13/02/2015

CARNAVAL DO PASSADO E FOLIÕES IMORTAIS

 
Severino Galvão, (ao centro) foi Rei Momo, muitas vezes, à revelia da prefeitura.

Irreverência, seu nome é Severino Galvão. Numa época marcada por grandes carnavais, o Rei Momo Severino de Oliveira Galvão (1914 – 1994) reinou à margem do carnaval oficial pintando o sete. Foram doze anos de mandato continuado (1968 a 1980), as mais das vezes como Rei Momo alternativo. Natural de Pedro Velho, Severino Galvão foi um pouco de tudo na vida: militar, comerciante, publicitário, político e, principalmente, Rei Momo. Com as marcas indeléveis da irreverência e do bom humor, qualidades inatas que o acompanharam na saúde e na doença, o folião tinha o hábito de organizar batalhas de carnaval em bairros da Natal das primeiras décadas do século XX. Desta época para a majestade foi um pulo. Também fundou o Clube Rex, na capital, para dar vazão aos arroubos carnavalescos. Rei Momo de protesto e dono de rara capacidade inventiva, Severino Galvão se auto-intitulava Super-Rei, à revelia da Prefeitura, responsável pela eleição, e do Rei Momo oficialmente eleito, constituindo ministério particular e nomeando personalidades locais para fazerem parte do gabinete. Juntamente com os auxiliares, elaborava programação para ser cumprida integralmente durante o reinado de Momo. Pela via biônica, em 1980 Severino Galvão nomeou Luís de Barros como primeiro-ministro; senador Jessé Freire, presidente do Senado Imperial; e João Medeiros Filho, chefe da Casa Civil, para ocupar posto no alto escalão. A lista de nomeações era imensa. Episódios hilários envolvendo o Rei Momo foram muitos. Um deles dá conta que, convidado para abrir o carnaval de Mossoró com os amigos João Fabrício e José Matias de Araújo (Zé Quitandinha), Severino Galvão foi detido pela polícia no aeroporto acusado de ser um impostor. O trote foi protagonizado pelos amigos Luís de Barros e Roberto Freire, que telefonaram de Natal para Mossoró e passaram informações falsas sobre ele para as autoridades policiais daquela cidade. A confusão foi grande. Um dos seis filhos do soberano com dona Elvira Galvão, o arquiteto João Galvão, revela que, mesmo como Rei Momo paralelo, Severino Galvão tinha acesso ao palanque oficial do carnaval e ingresso livre nos grandes bailes clubísticos, quando costumava borrifar perfume Contouré nos foliões, usando para isso bomba de aspersão. Outra esquisitice notada era o hábito de dar cochilos intermitentes no palanque oficial, em meio ao barulho gerado pela passagem das escolas de samba e tribos de índios. Exercendo toda a sua criatividade, Severino Galvão fez chegar à imprensa uma suposta ameaça de seqüestro durante o carnaval de 1979, informando que estava reforçando o serviço de segurança. O provável seqüestrador seria o coordenador dos Negócios do seu Reinado, vereador Érico Hackradt, amigo pessoal do Rei Momo. A notícia saiu no Diário de Natal, edição de 11 de fevereiro de 1979. Antes de falecer aos 79 anos, 50 dos quais dedicados ao carnaval, Severino Galvão deixou a autobiografia “A minha vida em versos”, que está sendo revisada e acrescida de documentos e rico material fotográfico pelos filhos João e Erinalda Galvão. A intenção é publicar os originais em livro. “O espírito dele era alegre e engraçado”, lembra a filha Erinalda Galvão. (PJD) Severino Galvão, Severino Galvão, (ao centro) foi Rei Momo, muitas vezes, à revelia da prefeitura a irreverência Acervo da família..
A República - Suplemento - Fev. 2005
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12/02/2015

Memória

  
Refletores -


Valério Andrade [cinenatal1950@hotmail.com]

Anna Maria Barreto Cascudo – “Sua grande vocação foi herdada do pai, e seu grande paradigma foi cuidar do legado de Cascudo. Enfrentou desafios e dificuldades e deixou um exemplo a ser seguido pelas filhas” Valério Mesquita (Presidente do Instituto Histórico e Geográfico do RN).
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“Convivi com Anna de forma intermitente: fomos colegas no jornal A República, depois nos encontramos como membros do Conselho Estadual de Cultura e na Academia de Letras. Deixa exemplo de cuidado com a memória do pai, e contribuições nas áreas cultural e jurídica” Nelson Patriota (Escritor, Jornalista, membro da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras).
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Anna Maria foi madrinha do meu casamento, e a morte dela me pegou de surpresa. Fico pasmo e questionando qual o real significado da vida. Tenho grande dificuldade em lidar com a realidade. Fica a certeza que a vida não é um sonho, tem suas dores e percalços no caminho”. Racine Santos (dramaturgo e diretor teatral).
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“Era muito amigo dela, de infância, juventude, mocidade. Fernando (seu irmão) foi meu colega de banco escolar. Prestou um grande serviço à cultura do RN ao preservar à memória do pai”. Ticiano Duarte (Jornalista, escritor, membro da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras).

Saudades 
Anna Maria Cascudo Barreto.

11/02/2015

Uma Felizarda que mudou de nome, na Crisma

João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN, sócio do IHGRN e do INRG
 
Felizarda foi batizada, na Capela de São Gonçalo do Potengi, pelo Padre Francisco Bezerra de Góis, aos 15 de fevereiro de 1698. Era filha de Manoel da Costa Rego e de Theodósia da Rocha e teve como padrinhos George de Grasciman e Andrezza Soares, esposa de Francisco Pereira.

Em 20 de abril de 1706, portanto, com 8 anos, vamos reencontrá-la, na Capela de Santo Antônio do Potengi, sendo madrinha de Hilário, filho de Antônio Gonçalves de Amorim e de Perpétua de Barros, e nessa ocasião, foi citada como Felizarda Filgueira, filha da viúva Theodósia da Rocha, sendo, portanto, seu pai, Manoel da Costa Rego, falecido; três anos depois, em 11 de junho de 1709, foi madrinha, lá na Igreja de São Miguel de Guajurú, de Domingos filho de Domingos Carvalho da Silva e de sua mulher Catarina de Barros, sendo citada como Felizarda Figueira da Rocha; em 12 de abril de 1710, foi madrinha, na Igreja de São Miguel de Guajurú, de Clara, filha do capitão João Leite de Oliveira e de Damázia de Morais; em 07 de fevereiro de 1711, na mesma Igreja de São Miguel de Guajurú, foi madrinha de Felizarda filha de Bartolomeu da Costa e de Damázia de Araújo acompanhada do irmão, José Barbosa Rego, este batizado em 1694, na Matriz de Nossa Senhora da Apresentação.

Mas quem era Theodósia da Rocha, mãe de Felizarda? Nos registros de batismos mais antigos, desta Província do Rio Grande do Norte, são apresentadas duas Theodósia da Rocha. Uma que foi casada com Manoel da Costa Rego e outra que era filha do capitão Theodósio da Rocha. Pensei, inicialmente, que representavam a mesma pessoa, principalmente, por conta da variação que a Igreja fazia em seus registros. Mas, examinando muitos registros fui me convencendo que eram pessoas distintas. Por fim, descobri que a filha do capitão Theodósio da Rocha faleceu, em 1775, solteira, com mais de cem anos e, portanto, não podia ser a esposa de Manoel da Costa Rego.

Voltemos para dona Felizarda. Como seguiu sua vida, posteriormente? Para responder, vamos ao seu segundo casamento (não temos registros de 1712, até 1726), quando ela tinha 29 anos, e onde há referência à mudança do seu nome, por crisma.

Aos cinco de maio de mil setecentos e vinte e sete, na Igreja de São Miguel da Aldeia de Guajirú, em presença do Reverendo Padre Superior do Guajirú, Jerônimo de Sousa, da Companhia de Jesus, de licença minha, e sendo presentes por testemunhas Domingos Barreto, e o capitão João Leite de Oliveira (compadre da nubente), da Freguesia do Rio Grande, se casaram Joana Figueira, que antes da Crisma se chamava Felizarda Figueira, viúva que ficou do sargento-mor Francisco Rodrigues Coelho, natural e moradora no Rio Grande, Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação, com João Rodrigues da Silva, filho de Manuel Rodrigues, e de sua mulher Cosma Gomes da Silva, natural da Freguesia de Nossa Senhora da Luz, deste Bispado, e morador neste Rio Grande, Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação. Manuel Correa Gomes, Vigário.

Suponho que esse Francisco Rodrigues Coelho fosse o filho do tenente-coronel Manoel Rodrigues Coelho e Izabel de Barros, que foi batizado aos 12 de agosto de 1697, tendo com padrinhos Manoel Rodrigues Alioza e Damázia de Morais. Não há menção à Igreja, mas outros irmãos de Francisco se batizaram na Igreja de São Miguel da Aldeia de Guajirú, inclusive Maria da Conceição Barros, em 8 de dezembro (dia de Nossa Senhora da Conceição) de 1694, que foi casada com o português de Arrifana de Sousa, Francisco Pinheiro Teixeira.

Do matrimônio com Francisco Rodrigues Coelho, encontrei uma filha,  Francisca Xavier Filgueira, cujo casamento segue. Observamos que no registro o sobrenome que se escreve é Figueira no lugar de Filgueira.

Aos quinze de outubro de mil setecentos e trinta e seis anos, na Igreja do Senhor São Miguel do Guajirú, desta Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação do Rio Grande do Norte, feitas as denunciações nesta Matriz e na dita Missão para cuja parte é a contraente moradora, e apresentado os banhos corridos da Freguesia de Goyaninha, donde o contraente é natural e morador, sendo me apresentado um mandado do Ilustríssimo Senhor Bispo, pelo qual me mandava receber por palavras aos contraentes, tendo os ditos satisfeitos a penitência imposta pela dispensa que alcançaram para poderem casar, sem se descobrir impedimento, sendo presentes por testemunhas o Reverendíssimo Cura de Goianinha, o licenciado Antonio de Andrade de Araújo, o capitão Duarte Pinheiro Rocha, Maria Gomes, viúva do tenente-coronel Francisco Xavier Ribeiro, e Dona Maria Magdalena, mulher do sargento-mor Hilário de Castro Rocha, pessoas todas conhecidas e moradores desta dita Freguesia, de licença minha, o Reverendíssimo Senhor Padre Pedro Nogueira, superior da sobredita Missão de Guajirú, assistiu ao matrimônio que entre si contraíram o sargento-mor Jorge Lopes Galvão, natural da Freguesia de Goianinha e nela morador, filho legítimo do capitão Cipriano Lopes Pimentel, já defunto, e de sua mulher Dona Thereza da Silva, e Dona Francisca Xavier Figueira, natural desta freguesia de Nossa Senhora da Apresentação do Rio Grande do Norte, filha legitima do sargento-mor Francisco Rodrigues (Coelho), já defunto, e de sua mulher Joana Figueira, moradores desta dita Freguesia, guardando em tudo a forma do Sagrado Concilio Tridentino. E logo lhes deu as bênçãos, e pelo assento que me veio do dito Reverendíssimo Superior, mandei fazer este em que por verdade assinei. Manuel Correa Gomes.

A imagem a seguir é de um livro de batismo, da Matriz de Nossa Senhora da Apresentação, que está arquivado no Instituto Histórico de Pernambuco. É o batismo de Felizarda, filha de Manoel da Costa Rego e Theodósia da Rocha.
Felizarda ou Joanna

10/02/2015

Antigos Carnavais


                                                                
Augusto Coelho Leal, sócio efetivo do IHGRN
               
                 Sem dúvida nenhuma os antigos carnavais eram diferentes nos carnavais atuais. Havia carnaval nas ruas, avenidas e nos clubes. Hoje aqui em Natal, pouco se houve falar, e pouco se tem para oferecer. Carnaval nos clubes não existe, nas ruas poucos heróicos cidadãos procuram revitalizar. mas... 
            Os blocos formados de jovens desfilavam pelas ruas, em cima de alegorias construídas nas carrocerias de caminhões ou em carrocerias puxadas por tratores agrícolas, visitavam residências familiares previamente avisadas. Estas visitas tinham o nome de assaltos, onde o dono da casa recebia os blocos que por lá cantavam e dançavam as belas músicas carnavalescas de letras memoráveis, lembradas até hoje. Nestas ocasiões eram oferecidas comidas e bebidas a vontade.
            Algumas musicas ficaram em minha memória. “Zé Corneteiro, casado com um peixão, levou sua mulher, pra mostrar ao batalhão, no outro dia, por ordem do major, o Zé foi promovido, Corneteiro Mor.” Vejam que corno naquela época era uma raridade, tão raro que era cantado. Hoje tem mais corno por esses “Brasis” do que alistados no Bolsa Família. “Olha a Cabeleira do Zezé, será que ele é, será que ele é? Será que ele é bossa nova, será que ele é Maomé, será que ele é transviado? Mas isto eu não sei se ele é?” Reparem que ser “bicha” era também uma “fruta” rara, cantada em versos e prosas, hoje? Deixa pra lá. Mas a música que me lembro mais neste momento, devido o episódio da nossa Assembléia Legislativa, que para mim abriu o baile de máscara mais cedo, é Máscara Negra, que tem uma parte que diz: “Na mesma mascara negra, que esconde o teu rosto, eu quero matar a saudade, vou beijar-te agora, não me leve a mal, hoje é carnaval.” E haja carnaval, com a nossa paciência, pobres mortais entregues a fúria de um bocado de feras brutas. A música é bonita, mas o episódio para mim foi constrangedor, e nem por perto de lá passei.
            Mas, voltemos aos antigos carnavais. Tinha o corso. Uma área de rua ou ruas previamente estabelecida, isolada, com policiais – que beleza, tinha policia nas ruas. Eu me lembro bem do corso na Avenida Deodoro. Certa vez, em um destes carnavais Chico Araújo, conhecido como Chico Bola Preta, meu colega e amigo, aprontou uma com Ivan da Confeitaria Atheneu. Estávamos na Confeitaria e Ivan queria ir com a sua família para o corso na Avenida Deodoro. “Expulsou” todos nós e fechou o seu estabelecimento. Era época da repressão. Antes de Ivan sair, Chico tinha um batom vermelho e escreveu com letras garrafais na lateral da Kombi – abaixo a ditadura. Ivan e o resto da família não viram, pois a porta do motorista emperrou e todos só entravam pelo lado dos passageiros. Resultado, quando Ivan passou a patrulha policial prendeu o pobre, e foi uma confusão daquelas, mas ele era muito conhecido, explicou a “autoridade competente” e essa mandou soltar Ivan.
            Outra música antiga, mas que está muito atual, e deve ser cantada por Lula, Dilma, e orquestra é: “Ei você aí, me dá um dinheiro aí, me dá um dinheiro aí.” Esta é muito real, pois quem conhece a musica que fala em dinheiro e grande confusão, está vendo a grande confusão que está dando, “o mar está mais para baiacu de que para sereia.” Ou seja, mais para Graça Fostes do que para Graça Foster. Falando em mar, acho que a “lula” vai ser prato indigesto neste carnaval.

            É como ninguém é de ferro – fora o homem, eu ainda canto “Eu queria ser uma abelha pra pousar na sua flor, haja amor, haja amor.” É melhor sonhar do que cantar haja roubo, haja corrupção, haja canalhice. Eu vou para Cotovelo, pois lá fico longe dos “Zés” da vida. Lá escuto o profeta Pijuriu, tenho um bom papo com Marco Emereciano, Rui Câmara, Nascimento, Múcio Nobre e outros, com boas bebidas e bons tira gosto - ou é bota gosto? A casa de Dona Alzira que para disfarçar ela diz  também ser minha, estar à disposição dos amigos. Mas com uma condição: avisem antes de chegarem, ok?

09/02/2015


O DESAFIO ISLÂMICO

Tomislav R. Femenick – Historiador, da diretoria do IHGRN
vinheta37
Os árabes são povos semitas, originários da região que hoje chamamos de península arábica, habitando-a desde a segunda metade do II milênio a.C. Embora as inúmeras diferenças que havia de grupos para grupos, tinham como ponto de identificação comum a língua, apesar de existirem vários dialetos. Além dos beduínos, pastores nômades, havia tribos sedentárias, dedicadas à agricultura. Andarilhos por excelência, eles foram muito além de suas terras de origem. Os primeiros registros da presença de árabes na Palestina datam de aproximadamente 1500 a 500 a.C., fato que enseja a teoria de que árabes e hebreus teriam uma origem comum, seriam originários do mesmo tronco étnico e até familiar. Ismael, filho de Abraão, seria o ancestral dos árabes; Isaac, irmão de Ismael, seria o ancestral dos hebreus. A expansão árabe antecedeu Maomé e ao islamismo. Antes da era cristã eles se espalharam pela Mesopotâmia, Síria, Palestina e Egito. No início do século V a.C., o norte da Mesopotâmia já era uma terra árabe.
Os espaços geográficos de origem e vida dos árabes sempre foram palco de lutas, guerras, conquistas e colonização, com os vencedores impondo suas respectivas culturas. O oriente próximo sempre foi cenário de longas e prolongadas lutas, desde que se tem registro de sua história. Persas, gregos, macedônios e romanos estenderam suas guerras de conquista até as terras árabes, que não ficaram imunes a essas sucessivas ondas de invasores. Mais recentemente, ingleses e franceses impuseram seu domínio a esse povo.
Entretanto, como povo nômade e não arraigado às cidades, conseguiram manter alguns aspectos de sua maneira peculiar de ser, de sua individualidade, sem grandes mutações.
A Religião
Antes de Maomé (Abulqasim Mohamed ibn Abdala ibn Abd al-Mutalib ibn Hashim – nascido provavelmente em 570, e falecido em Medina, em 8 de junho de 632), na Arábia eram praticadas várias religiões, entre elas o cristianismo bizantino, o judaísmo e seitas politeístas de veneração de deuses tribais. Eram adorados centenas de deuses. Foi então que Maomé teria tido visões do arcanjo Gabriel, nas quais lhe teria sido revelada a “religião verdadeira”, o islamismo ou Islã, cujos crentes são chamados muçulmanos, “os que se submeteram” à vontade divina.
Quando Maomé iniciou suas pregações monoteístas encontrou forte resistência, principalmente em Meca, na época já um centro de peregrinação religiosa, pois o santuário da Caaba abrigava os deuses de todas as tribos da península. Forçado a fugir para Medina em 622, dez anos depois Maomé voltou à frente de um exército e ocupou a cidade. Quando ele morreu, em 632, o islamismo já tinha se expandido por toda a península arábica e pelo sul da Síria e os árabes tinham um Estado que começa a se sedimentar política e estruturalmente.
Segundo o historiador Fernand Braudel (1989), “as origens imediatas do islã nos põem em presença de um homem, um livro e de uma religião”. E a propagação religiosa e política dos maometanos foi avassaladora. Em poucos séculos cobriu uma área impensável, se medidos o contingente populacional e os recursos de que dispunham inicialmente. Na própria península assumiram o poder nas regiões que hoje formam a Arábia Saudita, Barein, Emirados Árabes Unidos, Qatar, Kuwait, Omã e Iêmen, bem como outros Estados do Oriente Médio como a Turquia, Chipre, Iraque, Irã, Sudão, Síria, Egito, Líbano, Israel e Jordânia, além da Etiópia e da Eritréia. Mais para o leste, o Paquistão, Afeganistão, Usbequistão, Turquestão, Casaquistão, o Turquestão chinês, Sind, Punjab e Ode, estes três últimos na Índia. No norte da África a Líbia, Tunísia, Argélia e Marrocos. No ocidente da Europa parte da Espanha e de Portugal, a Sicília e a ilha de Malta. Nos Bálcãs e no oriente Europeu, a Grécia, Bulgária, Macedônia, Sérvia, Bósnia e a Hungria. Os mares Mediterrâneo e Vermelho quase se transformaram em mares islâmicos e as costas orientais do Oceano Índico eram seus domínios. No processo de anexação política de outros povos, os árabes cooptaram grande parte das populações conquistadas, fazendo-as assimilar a sua língua, religião e cultura, ao mesmo tempo em que se apropriavam de vários aspectos da cultura local.
Dissidências e Rixas
Entretanto nunca houve uma unidade religiosa e, muito menos, política. Os sunitas e os xiitas seguem dogmas religiosos divergentes. Para os xiitas a herança islâmica pertence aos descendentes de Ali, marido de Fátima, sobrinho e genro de Maomé. Por outros motivos, os xiitas se dividem em duodécimos, zaiditas e ismaelitas; estes subdivididos em carmatas e fatímidas. Já os sunitas são seguidores de All-Abbas, tio de Maomé, e acreditam que a autoridade espiritual pertence à comunidade como um todo e se subdividem em hanafitas, malequitas, chafeitas e hambanitas. “A igreja xiita, assim, era uma igreja de autoridade, ao contrário da Igreja sunita, que é uma igreja de consenso” (MOUSNIER, 1995). Os sunitas e xiitas têm período de convivência relativamente pacífica, porém o normal é uma acentuada rivalidade que, amiúde, resulta em lutas e guerras fratricidas. Há outras dissidências, tanto sunitas como xiitas, bem como outras divisões do islamismo, entre elas, os zeiitas, hanafitas, malequitas, chafeitas, bahais, drusos e hambaditas.
Do ponto de vista político as lutas entre as várias facções sempre foi uma marca no mundo árabe. O segundo e o terceiro sucessores de Maomé foram assassinados durante os seus governos, quando a sede do califado ainda era em Medina. Califados diferentes pertenciam a dinastias diversas e tinhas sedes em cidades diferentes. No califado de Damasco, estava a dinastia omíada; no de Bagdá, a dinastia abássida; em Córdoba, a dinastia omiada de Al-Andalus. Mais tarde, no Egito os mamelucos e na Turquia os otomanos. Rebeliões, revoltas, lutas e guerras fazem a história do mundo do Islã, com resultados de anexação e separação de territórios conquistados.
A expansão
O norte da África (Argélia, Líbia, Mauritânia, Marrocos e Tunísia) foi conquistado pelos maometanos entre os anos de 647 e 700, abrindo rotas que ligavam as costas norte e leste ao interior e sul da África. Antes dos árabes, no norte estavam os egípcios, os berberes e os tuaregues, esses últimos formados por berberes nômades; no centro-sul, mais de 800 etnias negras. Os berberes conheciam os caminhos do deserto do Saara e por eles mantinham contatos comerciais com os povos negros. Foi por meio dos berberes que o islã alcançou alguns reinos negros. Já no século VII os árabes ocupavam ou manobravam áreas estratégicas no orientes do continente negro. Enquanto Dongola estava no primeiro caso, isto é, foi ocupada pelos árabes, os dirigentes Núbios firmaram tratados que permitiam a presença muçulmana em suas terras, resultando no surgimento de uma série de feitorias árabes entre os territórios da atual Somália e de Moçambique, o que facilitou a presença de pregadores e comerciantes islâmicos em Madagascar, desde o século IX. Referindo-se à dilatação geográfica do poderio islâmico na África Oriental, Denise Palmer (1977) diz que “os árabes encontraram a sua principal fonte de enriquecimento na venda de escravos que os chefes negros do interior, com quem tinham relações, capturavam por meio de razias”.
Foi nos anos de 710 e 713 que os árabes tomaram posse de grande parte da península ibérica, onde permaneceram por aproximadamente sete séculos. Nos primeiros trezentos anos era apenas a província de Andaluz, a partir do século X a sede de um califado, com capital em Córdoba e depois em Medinat-al-Zahra. Uma das características da ocupação moura na península ibérica foi a convivência relativamente pacífica das populações islamitas, católicas e judias, nas regiões ocupadas; fato que não impedia as frequentes lutas entre os reis católicos e os “invasores hereges”, com intervalos de paz e até de alianças conjunturais. A expulsão dos mulçumanos da Espanha e Portugal foi concluída em 1492, com a recuperação do reino de Granada.
Hoje é comum se referir como árabes não os seus descendentes genéticos, mas sim todos os povos que adotam a língua árabe ou o islamismo como religião oficial ou predominante, em uma vasta área do planeta, que vai da Mauritânia, na costa atlântica da África, ao sudoeste do Irã, abrangendo o norte da África, o Egito, o Sudão, a península arábica, a Síria e o Iraque. Note-se que muitos desses países não adotaram a língua árabe. A identidade religiosa dos povos árabes ou arabizados é tão forte que hoje eles são, indistintamente, conhecidos como islamita, maometano, muçulmano ou sarraceno.
A Jihad
O Jihad (ou Jiade) é um dos fundamentos do islã. Significa empenho na buscar e conquista da fé perfeita. Tem dois significados religiosos: a) melhoria do individuo sob as leis do islamismo b) melhoria da humanidade, pelo esforço que os muçulmanos para levar a religião islâmica para um maior número de pessoas. O Jihad pode ser alcançado pelo coração, purificando-se espiritualmente na luta contra o diabo; pela língua e pelas mãos, difundindo palavras e comportamentos que defendam o que é bom e corrijam o errado; ou pela espada, praticando a guerra física. Há interpretações de que no O Alcorão – o livro sagrado do islamismo – existam mais de uma centena de “revelações” de caráter militar ou de guerra.
            No passado recente, o termo Jihad tomou uma conotação de “guerra santa” desde quando o Aiatolá Khomeini assumiu o controle do Irã, depois de liderar uma revolução contra as ideias e modo de vida do ocidente. De lá para cá outros movimento fundamentalistas têm acentuado esse aspecto: Jihad Islâmica da Palestina, Al-Qaeda (de Osama bin Laden), Taliban, Jihad Islâmica Egípcia, Irmandade Muçulmana etc., e mais recentemente o Estado Islâmico e Boko Haram.
Milhares de pessoas já morreram ou mataram em nome de Alá no massacre nas Olimpíadas de Munique, no ataque as torres gêmeas de New York, nos levantes da primavera árabe, nos ataques no metrô de Madri, na Nigéria, no Afeganistão, no Paquistão no Iraque, na Síria e tantos outros lugares e ocasiões. Em muitas desses atentados os alvos preferenciais era cristãos, como denunciou o Papa Francisco durante sua mensagem de Natal, em dezembro passado.
Será que tudo isso era desejo do Profeta?

08/02/2015

Por um novo direito de águas (II)

Francisco de Sales Matos

Prof da UFRN e Procurador do Estado

Volto a este espaço para revisitar o tema “por um novo direito de águas”, trazido aos leitores deste conceituado Jornal no penúltimo domingo. Naquela oportunidade, alertei que passamos a viver perigosamente no que concerne a questão da água. E mais: o que era outrora apenas um drama nordestino, passou a ser um drama nacional. Apontamos que o manejo inconsequente dos recursos naturais, renováveis e não renováveis, determina o desastre de hoje. Mas, o que preocupa mesmo (ou não) é que esse desastre não deita raízes nos milhares de anos de nossa existência, senão nos últimos cinqüenta anos de nossa história. Realçamos, então, nossa argumentação atribuindo ao fenômeno da escassez hídrica à morte dos rios, das florestas e dos nossos mananciais em geral, reservando, porém, como motivação principal para a seca que assola o Sudeste e o Centro Sul do País, a destruição desvairada e impiedosa da floresta amazônica.

Pois bem, nessa perspectiva me foi oportunizado entender cientificamente, como sempre sói acontecer lá no Clube do Guaraná, desta feita mediante as lições do professor Marcelo Amorim, um admirador nato das coisas belas da natureza, como se opera o fenômeno. Então, pude constatar o que tem a ver a destruição da floresta amazônica com a seca que assola o Sudeste e o Centro Oeste do País. Apontou-me ele (prof. Marcelo) o relatório intitulado “O Futuro Climático da Amazônia”, registrando que um total de 762.979 quilômetros quadrados de desmatamento foram acumulados na Amazônia (até 2014). Isto representa uma área correspondente a pelo menos quinze Rio Grande do Norte ou a três São Paulo. Ainda, que segundo o biogeoquímico Antônio Nobre “já foram destruídas pelo menos 42 bilhões de árvores na Amazônia. Em 40 anos, foram cerca de 2 mil árvores por minuto. Os danos dessa devastação já são sentidos, tanto no clima da Amazônia – que tem sua estação seca aumentando a cada ano – quanto a milhares de quilômetros dali”. 

São esses os dados que levaram o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) a relacionar a seca que atinge o Sudeste, especialmente São Paulo, com o desmatamento da Amazônia. A revisão de literatura sobre o assunto levada a efeito pelo Prof. Antonio Nobre mostra que a redução da quantidade de árvores no local afeta os “rios aéreos” de vapor, responsáveis pelo transporte da água que cai com as chuvas nas regiões brasileiras mais distantes. Eis, portanto, “a razão de a porção meridional da América do Sul, a leste dos Andes, não ser desértica, como nas áreas de mesma latitude a oeste e em outros continentes”. Segundo ele (Nobre) a floresta mantém úmido o ar em movimento, levando chuvas para regiões internas do continente. “O ar úmido é exportado para o Sudeste, o Centro-Oeste e o Sul do Brasil, por rios aéreos de vapor, mais caudalosos do que o Rio Amazonas. Sem isso, o clima nessas regiões se tornará quase desértico. Atividades humanas como a agricultura entrarão em colapso”, declarou. 

A Amazônia, continua o cientista, regula o clima do continente graças à capacidade da floresta de transferir 20 trilhões de litros d’água por dia para a atmosfera. Segundo ele, a transpiração das árvores, combinada à condensação vigorosa na formação de nuvens de chuva, rebaixa a pressão atmosférica sobre a floresta. Com isso, ela “suga” o ar úmido do oceano para o continente, mantendo as chuvas em qualquer circunstância. “Isso explica por que não temos desertos nem furacões a leste dos Andes. Pelo menos até agora, porque se continuarmos derrubando a floresta, o fluxo se inverterá: o oceano é que sugará a umidade da Amazônia. Assim, poderemos ter no continente um cenário semelhante ao da Austrália, com grandes desertos e uma franja úmida próxima do mar”, afirma o pesquisador.

Por fim, considerando que a acumulação desenfreada e irresponsável não permite à sociedade brasileira (e do Continente) enxergar que corre sério perigo em sua própria existência e que mais de 60% da devastação da Amazônia decorre de gestão criminosa ou no mínimo não sustentável, é que cada vez mais afirmo a convicção de que o atual estágio do direito vive com um pé no passado e se não se apresente compatível para reger o fenômeno social do presente, como o regerá no futuro? Então, não há como enfrentarmos um desastre dessa dimensão sem nos pautarmos por uma nova ordem jurídica, sobretudo para gestão das águas, se quisermos legar algum espectro de natureza para as futuras gerações.

07/02/2015

ATHENEU

 
 Nesta foto de Esdras Rebouças a sociedade potiguar pode ter a alegria de constatar um ato de grandeza ao vetusto estabelecimento de ensino, com sua restauração integral, dando alento aos jovens que pretendem concluir o seu curso secundário e ingressar nas universidades.
O acontecimento deve ser contabilizado ao governo Rosalba Ciarlini, como uma das suas realizações.
Lamenta-se que outras recuperações de monumentos físicos da cidade tenham ficado ainda sem solução, como o Museu da Rampa e a Biblioteca Câmara Cascudo, desafios urgentes para o Governo Robinson Faria.
Precisamos resgatar nossos prédios seculares e estão à espera da iniciativa pública a Velha Faculdade de Direito da Ribeira, o casarão de Tavares de Lira, o Museu Café Filho, bem como concluir os trabalhos já iniciados no Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, na profícua gestão do escritor Valério Alfredo Mesquita, o que está a depender da liberação dos recursos conveniados através da Fundação José Augusto, entidade esta que comemora em 29 de março vindouro 113 anos de existência a ser comemorado com sobriedade e grandeza, tendo sido convidado o eminente homem público Almino Affonso para ser o orador da solenidade, a ser oportunamente divulgada.