23/09/2014

Uma pescaria no Potengi

Elísio Augusto de Medeiros e Silva

Empresário, escritor e membro da AEILIJ
elisio@mercomix.com.br



Chegamos a Ribeira pouco mais de quatro horas da manhã. As margens do Potengi – no cais Tavares de Lira – vimos diversas luzes que brilhavam sobre a água do rio e moviam-se em silêncio. Eram os candeeiros e lamparinas dos botes e canoas de pescadores que cruzavam o rio, com ajuda da luz da lua cheia, que se derramava sobre o Potengi.
As cores da água se alteravam constantemente, talvez, em função das correntes do rio, que se movia lentamente em sua longa calha até o mar, onde se dissolvia na água salgada.
De onde estávamos, vimos alguns hidroaviões da Condor, que flutuavam no rio largo. Mais a direita, alguns vapores da Lloyd Brasileiro, ancorados, à espera de mercadorias a serem embarcadas.
Dentro de uma daquelas toscas embarcações de pesca um homem rema, enquanto outro permanece de pé, segurando uma rede de pesca com as mãos. A canoa segue a favor da correnteza do rio – ao contrário, exigiria muito esforço. São homens fortes, ágeis, de pele bronzeada pelas suas atividades diárias.
Os peixes, atraídos pela luz das lamparinas, aproximam-se dos barcos e botes. Vez ou outra, a água era irrompida por algum peixe que saltava. Em movimentos rápidos e precisos, os pescadores jogam suas redes nas águas, tentando capturar os peixes que se aproximam sem cautela. De onde estávamos o som das redes rompendo as águas é quase imperceptível. A alvorada aproxima-se e os homens têm pressa.
De repente, algo espadana próximo à canoa de um deles, Simão, um velho pescador de Maracajaú. Atento, ele olha fixamente na direção. Em silêncio, faz um sinal para seu companheiro, que, imediatamente, rema para o local indicado. Simão está atento, tenso.
O barulho do remo cortando a água é o único som audível que chega até nós. Vez ou outra, um peixe salta sobre a superfície da água, em frente à canoa. Aos poucos se aproximam do local.
O velho pescador lança o olhar experiente ao redor da pequena embarcação, procurando algo que denuncie a presença de algum cardume. Em silêncio, inclina-se sobre a água, à procura de algum sinal revelador.
Percebe uma pequena ondulação na superfície, e uma mancha brilhante logo abaixo. Está no meio do rio, mais ou menos na confrontação do Cemitério dos Ingleses. Não tira os olhos do local.
A luz do sol começa a aparecer no horizonte – o dia está clareando. A rede é lançada com maestria, e logo dezenas de peixes se debatem em seu interior.
Agachados na beira da canoa, ele e o parceiro somam suas forças para arrastarem a rede, recolherem o fruto de seu trabalho. Os seus rostos estão crispados e vermelhos, por conta do esforço da árdua tarefa.
Pouco depois, os peixes agitam-se sobre o fundo da embarcação – uma quantidade razoável de pescado. Após acomodarem a rede de pesca num cantinho da canoa, tomam o rumo do Canto do Mangue. É hora de voltar – o sol já emite seus raios fortes sobre as águas do rio, em constante movimento.


20/09/2014

JF

 Manoel Jerônimo Caminha Raposo da Câmara


João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN, membro do IHGRN e do INRG

De posse de algumas informações do inventário de Manoel Jerônimo Caminha Raposo da Câmara, podemos recompor parte da sua ascendência e descendência. 
No dia 17 de março de 1884, José Irineu da Costa Pinheiro Filho compareceu à casa de residência do Juiz de Órfãos, Doutor Fábio Cabral de Almeida, como procurador de sua sogra, viúva Francisca Xavier Professora, de sua esposa, Maria dos Milagres Raposo da Câmara, e do seu cunhado, filho órfão de maior (20 anos), Domingos Maria Raposo da Câmara, para prestar juramento do inventário do seu sogro, Manoel Jerônimo Caminha Raposo da Câmara.
Os nomes que aparecem aqui mudam a cada registro. Por volta do ano de 1862, muitas pessoas acrescentaram, ao nome, a palavra Maria, inclusive o próprio Manoel Jerônimo, que faleceu em 27 de janeiro de 1878.
Manoel Jerônimo era filho de Francisco de Borja Soares Raposo da Câmara (falecido em 1857, com 64 anos) e Anna Francisca dos Milagres (neta do tenente Antonio Lopes Viegas). Casou, no ano de 1855, na Matriz de São José de Angicos, com Francisca Xavier Professora, filha de Miguel Francisco da Costa Machado e Anna Barbosa da Conceição, tendo como testemunhas José Teixeira de Souza e João Felippe da Trindade. Este último era meu bisavô e era casado com Francisca Ritta Xavier da Costa, irmã de Francisca Professora.
Nesse mesmo ano 1855 nascia a primeira filha do casal, Maria, que teve como padrinhos o avô paterno, Francisco de Borja e a avó materna Anna Barbosa; no ano de 1856, nascia Miguel, que teve como um dos padrinhos o avô materno Miguel Francisco da Costa Machado; em 1859, nasceu Francisco, que teve como padrinhos Cândido Soares Raposo da Câmara e Maria Florência Raposo da Câmara, solteira, ambos do Assú, mas esse filho  faleceu em  1861, de garrotilho, com 2 anos de  idade; João, outro filho,  nasceu em 1873 e teve como padrinhos José Gomes de Amorim e Dona Anna Maria da Conceição, viúva. Em 1862, faleceu outra Maria, com 1 ano de idade, de estupor. Deve ter nascida em 1861. Na época do inventário, só dois filhos restaram do casamento de Manoel Jerônimo com Francisca Professora.
A madrinha acima, Maria Florência, que era irmã de Manoel Jerônimo, casou, em 1867, com o viúvo Joaquim Varella Venâncio Borges; José Gomes de Amorim, também padrinho em um desses batismos, viúvo de Ana Clarinda Soares de Araújo, casou, em 1866, com Luisa de França Raposo da Câmara, filha de Manoel Felippe Raposo da Câmara (natural de São José) e de Henriqueta Leocádia Raposo da Câmara (irmã de Manoel Jerônimo). Anna Maria da Conceição, irmã de Francisca Professora e viúva, nessa época, do meu tio-bisavô Manoel Jacinto da Trindade, casou posteriormente com Manoel Olímpio Dantas Cavalcanti, filho de Michaela Cândida, outra irmã de Manoel Jerônimo.
Manoel de Borja Raposo da Câmara, irmão de Manoel Jerônimo, casou com Umbelina Maria do Espírito Santo, irmã de Francisca Professora.
José Irineu da Costa Pinheiro Jr., genro de Manoel Jerônimo, era filho de José Irineu da Costa Pinheiro e Dona Josefa Cândida de Azevedo. Sua irmã Maria Irineia foi casada com Emygdio Avelino e, portanto, era primo legítimo de Edinor Avelino.
Pelos editais de proclamas, encontro, no ano de 1891: quer casar civilmente o cidadão Domingos de Borja Raposo da Câmara, filho de Manoel Jerônimo Raposo da Câmara e Francisca Xavier Professora, solteiro, com Maria Segunda de Souza Monteiro, filha legítima de Antonio Monteiro de Souza (Jr.) e sua mulher Maria Jacintha da Trindade, solteira. Os contraentes são naturais e moradores nesta Freguesia de São José de Angicos. 
Maria Segunda era bisneta, pela parte paterna, de Mathildes Quitéria Xavier da Cruz e de Joaquina Maria de Santa Anna, ambas irmãs de Miguel Francisco da Costa Machado, pai de Francisca Xavier Professora. Pela parte materna era neta de Anna Francisca da Trindade, irmã de meu bisavô, João Felippe da Trindade.
Câmara Cascudo, no artigo sobre o advogado José de Borja, escreveu: Um irmão de José Borja era Manoel Jerônimo Raposo da Câmara, casado com d. Francisca Xavier, avós da professora Herondina Raposo da Câmara Caldas de inesquecível  dedicação educacional, casada que foi com Perceval de Faria Caldas. Na verdade, Herondina era filha de Domingos de Borja Raposo da Câmara e de Maria Segunda de Souza Monteiro, e seu marido era João Perceval de Faria Caldas. Um dos filhos desse casal é o escritor Fabiano Cristiano Raposo da Câmara de Faria Caldas.

19/09/2014



A economia no caminho do vinagre

Tomislav R. Femenick – Contador, mestre em economia.

 
            Recentemente fui convidado para almoçar na casa de um casal amigo.  Como manda a praxe, escolhi entre as minhas poucas garrafas de vinho aquela que seria a melhor opção para levar. Era o tipo certo de vinho, da marca certa, da safra certa. Era minha obrigação “fazer bonito” junto a pessoas que cultivam o prazer de uma boa mesa, com um bom vinho. Estava todo correto, até a hora de abrir a garrafa. A rolha tinha um defeito e o lacre não foi capaz de impedir a penetração do ar. Resultado: o vinho vinagrou; um vinho maravilhoso tinha se transformado em apenas um vinagre razoável.
            Esse fato corriqueiro e extremamente particular veio a minha mente quando comecei a analisar alguns dados da economia nacional, referentes a datas que correspondem aos meses recém-passados. A avaliação crítica desses elementos conduziu-me a conclusões que se chocam entre si. Há fatos bons e adequados, porém o viés, o comportamento dos índices no decorrer do tempo, apontam para um futuro se não aterrorizador, mas certamente preocupante.
            O país ainda tem um confortável estoque dólar e euro, as chamadas moedas fortes, que faz com que não exista problema de rolagem de dívida externa, e a inflação não atinge um patamar gritante; fonte das crises tradicionais que sofremos no passado. Todavia, nada garante que esse cenário se sustente por muito tempo. O que realmente preocupa é o “estado de espírito” que contamina o futuro da economia do país, isso em decorrência de fatos concretos.
A expectativa do PIB brasileiro para este ano decresce, em linha de queda sem interrupção, sempre abaixo de 1%. O emprego na indústria registrou um retrocesso de 0,7% em julho e no ano já acumula perda de 2,6%. As montadoras de veículos vêm reduzindo sua produção de maneira contínua. A Nissan suspendeu temporariamente o contrato de trabalho de 279 funcionários. Outras foram mais longe: a Peugeot-Citröen, suspendeu o contrato de 650 empregados e a General Motors de 930 da sua fábrica em São José dos Campos-SP. O setor de caminhões foi o que mais sofreu com as medidas idênticas em agosto, que atingiu as fábricas da MAN, Mercedes-Benz, Ford, Iveco e Volkswagen.
Na quarta-feira passada, o Ibovespa encerrou com queda de 0,81%, acumulando perdas de 5,97% nos últimos seis pregões e o dólar fechou em alta; em três dias a moeda norte-americana acumulou ganhos de 2,10% ante o real. Em agosto passado, a inadimplência do consumidor registrou uma variação de 17,2%, se comparada com o mesmo mês de 2013, e 2,5% acumulada no ano. Esse último fato indica um desaquecimento do modelo de incentivo ao consumo, adotado nos governos Lula e Dilma.
A Moody's, uma agencia de classificação de rating, revisou a perspectiva do Brasil de estável para negativa e para baixo a nota de crédito do BNDES, Caixa Econômica, Banco do Brasil, Bradesco, Itaú, Santander e HSBC. A causa dessa atitude da Moody's, entre outras, talvez tenha sido os abalos sentidos pelo chamado tripé macroeconômicos: a flutuação cambial, as taxas de juros e a meta anual de superávit “primário” (uma espécie de poupança para pagar os juros da dívida pública) que sofrem interferência conforme seja o interesse momentâneo; a nova matriz de flexibilização econômica do governo Dilma.
Todos esses acontecimentos incutiram nas pessoas, principalmente nos empresários, a incerteza do crescimento e, mais preocupante ainda, a certeza da estagnação econômica. E o estado de espírito é um componente determinante, essencial mesmo, para o desenvolvimento. Consequência: menos investimento, menos emprego, menos consumo.
E para terminar quase como começamos: em agosto, a produção nacional de cerveja registrou a segunda queda consecutiva, com recuo de 7,7%.
Tribuna do Norte. Natal, 14 set. 2014.

S.O.S.  CASA DO ESTUDANTE
Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes


A resenha do noticiário recente da mídia impressa e televisada trouxe-me profundas preocupações a propósito da situação pela qual está passando a Casa do Estudante.
Por variadas razões precisamos agir, em cruzada solidária entre a sociedade e os poderes públicos visando à solução de tão grave assunto.
A hora não é para avaliar os culpados, mas agir no caminho da recuperação física do prédio e manutenção dos nossos estudantes.
Como afirmei, existem muitas razões para nossas atenções – a uma, porque trata-se de um prédio histórico, que precisa ser preservado; a duas, porque ali passaram figuras que marcaram a história da luta pela liberdade e pela democracia; a três, em razão da importância dos que ali habitam, estudantes carentes, vindos do interior e que aqui estão buscando uma luz para seus caminhos e para os caminhos do nosso Estado.
Creio que temos várias formas de solucionar o problema. Inicialmente sensibilizando, por exemplo, o IPHAN e o IHGRN que são responsáveis pela preservação do patrimônio histórico; em seguida, a UFRN através dos seus cursos de Arquitetura e Engenharia, fazendo um levantamento para uma recuperação física do prédio, sem o que nada poderá ser feito, haja vista a necessidade imperiosa da preservação de um patrimônio tombado.
Não podem ficar fora dessa milícia de reconstrução órgãos de classe, como o CREA, o Conselho de Arquitetura, a Ordem dos Advogados do Brasil/RN e as instituições políticas em todos os graus, todos responsáveis, de alguma maneira, pela manutenção de uma qualidade de vida para os nossos estudantes.
Também, em outro plano, pode a sociedade civil organizada manter campanha para angariar mantimentos para os residentes e para isso gostaria de levar a idéia aos clubes de serviço como o Rotary e Lions.
Da minha parte, lanço a campanha e gostaria de receber sugestões da comunidade da rede social na internet e levarei este propósito à OAB, UFRN, Rotary e Lions e tentarei que comissões sejam criadas nesse direcionamento.
Este é um pequeno passo; outros serão dados com as sugestões dos internautas e cidadãos solidários.

18/09/2014

GG





E V A  P E R Ó N,  O  M I T O
Por: Gileno Guanabara, sócio efetivo do IHGRN
 
Estudos específicos não contemplaram preocupações para com Peron e Evita até o fim da primeira metade do século passado. O período peronista só se tornou objeto de especulações acadêmicas depois da volta do exílio daquele que foi chefe político pela terceira vez, nos anos setenta. Até então, as publicações em inglês coincidiam na interpretação de um Peron, militar sem escrúpulos, que empalmara o poder político, ludibriara a classe operária e, com ajuda de Evita, criara um movimento, cópia malsinada do nazi fascismo, ascendente na Europa. Esse conceito perdura até hoje em setores da imprensa americana. Diferentemente foi a compreensão dos ensaios biográficos escritos em espanhol, preocupados em explicar o fenômeno a que atribuíam o caráter de um fascismo local. A esse tempo, quase nada se tinha a dizer de Evita, à exceção de George Blankstein (La Argentina de Peron) e Robert Alexander (La época de Peron).
As preocupações com Evita despontaram na obra Eva Perón ¿ aventureira o militante ?, de Juan Sebreli (1966), e em La vida de Eva Perón I. Testimonios para su historia (Otelo Borroni e Roberto Vacca (1970). Naquele primeiro trabalho, o autor  - misto de marxista e sartreano – ao se dedicar a Simone de Beauvoir teve o propósito de explicar quem tinha sido Evita e o seu significado para a História da Argentina, renegando tanto o epíteto de aventureira, como o de rebelde e feminista.
Sabreli, ao estudar o feminismo na Argentina, buscava a compreensão que do movimento tinha Simone de Beauvoir que ainda não se definira como feminista, nos idos de 1970. Em verdade, nas décadas de 1930/40, já havia um movimento de mulheres que lutava pelo voto feminino na Argentina. Evita se acostou aos grupos militantes da causa, haja vista que se admitiu, no governo do General Edelmiro J. Farrell, a possibilidade de se legalizar o voto feminino. No entanto, as próprias feministas se posicionaram contra, Perón se manifestou a favor, enquanto Evita, em inexplicável omissão, como depois confirmou em sua autobiografia - La razón de mi vida -, se manifestara contrariamente, atribuindo que mujeres cuya primera vocación debió ser indudablemente la de hombres ... Pareciam estar dominadas por el despecho de no haber nascido hombres, más que por el orgullo de ser mujeres.
Com o tempo o autor aprimorou sua opinião sobre o mito Evita e seu marido, o coronel Perón. Na obra Los deseos imaginários del peronismo, Sabreli, se não a reconhecia como rebelde pelo ataque que ela disparou às feministas, bem assim convenceu-se de que o peronismo era uma faceta cabocla do fascismo, e distinguiu: Evita es más identificable com el fascismo em tanto que Perón lo es más com el bonapartismo.
Em La vida de Eva Perón, Borroni y Vacca, com objetivo mais modesto, se propunham revelar la verdade sobre Evita. Para isso, se informaram através de entrevistas e estabeleceram cronologias, ouvindo pessoas que a conheceram ainda criança, quando atriz, dirigentes operários e da época de sua militância política.
Essas obras contribuíram muito para mudar a visão até então predominante nos estudos publicados na Argentina sobre Evita, concebidos outrora para denegri-la ou engrandecê-la com paixão. Estando Perón na chefia do governo, através da cooptação da imprensa, pouco permitiu conhecer os fatos e o contraditório, de revelar a história verdadeira. Pelo contrário, dava-se começo ao mito, coincidentemente ao conteúdo da autobiografia La razón de mi vida, em se tratando da esposa, amante, abnegada e pura mãe, cujo sacrifício desmedido fez pelos filhos, pelos mais velhos, pelos descamisados e pelos mais pobres, como ao final se apresentou. Por conta disso, atraiu os inimigos de Perón, da revolução que propôs e da luta em favor dos desvalidos. Em compensação, tornara-se a hermosa; La Dama de la Esperanza; La Abaderada de los Descamisados; El Puente de Amor; La Jefa Espiritual de la Nación, dentre outros designativos.
Diferentemente ao que se publicara até os anos de 1950, Américo Ghioldi, socialista, exilado no Uruguai, publicou El mito de Eva Duarte (1952). Pelas conclusões que apresenta, Evita era a única novidad del totalitarismo argentino em comparación con otros totalitarismos contemporâneos. Acusa-a de ser a nova Encarnación Ezcurra de Rosas, com lugar na história da tirania americana. Para Ghioldi, Evita era uma mestra em conhecer a psicologia dos homens, dissimulada, nada culta: ... Ella no era de impulsos nobles, pero el Estado la hizo peor.
Com Perón apeado do poder e sua ida para o exílio, multiplicaram-se as publicações reveladoras dos males do peronismo, escritas por políticos, jornalistas ou estudiosos, que lhe faziam oposição. Deu-se início à desperonização da Argentina, com a derrubada de estátuas, queima de livros e fotografias, a ponto de um decreto de março de 1956 impor pena de multa a quem portasse publicamente objetos peronistas, como fotos de Evita e de Perón, distintivos, dentre outras manifestações.
A revanche contra Perón alcançou Evita, através de fatos pitorescos revelados, das anedotas e rumores que circulavam nos meios políticos e militares. Repetiam-se de forma desairosa na imprensa fatos de sua vida pessoal, sua falta de educação, sua vida de atriz medíocre, seus supostos amantes, o imbróglio da comitiva e de sua viagem à Europa, afinal, a doença e sua morte: uma partiquina, incapaz de hablar sin errores, uma mejerzuela trepadora que habia conocido muchos hombres a los que habia usado com êxito para ascender em su carrera, dizia-se impiedosamente.
Pode-se assemelhar o fenômeno de popularidade de Evita ao de Lady Di, suas vidas glamorosas. Suas mortes corresponderam à explosão de encantamento popular, com igual força a de outras damas que viveram a qualquer tempo. No caso de Evita, um exemplo indiscutible de como uma persona puede transformarse em mito, y también um ejemplo del poder que há tenido y sigue teniendo su mitologia (marysa Navarro). A morte da princesa de Gales não ofuscou a vida da primeira mulher sul-latino-americana a abrilhantar a capa da Revista Time, em julho de 1947. Não chores por Ela, Argentina.

17/09/2014


Uma pescaria no Potengi

Elísio Augusto de Medeiros e Silva


Empresário, escritor e membro da AEILIJ

elisio@mercomix.com.br

Chegamos a Ribeira pouco mais de quatro horas da manhã. As margens do Potengi – no cais Tavares de Lira – vimos diversas luzes que brilhavam sobre a água do rio e moviam-se em silêncio. Eram os candeeiros e lamparinas dos botes e canoas de pescadores que cruzavam o rio, com ajuda da luz da lua cheia, que se derramava sobre o Potengi.

As cores da água se alteravam constantemente, talvez, em função das correntes do rio, que se movia lentamente em sua longa calha até o mar, onde se dissolvia na água salgada.

De onde estávamos, vimos alguns hidroaviões da Condor, que flutuavam no rio largo. Mais a direita, alguns vapores da Lloyd Brasileiro, ancorados, à espera de mercadorias a serem embarcadas.

Dentro de uma daquelas toscas embarcações de pesca um homem rema, enquanto outro permanece de pé, segurando uma rede de pesca com as mãos. A canoa segue a favor da correnteza do rio – ao contrário, exigiria muito esforço. São homens fortes, ágeis, de pele bronzeada pelas suas atividades diárias.

Os peixes, atraídos pela luz das lamparinas, aproximam-se dos barcos e botes. Vez ou outra, a água era irrompida por algum peixe que saltava. Em movimentos rápidos e precisos, os pescadores jogam suas redes nas águas, tentando capturar os peixes que se aproximam sem cautela. De onde estávamos o som das redes rompendo as águas é quase imperceptível. A alvorada aproxima-se e os homens têm pressa.

De repente, algo espadana próximo à canoa de um deles, Simão, um velho pescador de Maracajaú. Atento, ele olha fixamente na direção. Em silêncio, faz um sinal para seu companheiro, que, imediatamente, rema para o local indicado. Simão está atento, tenso.

O barulho do remo cortando a água é o único som audível que chega até nós. Vez ou outra, um peixe salta sobre a superfície da água, em frente à canoa. Aos poucos se aproximam do local.

O velho pescador lança o olhar experiente ao redor da pequena embarcação, procurando algo que denuncie a presença de algum cardume. Em silêncio, inclina-se sobre a água, à procura de algum sinal revelador.

Percebe uma pequena ondulação na superfície, e uma mancha brilhante logo abaixo. Está no meio do rio, mais ou menos na confrontação do Cemitério dos Ingleses. Não tira os olhos do local.

A luz do sol começa a aparecer no horizonte – o dia está clareando. A rede é lançada com maestria, e logo dezenas de peixes se debatem em seu interior.

Agachados na beira da canoa, ele e o parceiro somam suas forças para arrastarem a rede, recolherem o fruto de seu trabalho. Os seus rostos estão crispados e vermelhos, por conta do esforço da árdua tarefa.

Pouco depois, os peixes agitam-se sobre o fundo da embarcação – uma quantidade razoável de pescado. Após acomodarem a rede de pesca num cantinho da canoa, tomam o rumo do Canto do Mangue. É hora de voltar – o sol já emite seus raios fortes sobre as águas do rio, em constante movimento.