Gileno Guanabara, sócio efetivo do IHGRN
Não
fui, nem sou diplomata. Sou apenas um observador sul-americano e posso ser
contrariado. O Brasil sofre um déficit de
projetos estruturantes vinculados ao futuro, a fim de superar suas crises: vias
navegáveis e trafegáveis de uso intensivo, pelo não mais exclusivo uso do automóvel;
economia hídrica; uso diferenciado da energia; políticas de ocupação urbana e
de produção rural; política educacional permanente nos campos elementar, acadêmico
e profissional. Do ponto de vista social, as políticas compensatórias dispensam
populismo e as mudanças necessitam de resultados de longo prazo.
Há carência
nos conceitos diplomáticos do Brasil, diante do cenário internacional. No plano
regional estamos cercados de governos nacional/populistas, de pressões ocasionais
que não apontam à distensão, nem à democracia. Frente a extensa fronteira, o
narcotráfico é agente de troca. A frágil economia do Paraguai. A fronteira rota
e contaminada da Bolívia. A situação da Venezuela, por depender exclusivamente das
exportações de petróleo, a queda mundial dos preços do barril evidenciou a fragilidade
de suas instituições políticas, com repercussões no continente.
A intervenção
brasileira em questões de menor interesse, em disputas menos significativas de
seus propósitos – o projeto belicista do Irã; o isolacionismo da Coréia do
Norte, por exemplo - não contribuiu para o resguardo diplomático que a cautela recomenda.
A Ásia e o Oriente Médio tornam-se cada vez mais um labirinto complexo, onde o
confronto entre etnias e culturas aparentadas e excludentes, fronteiras
artificiais, armamentismo, preconceitos religiosos e subornáveis governantes, fundamentaram
intervenções militares fraticidas e o liberou geral do terrorismo. A negação
dos direitos da mulher ou a proposta de negociação em conflito ideologizado,
com apelo a recurso a manus militari,
constituem uma mesma instância, destroem a História secular daquela civilização.
Mais
recentemente, a recusa ao pedido de clemência feito através da chancelaria do
Itamaraty, para evitar o fuzilamento de brasileiro acusado de tráfico
internacional de drogas, na Indonésia, fez a Chefe de Governo deixar de receber
o embaixador nomeado, acirrando a crise diplomática com a Indonésia. O mesmo ocorreu
antes, em questões internas do Paraguai, quando da cassação do ex-presidente
José Lugo, provocando o afastamento daquele país do Mercosul. A crise decorrente
da ocupação de empresa brasileira em território boliviano, ou o refúgio de desafeto
político de Evo Morales, na Embaixada do Brasil em La Paz, sua fuga e abrigo no
Brasil, a quem não se concedeu a condição de asilado, contraria a tradição
diplomática.
Com relação aos Estados Unidos, face o
intercâmbio constante e o significado da balança comercial, em que pesem as
propostas políticas do governo Obama – crescimento da economia; afastamento
militar do Iraque; reatamento com Cuba; reconhecimento da imigração latino-americana
– a rota da diplomacia brasileira se firmou na direção da África, do Oriente
Médio, de Cuba e de reaproximação com a China. Da primeira, ditaduras,
corrupção, guerras tribais/coloniais permanentes e diminuto saldo comercial; do
segundo, equidistância com a cultura brasileira e isolacionismo para com seus
vizinhos árabes; do terceiro, envolto ao fim da solidariedade com a extinção da
URSS, negociando secretamente a abertura de relações com os EUA, infenso as
inovações, à cata de investimentos.
Com relação à China, a desproporcionalidade da
balança comercial, para o lado de cá, desfavorável pela distância geográfica e pelo
baixo custo operacional de sua mão de obra e outros custos de produção. Daí a
propensão do colosso comunista de engessar o mercado consumidor mundial, face a
explosão de sua economia, societária da alta tecnologia dos países capitalistas,
a par de preços não competitivos que favorecem a prática do açambarcamento das comodities, que interessam a sua
expansão, a preços que sabe impor no mercado. A China virou capitalista.
A crise que
assolou Portugal, Espanha e Itália fez da Grécia a bola da vez. Inexiste uma formulação
apta para a solução do impasse. A vitória do Partido Syriza, por si só não
satisfaz, em que pese a afoiteza do governo recém eleito. Os credores europeus anuíram
a novo prazo, para cumprimento dos acordos e a assentada das reformas e
reajustes da economia. A despreocupar-se com a crise, numa visão inocentemente concebida,
iria provocar crise na Zona do Euro. Precioso lembrar que Portugal, Itália e
Espanha vivenciaram imbróglio igual, mas, apesar de seus efeitos, pouco aconteceu
de mais substancial, salvo a exclusão da cena política do ultra conservador, Silvio
Berlusconi e a sua Bunga Bunga. As
instituições da Europa permanecem funcionando. Agora, cabe à Grécia a parte maior
das tarefas.
Considere-se a
situação da Alemanha governada por um partido conservador. São setenta anos
passados desde o fim da Segunda Guerra Mundial que a devastou, com a derrota do
nazismo. A Alemanha se refez. Atualmente se comporta com autoridade fiadora da
Europa. Pela estabilidade de sua economia, dados respeitáveis revelam índices
sociais invejáveis de renda. A economia alemã impõe-se aos demais países e suas
demandas econômicas. A Inglaterra dos Trabalhistas foca o debate na disputa
monetária para com a Zona do Euro, em especial para com a economia alemã. De uma
Alemanha que se contrapõe ao exclusivismo mercantil dos Estados Unidos na
região, ao vácuo de parceiros confiáveis. O exercício da tributação como forma
de financiamento do Bem estar social: com
taxas de desemprego reduzidas, enquanto a previdência social, sem corrupção, não
transfere ônus a seus beneficiários. Não é por acaso que, pactuando taxas
ínfimas de inflação e níveis de crescimento per
capita, as finanças alemãs hajam contribuído para amenizar o aperto da Euro
Zona. Em tudo vê-se a importância do seu sistema político-eleitoral
representativo, mais transparente e democrático. Não se assistem crises
periódicas entre os poderes da República. Contrapondo-se à presença revisitada
de Putin na Ucrânia, a indiscutível liderança de Ângela Merkel.
Verdade é que
a crise interna da Rússia, agravada pela guerra na Ucrânia, tem a ver com a sofrência
do preço de petróleo, com efeitos devastadores nos países exportadores. Não se
diga de uma guerra exclusiva para encobrir o entulho acumulado desde a queda do
antigo regime. Pode até ser que a intervenção russa na Ucrânia atual sirva para
recogitar a ideia de refazimento de antigas fronteiras. Não convence, porém, dizer
que não há interesses econômicos no conflito. Na diplomacia e na política as pantomimas
não duram por muito tempo.