andrada e Silva; a da Guerra a Oliveira Álvares, enquanto a da
Fazenda coube a Caetano Pinto e a da Marinha a Manoel Antônio. Estavam
presentes as forças em conflito, mas em convivência respeitável. A presença de
José Bonifácio no ministério contribuiu, desde o seu retorno da Europa e o autoexílio
em Santos, para que a sua nomeação (em lugar do irmão Martin Francisco) favorecesse
o clima de conciliação que implementou, ora combatendo a indisciplina e a
desordem provocada pelos lusoradicais, ora com a responsabilidade pela mantença
do presidente da Junta de São Paulo, Oeynhausen, que fora deposto. Eram os
rumos contraditórios da política.
Mesmo em
causa única, pró-independência, havia dissenções entre os brasileiros. Para
uns, competia a solução da crise com o Príncipe Regente, apesar do temor da
reação das Côrtes; ou de a monarquia se aliar na Europa a outras monarquias; ou
de o Príncipe – dado a sua fraqueza de caráter - mudar de rumo, o que urgia a
proclamação. Era o caso dos radicais Gonçalves Ledo, Cunha Barbosa, dos
redatores de O Reverbero e da maçonaria. Outra corrente, de José Bonifácio junto
ao Regente, primava pela serenidade da conciliação, tornando a independência
uma obra de engenharia política, com desfecho natural dos acontecimentos. Daí a
ação diplomática do Marquês de Barbacena, aconselhando-se junto ao Almirantado
inglês, para efeito de contratação de Lord Cochrane, dos empréstimos
financeiros a serem tomados e da possível reação dos estados europeus diante
das posições assumidas por D. Pedro, no Brasil.
Sem querer e
querendo, concebeu José Bonifácio a convocação do conselho de procuradores das
províncias, com funções constituintes, como forma de pactuar entre o Príncipe e
os interesses provinciais, tornando efetiva a autoridade central, no sentido de
amenizar a dependência do país à tutela das Côrtes. Na prática, eram passos decisivos
à opção entre ser ou não ser um ente colonial, calcados na realidade possível.
Bastava ver a influência exercida pelo Partido das Côrtes nas Províncias do
Norte, dentre elas a de Pernambuco, a que se juntava a nomeação do Brigadeiro
Madeira de Melo, para o comando das armas da Bahia e a agitação que desencadeou.