19/09/2014


S.O.S.  CASA DO ESTUDANTE
Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes


A resenha do noticiário recente da mídia impressa e televisada trouxe-me profundas preocupações a propósito da situação pela qual está passando a Casa do Estudante.
Por variadas razões precisamos agir, em cruzada solidária entre a sociedade e os poderes públicos visando à solução de tão grave assunto.
A hora não é para avaliar os culpados, mas agir no caminho da recuperação física do prédio e manutenção dos nossos estudantes.
Como afirmei, existem muitas razões para nossas atenções – a uma, porque trata-se de um prédio histórico, que precisa ser preservado; a duas, porque ali passaram figuras que marcaram a história da luta pela liberdade e pela democracia; a três, em razão da importância dos que ali habitam, estudantes carentes, vindos do interior e que aqui estão buscando uma luz para seus caminhos e para os caminhos do nosso Estado.
Creio que temos várias formas de solucionar o problema. Inicialmente sensibilizando, por exemplo, o IPHAN e o IHGRN que são responsáveis pela preservação do patrimônio histórico; em seguida, a UFRN através dos seus cursos de Arquitetura e Engenharia, fazendo um levantamento para uma recuperação física do prédio, sem o que nada poderá ser feito, haja vista a necessidade imperiosa da preservação de um patrimônio tombado.
Não podem ficar fora dessa milícia de reconstrução órgãos de classe, como o CREA, o Conselho de Arquitetura, a Ordem dos Advogados do Brasil/RN e as instituições políticas em todos os graus, todos responsáveis, de alguma maneira, pela manutenção de uma qualidade de vida para os nossos estudantes.
Também, em outro plano, pode a sociedade civil organizada manter campanha para angariar mantimentos para os residentes e para isso gostaria de levar a idéia aos clubes de serviço como o Rotary e Lions.
Da minha parte, lanço a campanha e gostaria de receber sugestões da comunidade da rede social na internet e levarei este propósito à OAB, UFRN, Rotary e Lions e tentarei que comissões sejam criadas nesse direcionamento.
Este é um pequeno passo; outros serão dados com as sugestões dos internautas e cidadãos solidários.

18/09/2014

GG





E V A  P E R Ó N,  O  M I T O
Por: Gileno Guanabara, sócio efetivo do IHGRN
 
Estudos específicos não contemplaram preocupações para com Peron e Evita até o fim da primeira metade do século passado. O período peronista só se tornou objeto de especulações acadêmicas depois da volta do exílio daquele que foi chefe político pela terceira vez, nos anos setenta. Até então, as publicações em inglês coincidiam na interpretação de um Peron, militar sem escrúpulos, que empalmara o poder político, ludibriara a classe operária e, com ajuda de Evita, criara um movimento, cópia malsinada do nazi fascismo, ascendente na Europa. Esse conceito perdura até hoje em setores da imprensa americana. Diferentemente foi a compreensão dos ensaios biográficos escritos em espanhol, preocupados em explicar o fenômeno a que atribuíam o caráter de um fascismo local. A esse tempo, quase nada se tinha a dizer de Evita, à exceção de George Blankstein (La Argentina de Peron) e Robert Alexander (La época de Peron).
As preocupações com Evita despontaram na obra Eva Perón ¿ aventureira o militante ?, de Juan Sebreli (1966), e em La vida de Eva Perón I. Testimonios para su historia (Otelo Borroni e Roberto Vacca (1970). Naquele primeiro trabalho, o autor  - misto de marxista e sartreano – ao se dedicar a Simone de Beauvoir teve o propósito de explicar quem tinha sido Evita e o seu significado para a História da Argentina, renegando tanto o epíteto de aventureira, como o de rebelde e feminista.
Sabreli, ao estudar o feminismo na Argentina, buscava a compreensão que do movimento tinha Simone de Beauvoir que ainda não se definira como feminista, nos idos de 1970. Em verdade, nas décadas de 1930/40, já havia um movimento de mulheres que lutava pelo voto feminino na Argentina. Evita se acostou aos grupos militantes da causa, haja vista que se admitiu, no governo do General Edelmiro J. Farrell, a possibilidade de se legalizar o voto feminino. No entanto, as próprias feministas se posicionaram contra, Perón se manifestou a favor, enquanto Evita, em inexplicável omissão, como depois confirmou em sua autobiografia - La razón de mi vida -, se manifestara contrariamente, atribuindo que mujeres cuya primera vocación debió ser indudablemente la de hombres ... Pareciam estar dominadas por el despecho de no haber nascido hombres, más que por el orgullo de ser mujeres.
Com o tempo o autor aprimorou sua opinião sobre o mito Evita e seu marido, o coronel Perón. Na obra Los deseos imaginários del peronismo, Sabreli, se não a reconhecia como rebelde pelo ataque que ela disparou às feministas, bem assim convenceu-se de que o peronismo era uma faceta cabocla do fascismo, e distinguiu: Evita es más identificable com el fascismo em tanto que Perón lo es más com el bonapartismo.
Em La vida de Eva Perón, Borroni y Vacca, com objetivo mais modesto, se propunham revelar la verdade sobre Evita. Para isso, se informaram através de entrevistas e estabeleceram cronologias, ouvindo pessoas que a conheceram ainda criança, quando atriz, dirigentes operários e da época de sua militância política.
Essas obras contribuíram muito para mudar a visão até então predominante nos estudos publicados na Argentina sobre Evita, concebidos outrora para denegri-la ou engrandecê-la com paixão. Estando Perón na chefia do governo, através da cooptação da imprensa, pouco permitiu conhecer os fatos e o contraditório, de revelar a história verdadeira. Pelo contrário, dava-se começo ao mito, coincidentemente ao conteúdo da autobiografia La razón de mi vida, em se tratando da esposa, amante, abnegada e pura mãe, cujo sacrifício desmedido fez pelos filhos, pelos mais velhos, pelos descamisados e pelos mais pobres, como ao final se apresentou. Por conta disso, atraiu os inimigos de Perón, da revolução que propôs e da luta em favor dos desvalidos. Em compensação, tornara-se a hermosa; La Dama de la Esperanza; La Abaderada de los Descamisados; El Puente de Amor; La Jefa Espiritual de la Nación, dentre outros designativos.
Diferentemente ao que se publicara até os anos de 1950, Américo Ghioldi, socialista, exilado no Uruguai, publicou El mito de Eva Duarte (1952). Pelas conclusões que apresenta, Evita era a única novidad del totalitarismo argentino em comparación con otros totalitarismos contemporâneos. Acusa-a de ser a nova Encarnación Ezcurra de Rosas, com lugar na história da tirania americana. Para Ghioldi, Evita era uma mestra em conhecer a psicologia dos homens, dissimulada, nada culta: ... Ella no era de impulsos nobles, pero el Estado la hizo peor.
Com Perón apeado do poder e sua ida para o exílio, multiplicaram-se as publicações reveladoras dos males do peronismo, escritas por políticos, jornalistas ou estudiosos, que lhe faziam oposição. Deu-se início à desperonização da Argentina, com a derrubada de estátuas, queima de livros e fotografias, a ponto de um decreto de março de 1956 impor pena de multa a quem portasse publicamente objetos peronistas, como fotos de Evita e de Perón, distintivos, dentre outras manifestações.
A revanche contra Perón alcançou Evita, através de fatos pitorescos revelados, das anedotas e rumores que circulavam nos meios políticos e militares. Repetiam-se de forma desairosa na imprensa fatos de sua vida pessoal, sua falta de educação, sua vida de atriz medíocre, seus supostos amantes, o imbróglio da comitiva e de sua viagem à Europa, afinal, a doença e sua morte: uma partiquina, incapaz de hablar sin errores, uma mejerzuela trepadora que habia conocido muchos hombres a los que habia usado com êxito para ascender em su carrera, dizia-se impiedosamente.
Pode-se assemelhar o fenômeno de popularidade de Evita ao de Lady Di, suas vidas glamorosas. Suas mortes corresponderam à explosão de encantamento popular, com igual força a de outras damas que viveram a qualquer tempo. No caso de Evita, um exemplo indiscutible de como uma persona puede transformarse em mito, y también um ejemplo del poder que há tenido y sigue teniendo su mitologia (marysa Navarro). A morte da princesa de Gales não ofuscou a vida da primeira mulher sul-latino-americana a abrilhantar a capa da Revista Time, em julho de 1947. Não chores por Ela, Argentina.

17/09/2014


Uma pescaria no Potengi

Elísio Augusto de Medeiros e Silva


Empresário, escritor e membro da AEILIJ

elisio@mercomix.com.br

Chegamos a Ribeira pouco mais de quatro horas da manhã. As margens do Potengi – no cais Tavares de Lira – vimos diversas luzes que brilhavam sobre a água do rio e moviam-se em silêncio. Eram os candeeiros e lamparinas dos botes e canoas de pescadores que cruzavam o rio, com ajuda da luz da lua cheia, que se derramava sobre o Potengi.

As cores da água se alteravam constantemente, talvez, em função das correntes do rio, que se movia lentamente em sua longa calha até o mar, onde se dissolvia na água salgada.

De onde estávamos, vimos alguns hidroaviões da Condor, que flutuavam no rio largo. Mais a direita, alguns vapores da Lloyd Brasileiro, ancorados, à espera de mercadorias a serem embarcadas.

Dentro de uma daquelas toscas embarcações de pesca um homem rema, enquanto outro permanece de pé, segurando uma rede de pesca com as mãos. A canoa segue a favor da correnteza do rio – ao contrário, exigiria muito esforço. São homens fortes, ágeis, de pele bronzeada pelas suas atividades diárias.

Os peixes, atraídos pela luz das lamparinas, aproximam-se dos barcos e botes. Vez ou outra, a água era irrompida por algum peixe que saltava. Em movimentos rápidos e precisos, os pescadores jogam suas redes nas águas, tentando capturar os peixes que se aproximam sem cautela. De onde estávamos o som das redes rompendo as águas é quase imperceptível. A alvorada aproxima-se e os homens têm pressa.

De repente, algo espadana próximo à canoa de um deles, Simão, um velho pescador de Maracajaú. Atento, ele olha fixamente na direção. Em silêncio, faz um sinal para seu companheiro, que, imediatamente, rema para o local indicado. Simão está atento, tenso.

O barulho do remo cortando a água é o único som audível que chega até nós. Vez ou outra, um peixe salta sobre a superfície da água, em frente à canoa. Aos poucos se aproximam do local.

O velho pescador lança o olhar experiente ao redor da pequena embarcação, procurando algo que denuncie a presença de algum cardume. Em silêncio, inclina-se sobre a água, à procura de algum sinal revelador.

Percebe uma pequena ondulação na superfície, e uma mancha brilhante logo abaixo. Está no meio do rio, mais ou menos na confrontação do Cemitério dos Ingleses. Não tira os olhos do local.

A luz do sol começa a aparecer no horizonte – o dia está clareando. A rede é lançada com maestria, e logo dezenas de peixes se debatem em seu interior.

Agachados na beira da canoa, ele e o parceiro somam suas forças para arrastarem a rede, recolherem o fruto de seu trabalho. Os seus rostos estão crispados e vermelhos, por conta do esforço da árdua tarefa.

Pouco depois, os peixes agitam-se sobre o fundo da embarcação – uma quantidade razoável de pescado. Após acomodarem a rede de pesca num cantinho da canoa, tomam o rumo do Canto do Mangue. É hora de voltar – o sol já emite seus raios fortes sobre as águas do rio, em constante movimento.

 

16/09/2014


ODÚLIO BOTELHO

Jurandyr Navarro*
Do Conselho Estadual de Cultura

O espírito humano tem a capacidade de receber o ensinamento dos bons hábitos sociais e o dever de transmití-los às gerações subsequentes. A cada pessoa é-lhe atribuída uma parcela desse caráter civilizatório. Ela não se exibe tal uma bolha, que se desfaz, e sim, uma proposta de vida. Urge, portanto, conduzir esse facho iluminativo que não se apaga diante o vendaval da existência, havendo, naturalmente, coerência de atitudes marcantes.
Na ótica agostiniana, segundo Bertrand Russell, há de se considerar a passagem do tempo em três fases distintas, ou, simplesmente, três tempos: um presente das coisas passadas, que é a memória; um outro, presente das coisas presentes, que é a vista, e um presente das coisas futuras, ou seja, a espera.
O aprendizado da cultura humanística, ciêntífica ou profissional obedece a esse padrão evolutivo temporal.
O jurista Odúlio Botelho, a exemplo de muitos, perfilou a sua vida transpondo etapas sucessivas de estudos continuados, da idade juvenil ate alcançar a Universidade, o estágio complementar da meta almejada.
A Advocacia, a sua escolha profissional: tempo presente da aplicação dos ensinamentos adquiridos. Nesse labor, ele firmou o nome no fórum criminal. O saber jurídico, aliado à capacidade oratória, resultou em quociente apreciavél de vitórias merecidas na tribuna de Tribunal do Júri. Inúmeras as causas ajuizadas e responsavelmente defendidas. O verbo eloquente proferiu inumeráveis réplicas e tréplicas!
O causídico de causas criminais difere do postulante da espera cível. Há, naturalmente, os atuantes em ambas, indistintamente. A diferença, é a inspiração oratória, entre eles, fator de importâcnia capital, no convencimento da causa, no embate das idéias, sob o impacto da emoção psicológica, influenciadora da alma humana.
Durante a sua lida forense, Odúlio Botelho assumiu a responsabilidade como patrono e advogado, designações sinônimas. Tais encargos são mais usuais em ações criminais, pricipalmente nos duelos do Tribunal do Júri. Hoje, os termos se equivalem, entendido que é o advogado o patrono da causa.
O mesmo não ocorria no passado, mormente na Roma dos tempos de Cícero e de Múcio Cévola, famosos tribunos de lides forenses. Nessa época, ja distante, o defensor de algum réu, caso fosse orador, seria o patrono da causa. Se, apenas deslindasse controvérsias jurídicas, questões de direito, seria advogado.
Dai, constatar-se a importância dos juristas dotados de aptidão e dons de retórica, os mais adaptáveis aos debates da tribuna do Júri Popular.
E Odúlio Botelho foi um deles, na sequência da memória histórica.
Não há negar, o púlpito judiciário, através a magia da palavra, tem, ao longo do tempo, encantado e seduzido platéias e auditórios, os mais exigentes e qualificados.
Na opinião do grande orador, advogado e político, Cícero, a eloquencia judiciária é a prova mais alta nos julgamentos, destacando a “Oração da Coroa”, proferida por Demóstene, em defesa de Citesifonte, no debate oratório com o tribuno Ésquines.
No “tempo presente das coisas passadas”, João Medeiros Filho, Vicente de Souza, Wilson Dantas, Túlio Fernandes, Varela Barca, Cortêz Pereira, Arnaldo França, Caio Graco, Hercílio Sobral Chrispim, Claudionor de Andrade, Geraldo Pereira de Paula, Enock Garcia, Ítalo Pinheiro, Herbet Spencer, entre outros, receberam a devida inspiração tribunícia, o mesmo sucedendo com Odúlio Botelho, mais jovem, a imitá-los no mister de ser defensor de causa legítima dos submetidos ao julgamento dos crimes de sangue, em tribunal composto por um Magistrado, um Promotor de Justiça, Advogados e sete Jurados.
Na Grécia, ja havia a “Casa da Câmara”, com seus Juízes. No Areópago, o primeiro Tribunal de Atenas, já existia a figura do acusador.
Por ese período histórico, a lei era subordinada à religião. No rochedo das Termópilas estava gravado: “Viandante, vai dizer a Esparta que morrermos aqui em obediência às suas Leis”. Sócrates se imolou, seguindo os seus preceitos. Eram elas imutáveis, não como hoje, derrogadas ou revogadas. Imutáveis, por serem consideradas divinas.
Eram, portanto, sagradas.
Quando da sua criação, pelo governante, e sufragada em comício popular, a lei só era válida após ser sancionada pela religião. Proclamam autores antigos que ela foi sempre considerada santa.
Nos dias da realeza romana, era, a lei, a rainha dos reis; nos dias da república fôra a rainha do povo.
Odúlio Botelho teve postura de retidão ética e profissional. Nas ações penais a sua presença foi exitosa em todos os sentidos, no fiel cumprimento dos mandatos a si confiados. Também o fez nas ações cíveis, tanto na argumentação escrita em audiência formais, nas razões e contra-razões proferidas, no juízo singular, ou, na sustentação oral diante do tribunal pleno.
Portou-se, igualmente, a colegas que envergaram e envergam a sagrada beca, pela causa da Justiça, como representantes da nobre classe dos Advogados. Classe das mais remotas, nascida na Roma Antiga, na fase política do seu Império, depois das fases do Reinado e da República, quando, nestas últimas, ainda não havia a figura do Advogado.
Na sua triunfante carreira jurídica, Odúlio Botelho foi prestigiado pelo destino, com duas distinções de relevo. Presidente da OAB/RN, tendo realizado aplaudido mandato, quando teve oportunidade de levantar a bandeira dos chamados Direitos Humanos individuais.
E Odúlio Botelho, dirigente da nobre classe, os prestigiou como espécie de consciência nacional.
À frente da Instituição ele deu continuidade aos postulados éticos e à consciência intelectual, entendo constituir uma abnegação das mais cultas. A Advocacia requer, portanto, um caráter superior dos seus representantes.
A outra distinção a ele conferida foi a de ter sido escolhido, mediante valor profissional e perfil humanístico, um dos sócios-fundadores da Academia de Letras Jurídicas do Rio Grande do Norte, dendo sido um dos seus Presidentes, em cujo mandato realizou importantes eventos e editou o primeiro número da Revista da Instituição, inugurando, assim, a publicação dos discursos de posse dos Acadêmicos e demais matérias de âmbito cultural.
Frize-se, também, a sua erudita oração, ao fazer o clássico Elogio do Patrono, da sua Cadeira nº 22, que, por coincidência, o seu companheiro de longas tertúlias advocatícias, no Tribunal do Júri em Natal, Patrono, João Medeiros Filho!
A outra face laboriosa do advogado Odúlio Botelho foi a sua participação administrativa em cenários governamentais: Municipal, Estadual e Federal.
Na Prefeitura Municipal do Natal, exerceu o relevante cargo, em comissão, de Chefe da Casa Civil. No Estado, no exercício do seu cargo efetivo de Procurador, chefiou várias de suas Procuradorias internas, e na Secretaria de Administração ocupou cargos de direção. No plano Federal, foi um dos Diretores do Tribunal do Trabalho, desta Capital, durante um decênio.
Dotado de alma sensível à poesia, em horas de lazer, gosta de declamar  sonetos, poemas e outras divagações literárias, fazendo jús ao seu ingresso, por merecimento, em diversas das nossas instituições culturais. Presentemente presta o seu contributo valioso, na Diretoria do Insituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.
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* Artigo publicado em O Jornal de Hoje, dos dias 13 e 14 de setembro/2014

15/09/2014

Morre o ex-Governador Iberê Ferreira de Souza. O Estado lamenta sua perda.
 

A+A-
Com a idade de 70 anos, o santa-cruzense IBERÊ FERREIRA DE SOUZA partiu do mundo dos mortais. O corpo do ex-governador foi velado em sua terra-mãe Santa Cruz e veio para Natal onde também foi velado e sepultado no Cemitério Morada da Paz, em Emaús, saindo da Escola de Governo, localizada no Centro Administrativo. A Governadora Rosalva Ciarlini decretou luto oficial por três dias e a missa em Natal foi celebrada por Dom Jaime Vieira, e o cortejo saiu às 16h em um carro do Corpo de Bombeiros Militar do Rio Grande do Norte. O Estado e os cidadãos potiguares lamentam a perda, haja vista que o falecido era um político ameno e de fino trato. Nossos sentimentos.

Francisca Teixeira de Carvalho e a busca de Arlan

Arlan Eloi Leite Silva
Historiador e Pesquisador em Genealogia
Servidor da UFRN

 
Sua curta existência promoveu uma tentativa de esquecimento de sua memória. Mas eu, seu descendente de quarta geração, trineto inquieto, promovo a contramão do processo de apagamento das lembranças dessa mãe, esposa e mulher que viveu no século XIX. E, na busca incansável de sua história, colhendo pequenos fragmentos de documentos ou da memória distante dos parentes ainda vivos, não deixo Francisca Teixeira de Carvalho morrer para sempre. Ela vive em minhas próprias memórias de maluco pela genealogia. 

Os Teixeira de Carvalho, família de origem portuguesa com a presença de judeus, foram numerosos no Brasil. Há registros deles no Rio de Janeiro e Minas Gerais, por exemplo. Em terras mineiras, houve até um nobre do Império, Antônio Teixeira de Carvalho, Barão de Rio Pomba, em Barbacena. Já no Nordeste, os Teixeira de Carvalho se estabeleceram na Paraíba, dentre outros lugares. A família da minha trisavó veio das terras paraibanas para o Rio Grande do Norte na primeira metade do século XIX. O patriarca Vicente Teixeira de Carvalho, sua esposa Luiza Laduvina de Carvalho e filhos compraram propriedades na Vila de Santana do Matos. 
Vicente Teixeira de Carvalho deixou um filho em Mangabeira, município de Macaíba, onde estabeleceu uma ponte comercial entre essa cidade e Santana do Matos no Rio Grande do Norte. De vez em quando esse meu ancestral, por meio de uma tropa de animais de carga, levava produtos agrícolas para serem comercializados em Macaíba. E de lá voltava com outros atrativos para serem vendidos no sertão. Desse modo, a família cresceu com a aquisição de terras, a criação de gado e a atividade agrícola.  Um dos primeiros casamentos que uniu a família Tomaz Cavalcanti, a qual também veio da Paraíba para o Rio Grande do Norte no mesmo período, com a família Teixeira de Carvalho, aconteceu em 1871. José Tomaz Cavalcanti, filho de Francisco Tomaz Cavalcanti e Donata Maria da Conceição, meus pentavôs, casou-se com Luiza Umbelina de Carvalho, filha de Vicente Teixeira de Carvalho e Luiza Laduvina de Carvalho. Nesse mesmo dia, foi batizado o sobrinho de José Cavalcanti, João Barbosa do Nascimento, o qual teve o tio como padrinho. João era filho de José Barbosa do Nascimento e Izabel Tomásia do Rosário, meus tetravôs.  A despeito de outros casamentos havidos entre essas duas famílias oriundas das terras paraibanas, se deu o matrimônio da jovem Francisca Teixeira de Carvalho com Manoel Barbosa do Nascimento, filho de José Barbosa e Izabel Tomásia. Justamente por ter uma memória fugidia em virtude de sua curta existência, os pais de minha trisavó até o momento não puderam ser apontados com exatidão. Ela seria neta ou filha de Vicente Teixeira de Carvalho? A dúvida ainda persiste. A ancestral nasceu por volta de 1870. Pois bem, Manoel Barbosa do Nascimento e Francisca Teixeira de Carvalho casaram-se, aproximadamente, em 1887.  Segundo o depoimento do próprio Manoel Barbosa, que foi um sujeito centenário, ele raptou a moça Francisca para casar-se. Ao se dirigir aos domínios da família Teixeira de Carvalho, Manoel foi acompanhado por um senhor idôneo, a fim de levar a jovem para a residência de uma família respeitada. O seu companheiro de aventura tentou desistir da missão. Porém, Barbosa o ameaçou caso quisesse voltar do caminho. O rapto deu certo. Manoel e Francisca se uniram em matrimônio e desfrutaram da construção de uma bela família, apesar de conviverem muito pouco pela tragédia que viria tempo depois.  A primeira filha nasceu, mais ou menos, em 1889 e foi batizada com o nome de Tereza, como homenagem a avó paterna de Manoel Barbosa. Depois minha trisavó concebeu Maria Francisca, esta é a minha bisavó, além de Luiz e Maria Donata. Esta última filha, que infelizmente só viveu seis anos, homenageava a avó materna do pai Manoel. Era uma tradição no século XIX os pais fazerem homenagem aos ancestrais repetindo os nomes deles nos filhos. E, na última gestação, Francisca Teixeira concebeu gêmeos, mas devido a complicações no parto faleceu abruptamente. Os bebês também faleceram. A tragédia marcou a família triplamente e contribuiu para esbranquiçar os traços indeléveis da memória daquela grande mulher. Francisca era muito jovem e sua trágica morte, no final do século XIX, me motivou a reerguer sua memória empoeirada e quase apagada pelo tempo. O óbito ocorreu por volta de 1895.  Manoel Barbosa casou-se novamente com Hermínia Batista e juntos tiveram outros filhos, que deixaram uma descendência numerosa. Os meus trisavôs Manoel e Francisca conceberam ao todo seis filhos, dos quais sobreviveram Tereza Teixeira de Carvalho, Maria Francisca de Carvalho e Luiz Barbosa de Carvalho. Esses três também deixaram uma frondosa descendência pelo Brasil. Tereza Teixeira (1889-1950) foi a que mais contou a história da sua mãe morta tragicamente de parto. Maria Francisca de Carvalho (1893-1979), minha saudosa bisavó, foi uma grande matriarca que gerou quinze filhos. E Luiz Barbosa de Carvalho é uma memória também fugidia. A última vez que o vi na documentação foi no batizado da sobrinha dele, Vitalina Teixeira de Carvalho (1910-1997), minha tia-avó, cuja cerimônia ocorreu em 21 de dezembro de 1910.
Francisca Teixeira de Carvalho (1870-1895), minha velha vovó inesquecível, enquanto eu viver, a senhora não morre entre nós!


14/09/2014

GG


 S A N T I A G O   D O   C H I L E
Por: GILENO GUANABARA, sócio efetivo do IHGRN

            Visitei Santiago. Na amanhecença do dia, através da imagem franqueada pelas asas do avião, vê-se a cordilheira majestosa em forma de geleira inconsútil e branca, precipícios eternizados no tempo, um véu de noiva alinhado até os pés, ou aclives íngremes dirigidos para o céu. A cidade saíra da noite e despertava do frio invernal que faz cobrir as ruas e jardins com o lençol de folhas secas e cinzas.

Revisitei o significado do nome Chili, que lhe deram os aborígenes. Ao ser repassado aos espanhóis, estes trocaram o “i” pelo “e”, passando-se a Chile. Diz-se que a origem, desde o antigo idioma quíchua, está na palavra Tchili, que significa o frio ou a neve. Outra explicação é a de bandos de pássaros que avoaçavam e trinavam a onomatopeia Chi-li...Chi-li... Era assim que as populações nativas denominavam o rio e o vale do Aconcágua. As terras eram chamadas Chili mapu, e o idioma falado era o Chili dugu (a língua de Chile).  No ano de 1535, o espanhol Almagro del Cuzco, durante seis meses, com centenas de infantes e índios, desceu ao Sul da Bolívia, tendo por guia Paullo Túpac. A Puna de Atacama, o frio perverso das montanhas, os dizimou e a expedição retornou.

Logo no primeiro dia, observei nas ruas e nas calçadas o burburinho de sua gente diferentemente composta e estratificada. Compreendi que Santiago estivera sempre prensada no quadrado entre corredores de cerros e montanhas que lhe ajustam as cordilheiras, uma delas a mais suntuosa. Do alto do seu cume desliza a caudal de água gélida que forma o Rio Mapucho, um canal vaginal que irriga a partir de seu ventre, com a força intermitente de sua correnteza, aparentemente inútil, garantia de vida de sua gente, descendo sempre impetuoso do Leste em direção ao Sul.

No Norte, um morro destacado do alto de sua imponência. Abrigou há centenas de anos o vulcão Polmo. Hoje, sonolento, abriga um bairro sofisticado, ao derredor do qual suas escarpas arborizadas logo acima ressaltam a geleira. São mansões em quarteirões de riscado rigoroso, com a tranquilidade de seus campos de golfe. Lá residem as famílias responsáveis pela exploração das minas de cobre, ao Norte do país, terras áridas e tórridas do deserto do Atacama. Conservam a herança cultural de irlandeses e ingleses, que se incorporaram à história mais recente da região. De outra parte, o extrato social dos que, por distinta personalidade, não se contaminam com os demais mortais: os descendentes indígenas. Nessa parte, a toponímia da cidade homenageia as batalhas e os heróis mortos, suas façanhas, dando-lhes nomes a ruas, distritos administrativos, estações do metrô, sítios e símbolos. Reverenciam a bravura de seus antepassados, que repetem de cor, guerreiros indômitos a quem devotam honrarias em praças e parques ecológicos.

Da miscigenação com espanhóis, ingleses, gregos e italianos, os chilenos incorporam deles um misto de cultura de refinamento que sobrevive, hábitos como o da pontualidade, o consumo do chá, o tráfego respeitoso ao pedestre; os jardins ao longo das ruas; a indumentária e a impetuosidade dos guerreiros indígenas, ao tempo da resistência aos invasores espanhóis; a persistência ao frio inclemente, que dizimou os colonizadores e seus cavalos durante a noite geladas; ou a habilidade das mulheres auracanas de produzir com a lã, nos teares rústicos, as piezas, mantas dos homens e os cinturones e cintas femininos, em finíssimo tecido e acabamento.

Hoje, rechaçam a presença incômoda dos vizinhos da cultura quíchua, peruanos e bolivianos, que emigram aos milhares em busca de melhores condições de vida. Em geral, um extremo de pouca escolaridade e especialização, facilmente identificados pela baixa compleição física, cabelos negros, olhos de amêndoa, reservando-lhes as tarefas de lupem urbano. Incorpora-se a discreta colônia dos descendentes de palestinos, um exército de menor qualificação profissional, não de menor importância no enduro social.

Ao caminhar pelas ruas de Santiago, trouxe-me a lembrança a sua história mais recente, a tragédia política transmitida pela emissora de Londres, em bom português sintonizado para o Brasil: a deposição e morte de Salvador Allende, o presidente. Caminhei com as minhas lembranças pelas calçadas da Praça que defronta o Palácio La Moneda; assisti ao hoje ritual da troca de sua gendarmaria, o poder militar que abafou os respiros democráticos do país. Ao lado do palácio, a fé e os mistérios da suntuosa catedral do Chile, os seus afrescos aplicados no teto da nave, os corredores sacros, as pias de água bendita, os confessionários outrora sede de recolhimento dos homens de preto, confidentes e resignatários de pecados confessos ou não, o som meditabundo que ecoa desde o piso secular ao vagão celestial dos seus mistérios.

A vida econômica do Chile gira em torno da rentabilidade econômica da exploração do minério, em especial, a de cobre, da produção pesqueira e da agro exportação de frutas do Sul. Destaca-se aí a cultura vinícola. Por fim, pela prestação de serviços, o turismo ocupa o posto destacado em lazer e negócio. Se na capital chilena a aptidão industrial passa longe, apesar do alto índice de poluição ambiental, o fluxo portuário de Valparaíso, ao Leste, comporta o vulto do empreendedorismo econômico, dirigido ao enclave econômico do Oceano Pacífico. Neste porto, no universo de ruas acidentadas e de casitas irmãs dependuradas na cordilheira do Bairro de La Sebastiana, Pablo Neruda organizou uma de suas moradas: Siento el cansancio de Santiago. Quiero hallar em Valparaíso uma casita para vivir y escribir tranquilo...No puede estar ni muy arriba ni muy abajo. Debe ser solitária, pero no incómoda...

As escolas de Santiago agasalham seus jovens. A Universidade de Chile e outras abrigam 95% aos que delas têm necessidade. São instituições públicas ou privadas. Ao aluno, ou a seus familiares, compete pactuar a reparação futura dos custos do período de aprendizado. Em Santiago o índice de analfabetos é ínfimo.

Certa noite, deitado, senti o abalo que me pareceu eterno enquanto durou. O sismo contaminou minhas referências: seja o que Deus quiser... Desprevenidos descemos todos à rua, à espera da normalidade. Santiago permaneceu impassível, pois não ocorrera um terremoto, apenas um aviso vindo das profundezas da cordilheira.