27/02/2015

14-3-2015

Opinião


ECONOMIA NEGATIVA (OU ATIRANDO NO PRÓPRIO PÉ?)
                                                                                                                                                   
      Públio José – jornalista

Sócio efetivo do IHGRN
 
                        O que mais se tem ouvido falar ultimamente, em se tratando de noticiário econômico, é o corte de gastos que o governo está promovendo para equilibrar o orçamento. É a tesoura dos tecnocratas penetrando fundo nas entranhas do orçamento para adequá-lo, segundo as próprias bocas governamentais, à realidade vigente. As manchetes, por sua vez, têm apregoado essa medida governamental com volúpia e estardalhaço, como se o fato de o governo projetar um volume de investimento, para depois cortá-lo, tivesse um viés meramente econômico ao invés de embutir alta taxa de imprevisibilidade governamental. Os cortes chegam à casa dos bilhões e bilhões de reais. Coisa de assustar. Isso, por acaso, soa como medida racional? Ou sugere haver, no mínimo, um padrão meio doidão, meio bamboleante, no tocante ao planejamento dos investimentos e dos gastos governamentais?
                        Com isso, não estou querendo ser contra uma realidade econômica que se impõe. O que acho estranho é se anunciar, com bandas e fanfarras, um volume de investimentos que deixa todos os segmentos na maior expectativa, para, dias depois, anunciar-se cortes de tal monta que nos deixam tontos, capazes até de nos lançar em clima de bovina melancolia. Isso sem falar na prejudicial falta de credibilidade que tais iniciativas do governo passam a merecer da opinião pública, aí incluídos, principalmente, os segmentos mais interessados no assunto, como economistas, empresários, políticos e Imprensa. O que levanto, portanto, não é uma posição contrária aos cortes em si, mas tão somente uma postura crítica em relação à planejamentos fantasiosos e a facilidade com que, no Brasil, os governos anunciam vultosos investimentos sem a necessária e obrigatória substância orçamentária.
                        É lá se vão tantos milhões pra ali, tantos milhões pra acolá, outros tantos bilhões pra isso, outros tantos pra aquilo, em investimentos tão alvissareiros, que, se transformados em realidade, já teriam feito o Brasil se encarapitar na cumeeira da mansão do Primeiro Mundo. Atrelado a esse mundão de dinheiro que os governos, imprudentemente, fazem escorregar pelo vale profundo do desgoverno, são divulgados, com estrepto e foguetório, números impressionantes na criação de empregos. Aí a galera começa a sonhar. Sonhar com a compra da tv de última geração, com o celular que toca, canta, requebra, fotografa, com a ida ao shopping mais chique, com aquela viagem tão acalentada... E haja sonhos para, dias depois, vir tudo de água abaixo com mais um comunicado das autoridades. Desta feita para informar que, ao invés dos tais investimentos, a vez agora é de cortar, e cortar, e cortar. Como pode?
                        Dias desses uma revista semanal fez um levantamento do volume de obras inacabadas pelo país afora e descobriu um patrimônio incalculável de dinheiro jogado fora, de recursos desperdiçados pelos nossos governantes – irresponsavelmente. Culpar, em vista desse descalabro, somente os atuais ocupantes do poder? Nem pensar, pois tal comportamento ensejaria uma enorme injustiça, embora os de hoje também venham contribuindo para a continuidade desse fenômeno tão brasileiro. Aliás, essa visão distorcida e desprovida de rigor com o planejamento estatal, essa postura de iniciar obras sabendo, de antemão, que o dinheiro não dará para terminar vem de muito longe. E caracteriza muito bem o pensar e o agir dos nossos homens públicos desde priscas eras. Falando nisso, tem circo no pedaço? “E o palhaço que é, é ladrão de mulher!”. Olha o circooo! O circo chegooou! Olha o circooo! Legaaaaaal!!!
                                                 

26/02/2015

PROFESSOR ÁLVARO NAVARRO


Jurandyr Navarro
Do Conselho Estadual de Cultura

Fez concurso para o Atheneu Norte-Rio-Grandense, aos 31 anos de idade, para disciplina Ciências Físicas e Naturais, no ano de 1933. O velho educandário recebeu os seus ensinamentos por largo período, até a sua aposentadoria. Professor dos mais competentes ostentava como marca do seu caráter, de cidadão honrado, a cordialidade.
Além do cumprimento do dever, em sala de aula, durante o período letivo, costumava, também, proferir palestras nos chamados cursos de férias, modalidade do magistério, em uso habitual daquela época.
O primeiro natalense formado em Farmácia, originário de curso superior fundado em solo potiguar. A sua cola­ção de grau deu-se no final de 1925, pela Escola de Farmácia de Natal, criada no governo Antônio José de Melo e Souza, através Lei Estadual n° 497, de 02 de dezembro de 1920 e do subsequente Decreto n° 192 de 08 de janeiro de 1923. Em seguida, no mês de dezembro do mesmo calendário, surgiu o Curso de Odontologia, ane­xado à referida escola farmacêutica, pela Lei n° 570, sendo, por via de con­sequência mudada a denominação an­terior para Escola de  Farmácia e Odon­tologia de Natal, perdurando até o seu desdobramento em 1960, através le­gislação pertinente.
Os nomes das duas unidades de en­sino superior sofreram alteração, com o passar do tempo, em obediência à evolução universitária. (Dados confe­ridos do livro "História do Ensino Far­macêutico no Rio Grando do Norte" -1920 - 1922) da autora, professora e doutora Maria Célia Ribeiro Dantas Aguiar), neta do biografado e herdei­ra do seu anel de formatura.
Esta é a obra exclusiva e completa, até o momento, já escrita em relação ao assunto versado.
O quadro dos diplomados da primei­ra e única turma da Escola de Farmácia de Natal, teve, como Paraninfo, o médico português, então sediado em nossa cidade, Francisco Gomes do Valle Miranda. Os homenageados foram Joa­quim Torres, Antônio José de Melo e Souza e José Augusto Bezerra de Me­deiros. E os alunos concluintes, dois apenas: Álvaro Torres Navarro e José de Almeida Júnior, este último, paraibano, exercendo, depois, a profissão em Cam­pina Grande. Outros, desistiram da titu­lação, durante o curso.
A Escola de Pharmacia de Natal foi extinta, logo depois, durante o gover­no José Augusto de Medeiros, por falta de alunos.
No ano de 1947, foi criada a Faculdade de Farmácia e Odontologia de Natal, pelo Decreto - Lei 682, por ins­piração do professor Luiz Soares de Araújo.
Álvaro Navarro foi docente catedrá­tico do Atheneu Norte-rio-grandense, desde a década de 1930. Lecionava a dis­ciplina Ciências Naturais e participou de inúmeras Bancas Examinadoras.
A vocação de farmacêutico fôra-lhe transmitida pelo tio materno, Joaquim Torres, proprietário, a esse tempo, da "Farmácia Torres", situada na Praça Sete de Setembro, desta Capital. Desde a adolescência que o então jovem, seu  sobrinho, ajudava-o, despachando re­médios, aplicando injeções, manipu­lando produtos químicos e adminis­trando outros procedimentos farmaco­lógicos.
Essa experiência fez dele proprietá­rio, mais tarde, da "Farmácia Navarro", no nascente bairro do Alecrim, desta cidade. Foram dois prédios, a velha e, depois, farmácia nova, situadas na mesma avenida - Amaro Barreto.
Numa, e em seguida, noutra, passou a vida inteira, ministrando a sua com­provada competência. O seu nome, como profissional, cresceu e firmou-se na sociedade natalense. Foi ele um precursor da farmacologia do Rio Gran­de do Norte, merecedor, portanto, de homenagens da nobre classe e cultuada a sua memória.
Era dotado de espírito sociável, apre­ciando os ambientes festivos em datas comemorativas. Sem se envolver, vi­brava o entusiasmo por ocasião dos mo­vimentos políticos, não ficando omisso ao debate nas rodas de amigos e conhe­cidos. A tudo acompanhava pelos jornais. Tinha inscrição na Associação de Im­prensa, o que atesta o seu interesse pela divulgação das ideias, no processo da evolução social.
Quando convocado, frequentava reu­niões da Associção dos Professores do Estado, emprestando a sua colaboração às conquistas do magistério público, que fazia parte.
A "Farmácia Navarro", o ponto de encontro das conversações com amigos, durante o dia e à noite.
Na minha meninice, costumava pas­sar, com meus irmãos, Juracy e Jahyr, dias de domingos, na acolhedora man­são do Alecrim, na convivência salutar e fraterna de suas filhas diletas. Depois, a residência foi mudada para rua Prin­cesa Isabel, na Cidade Alta.
Na condição de sobrinhos, seguíamos de perto a sua conduta socializante, não somente no seio familiar, como tam­bém, em círculo mais amplo do compor­tamento humano.
No Atheneu, acompanhando os seus passos de professor receptível às consi-derações do alunado. Suas aulas, de cla­reza meridiana, nos diversos questiona­mentos da disciplina.
No diálogo privado, dele, muito foi aprendido, dos seus úteis conselhos. In­centivava a leitura dos bons livros. Pos­suía ele, a enciclopédia da adolescência daquele tempo, em Natal: - "Tesouro da Juventude", obra maravilhosa, compos­ta, se me não engano, de dezoito volu­mes, contendo os mais diversos conhe­cimentos humanos. Recordo as sábias in­formações de Clóvis Beviláqua, na sua introdução. Desse quilate, os livros que recomendava à leitura e ao estudo.
O seu lar, espécie de jardim sempe florido e encantador, predominando o perfume da rosa da educação e o cravo do sentimeno amoroso, que dividia com a esposa, Maria da Glória e descen­dentes.
O filho caçula, José, saiu cedo de casa e foi ser médico em São Paulo. As filhas, Cleide, Maria Antônia, Cleves e Alvair, pertenciam, na época, ao seleto número das moças mais bonitas de Natal.
Os netos, o encanto da sua vida.
Partilhava com os genros, Múcio Ri­beiro Dantas, Jair Vilar, Ossian Guedes e José Mesquita, o bem viver e a ven­tura de uma família feliz.
Com eles, abria a alma, o coração e o entendimento; e, sobre todos, der­ramava a bênção de pai.





Professor do Atheneu Norte-Rio-Grandense
Sentados da esquerda para direita; Álvaro Navarro, Ismael Nazareno,
Padre Monte, Custódio Toscano, Celestino Pimentel, Hostílio Dantas, Mons.  Matha e  Edgar B

25/02/2015

H O J E


João de Deus Fonseca e Maria da Rocha Pimentel


João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN, membro do IHGRN e do INRG
O “Levante do Gentio Tapuia” (Guerra dos Bárbaros) foi praticamente um genocídio. Dos que restaram, muitos foram escravizados pelas famílias do militares participantes.

O capitão Theodósio da Rocha era natural do Rio São Francisco, Vila de Penedo, filho do capitão Damião da Rocha. Tinha 51 anos de idade, em 1708, pelo que consta de um assentamento de praça. No ano de 1696, ele foi nomeado, pelo capitão-mor Bernardo Vieira de Mello, como cabo do Presídio, de invocação de Nossa Senhora dos Prazeres, da Ribeira do Assú. Eram seus filhos, conforme livros de batismos ou de assentamentos: João da Rocha Vieira, Bonifácio da Rocha Vieira, Damião da Rocha Pimentel, Máximo da Rocha, Antonio Vaz Gondim, Theodósio da Rocha, Margarida da Rocha, Thereza da Rocha, e Marianna da Rocha.

O alferes Damião da Rocha Pimentel, que assentou praça em 1699, filho do capitão Theodósio da Rocha, se engraçou de Bárbara da Rocha, uma tapuia, escrava de sua irmã, viúva Margarida da Rocha (foi casada com o capitão José Porrate de Morais Castro). Daí nasceu uma filha natural, Maria da Rocha Pimentel.

Em 1744, na capela do Senhor Santo Antonio do Potengi, o Reverendo Manoel Alves de Figueiredo casou Maria da Rocha Pimentel com João de Deus da Fonseca, que era filho natural do licenciado Bento da Fonseca e da tapuia, Maria Barbosa, escrava que foi do alferes de Infantaria Antonio Barbosa de Aguiar, sendo testemunhas o capitão Bonifácio da Rocha, tio da nubente, e o coronel João Pereira (ilegível). Bento da Fonseca era cirurgião e esteve no Terço Paulista comandado por Manoel Álvares de Moraes Navarro.

Encontramos o batismo de uma filha do casal acima, como também de uma neta.

Michaella, filha legítima de João de Deus da Fonseca e de sua mulher Maria da Rocha (Pimentel), naturais ambos e moradores desta Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação do Rio Grande do Norte, neta por parte paterna de Bento da Fonseca, natural desta Freguesia e avó incógnita (omitiram o nome de Maria Barbosa) e por parte materna de Bárbara da Rocha, de Nação Tapuia, e de Damião da Rocha, natural desta dita Freguesia, foi batizada com os santos óleos aos vinte e cinco de março de mil setecentos e sessenta e um anos, na Capela do Senhor Santo Antonio do Potengi, desta Freguesia, pelo Reverendo Padre Manoel Antonio de Oliveira, de licença minha; foram padrinhos o capitão João Marques, homem solteiro, morador na Freguesia do Assú, e Dona Ângela de Moraes, solteira, filha da viúva Dona Margarida da Rocha, freguesa e moradora desta dita Freguesia e pela certidão que veio do dito Reverendo Padre que não continha mais, fiz este assento em que por verdade assinei, João Freire de Amorim, vigário.

Ancelmo, filho natural de Anna da Fonseca, e de pai incógnito, neto por parte materna de João de Deus da Fonseca e de sua mulher Maria da Rocha, naturais desta Freguesia, nasceu no fim de novembro de mil setecentos e oitenta e sete e foi batizada com os santos óleos, de licença minha, na Capela de Santo Antonio do Potengi, aos trinta de junho de mil setecentos e oitenta e oito, pelo Reverendo Bonifácio da Rocha Vieira; foram padrinhos o alferes Anselmo José de Figueiredo (Faria) e sua mulher Mariana da Rocha Bezerra, moradores nesta Freguesia. E não se continha mais no dito assento, de que mandei fazer este, em que por verdade me assino. Pantaleão da Costa de Araújo vigário do Rio Grande.

Outros filhos, de João de Deus da Fonseca e de Maria da Rocha Pimentel, foram encontrados em alguns batismos, como padrinhos: Damião da Rocha (Pimentel) e Maria dos Santos, ainda solteiros, foram padrinhos de uma escravinha de Anselmo José de Faria, em 1773.

Dona Margarida da Rocha tinha uma escrava, que depois passou para Ângela de Morais, sua filha, de nome Ludovina, filha de Luiz de Freitas e Rufina da Cunha, cujos três filhos tiveram como padrinhos, outros filhos de João de Deus e Maria da Rocha: Hilária, em 1772, foi apadrinhada por Estanilau Pinheiro Teixeira, morador no Assú, e Úrsula Leite de Oliveira, filha de João; José, em 1769, teve como padrinhos, Lourenço da Fonseca e a mãe Maria da Rocha; Ludovina teve mais um filho, também, José, em 1771, cujos padrinhos foram Lourenço da Fonseca e a irmã Marcelina.

 Antonia de Oliveira Leite foi madrinha junto com o pai, João de Deus, de Maria, filha de Luis Pereira e Jacinta da Rocha, em 1761; os dois novamente padrinhos em 1765, de José, filho de Braz da Rocha e Maria de Figueira, sendo a mãe de Braz da Rocha, a índia dona Bárbara da Rocha.

Um filho de João de Deus da Fonseca, que aparece em um assentamento de praça, é João da Rocha da Fonseca. Outro filho, Bento da Fonseca, mesmo nome do avô, faleceu em 1789, com 26 anos de idade.
O que chama a atenção, nesses registros, são as filhas com sobrenome Leite de Oliveira.  Esse sobrenome parece vir através de Damião da Rocha Pimentel. Será que Dona Antonia Oliveira, esposa do capitão Theodósio e mãe de Damião, seria irmã de João Leite de Oliveira, e ambos filhos do capitão-mor desta capitania,  Antonio Vaz Gondim?


24/02/2015

Marcelo Alves
Marcelo Alves 23 de fevereiro de 2015 15:23
Vai artigo publicado ontem, dia 22 de fevereiro de 2015, no jornal Tribuna do Norte:

Sobre A. V. Dicey

Tendo escrito na semana passada sobre Edward Coke (1552-1634), vou continuar hoje na mesma trilha escrevendo sobre outro grande constitucionalista inglês: A. V. Dicey (1835-1922). Curiosamente - e isso dá um toque pessoal a esta resenha -, é de Dicey o primeiro livro jurídico em inglês que adquiri na vida, sua “Introduction to the Study of the Law of the Constitution” (1885), numa edição de 1982 da Liberty Fund/Indianapolis (baseada na 8ª edição de 1915), que, há mais de dez anos, tentei ler inteirinho. Com um inglês sofrível, penei bastante, confesso.

Nascido no condado de Leicestershire, bem no centro da Inglaterra, Albert Venn Dicey, na juventude, estudou na Universidade de Oxford, vinculado ao Balliol College, onde se bacharelou. Em seguida, estudou direito em Londres e iniciou, em 1863, uma vitoriosa carreira na advocacia (como “Barrister”). Voltou a Oxford em 1882 para ocupar a “Vinerian Professorship of English Law” (prestigiosíssima cadeira cujo primeiro ocupante foi, de 1758 a 1766, William Blackstone) da quase milenar Universidade, restando, desta feita, vinculado ao All Souls College. Sem propriamente deixar a Universidade de Oxford, tornou-se, em 1899, o primeiro professor de direito da “jovem” London School of Economics.

Muito admirado por pensadores e juristas de viés conservador, tanto no Reino Unido como nos Estados Unidos da América, Dicey foi, acima de tudo, um homem da academia (e isso é digno de nota, já que a maioria dos grandes juristas do “common law” foram, em algum momento de suas vidas, juízes). Deu aulas e escreveu, proficuamente, sobre a teoria e prática constitucional, especialmente sobre a Constituição britânica, mas também com um olhar em direção ao outro lado Atlântico, onde está a América. Dentre suas obras, podem ser destacadas: “Introduction to the Study of the Law of the Constitution” (1885), “A Digest of the Law of England with reference to the Conflict of Laws” (1886), “The Privy Council” (1887) e “Lectures on the Relation between Law and Public Opinion in England” (1905). Todas elas são, como disse Orrin K. McMurray em resenha para Columbia Law Review (Vol. 23, No. 8, Dec., 1923, pp. 793-795), cada qual em seu respectivo ramo do direito, obras de “first class importance”.

“Introduction to the Study of the Law of the Constitution” (1885) talvez seja sua obra-prima. Em um país de Constituição não escrita, ali se encontra uma definição de norma constitucional, que acabou consagrada, como “toda e qualquer norma que afete direta ou indiretamente a distribuição ou o exercício do poder soberano do Estado”.

Nesse trabalho seminal, talvez pela primeira vez, estão delineados, na forma como conhecemos hoje, os fundamentos e os contornos do princípio da soberania do Parlamento, que faz e desfaz a lei, constitucional ou infraconstitucional, tão caro para o direito inglês. Curiosamente, Dicey, apesar do seu papel fundamental no desenvolvimento desse princípio, foi, em “Lectures on the Relation between Law and Public Opinion in England” (1905)”, um dos primeiros defensores do referendo como forma de decisão política no Reino Unido, instituto que, a partir dos anos noventa, tem se tornado cada vez mais comum naquele país.

Dicey também foi ferrenho defensor de um Judiciário forte e independente. Para ele, as liberdades do povo inglês estão fundadas na soberania do Parlamento e na supremacia do “common law”, mas isso supervisionado por um Poder Judiciário livre de qualquer influência política. E aqui, claramente, ele se mostra um advogado do princípio da separação dos poderes e do controle jurisdicional, se não da constitucionalidade das leis, pelos menos da legalidade e da constitucionalidade dos atos da administração.

Por fim, Dicey foi talvez o maior defensor, no campo teórico, da “Rule of Law”, a ideia, tão bem desenvolvida no mundo anglo-americano, de que a lei, a Constituição, o Direito devem “governar” o Estado, prevalecendo à vontade arbitrária do soberano de plantão ou até mesmo do Parlamento eleito. Essa ideia (que não é nova, frise-se), de “governo das leis” em oposição ao “governo dos homens”, com seus vários corolários (igualdade perante a lei, acesso ao judiciário etc.), é prima-irmã da nossa ideia de Estado Democrático de Direito e está indissociavelmente impregnada na base do constitucionalismo moderno. E isso se deve muito a Dicey, pelo menos no que toca ao Reino Unido e aos Estados Unidos da América, onde esse jurista e professor inglês, como já referido, é também muito admirado.

Bom, se Dicey foi um conservador, era esse o tipo de conservador que eu gostaria de ser. Dos bons.

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

22/02/2015

Roberto Guedes da Fonseca publicou no grupo Adoramos Natal

Roberto Guedes da Fonseca
Roberto Guedes da Fonseca21 de fevereiro de 2015 23:50
De quem você lavará os pés?
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O fim do carnaval e o início da Quaresma anunciou sutilmente ao mundo cristão ao redor da terra que na quinta-feira que marca o tríduo da “Semana Santa” paramentados líderes de distintas denominações procurarão repetir a humildade com que santamente Jesus Cristo lavou os pés de seus seguidores como a deflagrar o período da Paixão que o levaria à morte física no madeiro infame na Praça dos Crâneos. 
Haverá muito ritual, mercê das características que igrejas se adotaram ao longo dos séculos em que mandaram monopolisticamente no mundo influenciado pelo exemplo e pelos ensinamentos do Cristo, mas haverá também o ensejo natural para que todos reflitam sobre uma das lições que Ele deixou mais indelevelmente nos corações e mentes de todos os que o sucederam na vida corpórea através de repetidas reencarnações.
A ter lugar preferivelmente nas mais ostensivas catedrais, a cerimônia do Lava-Pés nos remetem à antológica Santa Ceia e aos últimos gestos de Jesus Cristo antes de ser entregue aos soldados romanos, julgados pelo Sinédrio de Jerusalém e padecer sob as mãos do cônsul de César, Pôncio Pilatos. Como ensina o Evangelho, reunido com os doze discípulos, Ele partilhou pão e vinho como símbolo de seu próprio corpo e sangue que daria em sacrifício. Depois, em sinal de humildade, lavou os pés de todos os apóstolos.
Para muitos pretensos comentaristas da gloriosa passagem de Jesus pela Terra de dois mil anos atrás, a lavagem dos pés foi uma simbólica demonstração de humildade, atributo indispensável a todos os cristãos. Porém, mais do que a humildade, o gesto simbolizou que a vida de Cristo esteve a serviço da salvação de cada um de nós em relação ao jugo de nossas imperfeições e inferioridades. E foi um convite para que sigamos Seu exemplo e busquemos servir, e não ser servido, algo que Ele deixou muito claro em suas palavras e testemunho vivo. 
Para a igreja católica, em especial, a importância dessa celebração é máxima, porque contempla, medita e celebra o centro do mistério da salvação. Tanto é assim que o calendário de todas as festas do ano litúrgico dependem do tríduo pascal.
Assim como muitas outras atitudes características dos seguidores contemporâneos do Nazareno, a lavagem dos pés foi herdada de costume hebreu. 
Na época de Cristo, as pessoas caminhavam por estradas de terra e, pelo fato de usarem sandálias, chegavam aos seus destinos com os pés empoeirados. Por isso, assim que um visitante entrava numa casa, vinha um escravo, caso houvesse algum ali, para lavar-lhe os pés.
Em outro acontecimento histórico, o carpinteiro de Belém foi alvo de uma distinção que entrou para a Bíblia:
“Na casa do fariseu, não houve quem trouxesse água para lavar os pés de Jesus. Então, veio uma mulher que os lavou com suas lágrimas e enxugou com os cabelos”, conta João Evangelista (13.1-17).
Ele e seus acompanhantes estavam na casa de Simão, o rico fariseu que o procurara, e Jesus apreciou a lavagem dos seus membros inferiores pela mulher, também apresentada nos textos sagrados como tendo conduta suspeita, rescendendo à prostituição. O Mestre chegou a repelir a resistência que Simão e convivas faziam à presença dela ali e criticando o anfitrião porque não havia tomado a iniciativa de Lhe proporcionar sequer a lavagem das mãos.
Agente basilar da igreja humana com que o Cristo pensou promover o burilamento espiritual do mundo após sua crucificação, o discípulo Pedro passou anos exultando porque teve oportunidade de lavar solas, dedos e o dorso dos pés do Filho do Homem, e nunca se esqueceu de que na véspera de sua Paixão Jesus fez o mesmo com ele e todos os outros onze apóstolos. 
Um dos maiores espíritos que o mundo conheceu, Francisco de Assis dedicava-se a esta tarefa cotidianamente, e seu mais notável seguidor nos dias atuais, o papa Francisco, será com certeza o lavador mais visado na quinta-feira da Paixão. Quebrador de tabus e rigoroso pretendente a devolver à sua ordem religiosa, tanto quanto possível, as características que lhe foram pretendidas e imaginadas pelos primeiros cristãos, no ano passado o Sumo Pontífice adotou o ritual como cirurgia contra o fechamento nobiliárquico imposto à Santa Sé pelo domínio de sucessores de Pedro que mais agiram como políticos de batina do que como seguidores da humildade crística: ele realizou a tradicional cerimônia fora das basílicas da capital italiana e incluiu duas meninas entre os doze – número adotado há mais de dezessete séculos como reprodução do total de apóstolos beneficiados pela iniciativa de Jesus – uma delas muçulmana
Não se imagina ainda o que Francisco fará desta feita para aproximar ainda mais a cerimônia dos objetivos que levaram o Cristo a lavar os pés de seus colaboradores diletos, numa iniciativa que atrai muitas tentativas de explicações. De todas, a melhor é o didatismo referente à Comunhão.
Partamos do princípio de que o Príncipe de Deus e os discípulos não tinham escravos, e dividiam suas tarefas entre eles. Os preparativos da ceia da véspera da Paixão já tinham sido providenciados. Alguém conseguiu o local, outro preparou a mesa, outro adquiriu os alimentos. Quem, entretanto, lavaria os pés dos presentes? Cada um poderia sentir-se realizado por ter cumprido sua tarefa, mas sempre existe algo que precisa ser feito e ninguém quer fazer.
Naquele momento, Jesus poderia ter ensinado uma lição de independência, ordenando que cada discípulo lavasse seus próprios pés. Seria uma alternativa plausível. Entretanto, Cristo não queria incentivar a auto-suficiência, o individualismo e o isolamento, mas sim a comunhão. “Cada um com os seus problemas. Você lava seus pés e eu lavo os meus”, poder-se-ia dizer, mas não é exatamente este o ensinamento cristão. Por isso, não existe o “auto batismo” nem “ceia individual”. Expressamente manifestado por Jesus, o desejo de Deus é que seus filhos vivam em comunhão.
Esta necessidade de comunhão e mais precisamente o imperativo de ver o mundo Cristão recorrer saudavelmente ao lava-pés como forma de Honestamente servir ao seu igual. 
No monte das Oliveiras, Ele surpreendeu ao se levantar, colocar água na bacia, pegar a toalha, abaixar-se e passar a lavar os pés dos discípulos. Ao tomar esta iniciativa, Jesus assumiu a posição de um servo, de um escravo. Ele fez o trabalho que ninguém queria fazer. Ele fez o que nenhum fariseu jamais imaginaria fazer. O Mestre não tinha obrigação de fazer aquilo, mas estava ensinando muitas lições por meio daquele gesto. Recorde-se que Ele pregou que não tinha vindo ao mundo para servir-se, e sim para servir. 
De olho na expectativa em torno do que se prepara mundo afora para a ação dos sacerdotes junto aos pés de selecionados paroquianos, volto-me para todos os meus amigos internautas de fé, praticantes de distintas denominações, perguntando-me se estão se indagando sobre o quanto precisam adotar o exemplo de Jesus. Afinal, temos que fazer mais do que a nossa obrigação.
Viemos ao mundo ao mundo para amar a Deus e praticar o mais puro amor pelo próximo, descendo ao nível dos necessitados com o propósito de, sem diminuí-los, ajudá-los a elevar o padrão moral e espiritual de suas existências. Lavar pés de quem precisa desta ajuda é um meio de assegurar o apoio de que carecem, por isto a pergunta lá em cima: você, amigo internauta de fé, já se dispõe a lavar os pés de alguém, de uma, duas, três, doze pessoas, mais do que isto, quantas puder. De quem são os pés que você se dispõe a lavar?
Pergunte-se a este respeito sem a preocupação que há semanas ocupa assessores de vigários na escolha dos beneficiários da cerimônia que se avizinha. Pergunte-se não cogitando de um ato simbólico como os abraçados e protagonizados pelos novos pregadores da fé em Cristo. Não cinja sua vontade a uma quinta-feira. Imagine que a seu derredor há muitos carentes de uma boa lavagem de pés, não necessariamente com a aplicação e fricção de água e sabão nas extremidades dos membros inferiores, mas de diversas outras maneiras em que sua iniciativa de solidariedade Cristã pode assegurar-se muito melhor eficácia em benefício de quem precisa. 
Daí a objetivação do que nos interessa neste primeiro domingo após o carnaval: tomando o Lava-pés somente como símbolo da necessidade que enfrenta de ajudar alguém e preocupando-se em expandir ao máximo os efeitos desta sua doação, você já olhou à sua volta para ver quais são os mais próximos e carentes candidatos a receber este seu benefício?
Pensem nisto, amigos e amigas internautas de fé, enquanto a lucidez lhes permite aproveitar este dia para refletir sobre o privilégio que o bafeja de ter como beneficiar, em lugar de sofrer a necessidade de viver pedindo à Providência que alguém lhe venha estender a mão. 
Bom domingo para todos!
Roberto Guedes da Fonseca, em 
Nova Parnamirim, Parnamirim (RN), 22 de fevereiro de 2015.