Um apelo
Os que leem o que eu escrevo aqui já devem ter notado: sou um entusiasta da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal e da valorização, como forma de otimizar a prestação jurisdicional, dos precedentes judiciais em geral.
Em razão disso, uma coisa tem me preocupado: o Supremo Tribunal Federal simplesmente parou de editar enunciados de sua Súmula Vinculante. Foram cerca de 30 enunciados, sendo o último de 2011, e pronto.
Como se sabe, o Supremo Tribunal Federal pode aprovar, revisar ou cancelar enunciados de sua Súmula Vinculante de ofício ou por provocação externa (CF, art. 103-A, caput e § 2º e art. 2º da Lei 11.417/06). Quando agir de ofício, isso pode ser feito por proposta de um ou mais de um de seus ministros. Quanto à legitimidade para a provocação externa, o § 2° do art. 103 da Constituição Federal e o art. 3ª da Lei 11.417/06 dispõem que a aprovação, revisão ou cancelamento de enunciado da Súmula poderá ser provocada, entre outros, por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.
Sei que o quórum para aprovação de um enunciado vinculante não é simples. Segundo o art. 103-A da Constituição Federal e o § 3º do art. 2º da Lei 11.417/06, a aprovação dá-se por decisão de dois terços dos seus membros. E é interessante notar que o quórum de 2/3, proporcionalmente, é maior que o quórum de 3/5, necessário para a aprovação de emenda constitucional, o que faz presumir o quão difícil é a aprovação, revisão e cancelamento de enunciado da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal.
Sei, ademais, que o § 1º do art. 103-A da Constituição Federal (assim como o § 3º do art. 2º da Lei 11.417/06) deixa claro que a súmula vinculante terá por objeto a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, afastando de seu objeto, assim, as questões de fato. Os enunciados vinculantes devem versar somente sobre questões ou teses jurídicas. Quanto aos fatos, mesmo que se trate de questão jurídica já sumulada, os juízes deverão analisá-los atentamente a fim de verificar se eles realmente se subsumem ao enunciado da Súmula.
Sei, também, que nem todas as questões de direito poderão ser objeto de enunciado vinculante. A Emenda Constitucional 45/04 (ver redação do art. 103-A, caput, da CF) atribuiu ao Supremo Tribunal Federal prerrogativa de editar Súmula Vinculante apenas em matéria que tenha conteúdo constitucional. A matéria, geralmente, dirá respeito, também, a um outro ramo do Direito (previdenciário, tributário etc.), mas deve ter conteúdo constitucional.
Sei, ainda, que alguns ramos do Direito possuem natureza compatível com os enunciados curtos e precisos de uma súmula; outros, não. No primeiro grupo, estão, por exemplo, o direito tributário e o direito previdenciário: em regra, apesar da complexidade de suas teses jurídicas, as questões fáticas não são de grande complexidade. Mas há ramos do Direito, como o direito penal e o direito de família, em que, além das teses jurídicas por vezes tormentosas, as questões de fatos são quase sempre bastante complexas, de profundo casuísmo, impedindo a incorporação na súmula vinculante ou, ao menos, dificultando-a sobremaneira.
Sei, por fim, que, nos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu outras prioridades, tais como julgar a famosíssima Ação Penal 470 (conhecido como o caso do “Mensalão”) e fomentar o incremento do importantíssimo instituto da Repercussão Geral nos Recursos Extraordinários.
Mas acredito que chegou a hora de fazer um apelo. E duplamente direcionado.
Primeiramente, ao próprio Supremo Tribunal Federal e aos seus ministros. Afinal, como visto, pode-se agir de ofício. Em segundo lugar, aos legitimados do art. 103 da Constituição Federal (aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade). Numa democracia representativa como a nossa, eles “representam”, bem ou mal, os jurisdicionados como um todo ou, ao menos, parcela considerável deles. Como o fim da Súmula é ter caráter de vinculação geral, nada mais natural que eles muito usem (mas não abusem) da prerrogativa para provocar a aprovação, revisão ou cancelamento de enunciados vinculantes.
Meu apelo é: Ministros, editem! Legitimados, provoquem! Mas do que isso, exijam! A coisa está parada desde 2011. Chegou a hora.
Para finalizar, reitero uma ideia que já defendi aqui: a Súmula Vinculante não é o remédio milagroso para todos os males da Justiça brasileira, mas que é um bom anti-inflamatório, qualquer clínico geral, como eu, sabe que é.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP
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Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Grandes bibliotecas - que, invariavelmente, são também ótimos museus - já foram tema de nossas conversas neste espaço.
Recordo-me, por exemplo, já ter escrito aqui, não faz muito tempo, sobre a British Library (www.bl.uk), que habita um gigantesco prédio (o número 96 da Euston Road), inaugurado em 1988, em Londres, capital do Reino Unido. Enfatizei o seu acervo assustador: mais de 150 milhões de itens, em quase toda língua imaginável, incluindo livros, manuscritos, mapas, jornais, revistas, desenhos, arquivos de música, selos etc. Tratando ainda da Terra da Rainha, também escrevi sobre Bodleian Library (www.bodleian.ox.ac.uk/bodley), a biblioteca da Universidade de Oxford, que é um dos depósitos legais de livros para o Reino Unido e a República da Irlanda. Referi-me à beleza dessa biblioteca, (re)fundada em 1602 por Sir Thomas Bodley (1545-1613), tida como “a árvore do conhecimento em meio ao paraíso das musas”. E já tratando do Novo Mundo, mais precisamente dos Estados Unidos da América, escrevi sobre Biblioteca Pública da Cidade de Boston (www.bpl.org), que se afirma a primeira biblioteca pública municipal daquele imenso país. Verdade ou não, de minha parte atestei ser o prédio central da Biblioteca de Boston belíssimo. De acesso completamente livre, recomendo enormemente a visita, seja você estudante ou mero turista de ocasião.
Aliás, sempre defendi que as grandes bibliotecas merecem ser visitadas pelo turista amante de livros (além de frequentadas, evidentemente, pelo pesquisador, professor, estudante etc.). Mesmo que não seja o caso de xeretar o acervo da biblioteca de um modo sistemático e com um propósito específico, vale a pena dar uma olhadela nas suas obras mais raras ou nas exposições, permanentes ou temporárias, dedicadas aos mais variados temas, que elas sempre disponibilizam para o público em geral.
E já que, recentemente, escrevi três artigos sobre as livrarias de Paris, vou aproveitar a toada para dar duas dicas de bibliotecas para se visitar na capital francesa.
A primeira delas é a Bibliothèque nationale de France - BnF (www.bnf.fr). Na verdade, a BnF possui mais de uma sede, sendo que conheço, recomendando assim a visita, duas delas: a Biblioteca (edifício) Richelieu e a Biblioteca (edifício) François-Mitterrand, esta última, hoje, a mais importante.
A sede Richelieu, bastante central, fica no número 5 da Rue Vivienne (se for de metrô, recomenda-se descer em uma dessas três estações: Bourse, Palais-Royal ou Pyramides). Outrora palácio do Cardeal Mazarin (1602-1661), o prédio, que passa atualmente por meticulosa restauração, é belíssimo, sobretudo a “Salle Ovale” de leitura. Funcionando como excelente museu, abriga boa parte dos tesouros da BnF, sendo considerada ainda como o seu “berço histórico”. Está aberta ao publico, havendo até, para quem interessar, a possibilidade de se fazer uma visita guiada.
Hoje, entretanto, a principal sede da Bibliothèque nationale de France é a (Biblioteca) François-Mitterrand, inaugurada em 1996, que fica no Quai François-Mauriac, já bem mais afastada do centro histórico de Paris (estação de metrô Quai de la gare; se preferir o RER, outro tipo de trem metropolitano, descer na estação Bibliothèque François-Mitterrand). Essa localização, aliás, é o seu (talvez) único defeito. A Biblioteca François-Mitterrand é gigantesca, em termos de estrutura e acervo, no estilo da já mencionada British Library. Além da “biblioteca de pesquisa”, reservada àqueles previamente credenciados, o bom é que ela possui uma “biblioteca de estudo”, de acesso geral, bastando o visitante ser maior de 16 anos. Nos múltiplos ambientes, você terá acesso a coleções dos mais variados ramos do conhecimento, em forma de livros, periódicos, jornais, meios audiovisuais ou eletrônicos. Pelo que me recordo, paga-se um valor simbólico, de entrada, mas isso é o de menos. Vale a pena ler por lá, eu garanto.
A segunda biblioteca que recomendo em Paris, por sinal a minha preferida, é a Bibliothèque publique d’information - Bpi (www.bpi.fr). Ela fica no Centre Georges-Pompidou, o controverso edifício “às avessas”, com elevadores, escadas e tubulações tudo à mostra, que também abriga o Musée National d’Art Moderne francês. A proposta da Bpi é sensacional: (i) acesso livre, gratuito, com espaços de leitura e de trabalho abertos a todos; (ii) coleções variadas em todos os tipos de mídias (livros, periódicos, jornais, filmes, mídias eletrônicas etc.); (iii) incentivo à autonomia do trabalho do leitor/pesquisador, que tem acesso direto às coleções; (iv) monitoramento e novação constante das coleções; e (v) realização, em conjunto com o Centre Pompidou, de diversas atividades culturais paralelas, como exposições, conferências, debates, exibições de filmes etc.
Se não bastasse isso, a Bibliothèque publique d’information é bastante central (fica entre as estações de metrô Rambuteau e Hôtel de Ville), nas beiradas do maravilhoso bairro do Marais (quer região melhor?), ficando aberta, o que é raro na Europa, até às 22 horas, todos os dias, com exceção da terça-feira. De um bom livro a um excelente vinho é menos de uma “página”.
Pessoalmente, no meu período de estudante em Paris, no já distante ano de 2006, frequentei quase todos os dias à Bpi. E, às vezes, recordo-me desse período - e de Paris - com imensa saudade. Ainda bem que, já dizia o nosso Peninha, ter saudade “é melhor do que caminhar vazio”.
Procurador Regional da República
Grandes bibliotecas - que, invariavelmente, são também ótimos museus - já foram tema de nossas conversas neste espaço.
Recordo-me, por exemplo, já ter escrito aqui, não faz muito tempo, sobre a British Library (www.bl.uk), que habita um gigantesco prédio (o número 96 da Euston Road), inaugurado em 1988, em Londres, capital do Reino Unido. Enfatizei o seu acervo assustador: mais de 150 milhões de itens, em quase toda língua imaginável, incluindo livros, manuscritos, mapas, jornais, revistas, desenhos, arquivos de música, selos etc. Tratando ainda da Terra da Rainha, também escrevi sobre Bodleian Library (www.bodleian.ox.ac.uk/bodley), a biblioteca da Universidade de Oxford, que é um dos depósitos legais de livros para o Reino Unido e a República da Irlanda. Referi-me à beleza dessa biblioteca, (re)fundada em 1602 por Sir Thomas Bodley (1545-1613), tida como “a árvore do conhecimento em meio ao paraíso das musas”. E já tratando do Novo Mundo, mais precisamente dos Estados Unidos da América, escrevi sobre Biblioteca Pública da Cidade de Boston (www.bpl.org), que se afirma a primeira biblioteca pública municipal daquele imenso país. Verdade ou não, de minha parte atestei ser o prédio central da Biblioteca de Boston belíssimo. De acesso completamente livre, recomendo enormemente a visita, seja você estudante ou mero turista de ocasião.
Aliás, sempre defendi que as grandes bibliotecas merecem ser visitadas pelo turista amante de livros (além de frequentadas, evidentemente, pelo pesquisador, professor, estudante etc.). Mesmo que não seja o caso de xeretar o acervo da biblioteca de um modo sistemático e com um propósito específico, vale a pena dar uma olhadela nas suas obras mais raras ou nas exposições, permanentes ou temporárias, dedicadas aos mais variados temas, que elas sempre disponibilizam para o público em geral.
E já que, recentemente, escrevi três artigos sobre as livrarias de Paris, vou aproveitar a toada para dar duas dicas de bibliotecas para se visitar na capital francesa.
A primeira delas é a Bibliothèque nationale de France - BnF (www.bnf.fr). Na verdade, a BnF possui mais de uma sede, sendo que conheço, recomendando assim a visita, duas delas: a Biblioteca (edifício) Richelieu e a Biblioteca (edifício) François-Mitterrand, esta última, hoje, a mais importante.
A sede Richelieu, bastante central, fica no número 5 da Rue Vivienne (se for de metrô, recomenda-se descer em uma dessas três estações: Bourse, Palais-Royal ou Pyramides). Outrora palácio do Cardeal Mazarin (1602-1661), o prédio, que passa atualmente por meticulosa restauração, é belíssimo, sobretudo a “Salle Ovale” de leitura. Funcionando como excelente museu, abriga boa parte dos tesouros da BnF, sendo considerada ainda como o seu “berço histórico”. Está aberta ao publico, havendo até, para quem interessar, a possibilidade de se fazer uma visita guiada.
Hoje, entretanto, a principal sede da Bibliothèque nationale de France é a (Biblioteca) François-Mitterrand, inaugurada em 1996, que fica no Quai François-Mauriac, já bem mais afastada do centro histórico de Paris (estação de metrô Quai de la gare; se preferir o RER, outro tipo de trem metropolitano, descer na estação Bibliothèque François-Mitterrand). Essa localização, aliás, é o seu (talvez) único defeito. A Biblioteca François-Mitterrand é gigantesca, em termos de estrutura e acervo, no estilo da já mencionada British Library. Além da “biblioteca de pesquisa”, reservada àqueles previamente credenciados, o bom é que ela possui uma “biblioteca de estudo”, de acesso geral, bastando o visitante ser maior de 16 anos. Nos múltiplos ambientes, você terá acesso a coleções dos mais variados ramos do conhecimento, em forma de livros, periódicos, jornais, meios audiovisuais ou eletrônicos. Pelo que me recordo, paga-se um valor simbólico, de entrada, mas isso é o de menos. Vale a pena ler por lá, eu garanto.
A segunda biblioteca que recomendo em Paris, por sinal a minha preferida, é a Bibliothèque publique d’information - Bpi (www.bpi.fr). Ela fica no Centre Georges-Pompidou, o controverso edifício “às avessas”, com elevadores, escadas e tubulações tudo à mostra, que também abriga o Musée National d’Art Moderne francês. A proposta da Bpi é sensacional: (i) acesso livre, gratuito, com espaços de leitura e de trabalho abertos a todos; (ii) coleções variadas em todos os tipos de mídias (livros, periódicos, jornais, filmes, mídias eletrônicas etc.); (iii) incentivo à autonomia do trabalho do leitor/pesquisador, que tem acesso direto às coleções; (iv) monitoramento e novação constante das coleções; e (v) realização, em conjunto com o Centre Pompidou, de diversas atividades culturais paralelas, como exposições, conferências, debates, exibições de filmes etc.
Se não bastasse isso, a Bibliothèque publique d’information é bastante central (fica entre as estações de metrô Rambuteau e Hôtel de Ville), nas beiradas do maravilhoso bairro do Marais (quer região melhor?), ficando aberta, o que é raro na Europa, até às 22 horas, todos os dias, com exceção da terça-feira. De um bom livro a um excelente vinho é menos de uma “página”.
Pessoalmente, no meu período de estudante em Paris, no já distante ano de 2006, frequentei quase todos os dias à Bpi. E, às vezes, recordo-me desse período - e de Paris - com imensa saudade. Ainda bem que, já dizia o nosso Peninha, ter saudade “é melhor do que caminhar vazio”.