04/10/2014

Marcelo Alves



Um apelo


Os que leem o que eu escrevo aqui já devem ter notado: sou um entusiasta da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal e da valorização, como forma de otimizar a prestação jurisdicional, dos precedentes judiciais em geral.

Em razão disso, uma coisa tem me preocupado: o Supremo Tribunal Federal simplesmente parou de editar enunciados de sua Súmula Vinculante. Foram cerca de 30 enunciados, sendo o último de 2011, e pronto.

Como se sabe, o Supremo Tribunal Federal pode aprovar, revisar ou cancelar enunciados de sua Súmula Vinculante de ofício ou por provocação externa (CF, art. 103-A, caput e § 2º e art. 2º da Lei 11.417/06). Quando agir de ofício, isso pode ser feito por proposta de um ou mais de um de seus ministros. Quanto à legitimidade para a provocação externa, o § 2° do art. 103 da Constituição Federal e o art. 3ª da Lei 11.417/06 dispõem que a aprovação, revisão ou cancelamento de enunciado da Súmula poderá ser provocada, entre outros, por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.

Sei que o quórum para aprovação de um enunciado vinculante não é simples. Segundo o art. 103-A da Constituição Federal e o § 3º do art. 2º da Lei 11.417/06, a aprovação dá-se por decisão de dois terços dos seus membros. E é interessante notar que o quórum de 2/3, proporcionalmente, é maior que o quórum de 3/5, necessário para a aprovação de emenda constitucional, o que faz presumir o quão difícil é a aprovação, revisão e cancelamento de enunciado da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal.

Sei, ademais, que o § 1º do art. 103-A da Constituição Federal (assim como o § 3º do art. 2º da Lei 11.417/06) deixa claro que a súmula vinculante terá por objeto a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, afastando de seu objeto, assim, as questões de fato. Os enunciados vinculantes devem versar somente sobre questões ou teses jurídicas. Quanto aos fatos, mesmo que se trate de questão jurídica já sumulada, os juízes deverão analisá-los atentamente a fim de verificar se eles realmente se subsumem ao enunciado da Súmula.

Sei, também, que nem todas as questões de direito poderão ser objeto de enunciado vinculante. A Emenda Constitucional 45/04 (ver redação do art. 103-A, caput, da CF) atribuiu ao Supremo Tribunal Federal prerrogativa de editar Súmula Vinculante apenas em matéria que tenha conteúdo constitucional. A matéria, geralmente, dirá respeito, também, a um outro ramo do Direito (previdenciário, tributário etc.), mas deve ter conteúdo constitucional.

Sei, ainda, que alguns ramos do Direito possuem natureza compatível com os enunciados curtos e precisos de uma súmula; outros, não. No primeiro grupo, estão, por exemplo, o direito tributário e o direito previdenciário: em regra, apesar da complexidade de suas teses jurídicas, as questões fáticas não são de grande complexidade. Mas há ramos do Direito, como o direito penal e o direito de família, em que, além das teses jurídicas por vezes tormentosas, as questões de fatos são quase sempre bastante complexas, de profundo casuísmo, impedindo a incorporação na súmula vinculante ou, ao menos, dificultando-a sobremaneira.

Sei, por fim, que, nos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu outras prioridades, tais como julgar a famosíssima Ação Penal 470 (conhecido como o caso do “Mensalão”) e fomentar o incremento do importantíssimo instituto da Repercussão Geral nos Recursos Extraordinários.

Mas acredito que chegou a hora de fazer um apelo. E duplamente direcionado.

Primeiramente, ao próprio Supremo Tribunal Federal e aos seus ministros. Afinal, como visto, pode-se agir de ofício. Em segundo lugar, aos legitimados do art. 103 da Constituição Federal (aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade). Numa democracia representativa como a nossa, eles “representam”, bem ou mal, os jurisdicionados como um todo ou, ao menos, parcela considerável deles. Como o fim da Súmula é ter caráter de vinculação geral, nada mais natural que eles muito usem (mas não abusem) da prerrogativa para provocar a aprovação, revisão ou cancelamento de enunciados vinculantes.

Meu apelo é: Ministros, editem! Legitimados, provoquem! Mas do que isso, exijam! A coisa está parada desde 2011. Chegou a hora.

Para finalizar, reitero uma ideia que já defendi aqui: a Súmula Vinculante não é o remédio milagroso para todos os males da Justiça brasileira, mas que é um bom anti-inflamatório, qualquer clínico geral, como eu, sabe que é.

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

03/10/2014


FERNANDO DE MIRANDA GOMES

Jurandyr Navarro
Do Conselho Estadual de Cultura
A cidade do sol clareou-lhe o entendimento, desde a infância, ensejando a vivaz inteligência projetar-se na vida social e profissional. Na adolescência, partilhou a fantasia da idade entre a bucólica localidade do Barro Vermelho e a paisagem talássica da praia da Areia Preta, onde o belo cenário descortinava-lhe um futuro promissor.
Filho de jurista, seguiu-lhe os passos, dividindo, com os irmãos, o tesouro da inteligência herdada, formando, com eles e descendência, uma grei familiar honrada, pela régia coroa da dignidade, conquistada pelo caráter bronzíneo, mercê de aprimorada educação.
Contemporâneo de brincadeiras e estudos, acompanhei a sua caminhada pelos colégios e universidade, sendo testemunha da sua fidelidade aos deveres e obrigações e responsável em todo projeto idealizado.
Diplomado, foi atraído pelas causas cíveis, com participação ativa em inúmeros debates florenses. A sua atuação profissional ficou gravada no registro histórico da nobre classe da Advocacia potiguar. Depois, a fisionomia jurídica revelou o interesse pelo direito agrário, alcançando desempenho excelente como Advogado de Terras junto à Secretaria de Estado da Agricultura, antes de pertencer ao Departamento Jurídico do Estado, chefiando a Procuradoria do Patrimônio.
A imagem jurídica reluzia ao lado do perfil de homem público, pelo trânsito bem sucedido, no primeiro escalão administrativo estatal. Toda essa trajetória, destituída de nódoa ética, ante a conduta ilibada, fez, do seu nome, referência axiológica e jurídica. E assim procedendo, foi distinguido com a confiança nele depositada por três governos seguidos, à frente da Procuradoria Geral do Estado e da Casa Civil.
Anteriormente ao desempenho na esfera do direito, Fernando de Miranda Gomes, nos seus verdes anos, prestou serviços na atividade privada, sendo, por algum tempo, Interventor Regional do SENAC, em nosso Estado e, em seguida, exerceu a Diretoria da mesma organização comerciária.
Além da visão administrativa para dirigir órgãos privados e públicos, ele se tornou um especialista em legislação, do aprendizado no cargo de Procurador do Estado. Portou-se exímio Parecerista no decifrar a esfinge da emaranhada e extensa legislação pátria.
Para penetrar no espírito das leis, o Advogado precisa especializar-se, e assim, poder, detidamente, equacionar a legislação constitucional e suas emendas, as leis ordinárias, as delegadas, decretos, suas derrogações e revogações, portarias, medidas provisórias, mensagem do poder executivo, projetos legislativos, referendos, iniciativa popular, plebiscitos (estes, oriundos da democracia semi-direta), julgados dos tribunais, e outros, conferindo-lhes a devida interpretação e consequente orientação, condizentes com os postulados jurídicos vigentes, pertinentes aos superiores interesses da sociedade politicamente organizada.
Na condição de Procurador Geral do Estado, Fernando de Miranda Gomes, competente sempre esteve para fazer a necessária análise da imensa compilação legal, inclusive os códigos, dela emanados.
O seu sucesso deveu-se, também, ao iluminativo carisma da sua liderança.
O valor de profissional do direito auferido, foi por todos os colegas reconhecido, a ponto da sua pessoa ser lembrada para Patrono de uma das Cadeiras da Academia de Letras Jurídicas do Rio Grande do Norte, pelo idealizador da instituição. E o reconhecimento desse valor chegou ao ponto, de seu nome representar a “Medalha Mérito Procurador de
Estado”, prêmio instituido na gestão do Procurador Geral do Estado, Miguel Josino Neto.
A exemplo de outros seres humanos, de singular grandeza, o destino subtraiu-lhe anos de existência, no pleno vigor de sua vida, quando prometia, ainda, alongar a órbita dos sucessos obtidos.
Todavia, ele soube utilizar os anos vividos no conceito do pensador Séneca, o qual entendia ser a dimensão da existência humana medida pelas boas ações e complementada pela sabedoria. "Não é a meta mais longínqua, a vida mais longa; porém, a mais elevada".
Esta, a vida plena!

02/10/2014


O  ‘F I C O’  E   A  I N D E P E N D Ê N C I A
Por Gileno Guanabara, sócio efetivo do IHGRN

            Em setembro de 1831, o príncipe D. Pedro, ex-Imperador do Brasil, encontrava-se em Chateau de Meudon, próximo à Nante, na França. Pelas notícias, que recebia, vinham à baila intensas polêmicas acerca da autoria do proclamado ‘Fico’, a fundação do Império e a paternidade do 7 de setembro. Perduravam os embates calorosos, de um lado, Antônio Carlos que atribuía aos paulistas, mais precisamente ao irmão, José Bonifácio, o feito da Independência. De outro lado, José Clemente Pereira protestava. Para ele, a criação do Império se devia ao Senado da Câmara do Rio de Janeiro, cuja presidência, à época, estava sob seu comando, no ano de 1822. Gonçalves Ledo, citando fatos e documentos, atribuía à Maçonaria os atributos de fundação da monarquia brasileira. O calor dos debates chegava à imprensa. Eram passados dez anos e a quem atribuir o feito da Independência?

Nos debates, o nome do ex-Imperador nem sempre era lembrado. Ao contrário, era evitado nas hipóteses em confronto. No entanto, o livro de A. D. Pascual, Rasgos Memoráveis de D. Pedro I (Ed. Laemert, 1864), transcreve uma carta do imperador, dirigida a José Clemente, publicada na imprensa, com data de setembro de 1831. Dizia  o ex-Imperador na missiva: Meu amigo – Muito lhe agradeço as boas notícias que me dá de meus amados filhos, e igualmente a da aprovação do Tutor, que me escreverá afim de aliviar, se possível, algum tanto, as saudades de meus filhos que dilacerão este meu INARREBENTÁVEL coração... Eu tomo pelo Brasil aquelle mesmo vivo interesse que sempre tomei, e mui principalmente no dia de amanhan, em que faz anos que eu, e só eu, declarei no alto do Ipiranga a independência do mesmo Brasil. 

            Decorrido tanto tempo e o assunto ainda pautava com veemência as discussões no Parlamento. O Jornal do Comércio (junho de 1841) publicou o discurso que José Clemente Pereira fez na Câmara, pondo um fim no disse que disse. Na época, era Ministro da Guerra, e o fez em resposta ao deputado Antônio Carlos: O nobre deputado, por ocasião de uma declaração que fiz de ter tido eu a principal parte na representação para a convocação de uma Assembléia no Brasil...que eu me referia ao dia 9 de janeiro – dia do Fico – e que em ser assim, queria reclamar, porque a glória de preferência, neste caso, pertencia a São Paulo e não ao Rio de Janeiro...

E prosseguiu o Ministro: ... mas se é necessário que alguém tenha a prioridade, há de permitir-me o nobre deputado que o conteste e que diga que ela pertence aos fluminenses (apoiados)...e não há dúvida, que a representação por parte da província do Rio de Janeiro teve lugar em 9 de janeiro de 1822 e que a representação por parte de S. Paulo teve lugar dias depois...

Mesmo diante dos apartes e contraditas do plenário – cala-te...cala-te..., o orador sequenciou sua peroração: Perdoe-me; a sua representação teve lugar dias depois de 9 de janeiro.

O discurso histórico do então Ministro assegurou que no dia 22 de dezembro de 1821 seguiu um comissário do Rio de Janeiro, a fim de convidar São Paulo a cooperar e enviar sua representação. E mais: antes do dia 15 de dezembro, confessou o orador, que era, na época, presidente do Senado da Câmara, ter sido visitado em sua casa por José Mariano, a fim de lhe consultar sobre um pedido a ser feito pessoalmente ao Príncipe Regente para ficar entre nós, de acordo com os interesses do Brasil. Retrucou o visitado, que embora concordasse, mesmo assim não julgava prudente ser o pedido exclusivo do Rio de Janeiro, dado o temor da presença e intervenção da força portuguesa naquela província. Daí as consultas formuladas as demais Província, São Paulo e Minas, e o aguardo de suas manifestações.

Diante da dubiedade do Príncipe Regente em ir para Portugal ou ficar no Brasil, visitas e articulações iam se sucedendo e, afinal, na casa de José Mariano, com a presença de José Joaquim da Rocha e do frei Francisco de Sampaio, foi redigida a nota de intenção, a qual foi lida solenemente e apresentada, no dia 9 de janeiro, na presença de mais de sessenta cidadãos, dentre os melhores e o povo, mesmo diante da iminente ameaça de intervenção da força portuguesa.

Nesse dia em que se deu o relato histórico e conclusivo feito por José Clemente Pereira, o bravo deputado Antônio Carlos calou fundo e silenciou. Ponderou apenas É verdade, num tom de convencimento. Domiciano Cardoso, repórter e cronista, fez constar em relação ao Fico: Tanto os estudiosos como os sabedores da História do Brasil não ignoram que o ‘Fico’ acelerou a nossa Independência.

Desde a Inconfidência Mineira pairava no ar as nuvens da independência do Brasil a Portugal. O Príncipe alternava entre o medo de perder o direito hereditário ao trono português e o de fundar um novo império, o do Brasil. Atava-se às campanhas pela Independência, enquanto ululava em carta ao seu pai, D. João VI, de quem era mandatário, a não se insurgir contra a metrópole: ...A independência tem se querido cobrir commigo e com a tropa; com nenhum conseguiu nem conseguirá, porque - a minha honra e a dela  - é maior que todo o Brasil., escreveu o monarcaOu repetiria, com o mesmo sentido: ...enquanto estiver com todas as minhas forças, a declaração da independência não será feita.

Diante da agitação nativista e das intenções furiosas da Corte portuguesa, o manifesto lavrado no dia 9 de janeiro, com o consenso dos representantes das Províncias consultadas, das elites e, no dia seguinte, lido no Parlamento no Rio de Janeiro, tornou-se o Edital do Senado da Câmara. Portanto, o dia 10 de janeiro ficou assinalado como sendo o Dia do Fico. Seguiu-se inevitável a Independência, em 7 de setembro de 1822, delimitados foram os passos à proclamação do Ipiranga. Sarou a dubiedade do Príncipe Regente que resolveu ficar e o Brasil tornou-se Império, diferentemente das províncias da América espanhola, que se proclamaram repúblicas.     

01/10/2014


Do inventário amigável de Francisco José Soares


João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN, membro do IHGRN e do INRG
Dizem os abaixo assinados Luiz Cândido Maciel de Brito, herdeiro inventariante, Manoel Xavier da Cunha Montenegro e Onofre José Soares, também como herdeiros, que, tendo falecido ab-instestato, no dia vinte e cinco de maio do corrente ano de mil oitocentos e setenta e dois, nosso sogro e pai Francisco José Soares, deixando três filhos legítimos, Onofre José Soares, Dona Antonia Francisca Soares de Brito, casada com o primeiro nomeado Luiz Cândido Maciel de Brito, e Dona Maria Francisca Soares Montenegro, casada com o segundo nomeado Manoel Xavier da Cunha Montenegro, todos maiores de 21 anos, e conseguintemente isentos de forma de juízo, por isto temos justo e contratado entre nós de fazermos amigavelmente o inventário e partilha dos bens deixados pelo dito nosso falecido sogro e pai; a fim de que seja afinal julgado por sentença, e para este fim nos louvamos nos senhores: Enéas Barbalho Ferreira do Carmo, Francisco da Silva Bastos para avaliadores dos bens que forem descritos em dito inventário amigável e no senhor Idalino Abílio Pinheiro Monteiro para o escrever; os quais achando-se presentes aceitaram  esta nossa louvação prometendo-nos proceder com inteireza e conforme em suas consciências entendessem, e passamos assim a proceder a descrição e avaliação como nos cumpre sobre os mencionados bens, e declaramos, em tempo, que nos louvamos no herdeiro Luiz Cândido Maciel de Brito para inventariante, o qual aceitando a louvação presente descrever os bens pertencentes ao monte de nosso sogro e pai, havendo-se no desempenho de suas respectivas funções com todo zelo, inteireza e retidão; o que tudo para constar se lavrou o presente termo em que assinam o inventariante, herdeiros e avaliadores. Povoação de Guamaré, 14 de agosto de 1872. Eu Idalino Abílio Pinheiro escrivão louvado o escrevi. Luiz Cândido Maciel de Brito, Manuel Xavier da Cunha Montenegro, Onofre José Soares, Francisco da Silva Bastos, Enéas Barbalho Ferreira do Carmo.

No inventário, entre as terras descritas, salientamos: Fazenda Carauzinho; lote de terras no Riacho Camurupim, comprada a João Leandro; meia légua de terras, no Sítio Fazenda Nova para o Guajiru; um lote de terras no Sítio Lagoa da Ilha, no Rio Salgado, da Freguesia da Vila de Angicos, comprada a Manoel Vieira da Costa (este, irmão de dois tetravós meus, Agostinha Monteiro de Sousa e Vicente Ferreira da Costa e Mello do O’); um lote de terras no Sítio Canafístula, comprada a Clara Gomes da Silveira; lote de terras na Freguesia de Angicos, no Sítio Assenon, comprada a Alexandre Francisco Pereira Pinto; lote de terras na Fazenda e Sítio Assenon, comprada a Gonçalo Pereira Pinto.

Francisco José Soares, o inventariado, desposou Izabel Joaquina da Hungria, na capela de Nossa Senhora da Conceição de Guamaré, em 21 de julho de 1830, ele, filho de Manoel José Soares, falecido, e Felipa Maria de Jesus, ela, filha de João Francisco dos Santos e Gertrudes Gomes da Silveira, sendo testemunhas o padre José Berardo de Carvalho e Venâncio José da Silva.

Manoel Xavier da Cunha Montenegro, que nasceu e foi batizado, em 1836, tendo como padrinhos Diogo Velho Cardoso e Catharina de Sena Flora Cavalcante, ambos casados, casou com Maria Francisca Soares, em 25 de novembro de 1857, na capela de Nossa Senhora da Conceição de Guamaré, sendo ele filho de Francisco Xavier da Cunha e Izabel Rodrigues de São Tiago, e ela de Francisco José Soares e Izabel Francisca Soares (os nomes sempre variando de registro para registro), sendo testemunhas Onofre José Soares e Francisco Xavier da Cunha Montenegro (irmão do noivo).

Em 4 de julho de 1881, em oratório privado na Fazenda Conceição da Matta, residência do tenente-coronel Onofre José Soares, foi realizado o casamento de Onofre José Soares Filho e Maria Francisca Soares Montenegro, com dispensa de parentesco de 2º grau. Embora não constassem os nomes dos pais dos nubentes, sabemos, pelo grau de parentesco (primos legítimos), que ele era filho de Onofre José Soares e Maria do Carmo do Amor Divino, e ela de Manoel Xavier da Cunha Montenegro e Maria Francisca Soares. O registro informa que ele era de Touros, e ela de Macau.

Luiz Cândido Maciel de Brito nasceu em 1831, filho do português, de Ponta de Lima, Arcebispado de Braga, Antonio Maciel Pereira de Brito, e Izabel Clara de Macedo, tendo como padrinhos José Antonio Pereira Maciel de Brito e Antonia Maria de Bastos, da Freguesia de Una. Do casamento dele, com Antonia Francisca Soares, encontramos, apenas, a filha Izabel, nascida e batizada, em Guamaré, no ano de 1855, tendo como padrinhos Antonio Cândido Maciel de Brito, solteiro, e Severa Francisca Soares, solteira.
Capa do inventário de Francisco José Soares

30/09/2014


Duas bibliotecas


A+A-
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República

Grandes bibliotecas - que, invariavelmente, são também ótimos museus - já foram tema de nossas conversas neste espaço.

Recordo-me, por exemplo, já ter escrito aqui, não faz muito tempo, sobre a British Library (www.bl.uk), que habita um gigantesco prédio (o número 96 da Euston Road), inaugurado em 1988, em Londres, capital do Reino Unido. Enfatizei o seu acervo assustador: mais de 150 milhões de itens, em quase toda língua imaginável, incluindo livros, manuscritos, mapas, jornais, revistas, desenhos, arquivos de música, selos etc. Tratando ainda da Terra da Rainha, também escrevi sobre Bodleian Library (www.bodleian.ox.ac.uk/bodley), a biblioteca da Universidade de Oxford, que é um dos depósitos legais de livros para o Reino Unido e a República da Irlanda. Referi-me à beleza dessa biblioteca, (re)fundada em 1602 por Sir Thomas Bodley (1545-1613), tida como “a árvore do conhecimento em meio ao paraíso das musas”. E já tratando do Novo Mundo, mais precisamente dos Estados Unidos da América, escrevi sobre Biblioteca Pública da Cidade de Boston (www.bpl.org), que se afirma a primeira biblioteca pública municipal daquele imenso país. Verdade ou não, de minha parte atestei ser o prédio central da Biblioteca de Boston belíssimo. De acesso completamente livre, recomendo enormemente a visita, seja você estudante ou mero turista de ocasião.

Aliás, sempre defendi que as grandes bibliotecas merecem ser visitadas pelo turista amante de livros (além de frequentadas, evidentemente, pelo pesquisador, professor, estudante etc.). Mesmo que não seja o caso de xeretar o acervo da biblioteca de um modo sistemático e com um propósito específico, vale a pena dar uma olhadela nas suas obras mais raras ou nas exposições, permanentes ou temporárias, dedicadas aos mais variados temas, que elas sempre disponibilizam para o público em geral.

E já que, recentemente, escrevi três artigos sobre as livrarias de Paris, vou aproveitar a toada para dar duas dicas de bibliotecas para se visitar na capital francesa.

A primeira delas é a Bibliothèque nationale de France - BnF (www.bnf.fr). Na verdade, a BnF possui mais de uma sede, sendo que conheço, recomendando assim a visita, duas delas: a Biblioteca (edifício) Richelieu e a Biblioteca (edifício) François-Mitterrand, esta última, hoje, a mais importante.

A sede Richelieu, bastante central, fica no número 5 da Rue Vivienne (se for de metrô, recomenda-se descer em uma dessas três estações: Bourse, Palais-Royal ou Pyramides). Outrora palácio do Cardeal Mazarin (1602-1661), o prédio, que passa atualmente por meticulosa restauração, é belíssimo, sobretudo a “Salle Ovale” de leitura. Funcionando como excelente museu, abriga boa parte dos tesouros da BnF, sendo considerada ainda como o seu “berço histórico”. Está aberta ao publico, havendo até, para quem interessar, a possibilidade de se fazer uma visita guiada.

Hoje, entretanto, a principal sede da Bibliothèque nationale de France é a (Biblioteca) François-Mitterrand, inaugurada em 1996, que fica no Quai François-Mauriac, já bem mais afastada do centro histórico de Paris (estação de metrô Quai de la gare; se preferir o RER, outro tipo de trem metropolitano, descer na estação Bibliothèque François-Mitterrand). Essa localização, aliás, é o seu (talvez) único defeito. A Biblioteca François-Mitterrand é gigantesca, em termos de estrutura e acervo, no estilo da já mencionada British Library. Além da “biblioteca de pesquisa”, reservada àqueles previamente credenciados, o bom é que ela possui uma “biblioteca de estudo”, de acesso geral, bastando o visitante ser maior de 16 anos. Nos múltiplos ambientes, você terá acesso a coleções dos mais variados ramos do conhecimento, em forma de livros, periódicos, jornais, meios audiovisuais ou eletrônicos. Pelo que me recordo, paga-se um valor simbólico, de entrada, mas isso é o de menos. Vale a pena ler por lá, eu garanto.

A segunda biblioteca que recomendo em Paris, por sinal a minha preferida, é a Bibliothèque publique d’information -  Bpi (www.bpi.fr). Ela fica no Centre Georges-Pompidou, o controverso edifício “às avessas”, com elevadores, escadas e tubulações tudo à mostra, que também abriga o Musée National d’Art Moderne francês. A proposta da Bpi é sensacional: (i) acesso livre, gratuito, com espaços de leitura e de trabalho abertos a todos; (ii) coleções variadas em todos os tipos de mídias (livros, periódicos, jornais, filmes, mídias eletrônicas etc.); (iii) incentivo à autonomia do trabalho do leitor/pesquisador, que tem acesso direto às coleções; (iv) monitoramento e novação constante das coleções; e (v) realização, em conjunto com o Centre Pompidou, de diversas atividades culturais paralelas, como exposições, conferências, debates, exibições de filmes etc.

Se não bastasse isso, a Bibliothèque publique d’information é bastante central (fica entre as estações de metrô Rambuteau e Hôtel de Ville), nas beiradas do maravilhoso bairro do Marais (quer região melhor?), ficando aberta, o que é raro na Europa, até às 22 horas, todos os dias, com exceção da terça-feira. De um bom livro a um excelente vinho é menos de uma “página”.

Pessoalmente, no meu período de estudante em Paris, no já distante ano de 2006,  frequentei quase todos os dias à Bpi. E, às vezes, recordo-me desse período - e de Paris - com imensa saudade. Ainda bem que, já dizia o nosso Peninha, ter saudade “é melhor do que caminhar vazio”.

IHGRN




INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO RIO GRANDE DO NORTE – IHGRN

P O R T A R I A  Nº 02/2014-P

O Presidente do INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO RIO GRANDE DO NORTE - IHGRN, no uso das atribuições que lhe confere o artigo 15, ‘f’ do Estatuto Social e considerando a necessidade de constituir um Conselho Editorial para a Revista do IHGRN,
R E S O L V E
DESIGNAR para compor o Conselho Editorial da Revista do IHGRN, até o término do mandato da atual Diretoria, os seguintes sócios: Edgard Ramalho Dantas, na condição de Presidente; Jurandyr Navarro da Costa, Nelson Patriota, Racine Santos e João Felipe da Trindade, como membros titulares e Carlos Roberto de Miranda Gomes, como membro suplente.
PUBLIQUE-SE. CUMPRA-SE.


Natal, 30 de setembro de 2014
VALÉRIO ALFREDO MESQUITA
Presidente do I.H.G.R.N.

29/09/2014

GG


DE PALMIRO TOGLIATTI À DEMOCRACIA NO BRASIL
Por: Gileno Guanabara, sócio efetivo do IHGRN

            No artigo que publicamos na semana passada, destacamos as contradições que emparedaram o internacionalismo que vigorou na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas-URSS e a ruptura que as transformações e concessões ideológicas adotadas pelo Partido Comunista Chinês-PCC representaram. Fizemos referência an passant ao viés ideológico do Partido Comunista Italiano-PCI, cujos líderes proeminentes se pautaram em discordâncias para com as concepções do modelo internacionalista do partido na URSS.

            Cláudio Oliveira nos enviou comentários acerca do livro do professor Marco Mondaini – Do stalinismo à democracia. Palmiro Togliatti e a construção da via italiana ao socialismo (Contraponto Editora). Trata da biografia recém publicada do líder comunista italiano, no período de 1944/1964, com influência na política europeia. Prevalecia, na era stalinista, a teoria do social fascismo, que acusava a social democracia como sendo uma irmã gêmea parida do fascismo, tornada, por isso, o inimigo a ser combatido.

            Reconhece o biógrafo que coube ao trabalho formulado por Gramsci a influência maior para a formulação da estratégia democrática implementada pelo partido italiano, apesar das simpatias que tinha para com a Revolução Russa de 1917.   São dele os alfarrábios escritos no cárcere, onde morreu, discordantes do modus soviético - a via internacionalista da revolução, modelo único a ser implementado em todos os países, através do partido. O Partido Comunista Francês-PCF também reagiu. Foram propostas alianças táticas com as tendências mais amplas, incluída a social democracia, e personalidades progressistas, a fim de fortalecer o combate ao fascismo ascendente na Europa. Para o PCI, as instituições italianas estavam mais propensas a chegar ao poder pela via democrática e não pelo poder das armas. Coube a Togliatti e a Dmitrov, líder búlgaro, convencer Stalin a reverter aquela tática vigente, para efeito de união do partido com os demais de tradição antifascista, o que preponderou na Carta de 1944. 

            Talvez tenha sido por essas razões, pelo seu alcance mais realista e agregador de forças no campo progressista, que fez com que o PCI sofresse dura repressão da ditadura fascista de Mussolini, a partir de 1923, com prisões e assassinatos dos comunistas. Deva-se a isso, a valorização cada vez maior das liberdades públicas. Com o fim da Segunda Guerra, dada a influência do PCI, juntaram-se o Partido Socialista-PSI e o Democrata Cristão-PDC, cuja unidade correspondeu as conquistas na Constituição Italiana de 1944, que vige ainda hoje. Mesmo quando os ventos da Guerra Fria se fizeram contrários à composição no governo, Togliatti insistiu na unidade dos partidos em torno do governo. Ainda que diante da defecção do PDC, que passou a aceitar a exclusão do PCI e do PSI da coalizão governamental, Togliatti aceitou colaborar com o governo, tendo em mira afastar a influência dos fascistas. De um lado, ganhou a Constituição que foi respeitada. De outro lado, a morte trágica de Aldo Moro representou um ataque ingênuo, ou de má fé, das Brigadas Vermelhas, contra a participação do PDC na retomada daquele projeto.

            Tiveram os comunistas desde Togliatti, passando por Luigi Longo e Berlinguer, o esmero de não se imiscuírem, como se fossem únicos, nos interesses dos trabalhadores italianos. Diferentemente, na Alemanha, o Partido Social-Democrata-PSD não teve o apoio do PC Alemão, tornando o presidente Hindenburg refém e a quem não restou outra alternativa senão designar o líder do Partido Nazista como primeiro-ministro. Foi a derrocada. Na Alemanha de 1933, por menor que fossem as concessões a serem feitas, para a formação da maioria no governo, cristalizou-se o impasse e a chegada de Adolf Hitler ao poder.

            Em plena guerra fria, face a intransigência do Papa Pio XII, que em julho de 1949 excomungou os comunistas e ameaçou suspender os sacramentos da Igreja aos católicos que se vinculavam ao PCI, Togliatti elaborou a tradução, prefaciou e lançou o livro de Voltaire, filósofo iluminista francês, Tratado sobre a tolerância.

Giuseppe Tosi, da UFPB, na apresentação que faz da atualíssima obra de Carlo Mondaini, revela-se consciencioso sobre a integração entre os secularizados, o mundo da religião e a política. Diz Giuseppe: Nós, jovens católicos da Igreja do dissenso, inspirados no aggiornamento do concílio Vaticano II, começamos a romper com o collateralismo entre Igreja Católica e Democracia Cristã e passamos a apoiar o Partido Comunista: foi um Deus nos acuda, uma decisão que lacerou as famílias, as comunidades eclesiais, o mundo político. ... Quanta saudade daquele tempo! As duas igrejas, apesar da contraposição frontal, possuíam um conjunto de valores ético-políticos comuns que afundavam suas raízes num humanismo e solidarismo típico da tradição italiana (basta pensar nos filmes de Peppone e Don Camillo). 

E prossegue Giuseppe: ... Esta ‘stagione’ passou, e hoje nos damos conta de que o Partido Comunista, apesar de todas as duplicidades, teve uma importância extraordinária na construção da democracia italiana, porque, como reconheceu Bobbio, “ensinou a toda uma geração a ver o mundo do ponto de vista dos oprimidos”.

A esperança, que resta aos jovens de fazer política por altruísmo e devoção, é a de que a disputa eleitoral no Brasil afaste a mera repetição estéril e infecunda da vitória pela vitória, com debates já superados em outros destinos. Foram momentos dolorosos que serão revisitados, revelando a ausência de um promissor enclave político, apesar da presença de políticos respeitáveis. Com os meios atuais de comunicação, que dispomos, é possível travar a melhor peleja e rejeitar a mentira, a hipocrisia demagoga e superficial de líderes sem vocação, iracundos e ignorantes. A democracia como valor universal; as alianças no campo democrático; e o fim da intolerância, são os sinais dos tempos.