Estranho seria
Conheci Antônio Augusto (cujo nome alterei um pouco aqui para dificultar a identificação) quando eu era servidor da Justiça Federal. Coisa de 1993 ou 1994. Formado a um par de anos, ele advogava por lá. Pelo que me lembro, fazia, em benefício exclusivo de um grande escritório da cidade, direito previdenciário. E, como era de praxe à época, também fazia, para tirar uns trocados, algumas audiências criminais, como advogado “ad hoc”, em prol de réus sempre desassistidos.
Mesmo com seus vinte e poucos anos, era muito calmo, pacato, quase lento. Era muito crédulo, talvez como resultado da criação das tias e da educação muitíssimo religiosa no Colégio Nossa Senhora das Neves. No foro, tinha pouca “manha”, característica que, se não é essencial, dá um empurrão danado na advocacia. O que ele queria, por aptidão de temperamento, e dizia isso a todos, era ser servidor público.
Se não era inteligente, era esforçado. Após muitas tentativas frustadas, que acompanhei curioso, ele acabou, para espanto dos mais céticos, sendo chamando, já na casa dos trinta anos, em um concurso que nem ele se lembrava quando e para o que tinha feito. Embora na rabeira da fila, mandou celebrar uma missa e tomou posse. E era isso o que importava.
Ainda no estágio probatório do seu venerável emprego, para espanto até dos mais crédulos, casou-se com Silvinha, jovem estagiária em uma promissora banca de advogados da cidade. E que estagiária! Silvinha, que por final era bem mais nova do que Antônio Augusto, tinha imaginação e manha de sobra.
Logo notou-se, ainda durante o estágio probatório (e, aqui, refiro-me aos primeiros meses do enlace amoroso), a falta de “sintonia” do casal. Silvinha - vítima de olhares cobiçosos, embora não fosse gostosuda do tipo de fazer motorista de ônibus subir meio-fio - era invariavelmente faceira. Antônio Augusto estava quase sempre cansado, exceto quando dava pra falar, sem mais nem menos, sobre seus dois assuntos prediletos: a teologia de São Boaventura de Bagnoregio (do qual se dizia profundo conhecedor, não havendo à mesa um interessado sequer para contraditar) e o método dos gráficos para fins de investimentos na nossa muito estável bolsa de valores.
Sempre houve rumores de escapadelas da manhosa Silvinha (e desde o estágio probatório). Financeiras e amorosas, registre-se. Com colegas advogados, com dois ou três amigos “das antigas” e com um primo que atendia pelo carinhoso apelido de “Ivanzinho”. Para ela, eram meras aleivosias. Para muitos, era “fato público e notório”. E tudo isso sempre chegou ao conhecimento de Antônio Augusto. Os amigos insinuaram que algo não batia nos investimentos financeiros e nos atrasos de Silvinha. Reafirmaram que nem sempre a TIM estava fora do ar (pelo menos não todas as quartas e sextas-feiras das 13 às 15 horas). Um amigo, que tomou todas, com a voz embrulhada, chegou a contar o “milagre” e o “santo” (no caso, para ser mais preciso, os “santos”) envolvidos na trama toda.
Mas Antônio Augusto sempre foi um “crédulo”. Leia-se: acreditava, sem questionamento ou espanto, em tudo o que dizia e fazia a manhosa Silvinha. Para ele, tudo estava bem e tinha uma explicação. E, se não tivesse, dizia ele: “era o desígnio de Deus, como afirmou, em seu 'Itinerarium mentis ad Deum', São Boaventura” (até hoje, por falta de proficiência no latim, não sei se o grande teólogo franciscano proferiu realmente essa “sentença”). Sem falar na sua chatíssima frase, repetida quase todos os dias, que dizia tudo e nada: “estranho seria se o cachorro miasse”. Minha vontade era sempre mandar esse “animal” para a PQP.
Finalmente, já com quase um lustro de anos de matrimônio, Antônio Augusto teve a oportunidade de dar um fim nas alegadas escapadelas de Silvinha. Um oportunidade de, vendo ou “tocando”, à semelhança de São Tomé, acreditar no que todo mundo sussurrava.
Era Natal, e ele “fugia”, antecipadamente, de um plantão que teve de dar lá para as bandas de Ceará-Mirim. Dizem que, quando chegou em sua casa, sita em um conhecido condomínio da cidade, desavisadamente (lembremos que o celular de Silvinha vivia desligado), flagrou um vulto fugindo pela janela de seu quarto matrimonial.
Como sempre fez, foi perguntar a Silvinha o que tinha acontecido. Mas, desta feita, Antônio Augusto fez algum barulho (dizer que fez escândalo é muito. O certo é que os vizinhos ficaram sabendo do ocorrido). É que havia uma coisa a mais fora de lugar: no quarto do casal, Antônio Augusto achou, além de uma Silvinha estranhamente cheirosa e excitada, uma roupa de Papai Noel. De um Papai Noel muito magro, mas definitivamente havia o gorrinho característico.
Sobre o vulto e a roupa de Papai Noel, a imaginativa Silvinha deu uma explicação. Um bom samaritano, que faz as vezes do bom velhinho, veio para dar presentes aos meninos. Um amigo da família. Talvez o próprio primo Ivanzinho. Apenas, por erro de fato plenamente escusável, errou de quarto.
Após pensar sete segundos, Antônio Augusto deu-se por satisfeito. Afinal, “era Natal”, disse ele, “e estranho seria se, naquela noite, tivesse aparecido o coelhinho da Páscoa”.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London - KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP
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20/01/2015
19/01/2015
OS MUROS DE BRASÍLIA
Públio José – jornalista
A guerra fria legou ao mundo, entre tantas desgraças, o Muro de Berlim. Anteriormente, Mao Tse Tung já dera sua contribuição ao tema ao erguer a Muralha da China. Tanto um como outro são símbolos físicos, palpáveis, do desejo do homem de separar, segundo loucas ideologias, determinados agrupamentos humanos dos demais. É também uma forma de se elitizar, de se diferenciar em relação a outros, em função do estabelecimento de doutrinas as mais diversas, de cunho ideológico, social, cultural, político, esportivo, religioso, militar, econômico... É ainda, e principalmente, uma forma de aprisionar pessoas segundo conveniências as mais variadas. São notórios os casos recentes da Coréia do Norte e de Cuba, e da antiga União Soviética, todos à esquerda do espectro político, países onde o ir e vir das pessoas era e é dificultado a todo momento, conforme apontem as idiossincrasias de seus dirigentes.
A direita também não ficou atrás e tratou de erigir seus muros, muitos dos quais, se não em formato físico, também contribuíram para o estabelecimento dos guetos mais diversos. Aliás, basta consultar a História para se ter conhecimento dos muros físicos e não físicos que o homem construiu para se separar de outros, ou para aprisionar populações inteiras – segundos seus interesses. Na China, das dinastias imperiais, a Cidade Proibida é um exemplo clássico de elitização e domínio de uma classe em relação às demais; na Grécia e na Roma antigas, as castas também serviram de muro para separar os nobres de escravos e plebeus; a Índia é famosa ainda hoje pelo sem número de castas que servem de muro no contexto geográfico e populacional do país. Enfim, até onde o olhar do passado e do presente alcançam, o homem teve em muros e separações de toda ordem uma forte marca do seu mover na História.
Também pode ser incluído nesse tema a utilização, como muro, do aparato econômico para separar pessoas, embora, de certa forma, isso possa ser visto como incentivo às pessoas para a conquista de espaços maiores no ambiente social que habitam (o tal do “subir na vida” que nossos pais tanto bradavam). Mas, e os muros do Brasil? Como país diferente dos demais, ou melhor, mais criativo que os demais, o Brasil tinha que arrasar nesse quesito. Aqui, além dos formatos de muro conhecidos em outros quadrantes, a corrupção se estabeleceu com um forte baluarte da separação entre as pessoas. Outro muro a vicejar em solo verde e amarelo, além da corrupção, é o da impunidade. No Brasil, legislação, costumes, hábitos, canalhices, sem-vergonhices e que tais se transformaram em verdadeiros muros a beneficiar pilantras, ladrões de colarinho branco, políticos, autoridades, funcionários públicos, magistrados...
Como exemplo de muro, de fenômeno a distinguir pessoas, a corrupção brasileira, principalmente em Brasília, chegou a tal ponto que saiu do terreno do palpável, do real – e achegou-se à ficção. Ora, em um país onde o trabalhador conta centavos para chegar ao fim do mês, como explicar um funcionário de quarto escalão da Petrobras ter em banco estratosféricos 100 milhões de dólares! Uau! Isso, sim, é que é muro! E o que se vê mais em Brasília? Integrantes do establishment local vivendo como nababos, padrão de vida incompatível com os salários declarados – surrupiando, para tanto, recursos da merenda de estudantes humildes, dos remédios dos idosos, de postos de saúde, estradas, portos... Note-se que, de toda a roubalheira divulgada, a Petrobras atingiu um nível ainda mais superior – pelos volumes registrados. Alguém da empresa na cadeia? Não. Não é Brasília cidade de portentosos muros?
18/01/2015
Thomaz Lourenço da Cruz, lá do Quimporó
João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN, sócio do IHGRN e do INRG
Do amigo Eliton Medeiros recebo um e-mail sobre um dos meus tetravós: Tudo bem? Então, lendo suas coisas sobre os descendentes de Thomaz de Araújo Pereira, de Florânia, lembrei que há algum tempo um amigo meu me passou umas folhas do inventário dele (Thomaz Lourenço) de 1849, que tem a lista de herdeiros que servirá para suprir as suas dúvidas da relação de filhos. O pessoal de Thomaz Lourenço, os Lourenços como são conhecidos, mora até hoje em Nova Palmeira-PB. Pessoalmente, conheço muitos membros dessa família que tem a pele rosada avermelhada, estatura elevada e muito louros. As casas velhas deles ainda se encontram de pé há alguma distância de Nova Palmeira, na "Data da Corujinha", numa região do município que faz fronteira com Carnaúba dos Dantas. Deve ser uns 8 km da cidade e são verdadeiras fortalezas pelas suas paredes, tamanho e altura. Espero ter contribuído um pouco para as suas pesquisas.
Das folhas enviadas por Eliton, extraí as seguintes informações: No dia 10 de julho de mil oitocentos e quarenta e nove, na casa de residência do Juiz Municipal, e de Órfãos, da Vila de Acari, Gregório José Dantas, compareceu D. Maria Rosa do Nascimento, viúva que ficou por falecimento do seu marido Thomaz Lourenço da Cruz. Disse a viúva que seu marido faleceu no dia 25 de maio daquele ano corrente, sem deixar testamento.
No título de herdeiros, além de Maria Rosa do Nascimento, foram listados 13 filhos. Vamos apresentá-los, complementando com outras informações obtidas em outras fontes.
Thereza Maria José, que casou com Manoel Ignácio de Lima, na Fazenda Quimporó, aos 11 de fevereiro de 1836, sendo ele filho de Francisco dos Santos Lima e de Maria Joaquina de Vasconcelos, na presença das testemunhas Alexandre de Araújo Pereira, solteiro e Luiz do Rego Brito, casado.
Ana Gertrudes de Santa Rita, que casou com André de Araújo Pereira, no mesmo local e data acima, e filho do mesmo casal acima, sendo testemunhas José Garcia do Amaral e Alexandre Batista dos Santos.
Thomas Lourenço de Araújo, que casou, na Fazenda Quimporó, aos 15 de setembro de 1840, com Francisca Maria da Conceição, na presença das testemunhas André de Araujo Pereira e Luiz do Rego Brito.
Maria José do Nascimento, que casou no Sítio Quimporó, aos 20 de julho de 1847, com Thomas Alves de Araújo, filho de Beraldo de Araújo Pereira e de Joana Batista do Santos, na presença de Fidélis de Araújo Pereira e Simplício Dantas de Medeiros.
Isabel Maria da Encarnação casada com Miguel Arcanjo do Rego.
Francisca Ermina (ou Hermínia) de Jesus, que casou no Sítio Quimporó, aos 20 de julho de 1847, com Alexandre Manoel de Medeiros, filho de Silvestre Garcia do Amaral e de Ana Vitorina dos Santos, na presença das testemunhas Antonio Garcia do Amaral e José Pereira da Costa.
Ignácio Rodrigues da Cruz, que casou, primeiramente, no Sítio Garota, aos 22 de setembro de 1843, com Isabel Francisca, viúva de José Pereira Bolcont, na presença das testemunhas Thomaz de Araújo Pereira Junior e Manoel Lopes Pequeno Junior; casou, pela segunda vez, aos 24 de agosto de 1854, na Fazenda Passagem, com Maria Alexandrina de Vasconcelos, viúva de Joaquim Garcia dos Santos, e filha de Alexandre Garcia do Amaral e de Maria Angélica do Rosário, na presença das testemunhas Alexandre Garcia do Amaral Junior e Manoel Rodrigues da Cruz.
Guilhermina Maria da Conceição, que casou aos 20 de julho de 1847, no Sítio Quimporó, com Silvestre José Dantas, filho de João Damasceno Pereira e de Angélica Maria do Amaral, na presença doas testemunhas André Corsino de Medeiros e Alexandre Pereira de Araújo.
Joaquim Theodoro da Cruz, que casou aos 28 de novembro de 1848, com Rita Joaquina de Medeiros, filha de Alexandre Garcia do Amaral e de Maria Angélica do Rosário; foram os pais do tenente Laurentino Theodoro da Cruz.
Manoel Rodrigues da Cruz, 21 anos, meu trisavô; Casou primeiramente, aos 24 de novembro de 1853, na Fazenda Passagem, com Inácia Maria da Conceição, minha trisavó, filha de Alexandre Garcia do Amaral e de Maria Angélica do Rosário, na presença das testemunhas Alexandre Garcia do Amaral Junior e José Paulino Dantas; casou, pela segunda vez, aos 21 de maio de 1859, com Antonia Francisca da Conceição, filha de Luiz José Machado e de Ana Francisca de Melo, na presença das testemunhas Joaquim Thedoro da Cruz e Manoel Correia Barbosa; casou pela terceira vez com Umbelina Olindina Bezerra Cavalcante.
Vicência, com 16 anos, mas sem nenhuma outra informação.
Alexandre Olegário da Cruz, com 13 anos, que casou aos 02 de maio de 1863, com Josefa Maria de Jesus, filha de Rodrigo José de Medeiros Junior e de Francisca Maria de Medeiros.
Pacífico Rodrigues da Cruz, com onze anos, que casou com Anna Senhorinha de Medeiros, filha de Manoel Bruno de Medeiros e de Maria Rosa de Jesus.
Lembramos que Alexandre Garcia do Amaral e Maria Angélica do Rosário eram os pais de João Porfírio do Amaral, conhecido como o “mata e queima”.
17/01/2015
Os precedentes judiciais em uma federação (II)
Na semana passada, conversamos aqui sobre a vinculação vertical ao precedente dentro do sistema judicial federal dos Estados Unidos da América e sobre a mesma vinculação dentro dos limites de um sistema judicial estadual do imenso país. Na ocasião, disse que esses eram aspectos até certo ponto simples do funcionamento da teoria do “stare decisis” no EUA.
Hoje, chegou a hora de tratarmos de um aspecto bem mais complexo da temática: a inter-relação entre o sistema judicial federal e os vários sistemas judiciais estaduais daquele país.
Antes de mais nada, a regra é a independência entre a Justiça Federal e as várias Justiças Estaduais. Se dentro de um mesmo sistema judicial, uma linha clara de autoridade prevalece, devendo a corte inferior seguir o precedente da corte superior, o mesmo não se dá quando se inter-relacionam cortes de sistemas judiciais diversos (uma corte federal e uma corte estadual, é o exemplo disso). Nesse sentido, afirma Jane C. Ginsburg (na obra “Legal Methods”, publicado pela The Fundation Press): “é suficiente observar agora que a decisão tem completo status e efeito de precedente somente na circunscrição da corte que a prolatou”.
Entretanto, a regra da independência, para ser completamente entendida, há de ser encarada tendo-se em mente a existência de um direito federal e de vários direitos estaduais.
Levando-se em conta a existência dessas duas espécies de “direitos”, é seguro afirmar que os tribunais estaduais não estão obrigados pelas decisões das U.S. (Circuit) Courts of Appeal e das U.S. District Courts em matéria de direito não federal. E mesmo no que diz respeito às decisões das U.S. (Circuit) Courts of Appeal e das U.S. District Courts em matéria de direito federal, apesar de certas exceções, prevalece, na maioria dos tribunais estaduais, o entendimento de que também não estão eles vinculados a tais decisões.
É também digno de nota que até mesmo uma decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos pode não ser obrigatória, por exemplo, para uma corte do Estado de Maryland ou da Florida, ao menos que essa decisão da Suprema Corte cuide de matéria constitucional ou da interpretação da Legislação Federal.
Aqui, representa uma exceção o fato de a Suprema Corte dos Estados Unidos ser, conforme Victoria Sesma (em “El precedente en el common law”, obra já referida no artigo de domingo passado), “o único tribunal federal cujos precedentes podem ser obrigatórios para tribunais dos Estados. Mesmo que se possa encontrar diferentes formulações nas decisões dos tribunais dos EUA a respeito da autoridade dos precedentes da Corte Suprema dos EUA, de fato sua autoridade obrigatória limita-se aos precedentes relativos às questões federais. Quando surge um conflito entre um precedente de um tribunal estadual e um da Corte Suprema a respeito de uma questão federal, o precedente da Corte Suprema é obrigatório. Esta é a razão por que uma decisão da Corte Suprema dos EUA relativa à conformidade das leis estaduais com a Constituição Federal é obrigatória nos tribunais estaduais”.
Frise-se, entretanto, que, a bem da verdade, nestes casos em que existe a obrigatoriedade de seguimento da decisão da Suprema Corte americana, não se tem, propriamente, uma inter-relação entre cortes de dois sistemas judiciais diversos. Como explica William L. Reynolds (no livro “Judicial Process in a nutshell”, publicado pela West Publishing Co.): “a decisão da Supreme Court deve ser seguida pela Maryland Court ao lidar com um problema de direito federal, pois a Maryland Court, no caso, está, de fato, operando dentro do sistema federal”.
Aliás, o fato de uma corte estadual atuar como corte federal não é estranho a nós brasileiros. A nossa Constituição Federal dispõe, expressamente, no art. 109 que: “§ 3º Serão processadas e julgadas na Justiça Estadual, no foro domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela Justiça estadual” e “§ 4º Na hipótese do parágrafo anterior, o recurso cabível será sempre para o Tribunal Regional Federal na área de jurisdição do juiz de primeiro grau”.
No que tange ao sentido contrário da aplicação do precedente, ou seja, a vinculação ou não das cortes federais aos precedentes das cortes estaduais, a regra, em princípio, é a mesma. É preciso, mais uma vez, ter-se em mente a existência do direito federal e do(s) direito(s) estadual (ais). E mais: como registra Sesma, “de acordo com a doutrina de Erie v. Tompkins, o único common law substantivo é o common law dos Estados. De acordo com isso, os tribunais estaduais são os únicos órgãos que têm o poder de criar o common law de um determinado Estado e interpretar a Constituição e as leis deste Estado. O Tribunal Supremo do Estado resolve de forma final e obrigatória as questões jurídicas do Estado”.
Complicadinho, não?
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16/01/2015
Anna Maria Cascudo B. (1936-2015)
Caros amigos da literatura. Segue, para efeito de informação e curiosidade, a última entrevista concedida por Anna Maria Cascudo Barreto.
ANNA MARIA CASCUDO BARRETO
(Entrevista realizada por Thiago Gonzaga para o livro “Impressões Digitais” )
1- Anna Maria Cascudo Barreto, conte-nos um pouco da sua infância e juventude. Como foram seus primeiros anos de vida ao lado do seu pai, o grande escritor Câmara Cascudo?
Tive uma infância feliz. Meu pai, Luís da Câmara Cascudo, era dedicado e atento, carinhoso e presente. Todas as noites, até adormecer, ele ou minha avó materna, a macaibense Maria Leopoldina Viana Freire (ou Madrinha Sinhá, como eu a chamava) contavam estórias. Sempre tive problemas de insônia. Papai narrava aventuras retiradas dos heróis gregos ou da cultura popular.
Na minha cabeça, Ulisses e suas sereias mitológicas, Saci Pererê e as fadas se misturavam. Minha avó contava lendas doces, cantarolando: “Jardineiro do Meu Pai, Onde estão os meus cabelos...” Às vezes ia ao piano. Tocava Chopin. Eu me sentia profundamente comovida. Mamãe dizia que eu adormecia de puro medo.. Na realidade, aprendi a ler por causa da contação. Como muitas vezes desconhecia o final das histórias, procurava-os nos livros de papai, que eram sem figuras e tinham centenas de letrinhas. Deixava dedos sujinhos nos volumes que meu pai guardava com paixão. Um dia ele não suportou mais (eu tinha cinco anos) sentou-se comigo à mesa, abriu a caderneta do ABC e disse a frase mágica: “Ivo viu a Uva.” Assim o universo das palavras se abriu, ante os meus olhos de criança.
No colo de papai ou no braço de mamãe, ouvia os desafios dos violeiros. Aprendi a dançar sendo “Borboleta” do Pastoril. Não estudei, vivi o folclore.
Tive uma educação bem original. Nas férias, viajávamos para o Recife. Meu mano mais velho, Fernando Luis, morava lá desde os quinze anos. Éramos hóspedes do Grande Hotel, embora eu preferisse ficar com as primas, na casa de Tio Lagreca e tia Inês. Lembro-me das Operetas italianas que assistia com meus pais no Teatro Santa Isabel, acompanhando o desenrolar com libreto explicativo. Convivendo com pessoas de alto nível, aprendi a comer à francesa.
Se por um lado tinha educação internacional, por outro era bem regional. Assistia aos bambelôs, à umbanda, aos forrós de pé no chão. Descia o morro de Areia Preta (no veraneio) numa tábua untada de sebo, cercada das filhas dos pescadores. Aprendi a amar o povo e suas manifestações, a não fazer diferenças sociais. Mamãe não gostava de sair; Fernando estava no Recife, e papai amava minha companhia, pois considerava nossos temperamentos muito semelhantes. Minha adolescência foi normal. Estudava muito, tinha amigas, dançava no Aero Clube, América, ABC, ia ao cinema, lia quadrinhos, namorava.
2 – Qual o livro que você leu, quando criança, que mais te marcou? Quais foram suas principais leituras na juventude?
Leitura é hábito, e muito cedo me acostumei a ler com prazer. Papai sugeria livros, e depois os comentávamos. Passei muitas noites lendo. Suspendia a leitura quando a luz do sol superava à elétrica. Fabulas de Esopo, toda a coleção de Monteiro Lobato; romances de José de Alencar. Poetas parnasianos, especialmente Olavo Bilac. O mérito foi também do Colégio da Imaculada Conceição, onde estudei do maternal ao vestibular. Recordo ter lido (alguns cuidadosa, outros rapidamente) todos os sugeridos pela Enciclopédia Greco-Romana. Esopo, Heráclito, Plinio, Ovídio, Tácito, Homero. Os “Diálogos”, de Platão. Diálogo com a Velhice, de Cícero. Os heróis e as aventuras da Ilíada e da Odisseia pareciam tão reais!. O primeiro livro “de adulto” que eu ganhei foi “Cidade Antiga”, de Fustel de Coulanges. Penso que tinha meus treze anos. Fascinavam-me as ideias de Freud, pelo menos aquelas que eu compreendia. Passei uma época lendo e estudando filosofia. Emmanuel Kant e a Critica da Razão Pura e da Razão Prática. Gostaria de acreditar em Rousseau e sua visão idealista. O livro que mais me impressionou foi “A Origem das Espécies”, de Charles Darwin. O interessante é que admirá-lo e aceitá-lo nunca diminuiu a minha fé... Todas nós, mocinhas, adorávamos Cronin, Agatha Christie, Paul Valery, Edgar Wallace, Antoine de Saint Exupéry. Não apenas “O Pequeno Príncipe”, mas Correio do Sul. Lia escondida os romances de Pitigrili, considerado maldito. E os romances de Sommerset Maughan, Françoise Sagan; a Coleção Rosa de M.Delly. O Pimpinella Escarlate. Gabriela, de Jorge Amado. Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freire. As três Marias, de Rachel de Queiroz.
Discursos, de Voltaire. Colóquios, de Confúcio. Máximas e Reflexões, de Goethe. Primo Basílio, de Eça de Queiroz. Correspondência, de Machado de Assis. Os Sermões, de Vieira. Os Lusíadas, de Camões. Divina Comédia, de Dante. Depois, um deslumbramento, a obra Cascudiana; História da Alimentação no Brasil, Canto de Muro, Jangada, Rede de Dormir. Locuções Tradicionais do Brasil, Lendas Brasileiras, Viajando o Sertão. Dicionário do Folclore Brasileiro, Locuções tradicionais. Civilização e Cultura. Maravilha! Meu pai, um sábio! E tão simples tão natural... Por um tempo, surpresa; depois assimilei o fato com naturalidade.
3- Com que idade você compôs os seus primeiros escritos? E abordavam que temas?
Comecei a escrever em A República. Foi meu primeiro emprego. Era a época de Romildo Gurgel. Ganhava meio salário mínimo. Depois de algum tempo, ele me deu espaço para uma crônica sobre música. O titulo era cafona: “Cantinho do Hi-Fi”. Apaixonei-me pela Bossa Nova. Já conhecia Luis Gonzaga e Zé Dantas, Jackson do Pandeiro, Dorival Caymmi (nunca esqueci, quietinha entre ele e papai, assistir ao desfile do Maracatu, na varanda do Grande Hotel no Recife! Eles conheciam – e eram saudados – por todos os personagens) Silvio Caldas, Nelson Gonçalves. Meus ídolos mudaram: eram João Gilberto, Silvinha Telles, Roberto Menescal, Tom e Vinicius. Mas... a primeira vez que escrevi, foi fazendo uma história em quadrinhos. Gostava também de desenhar. Tinha uns oito anos.
4- Você, quando bem jovem, conheceu muitos escritores potiguares? Pode citar alguns?
Os amigos de papai eram nossos também. Onofre Lopes. Otto Guerra. Américo de Oliveira Costa. Verissimo de Melo. Silvio Piza Pedrosa. Jaime Wanderley. Nilo Pereira. Djalma Maranhão, Moacir de Góis. Djalma Marinho. Elói de Souza. Manoel Rodrigues de Melo. Henrique Castriciano. Dinarte Mariz. Aluísio Alves. Visitávamos suas famílias. Palmira Wanderley, Zila Mamede. Todos queridos! Estou citando apenas os mais antigos. Newton Navarro, Dorian Caldas.
5 -Você muito nova já assinava uma coluna sobre música popular brasileira no jornal “A República”, nos fale um pouco dessa sua primeira experiência com as letras, você já sonhava em se tornar escritora?
Já falei sobre “A República”. Não sonhava ser escritora; era algo que pertencia ao meu pai. Pensava mais na área Jurídica. E especialmente jornalismo. Tinha além da coluna, um programa na Rádio Nordeste, transmitido da minha “sala de música”. Apresentava discos, e – atrevidamente – os criticava. Na época de Genario Fonseca, um programa na TV-Universitária, redigido e apresentado por mim. Intitulava-se “Semanários”. Criei vários quadros. A Outra Face, Batendo Perna, Valores da Terra. Entrevistei artistas de teatro, pintores, fiz desfiles com boutiques potiguares. Nos domingos, com uma hora de duração. Por causa de uma coluna, ganhei uma serenata com Severino Araújo e sua Orquestra Tabajara. Entrevistei o Trio Yraquitan, Marayá, Dozinho, Ângela Maria, Chico Helion. Sempre curti muito moda e arte.
6- Relate-nos um pouco da época da Faculdade de Direito. Quem eram os intelectuais dessa época, você frequentava algum grupo literário?
A Faculdade de Direito, na minha época, era a continuação da minha casa. Bem próxima, funcionava na Ribeira. Minha turma tinha gente da minha idade, mas muitos bem mais velhos. Berilo Wanderley, Arilda Tania, Hebe, Zelia Madruga, Artur, Eider Furtado, Zeca, Hélio Vasconcelos eram os mais próximos. Mas eu gostava de todos! E ainda tinha a satisfação de conviver com os acadêmicos da segunda turma, Eliane Amorim das Virgens, Paulinho, Querubino, Edgar Smith, Suetonia, Denise, Diúda, Natanias. Os professores eram eruditos, sensacionais. No primeiro ano, vibrei com as aulas/shows de Floriano Cavalcanti. Durante os cinco anos, assistimos espetáculos de erudição! Paulo Viveiros. Véscio Barreto., João Vicente da Costa, Edgar Barbosa. Raimundo Nonato. Aldo Raposo. Otto Guerra. Alvamar Furtado. Ensinavam Direito e conhecimentos gerais. E conversar com eles era especial. Pairava sobre a Faculdade de Direito de Natal uma atmosfera de ternura e respeito.
Eu não frequentava grupo literário por que, logo no segundo ano, comecei a aprender a técnica. Fui Adjunto de Promotor, substituindo vários. Trabalhava pela manhã e à tarde no Fórum, em audiências e despachando processos. À noite ia para a Faculdade. Na madrugada ficava na biblioteca de papai estudando. Ivan Maciel, Enélio Petrovich, Cleóbulo Cortez Gomes, Hélio Vasconcelos, Marcio Marinho organizavam debates e conferências. Que eu nunca ia, pois precisava estudar. Assisti uma vez Carlos Lacerda. Fiquei empolgada. Gênio! Sanderson Negreiros e Berilo Wanderley também escreviam em jornais. E que textos! Diogenes da Cunha Lima foi o mais assíduo – e o mais querido – dos discípulos do meu pai. Estava sempre conosco. Hoje em dia, advogado, professor e Presidente da Academia Norte Rio Grandense de Letras, é um amigo sincero e querido. Ele e o jornalista e acadêmico Vicente Serejo mantém o nome de Luís da Câmara Cascudo sempre à tona, buscando noticias, valorizando sua memória.
7- Anna Maria Cascudo foi uma boa aluna universitária?
Nunca busquei tanto a perfeição na pesquisa e estudei tanto quando fui aluna de papai. Queria surpreendê-lo. Suas aulas eram memoráveis. Filosofia do Direito, na área internacional, muito bom humor e brilhantismo. Inesquecível!. Outro Professor cuja inteligência me cativou foi Véscio Barreto. - Sem esquecer seu senso de justiça.
8- Você foi à primeira mulher a atuar como promotora em júri na cidade de Natal , nos conte um pouco dessa fase.
Amava o Direito. Participar da técnica jurídica era algo que me emocionava. O Fórum era um celeiro de mestres: Oscar Homem de Siqueira, Rosemiro Robinson, Paulo Luz eram exemplos. Os advogados, cultos, educados. Claudionor de Andrade abria os processos e me explicava os pareceres. Fui acolhida com muito afeto e todos faziam questão de me ensinar. Assim foi a prática jurídica. Os Cartórios? Aprendizagem. Antidio de Azevedo e Alinio; Jairo Procópio, Armando Fagundes, seu pai e tia, Raimundo, foram autênticos professores. José Gobat Alves, Epitácio Andrade, Lisboa, colegas e companheiros. Nunca senti preconceito por ser muito jovem e mulher. Talvez pelo meu entusiasmo legitimo e a dedicação total. Meu primeiro Júri foi um acontecimento. Meus pais choravam de emoção. Fernando veio do Recife. O Diário de Pernambuco e o Jornal do Comercio deram noticia do pioneirismo feminino. Fui entrevistada em revistas. Estudei, pesquisei e fui vitoriosa. O réu foi condenado a vinte e um anos de reclusão. Na Defesa, dois Professores da Faculdade. Amava – e ainda amo – e me sinto orgulhosa e feliz pertencendo ao Ministério Público. Fui Promotora de Justiça concursada, Curadora de Acidentes do Trabalho e Procuradora de Justiça. Uma das fundadoras no Estado da Associação do Ministério Público. O Presidente, Valderedo Nunes da Silva era um irmão. Éramos profundamente idealistas.
9 -Você é uma das fundadoras da Academia Feminina de Letras e membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras, em sua opinião qual a importância dessas instituições para as nossa cultura e literatura?
Tinha receio de ser comparada a meu pai, com sua obra majestosa. Mas recebi muito incentivo a ocupar meu espaço, generosamente elogiando meu texto e repetindo que eu tinha talento e uma “luz” especial. Diva Cunha, Valério Andrade, Marluzia Saldanha, Professor Waldson, Vingt-Un Rosado, Dorian Jorge Freire foram “cúmplices” de um desejo que foi surgindo e crescendo. Quando nos reunimos, um grupo de mulheres que amavam a cultura e desejavam uma Academia, todas tinham conhecimento da necessidade da publicação de um livro. O ritual acadêmico. Era o ano de 2000. Então reuni várias entrevistas que publiquei na coluna “Mulher” de A República e no Jornal “Estilo” de Toinho Silveira. Fiz uma lista das figuras femininas de destaque e procurei ouvi-las. O livro foi publicado pela Global Editora. Cem entrevistas. Assim nasceram as “Mulheres especiais”. Sugestão: ser lançado na Academia Norte-rio-grandense de Letras. Em 2003. Vendagem e critica me surpreenderam. O “Colecionador de Crepúsculos”, foto-biografia de Luís da Câmara Cascudo, foi uma explosão de amor filial. Garibaldi Alves levou o livro para José Sarney. Ele leu a história dos índios do Carnaval e dos americanos no Grande Hotel que papai me contara. Ambos se apaixonaram pelo estilo. Garibaldi fez a orelha e Sarney o “Ensaio de Abertura”. O Prefácio foi de Murilo Melo Filho. Mais um sucesso. Já casada com Camilo Barreto, ele me incentivou a pedir os votos aos acadêmicos para minha entrada na Academia. Visitei todos, solicitei os votos e levei meus livros. Aluísio Alves escreveu; “Voto em Anna para onde quiser ir. Tem méritos e muita inteligência.” Fui eleita por unanimidade. Saudada por João Batista. Como ele estava doente, o discurso foi lido pelo Acadêmico Paulo de Tarso Correia de Melo. Meu discurso de posse tinha o título de “A Matéria dos Sonhos”. Era o ano de 2005. Algum tempo após, lendo meus livros, Paulo Bonfim sugeriu meu nome e solicitou votos para meu ingresso na Academia Paulista de Letras. Sócia correspondente no Rio Grande do Norte. O primeiro foi Luis da Câmara Cascudo; o segundo o poeta Augusto Severo de Albuquerque Maranhão Neto. Tomei posse em São Paulo em 7 de junho de 2006. Saudada pelo decano príncipe dos Poetas Brasileiros Paulo Bomfim. Meu discurso de posse se intitulava “Sortilégio e Emoções”. O Presidente era Ives Gandra da Silva Martins. Presenças de Fábio Lucas, Ada Peregrine, Ana Maria Martins, Ester de Figueiredo Ferraz, Ligia Fagundes Telles, José Mindlin, Nilo Scalzo. Mereci um soneto de Ives. Camilo, o primo João Batista Cascudo Rodrigues, filhos, genros e amigos estavam presentes. Foi servido um coquetel, oferta da Academia e “bancado” por Ives Gandra. Uma alegria imensa. No mesmo ano, recebi oficio da Academia Brasileira de Arte, História e Cultura, cuja sede é na “Casa da Fazenda”, no Morumbi, em São Paulo. Foi fundada por Luís da Câmara Cascudo e Dante de Laytano, escritor gaúcho. Organizada e valorizada no Brasil inteiro. Eles solicitavam meus livros e uma visita. Resultado; no mesmo ano (2006) tomava posse como Sócia da Academia, Comendadora e partícipe do Conselho Cultural da mesma. Dirigida por Roberto Oropolo e Michel Chelela. Presença de vários empresários, artistas, escritores paulistas. Finalmente fui uma das fundadoras da Academia de Letras Jurídicas, que promove o resgate e incentiva o conhecimento dos antigos mestres e cultores do Direito, além de organizar conferências e debates acerca dos estudiosos atuais. Somos dedicados e reconhecidamente uma entidade que presta condão à memória e ao estudo do Direito contemporâneo. Considero que pertencer às Academias Literárias representa o ponto máximo do caminho, uma reunião de autênticos amantes da cultura.
Aproveito para registrar que fui casada por dois anos e meio com o major do exército e engenheiro civil paulista de São Carlos do Pinhal, SP. Newton Roberti Leite. Conheci-o no Fórum. Ele era testemunha de um Acidente do Trabalho. Um homem de bem, um ser iluminado. Pai de Daliana e de Newton, nascido cinco meses após sua morte, em primeiro de agosto de 1964. Meu segundo marido, Camilo de Freitas Barreto, engenheiro civil e rodoviário, esteve ao meu lado, criou meus filhos e foi pai de Camilla por quarenta e quatro felizes anos. Faleceu em dez de outubro de 2012. Sinto que muito amei e fui amada. Se não fosse a atividade intelectual, creio que não resistiria à saudade constante. Tenho três netos que são meu tesouro, Diogo, Alana, Cecilia. Hoje os familiares de Camilo também me pertencem pela força do amor. Trago o sobrenome Barreto com o mesmo enlevo dos ramos Freire e Cascudo.
10- Dentre muitos dos seus trabalhos podemos destacar “Mulheres Especiais” (Global, SP) “O Colecionador de Crepúsculos” (Gráfica do Senado Federal, DF) “Neblina na Vidraça” (Global, SP), Fale-nos um pouco dessas obras?
Já comentei sobre “Mulheres Especiais” e “O Colecionador de Crepúsculos”. O primeiro é de 2003, Global Editora. O segundo, uma foto-biografia, é um livro de declaração de amor filial. “Neblina na Vidraça” é um resgate da vida e obra da poetisa Palmira Wanderley. Selo da Global é muito procurado pelos pesquisadores de uma figura feminina potiguar que ainda vive no nosso coração. Minha admiração pela Banda de Música dos Fuzileiros Navais Brasileiros obrigou-me a um trabalho etnográfico, comentando a relação existente entre os militares e os norte-rio-grandenses. A influência recíproca é de causar espanto. Um resumo histórico da Base Naval e da cidade do Natal é o fecho deste livro, lançado no Cobana e distribuído pelos componentes da Banda e os presentes na outorga de comendas de mérito. “Um Herói Oculto” traz testemunhos e documentos sobre meu avô paterno, Coronel Francisco Justino de Oliveira Cascudo. A critica o considerou tecnicamente perfeito, no gênero. Tentei ser imparcial, mas nos capítulos finais a emoção tomou conta de mim. Muitas descobertas sobre esse personagem emblemático que foi pioneiro em tantos setores no Estado. “Teotônio Freire, fragmentos de um Legado” era uma divida que eu tinha com meu avô materno, o homem cujo exemplo me fez seguir a carreira jurídica. Era tão discreto que apesar dos cargos importantes (foi Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça por treze anos, suas sentenças até hoje ressaltadas) dele eu só possuía minha saudade e duas fotos. Francisco Anderson Tavares foi meu parceiro, levantando a genealogia alusiva a Teotônio e grupo familiar de um modo brilhante. Eduardo Gosson, Presidente do Memorial do Tribunal de Justiça fez uma exposição sobre a sua importância na Comunidade Jurídica e Judite Monte Nunes, a Presidente da época, abriu as salas do Tribunal para receber seu ilustre antecessor. O Livro não foi vendido, mas distribuído e depois lançado em Macaíba. Em 2012, mês de março.
Atualmente finalizo “Mulheres Especiais II”, em parceria com a Federação das Indústrias. Cem mulheres fizeram depoimentos sobre sua trajetória existencial, selecionando fotos consideradas importantes de seus momentos marcantes. Essa técnica é germânica. Recebendo as laudas daquelas selecionadas, limito-me a dar colorido textual e minha opinião pessoal e sincera sobre cada uma das personagens. À parte, lembrei vultos femininos que não estão mais na nossa dimensão, sugerindo aos seus filhos que escrevessem suas lembranças. Desejo eterniza-las pelo muito que fizeram para nosso desenvolvimento. Esse trabalho de mais de dois anos deverá ser lançado no Ludovicus, numa produção da Federação das Indústrias.
11- Anna Maria Cascudo também participou de várias antologias?
Além das conferências que dou para militares, estudiosos e acadêmicos, preferencialmente sobre folclore, também me especializei na feitura de “Ensaios de Abertura”. É uma peça normalmente feita por Acadêmicos, definindo o estilo de um livro, comentando a autoria e finalizando com um toque lírico. Um trabalho artesanal de observação e experiências. Fiz Ensaios de Abertura para “Jorge Fernandes”, trabalho gigantesco de Maria Lucia Garcia; “Os Cavaleiros dos Céus”, a saga do voo de Ferrarin e Del Prette, por Rostand Medeiros e Frederico Nicolau, produção da Fundação Rampa; “Na Palma da Mão”, a vida diferenciada de Mary Elali contada por ela mesma; Cartas de Câmara Cascudo a Mario de Andrade, pela Global, que recebeu o prêmio Nacional Jabuti e muitos outros. Participei de mais de quinze Antologias. Das Academias Brasileiras de Arte, Cultura e História (Perfil de uma amiga – lembrando Sinhá Freire – e Mulheres número 4) além da Associação das Jornalistas e Escritoras, da Academia Feminina de Letras, da Paulista, de Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Normalmente participo com prazer, pois tenho uma noção forte de equipe.
12- E premiações que recebeu quais os mais significativas para você?
Premiações são significativas. A maioria das honrarias é proveniente de São Paulo, onde o nome de Câmara Cascudo é muito forte; pertenço a duas Academias de Letras paulistas, e possuo um circulo enorme de amigos. Posso citar, pela originalidade, o Troféu de Honra da Escola de Samba Nenê de Vila Matilde, Conferencista da Faculdade de Ciência Umbandista, Presidente da Honra do 44º Festival de Folclore de Olímpia. Este ano foi uma alegria incomensurável o recebimento da medalha de Folclorista Emérito, votado pela Comissão Nacional de Folclore, sob a Presidência do amigo/irmão Severino Vicente, escritor e folclorista.
13- Você foi distinguida como uma das “Cinquenta Mulheres Notáveis do Brasil”, pela Associação de Imprensa de Minas Gerais. Fale-nos um pouco dessa premiação e da emoção ao recebê-la?
Recebi este titulo por indicação de Ana Maria Martins e Ligia Fagundes Telles, da Academia Paulista de Letras. Foi noticia nacional, transmitida através do Jornal Nacional da Rede Globo de Televisão. Um reconhecimento do meu trabalho que me gratificou.
14-Você tem ideia de quantos prefácios de livros já escreveu?
Prefácios são resultantes de forte identificação com o autor ou assunto do livro. Nunca contei, devo ter escrito mais de cinquenta. Todos com merecimento, nenhum gratuitamente.
15-Você também faz parte da União Brasileira de Escritores/RN ?
Amo a União Brasileira dos Escritores. Meu pai os admirava profundamente. Meu maior contato foi Fábio Lucas. No Rio Grande do Norte tive muita satisfação em fazer parte das suas Diretorias, por quatro anos. Os Presidentes iniciais –administrações excelentes – no nosso Estado foram os escritores Lívio Oliveira e Eduardo Gosson.
16-Anna Maria Cascudo é Presidente do Instituto Câmara Cascudo – Ludovicus – nos fale um pouco do seu trabalho a frente dessa importante instituição.
O Instituto Câmara Cascudo é o nosso tesouro. Tratamos de preservar, divulgar e gerenciar o patrimônio cultural de Luis da Câmara Cascudo, com recursos próprios e dedicação total.
17- E sua filha, Daliana Cascudo, segue os passos da mãe escritora?
Meus filhos – Daliana, Newton e Camilla – têm muito mais do que as minhas poucas qualidades, e nenhum dos meus inúmeros defeitos. São apaixonados pela memória do avô, têm um potencial extraordinário de trabalho, ternos e delicados. Como boa “coruja”, acho que são infinitamente inteligentes e bonitos. Os netos, Diogo, Alana e Cecília já demonstram conhecer seus objetivos e iniciam uma caminhada feliz. São os meus desejos.
18- Em sua opinião quem seria os dez maiores intelectuais potiguares do passado?
Não gosto de listagens e indicações. Os intelectuais potiguares do passado e do presente vivem na minha apreciação e respeito.
19- O que você acha do incentivo à leitura/literatura no RN? Por quê?
Não aprecio. Considero tendencioso e politiqueiro.
20- Se você pudesse citar dez livros potiguares preferidos quais seriam?
Toda a obra de Luís da Câmara Cascudo. Quanto mais leio e estudo, mais me convence o seu gigantismo, erudição, simplicidade.
21- Do que sente falta no mundo da literatura?
Maior entrosamento entre sul e nordeste. Tudo é Brasil.
22- Na atualidade, tem muita gente boa produzindo literatura em Natal?
Os companheiros das Academias são exemplos vivos de valores indiscutíveis da literatura potiguar. A Universidade Federal do Rio Grande do Norte tem professores/doutores cujos trabalhos culturais são de altíssimo nível.
23- Você aprecia outro tipo de arte além da literatura?
Gosto muito de ir ao cinema. A música, a iluminação, a pipoca, os filmes me encantam!...Também de música e pintura, teatro.
24- E quais os seus planos literários para o futuro?
Como já estou com mais de setenta, tendendo aos oitenta anos, rogo a Deus que conserve minha saúde, memória e fé. Tenho muitos sonhos a concretizar.
25- Quem é a escritora Anna Maria Cascudo Barreto?
Alguém que soube conquistar seu espaço sem amarguras. Que busca estar à altura dos seus sobrenomes. Que crê em Deus, é católica romana. Mas também admira a Umbanda, o Kardecismo, as máximas de Sidarta. Enfim, uma espiritualista.
By Thiago Gonzaga
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