F R A G M E
N T O S D O T E A T
R O E M S Ã O P A U L O
Por: Gileno Guanaraba, sócio do IHGRN
A primeira notícia
fora a encenação da catequese pelos jesuítas. Nos alfarrábios do Instituto
Histórico de São Paulo, nos tempos coloniais do Conde de Sarzedas, o primeiro teatro localizado no largo do
Palácio, chamado Casa da Ópera. No
seu camarote nº 11, em noite de gala, o padre Ildefonso Xavier Ferreira
proclamou D. Pedro, rei do Brasil. Ali, o sábio francês Saint Hilaire assistiu
a encenação da comédia O Avarento. Os
atores eram mulatos; acadêmicos travestidos; e as atrizes, mulheres públicas. A plateia era dividida,
homens de um lado e mulheres do outro.
Depois o Teatro S. José, cuja construção data
do ano de 1852, só em 1864 foi inaugurado provisoriamente, com a encenação de
três peças: Tunica de Nessus, de
autoria do acadêmico Sizenando Nabuco (irmão do diplomata e escritor Joaquim
Nabuco); O Bobuletismo; e Por Direito de Conquista, encenadas por artistas
locais.
No ano de 1876, aquele espaço cultural
foi restaurado, retomando a sua importância para as artes cênicas. Com a sua
reinauguração, organizou-se uma companhia dramática, para trabalhar no Teatro
inteiramente reformado. Faziam parte empresários e os atores Joaquim Augusto;
Henrique Costa; João Eloy Quesado; Paulo Petit; e as atrizes Maria Velluti;
Júlia Carlota; Minervina Gonçalves; Maria Lima; Balbina Montani, dentre outros.
Nesse tempo, apresentou-se a Companhia Lírica Italiana, com a ópera Lúcia de Lamermoor (soprano Adelina
Cortesi; tenor Selmi; cantores Spallazi, Silvestroni e Frivero).
Em 1898, o São José foi alvo de um
incêndio e finalmente demolido em 1912. Três dias antes do sinistro e a dúvida
da última encenação: ou a peça Há
caça...e caça, direção de Moreira Sampaio, da Companhia do Teatro Apolo do Rio de Janeiro; ou a Morgadinha de Valflor, de Pinheiro
Chagas, pelo grupo de amadores Gil
Vicente.
O Teatro S. José acolheu artistas renomados, dentre eles o italiano Ernesto
Rossi, na época, um dos maiores interpretes de Shakespeare. Chegado pelo trem
do Norte, foi recebido na estação. De lá a multidão o acompanhou até o Grande
Hotel, de cuja sacada discursou em agradecimento aos que o aplaudiam.
Apresentou a tragédia Othelo. Seguiram-se
Romeu e Julieta, e Hamlet. Tomado de entusiasmo, um dos espectadores
não se conteve: O orador vale o ator.
Ambos são grandes. A influência de Rossi contaminou os acadêmicos que se sentiam os
próprios príncipes dinamarqueses, a repetirem,
de capa espanhola e bengala: Essere o non
essere. Eco il problema.
A boa lembrança de Ernesto Rossi perdurou, enquanto os espetáculos se
sucediam e remanesciam os seus efeitos. Quando da apresentação por artistas amadores
da peça Quem é o pai da Criança ?, a
dúvida suscitada diretamente à plateia, um excelentíssimo senhor doutor acadêmico
respondeu de bate pronto: Pois não sabe,
seu calouro ? O pai é você. Mas se não for você, é o Rossi”.
O ator Giovanni Emanuel, também interprete de Shakespeare, representou no
São José Othelo e Rei Lear. Nesta última, causou espécie a
cena em que o rei reclama a demora dos cavalos e lança a maldição sobre os
filhos que se esqueceram dele e lhes dirige a maldição dos netos.
Gloriosa foi
a passagem da musa francesa Sarah Bernhardt por São Paulo, em junho de 1886. A sua
estreia constou do drama Fedora de
Vitoria Sardou. Ao encerrar a sua apresentação, o público em delírio a conduziu
ao Grande Hotel, enquanto os acadêmicos estendiam as suas capas pretas, a fim
de a atriz não pisar no chão. De um espectador entusiasmado: Pensava que raios de inteligência fossem
figuras de retórica. Mas, não são. Eu vi tudo isso em Sarah Bernardt”.
O Teatro S. José abrigou personalidades da ópera lírica (Maria Durand;
Taragno; Batistini; Storti; Bulterini, Faletti, dentre outros). Ecoaram as apresentações
de Huguenotes; Dinorah; Fausto; Gioconda;
Carmem; Guarany; Salvador Rosa; Tosca e outras. Marcou época a apresentação do maestro Antônio Carlos
Gomes. Recebido com ovação, a multidão o conduziu até a Rua da Imperatriz (atual
Rua 15 de Novembro), onde se hospedou. Ao final da apresentação de O Guarani, foi saudado pelo bacharel Affonso
Celso Júnior: Maestro, o povo e a classe
acadêmica de São Paulo fizeram do seu entusiasmo uma escada para chegar até vós,
que sois a mais bela gloria nacional.
O Teatro S. José acolheu sessões cívicas, cujos oradores notabilizaram-se
nas letras e na política: Castro Alves, José Bonifácio, Assis Brasil, Affonso
Celso, Silva Jardim, Rui Barbosa, dentre outros tribunos. Das celebridades que
deixaram no livro de registro suas passagens pelo teatro, o autógrafo de Sarah
Bernardt: Messieurs. C’est avec une
profunde émotion que je responde à votre simpathie.....et votre pensée
rencontrera la mienne torjours émue et reconnaissante. Vive le Brésil.
No ano de 1873, inaugurou-se em São
Paulo o Teatro Provisório Paulistano, por
iniciativa de Horácio de Souza Muniz e Cia. A cerimônia de batismo constou de
discursos e foi apresentado o drama Helena,
pelo grupo dramático Seis de Janeiro.
Ganhando novas instalações, recebeu o nome de Teatro Sant-Anna e funcionou
até o ano de 1911, quando foi demolido e deu lugar ao Viaduto Boa Vista. Na inauguração do Paulistano foi apresentado
o drama A Calúnia, escrito pelo poeta Carlos Ferreira, antecedida pela recitação
do poema A Arte !, do mesmo autor, pela atriz Rosina Muniz. Durante a inauguração
foi encenado A República dos Pobres,
com participação do Coral Germano, cânticos
alemãs sob a direção do maestro Gabriel Girandon.
Ao mecenas e prefeito da cidade, Antônio
da Silva Prado, os paulistas devem muito pela existência do Teatro S. José, bem
como pela concepção do suntuoso Teatro Municipal de São Paulo, que o
substituiu, construído e mantido até os dias atuais com a mesma pompa arquitetônica
clássica, desde 1912. Naquele ano, foi reinaugurado em Natal o Teatro Carlos
Gomes, obra do arquiteto Herculano Ramos.