E V A P E R Ó N, O M I T
O
Por: Gileno Guanabara, sócio efetivo do IHGRN
Estudos específicos não contemplaram preocupações
para com Peron e Evita até o fim da primeira metade do século passado. O
período peronista só se tornou objeto de especulações acadêmicas depois da
volta do exílio daquele que foi chefe político pela terceira vez, nos anos
setenta. Até então, as publicações em inglês coincidiam na interpretação de um
Peron, militar sem escrúpulos, que empalmara o poder político, ludibriara a
classe operária e, com ajuda de Evita, criara um movimento, cópia malsinada do nazi
fascismo, ascendente na Europa. Esse conceito perdura até hoje em setores da
imprensa americana. Diferentemente foi a compreensão dos ensaios biográficos escritos
em espanhol, preocupados em explicar o fenômeno a que atribuíam o caráter de um
fascismo local. A esse tempo, quase nada se tinha a dizer de Evita, à exceção
de George Blankstein (La Argentina de
Peron) e Robert Alexander (La época
de Peron).
As preocupações com Evita despontaram
na obra Eva Perón ¿ aventureira o
militante ?, de Juan Sebreli (1966), e em La vida de Eva Perón I. Testimonios para su historia (Otelo Borroni e
Roberto Vacca (1970). Naquele primeiro trabalho, o autor - misto de marxista e sartreano – ao se dedicar
a Simone de Beauvoir teve o propósito de explicar quem tinha sido Evita e o seu
significado para a História da Argentina, renegando tanto o epíteto de
aventureira, como o de rebelde e feminista.
Sabreli, ao estudar o feminismo na
Argentina, buscava a compreensão que do movimento tinha Simone de Beauvoir que ainda
não se definira como feminista, nos idos de 1970. Em verdade, nas décadas de
1930/40, já havia um movimento de mulheres que lutava pelo voto feminino na
Argentina. Evita se acostou aos grupos militantes da causa, haja vista que se
admitiu, no governo do General Edelmiro J. Farrell, a possibilidade de se
legalizar o voto feminino. No entanto, as próprias feministas se posicionaram
contra, Perón se manifestou a favor, enquanto Evita, em inexplicável omissão,
como depois confirmou em sua autobiografia - La razón de mi vida -, se manifestara contrariamente, atribuindo que
mujeres cuya primera vocación debió ser
indudablemente la de hombres ... Pareciam estar dominadas por el despecho de no
haber nascido hombres, más que por el orgullo de ser mujeres.
Com o tempo o autor aprimorou sua
opinião sobre o mito Evita e seu marido, o coronel Perón. Na obra Los deseos imaginários del peronismo, Sabreli,
se já não a reconhecia como rebelde pelo ataque que ela disparou às
feministas, bem assim convenceu-se de que o peronismo era uma faceta cabocla do
fascismo, e distinguiu: Evita es más
identificable com el fascismo em tanto que Perón lo es más com el bonapartismo.
Em La vida de Eva Perón, Borroni y Vacca, com objetivo mais modesto,
se propunham revelar la verdade sobre
Evita. Para isso, se informaram através de entrevistas e estabeleceram
cronologias, ouvindo pessoas que a conheceram ainda criança, quando atriz,
dirigentes operários e da época de sua militância política.
Essas obras contribuíram muito para
mudar a visão até então predominante nos estudos publicados na Argentina sobre
Evita, concebidos outrora para denegri-la ou engrandecê-la com paixão. Estando Perón
na chefia do governo, através da cooptação da imprensa, pouco permitiu conhecer
os fatos e o contraditório, de revelar a história verdadeira. Pelo contrário,
dava-se começo ao mito, coincidentemente ao conteúdo da autobiografia La razón de mi vida, em se tratando da esposa, amante, abnegada e
pura mãe, cujo sacrifício desmedido
fez pelos filhos, pelos mais velhos, pelos descamisados e pelos mais pobres,
como ao final se apresentou. Por conta disso, atraiu os inimigos de Perón, da
revolução que propôs e da luta em favor dos desvalidos. Em compensação, tornara-se
a hermosa; La Dama de la Esperanza; La
Abaderada de los Descamisados; El Puente de Amor; La Jefa Espiritual de la
Nación, dentre outros designativos.
Diferentemente ao que se publicara
até os anos de 1950, Américo Ghioldi, socialista, exilado no Uruguai, publicou El mito de Eva Duarte (1952). Pelas
conclusões que apresenta, Evita era a única
novidad del totalitarismo argentino em comparación con otros totalitarismos
contemporâneos. Acusa-a de ser a nova
Encarnación Ezcurra de Rosas, com lugar na história da tirania americana.
Para Ghioldi, Evita era uma mestra em conhecer a psicologia dos homens, dissimulada,
nada culta: ... Ella no era de impulsos
nobles, pero el Estado la hizo peor.
Com Perón apeado do poder e sua ida
para o exílio, multiplicaram-se as publicações reveladoras dos males do
peronismo, escritas por políticos, jornalistas ou estudiosos, que lhe faziam
oposição. Deu-se início à desperonização da Argentina, com a derrubada de
estátuas, queima de livros e fotografias, a ponto de um decreto de março de
1956 impor pena de multa a quem portasse publicamente objetos peronistas, como
fotos de Evita e de Perón, distintivos, dentre outras manifestações.
A revanche contra Perón alcançou Evita,
através de fatos pitorescos revelados, das anedotas e rumores que circulavam
nos meios políticos e militares. Repetiam-se de forma desairosa na imprensa fatos
de sua vida pessoal, sua falta de educação, sua vida de atriz medíocre, seus
supostos amantes, o imbróglio da comitiva e de sua viagem à Europa, afinal, a
doença e sua morte: uma partiquina,
incapaz de hablar sin errores, uma mejerzuela trepadora que habia conocido
muchos hombres a los que habia usado com êxito para ascender em su carrera, dizia-se
impiedosamente.
Pode-se assemelhar o fenômeno de
popularidade de Evita ao de Lady Di, suas vidas glamorosas. Suas mortes
corresponderam à explosão de encantamento popular, com igual força a de outras
damas que viveram a qualquer tempo. No caso de Evita, um exemplo indiscutible de como uma persona
puede transformarse em mito, y también um ejemplo del poder que há tenido y
sigue teniendo su mitologia (marysa Navarro). A morte da princesa de Gales não ofuscou a vida da primeira mulher
sul-latino-americana a abrilhantar a capa da Revista Time, em julho de 1947. Não
chores por Ela, Argentina.