03/05/2014

ENCONTRO COM A POESIA: LUÍS VAZ DE CAMÕES - POR HORÁCIO PAIVA - GRANDE PESQUISADOR DA LINGUA PORTUGUESA, TRAZENDO-NOS UMA DAS MAIS BELAS PEÇAS DE CAMÕES


Sôbolos rios que vão, em Portugal me achei, num recanto renascentista, onde fora a procura de um vate genial: Luís de Camões. Para alguns, o maior, para outros um dos maiores poetas da língua portuguesa. De qualquer forma, suprema expressão do classicismo literário português. A sua epopéia, OS LUSÍADAS, alcançou significativa repercussão e notoriedade, firmando-se como uma das principais obras literárias do Renascimento europeu. Mas, observe-se: igualmente importante é a sua obra lírica, os sonetos (sobretudo), as canções, sextinas, redondilhas etc., em sua maioria, formas líricas adotadas da Escola Italiana introduzida em Portugal, anteriormente, por Sá de Miranda (1481-1558), outro grande renascentista lusitano. Não obstante a genialidade - reconhecida, pela posteridade, em toda sua extensão - não chegou, em vida, a usufruir da fama, apesar de seu livro Os Lusíadas ter sido publicado em 1572 (primeira impressão), oito anos antes de sua morte, em 1580, em Lisboa. Tal merecido reconhecimento chegou, pois, para ele, tardiamente. A sua influência, porém, faz-se sentir, através dos séculos, em autores ocidentais, nacionais e estrangeiros, independentemente de suas escolas e estilos literárias.
 A obra de Elizabeth Browning (06/03/1806-29/06/1861), por exemplo, célebre poetisa romântica inglesa do século XIX, admiradora do poeta, está impregnada dessa influência, presente em seu livro “Sonnets from the Portuguese” (“Sonetos da Portuguesa”), publicado em 1847, onde acolhe o modelo português/camoniano de soneto (dois quartetos e dois tercetos) e não o inglês (três quartetos e um dístico). Mas a sua admiração pela lírica do grande vate português segue adiante, e também notável no poema intitulado “Catarina to Camoens” (“Catarina a Camões”), que transcrevemos na nota 02 a este verbete introdutório, numa tradução de outro gênio, Fernando Pessoa. Catarina (ou Caterina) de Ataíde vivia na corte portuguesa e era dama de honra da rainha, D. Catarina de Áustria, esposa do rei D. João III. Segundo alguns biógrafos, Camões também nutria sentimentos amorosos pela infanta D. Maria, bela e culta irmã do rei, mas cautelosamente recolhidos, em virtude das diferenças sociais: Camões, da pequena nobreza, e empobrecido; D. Maria, princesa. Em sua lírica, Catarina é chamada Natércia (inversão de letras do nome Caterina, a encobrir sentimentos). Há um singular poeta brasileiro, o cearense José Albano (12/04/1882-11/07/1923) - desconhecido da maioria, e mesmo daqueles que gostam de poesia -, que não é apenas exemplo da influência de Camões na atualidade, mas seu seguidor fiel, espécie de “encarnação literária” do grande mestre. Clássico fora de época (escreve como se vivesse no século XVI, no mesmo estilo clássico/renascentista de Camões), e verdadeiro fenômeno, pelo domínio da técnica e alta qualidade de sua poesia. 
A nota 03 a esta introdução contempla um de seus sonetos, o Soneto I, cujo verso inicial traz a décima dramática e emocional: “Poeta fui e do áspero destino (...)”. Manuel Bandeira, em sua “Apresentação da Poesia Brasileira”, diz, a seu respeito: “A Albano, que era dotado de raro talento linguístico e conhecia a fundo vários idiomas modernos e antigos, não foi difícil assimilar inteiramente o ‘antigo estilo’, e o seu “Poeta fui...” nos soa em verdade como um soneto póstumo de Camões.” Várias localidades disputam o privilégio de terem sido o berço de Camões, entre elas as cidades de Coimbra e, com maior probabilidade, Lisboa. A jornalista e escritora Mirna Queiroz descreve resumidamente sua vida, na seguinte tábua cronológica: “1524 ou 1525: Datas prováveis do nascimento de Luís Vaz de Camões, talvez em Lisboa. – 1548: Desterro no Ribatejo; alista-se no Ultramar. – 1549: Embarca para Ceuta; perde o olho direito numa escaramuça contra os Mouros. – 1551: Regressa a Lisboa. – 1552: Numa briga, fere um funcionário da Cavalariça Real e é preso. – 1553: É libertado; embarca para o Oriente. – 1554: Parte de Goa em perseguição a navios mercantes mouros, sob o comando de Fernando de Meneses. – 1556: É nomeado provedor-mor em Macau; naufraga nas costas do Camboja. – 1562: É preso por dívidas não pagas; é libertado pelo vice-rei Conde de Redondo e distinguido seu protegido. – 1567: Segue para Moçambique. – 1570: Regressa a Lisboa na nau Santa Clara. – 1572: Sai a primeira edição d’Os Lusíadas. – 1579 ou 1580: Morre de peste, em Lisboa.” Conta-se que, naufragando na foz do rio Mekong (costa do Camboja, por volta de 1560), conseguiu salvar o manuscrito d’Os Lusíadas, a nado. Mas perdeu a mulher amada, uma jovem chinesa, que viajava em sua companhia. Seria, para alguns, a Dinamene que aparece em vários de seus poemas. De qualquer forma, ela lhe inspirou o mais belo e sublime soneto da língua portuguesa, o “Alma minha gentil...”, ao final reproduzido. Uma última observação, que teima em não passar em branco: Camões, que lamentava o declínio histórico da Pátria que tanto enaltecera, morre em 1580, mesmo ano da subida ao trono de Portugal do rei da Espanha, Felipe II, que passaria a governar os dois países. Portugal e suas colônias viveriam os próximos sessenta anos, até 1640, pois, sob o domínio espanhol.
 Já no final d’Os Lusíadas (Canto X, estrofe 145), despedia-se Camões, amargamente: “No mais, Musa, no mais, que a Lira tenho Destemperada e a voz enrouquecida, E não do canto, mas de ver que venho Cantar a gente surda e endurecida. O favor com que mais se acende o engenho Não no dá a pátria, não, que está metida No gosto da cobiça e na rudeza Duma austera, apagada e vil tristeza.” O cineasta português José Leitão de Barros captou bem a mobilidade “cinematográfica” da vida do poeta em seu belo filme intitulado “Camões”, que concorreu à primeira edição do Festival de Cannes, em 1946. LUÍS DE CAMÕES (n. 1524, Lisboa ou Coimbra; m. 1580, Lisboa): 

ALMA MINHA GENTIL...
 Alma minha gentil que te partiste Tão cedo desta vida, descontente, Repousa lá no Céu eternamente 
 E viva eu cá na terra sempre triste. 
 Se lá no assento etéreo, onde subiste,
 Memória desta vida se consente, 
 Não te esqueças daquele amor ardente 
 Que já nos olhos meus tão puro viste. 
 E se vires que pode merecer-te 
 Alguma cousa a dor que me ficou Da mágoa, 
sem remédio, de perder-te, Roga a Deus, que teus anos encurtou, 
 Que tão cedo de cá me leve a ver-te, 
 Quão cedo de meus olhos te levou. 

 -x-x-x-x-x-

 NOTAS: 01) Sobre o “Alma minha gentil...”, interessante confrontar esteticamente essa obra-prima de Camões com o seguinte soneto de Petrarca (o Soneto 31), com versos iniciais muito parecidos. Ei-lo no original, em italiano: SONETO DE PETRARCA (SONETO 31): Questa anima gentil che si diparte, anzi tempo chiamata a l’altra vita, se lassuso è quanto esser dê gradita, terrà del ciel la piú beata parte. S’ella riman fra ’l terzo lume et Marte,5 fia la vista del sole scolorita, poi ch’a mirar sua bellezza infinita l’anime degne intorno a lei fien sparte. Se si posasse sotto al quarto nido, ciascuna de le tre saria men bella,10 et essa sola avria la fama e ’l grido; nel quinto giro non habitrebbe ella; ma se vola piú alto, assai mi fido che con Giove sia vinta ogni altra stella. E na tradução do poeta baiano Edmílson Santos Silva Movér: Esta alma gentil que partiu, antes do tempo, chamada à outra vida, terá no céu segura acolhida terá do céu a mais beata parte. Se ela ficar entre a terceira luz e Marte, será a vista do sol descolorida depois virá, toda alma ao céu subida em torno dela olhar sua beleza infinita Se pousar abaixo do quarto ninho, nenhuma das três será mais bela, que esta só, espalhada a fama e o grito; No quinto giro não chegara ela; mas se voar mais alto, em muito confio ser vencido Júpiter e cada outra estrela.

 02) Transcrição do poema “Catarina a Camões”, de Elizabeth Barret Browning, na tradução de Fernando Pessoa: 
 Catarina a Camões Elizabeth Barret Browning Tradução de Fernando Pessoa 

P'ra a porta onde não surges nem me vês 
Há muito tempo que olho já em vão.
 A esperança retira o seu talvez;
 Aproxima-se a morte, mas tu não. 
Amor, vem Fechar bem Estes olhos de que dissestes ao vê-los:
 O lindo ser dos vossos olhos belos. 

II 
Quando te ouvi cantar esse bordão 
Nos meus de primavera alegres dias;
 Todo alheio louvar tendo por vão 
Só dava ouvidos ao que tu dizias – 
Dentro em mim Dizendo assim:
 "Ditosos olhos de que disse ao vê-los: 
O lindo ser dos vossos olhos belos." 


III
 Mas tudo muda.
 Nesta tarde fria
 O sol bate na porta sem calor.
 Se estivesse aí murmuraria 
Como dantes tua voz – "amo-te, amor"; 
A morte chega 
E já cega
 Os olhos que ontem eram teus desvelos 
O lindo ser dos vossos olhos belos.

 IV 
Sim. Creio que se a vê-los te encontrasses
 Agora, ao pé do leito em que me fino,
 Ainda que a beleza lhes negasses,
 Só pelo amor que neles eu defino 
Com verdade 
E ansiedade Repetirias, meu amor, ao vê-los:
 O lindo ser dos vossos olhos belos. 

V
E se neles pusesse teu olhar
 E eles pusessem seu olhar no teu, 
Toda a luz que começa a lhes faltar
 Voltaria de pronto ao lugar seu. 
Com verdade 
 E ansiedade 
Dir-se-ia como tu disseste ao vê-los:
 O lindo ser dos vossos olhos belos. 

VI 
Mas – ai de mim! – tu não me vês senão 
Nos pensamentos teus de amante ausente,
 E sorrindo talvez, sonhando em vão, 
Trás o abanar do leque levemente; 
E, sem pensar, 
Em teu sonhar
 Iras talvez dizendo sempre ao vê-los: 
O lindo ser dos vossos olhos belos, 

VII 
Enquanto o meu espírito se debruça
 Do meu pálido corpo sucumbido, 
Ansioso de saber que falas usa
 Teu amor p'ra meu espírito ferido, 
Poeta, vem Mostrar bem 
Que amor trazem aos olhos teus desvelos 
– O lindo ser dos vossos olhos belos.

 VIII 
Ó meu poeta, ó meu profeta, 
quando Destes olhos louvaste o lindo ser, 
Pensaste acaso, enquanto ias cantando, 
Que isso já estava prestes de morrer? 
Seus olhares Deram-te ares 
De que breve podias não mais vê-los,
 O lindo ser dos vossos olhos belos. 

IX
 Ninguém responde.
 Só suave, defronte, 
No pátio a fonte canta em solidão, 
E como água no mármore da fonte, 
Do amor p'ra a morte cai meu coração. 
E é da sorte
 Que seja a morte
 E não o amor, que ganhe os teus desvelos
 – O lindo ser dos vossos olhos belos!

 X 
E tu nunca virás? 
Quando eu me for 
Onde as doçuras estão escondidas,
 E onde a tua voz, ó meu amor,
 Não me abrirá as pálpebras descidas,
 Dize, amo meu, "O amor, morreu!"
 Sob o cipreste chora os teus desvelos 
– O lindo ser dos vossos olhos belos. 

 XI 
Quando o angelus toca à oração, 
Não passarás ao pé deste convento,
Lembrando-te, a chorar, do cantochão 
Que anjos nos traziam do firmamento? 
No ardor meu Eu via o céu 
E tu: "O mundo é vil, ó meus desvelos,
 Ao lindo ser dos vossos olhos belos?" 

XII 
Devagar quando, do palácio ao pé, 
Cavalgares, como antes, suave e rente, 
E ali vires um rosto que não é
 O que vias ali antigamente, 
Dirás talvez 
"Tanta vez Me esperaste aqui, ó meus desvelos
 Ó lindo ser dos vossos olhos belos!" 

XIII 
Quando as damas da corte, arfando os peitos, 
Te disserem, olhando o gesto teu, 
"Canta-nos, poeta, aqueles versos feitos 
Àquela linda dama que morreu", 
Tremerás? Calar-te-ás? 
Ou cantarás, chorando, os teus desvelos 
– O lindo ser dos vossos olhos belos? 

XIV 
"Lindo ser de olhos belos!"
 Suaves frases
 E deliciosas quando eu as repito!
 Cem poesias outras que cantasses,
 Sempre nesta a melhor terias dito.
 Sinto-a calma Entre a minha alma 
E os rumores da terra ?
 pesadelos: – O lindo ser dos vossos olhos belos. 

XV 
Mas reza o padre junto à minha face,
E o coro está de joelhos todo em prece,
 E é forçoso que a alma minha passe 
Entre cantos de dor, e não como esse.
 Miserere P'los que fere O mundo, 
e p'ra Natércia, os teus desvelos - 
O lindo ser dos vossos olhos belos. 

XVI 
Guarda esta fita que te mando (Tirei-a dos cabelos para ti). Sentir-te-ás, quando o teu choro arda, 
 Acompanhado na tua dor por mim; 
Pois com pura Alma imperjura 
Sempre do céu te olharão teus desvelos 
- O lindo ser dos vossos olhos belos. 

XVII 
Mas agora, esta terra inda os prendendo, 
Desses olhos o brilho é inda alado... 
Amor, tu poderás encher, querendo, 
Teu futuro de todo o meu passado,
 E tornar A cantar A outra dama ideal dos teus desvelos: 
O lindo ser dos vossos olhos belos. 

XVIII 
Mas que fazeis, meus olhos, ó perjuros! 
Perjuros ao louvor que ele vos deu, 
Se esta hora mesmo vos não mostrais puros 
De lágrima que acaso vos encheu? 
Será forte 
Choro ou morte
 Se indignos os tornar de teus desvelos
 - O lindo ser dos vossos olhos belos.

 XIX
 Seu futuro encherá meu 'spírito alado 
No céu, e abençoá-lo-ei dos céus.
 Se ele vier a ser enamorado
 De olhos mais belos do que os olhos meus,
 O céu os proteja, 
Suave lhes seja
 E possa ele dizer, sincero, ao vê-los:
 - O lindo ser dos vossos olhos belos. 

02-a) O soneto de Camões que inspirou a poetisa inglesa: 

QUEM VÊ, SENHORA... 

Quem vê, Senhora, claro e manifesto 
 O lindo ser de vossos olhos belos,
 Se não perder a vista só com vê-los, 
 Já não paga o que deve a vosso gesto.

 Este me parecia preço honesto;
 Mas eu, por de vantagem merecê-los,
 Dei mais a vida e alma por querê-los, 
 Donde já me não fica mais de resto.

 Assim que a vida e alma e esperança,
 E tudo quanto tenho tudo é vosso; 
 E o proveito disso eu só o levo.

 Porque é tamanha bem-aventurança
 O dar-vos quanto tenho e quanto posso, 
 Que quanto mais vos pago, mais vos devo. 

 03) O soneto do cearense José Albano parece reportar-se ao próprio Camões, traçando o seu perfil existencial e espiritual: 

 SONETO I
 Poeta fui e do áspero destino
 Senti bem cedo a mão pesada e dura.
 Conheci mais tristeza que ventura 
 E sempre andei errante e peregrino. 

 Vivi sujeito ao doce desatino
 Que tanto engana mas tão pouco dura; 
 E inda choro o rigor da sorte escura, 
 Se nas dores passadas imagino.

 Porém, como me agora vejo isento
 Dos sonhos que sonhava noute e dia 
 E só com saudades me atormento; 

 Entendo que não tive outra alegria 
 Nem nunca outro qualquer contentamento, 
 Senão de ter cantado o que sofria.
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FONTE: BLOG DA UBE-RN (21.5.2013)

01/05/2014

Dia do trabalho
História do Dia do Trabalho
História do Dia do Trabalho, comemoração, 1º de maio, criação da data, origem, eventos, protestos,
 reivindicações, direito dos trabalhadores, bibliografia
História do Dia do Trabalho - Manifestantes em Chicago - 1886
Manifestações e conflitos em Chicago (1886): origem da data
História do Dia do Trabalho
O Dia do Trabalho é comemorado em 1º de maio. No Brasil e em vários países do mundo é um feriado nacional, dedicado a festas, manifestações, passeatas, exposições e eventos reivindicatórios. 
A História do Dia do Trabalho remonta o ano de 1886 na industrializada cidade de Chicago (Estados Unidos). No dia 1º de maio deste ano, milhares de trabalhadores foram às ruas reivindicar melhores condições de trabalho, entre elas, a redução da jornada de trabalho de treze para oito horas diárias. Neste mesmo dia ocorreu nos Estados Unidos uma grande greve geral dos trabalhadores.

Dois dias após os acontecimentos, um conflito envolvendo policiais e trabalhadores provocou a morte de alguns manifestantes. Este fato gerou revolta nos trabalhadores, provocando outros enfrentamentos com policiais. No dia 4 de maio, num conflito de rua, manifestantes atiraram uma bomba nos policiais, provocando a morte de sete deles. Foi o estopim para que os policiais começassem a atirar no grupo de manifestantes. O resultado foi a morte de doze protestantes e dezenas de pessoas feridas.

Foram dias marcantes na história da luta dos trabalhadores por melhores condições de trabalho. Para homenagear aqueles que morreram nos conflitos, a Segunda Internacional Socialista, ocorrida na capital francesa em 20 de junho de 1889, criou o Dia Mundial do Trabalho, que seria comemorado em 1º de maio de cada ano.

Aqui no Brasil existem relatos de que a data é comemorada desde o ano de 1895. Porém, foi somente em setembro de 1925 que esta data tornou-se oficial, após a criação de um decreto do então presidente Artur Bernardes.

Fatos importantes relacionados ao 1º de maio no Brasil:

- Em 1º de maio de 1940, o presidente Getúlio Vargas instituiu o salário mínimo. Este deveria suprir as necessidades básicas de uma família (moradia, alimentação, saúde, vestuário, educação e lazer)

- Em 1º de maio de 1941 foi criada a Justiça do Trabalho, destinada a resolver questões judiciais relacionadas, especificamente, as relações de trabalho e aos direitos dos trabalhadores.

Comissário José de Oliveira Velho

João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN, membro do IHGRN e do INRG
A primeira aparição do Comissário José de Oliveira Velho, nos meus apontamentos, é na data de 20 de janeiro de 1727, onde ele foi testemunha, na Capela de Nossa Senhora do O’, da Ribeira de Mipibu, do casamento de Antonio de Faria Landim, natural e morador de Mipibu, filho legítimo de Manoel de Faria Landim, defunto, e Maria Vieira Tavares, com Leonor Pereira de Requeixo, viúva, que ficou do defunto Leonardo Álvares de Carvalho, natural de Alagoa do Sul. Neste casamento estiveram, ainda presentes, o capitão-mor Joseph Ribeiro de Faria, e Maria da Sylva, mulher do coronel Manoel da Silva Queiroz.
Nos anos de 1733 e 1740, reencontro o Comissário, através dos casamentos das filhas Mariana e Phelipa.
Em 25 de novembro de 1733, Mariana da Costa e Oliveira, filha do Comissário Joseph de Oliveira Velho e de Bernarda de Barros, já defunta, casou, na capela de Nossa Senhora dos Remédios de Cajupiranga, com o português da Freguesia de São Nicolau, Arcebispado de Lisboa, o tenente-coronel José Nunes, filho de José Nunes Narvello e Maria D. Ferreira. Nesse casamento estavam presentes o capitão-mor João de Barros Braga, o Reverendo Padre Francisco Xavier de Barros, Izabel de Barros, mulher de Carlos de Azevedo do Vale e Antonia da Sylva, mulher do capitão Francisco Lopes de Macedo.
Em vinte e dois de fevereiro de 1740, na Igreja de Nossa Senhora do O’, da Missão de Mipibu, na presença do Reverendo Padre Mestre, Frei Felix Maria, Superior desta Missão, de licença do Reverendo Licenciado João Gomes Freire, e sendo presentes por testemunhas, o tenente-coronel José Nunes, sargento-mor Hilário de Castro Rocha, D. Maria Magdalena, mulher do dito, e Joanna Gomes Freire, dona viúva, se casaram o capitão Diogo Malheiros Rebouças, filho legítimo de Diogo Malheiros Rebouças, já defunto, e de sua mulher Beatriz de Abreu, viúvo que ficou de sua mulher Dona Jacinta de Vasconcellos, com Phelipa Rodrigues de Oliveira, filha do Comissário Geral José de Oliveira Velho e de sua esposa Bernarda de Oliveira, já defuntos, naturais e moradores da dita Freguesia.
Do casal, capitão Diogo e Jacinta, sua primeira esposa, encontro a filha Isabel de Barros Vasconcellos, que casou com Carlos Vital de Oliveira, filho de Domingos Ferreira da Cunha e Francisca Rodrigues.
Em 1735, o Comissário pediu e recebeu terras na Ribeira do Assú, no lugar chamado Caiçara, que disse possuir há mais de 40 anos. Em 1738, Phelipa Rodrigues de Oliveira e José de Oliveira Velho requereram as terras, no lugar chamado Riacho do Tapuia, da Ribeira do Assú, que foram  adjudicadas nas partilhas, por falecimento do pai deles, o Comissário José de Oliveira Velho.
Os assentos de praça trouxeram mais informações sobre os Velhos.
José de Oliveira Velho, branco casado, natural e morador na Freguesia de São José, filho legítimo de José de Oliveira Velho, de idade que representa de trinta anos, pouco mais ou menos, seco de corpo, rosto comprido, olhos grandes, sobrancelhas grossas, cor morena, cabelo preto, pouca barba, com todos os seus dentes na frente, senta praça, por portaria dos sucessores do governo José Baptista Freire, e o alferes Salvador Rebouças de Oliveira e interseção do Vedor Geral o Dr. Antonio Carneiro de Albuquerque Gondim, aos 9 de março de 1776. 
Joam Baptista de Oliveira, branco, solteiro, natural e morador da Freguesia de São José, filho legítimo de Joseph de Oliveira Velho, de idade que representa, de vinte e três anos, pouco mais ou menos, de estatura ordinária, seco de corpo, rosto comprido, olhos grandes, sobrancelhas grossas, cor morena, pronto de barba, cabelo preto, com todos os seus dentes, senta praça, por portaria dos sucessores do governo, José Baptista Freire e alferes Salvador Rebouças de Oliveira, e intervenção do Vedor Geral o Dr. Antonio Carneiro de Albuquerque Gondim, aos 9 março de 1776. Na lateral do registro a informação: baixa a este soldado por ter já dois filhos soldados, neste regimento, por despacho do senhor governador desta capitania e cumpra-se do Doutor Vedor Geral, em 28 de fevereiro de 1804.
Pelas datas acima, João Baptista de Oliveira e José de Oliveira Velho, não seriam filhos do Comissário, mas de José de Oliveira Velho(2) que requereu as terras no Riacho do Tapuia . O pai dos dois assentados poderia ser o que aparece nos registros de batismos seguintes, de Luiza Maria e Bernarda Thereza.
Aos vinte e sete de dezembro de mil setecentos e cinquenta e três, de licença do Reverendo Padre Coadjutor, por vezes de Vigário, na Capela de Nossa Senhora de Santa Anna da Aldeia de Mipibu, batizou e pôs os santos óleos, o Reverendo Padre Frei Juvenal de Santo Albano, capuchinho, a Luiza Maria, filha de Joseph de Oliveira Velho e Joanna Bautista. Foram padrinhos Lourenço Ferreira e Luiza Maria. Do que mandou lançar este assento o mui Reverendo Senhor Doutor Visitador, que abaixo assina. Marcos Soares de Oliveira.
Aos quinze de junho de mil setecentos e cinquenta e sete, de licença do Reverendo Vigário, o Doutor Manoel Correia Gomes, na Capela da Aldeia de Mipibu, batizou e pôs os santos óleos, o Reverendo Padre Frei Fidelis de Parvanna, capuchinho, a Bernarda Thereza, filha legítima de Joseph de Oliveira Velho e Joanna Baptista . Foram padrinhos Francisco de Lira e Izabel de Barros de Vasconcellos. Do que mandou lançar este assento o senhor Reverendo Doutor Visitador que abaixo assina Marcos Soares de Oliveira.
Observe que a madrinha de Bernarda foi Izabel de Barros de Vasconcellos, filha do capitão Diogo Malheiros e sua primeira esposa, Jacinta de Vasconcellos.
Uma filha do capitão Diogo e de Phelippa Rodrigues, portanto neta do Comissário, de nome Mariana da Costa e Oliveira (mesmo nome de uma tia), casou com o capitão Francisco Lopes de Vasconcellos, filho de Antonio Carvalho de Vasconcellos e Izabel de Crasto Rocha, com dispensa de consanguinidade, em 1756. Em 1757, batizaram Diogo Felix, tendo como padrinhos os avós, Diogo e Phelippa. Esse batizado deve ser Diogo Felix de Vasconcelos, que foi capitão-mor de Ordenanças de Natal e Vila de São José.
Diogo Félix

SP



OCORRÊNCIAS DA CAPITANIA DE SÃO PAULO
Gileno Guanabara, sócio do IHGRN

Histórias de 1730, da capitania de São Paulo que Affonso d’ E. Taunay noticiou. O sr. Caldeira Pimentel, em 1727, assumiu o cargo de Capitão General, em substituição a Rodrigo Cesar de Meneses. Como governador, sua missão prioritária seria edificar a casa de fundição, para controlar a sonegação e recolher o quinto do ouro.

Teve singular repercussão, porém, a sua pendenga em ordenar a prisão, por 15 dias, de dois senadores, Felippe Santiago Diniz e Manuel Luiz Ferraz. Mais alvoroçado ainda, o juiz Domingos de Camargo convocou, em substituição, o Capitão Francisco Correia de Moraes e o sargento João Delgado de Camargo. Reassumidos em seus cargos, os senadores informaram a causa da desdita. A defesa das prerrogativas municipais que tinham feito, insurgindo-se contra a usurpação governamental que, passando por cima do Conselho, nomeara dois apaniguados seus, para os cargos de carcereiro e alcaide. Havia também a denúncia feita pelos perseguidos referente a pessoa de Bernardo Ferreira, apadrinhado do governante, contra quem se avolumava o clamor dos sapateiros da cidade, sob a acusação de ser “açambarcador de couros e solas”. Os alcaides requereram que fosse lavrado registro especial no livro das Atas do Conselho e “os houvessem por absolutos,” ... “por parte do Governador e dos ouvidores e corregedores da comarca.”.

O atrabiliário Caldeira Pimentel compareceu perante a Câmara.  Justificou o ato. Segundo ele, ao tempo do governante anterior, as Câmaras submetiam ao crivo dos capitães generais tais nomeações. Saciado o ego dos senadores presos, o fato caiu no perdão do esquecimento. Restaram, como mau exemplo, o populismo das nomeações amigáveis, e a rotina da Câmara que permaneceu coagida, sem haver oposição.

 Outra crise decorreu do êxodo generalizado dos cidadãos, quer pelo medo da epidemia de varíola, quer pela atração generalizada pelas minas de Guaiazes, sem as devidas comunicações. A debandada forçou o procurador Pedro Taques Pires a pedir a condenação dos vereadores Francisco de Godoy e de Bento de Siqueira, em dois mil réis, ou de serem oneradas as suas fazendas em paga pelo fato de suas ausências.

Uma nova crise viria a ocorrer, envolvendo o insaciável Caldeira Pimentel que se vinculara ao pernicioso Sebastião Fernandes do Rego. Reinol, filho espúrio do cônego da Sé de Lamego, Portugal, viera “fazer a América”, como se dizia. Associado o seu apetite por riqueza ao do governante, Sebastião Fernandes foi nomeado “procurador da Corôa e da Real Fazenda”. E teve outra nomeação não menos importante: a de “Provedor dos Quintos e da Casa de Fundição de São Paulo”. Por essas circunstâncias, passou Sebastião a perseguir com tenacidade os sertanistas e descobridores das minas de Goiás e a locupletar-se o quanto possível.

Dá-nos o historiador a noção de fatos perniciosos atribuídos àquela autoridade, como fora o golpe da substituição dos quintos de ouro cuiabano por barras de chumbo, quando de sua remessa à Lisboa, em baús lacrados pela Provedoria paulista. Fora comunicada pelo Capitão General Rodrigo César de Menezes a remessa em caixões de Cuiabá para o Rio de Janeiro, contendo quatro arroubas e setecentas oitavas de ouro, em pó e em folhetas (sessenta quilos), com a recomendação de não serem abertos, sob os cuidados da tropa chefiada pelo cabo João Antunes Maciel, presentes o padre André dos Santos Queiroz e o ajudante Manuel Dias Barros.

O remetente recomendou que do Rio de Janeiro, caso não fosse alcançada a frota que conduziria a carga, retornar-se-ia para São Paulo, ao aguardo de novas ordens suas. Anexo àquelas determinações, e por mais segurança, havia o certificado do provedor da Fazenda Real em Cuiabá da confiança do padre que conduzia o quinto a São Paulo.

O provedor da Fazenda Real no Rio de Janeiro, Bartholomeu de Siqueira Cordovil, escreveu a Sebastião Fernandes (1727), dando conta da entrega pelo ajudante Manuel Dias Barros ao Almoxarife da Fazenda Real de 55.442 oitavas em seis caixotes lacrados, remetidos pelo capitão general de Cuiabá, devidamente conferida e pesada, constando o recebido em perfeita ordem.

Chegada em Lisboa a dádiva remetida e na presença do rei D. João V e dos ministros rejubilados, no entanto, abertas as trincas, o desespero tomou conta dos presentes. Em lugar do ouro, encontravam-se nos caixotes “barras de chumbo”, ainda que os invólucros se achassem lacrados e intatos os selos reais.

Caldeira Pimentel e o seu sócio de trapalhada, Sebastião Fernandes, acusaram a Rodrigo Cesar de Menezes e, na condição de co-autor, a Jacintho Barbosa Leite que, presos, sob ferros, seguiram para o calabouço de Limoeiro, Lisboa, onde permaneceram por anos. A Rodrigo Cesar não foi difícil comprovar a sua lisura perante a Corte portuguesa e viu-se perdoado das agruras sofridas injustamente.

Uma provisão expedida por Caldeira Pimentel, na vigência do seu governo (1727/1730), dá-nos os limites da prepotência que submeteu os demais sob o peso de sua arrogância e ultraje: “ ... que toda a pessoa que o encontre ponha joelhos em terra, e espere assim athé passar S. Ilustríssima e assim se estiver em algum lugar parado faça o mesmo, e recebida a bença se Levantarão e hirão seguindo o seu Caminho”. E seguia a provisão: “entrar sempre primeiro, pelas portas das casas que visitasse e ali ter a melhor cadeira. Recebido à soleira da rua pelo visitado, só podia este sentar-se quando a isto fôsse convidado e em cadeira designada. Que ninguém se recolhesse emquanto não o autorisasse...”.

Nesse tempo, vigiam os termos da Carta Régia, de março de 1728, autorizando as autoridades enforcar publicamente os delinquentes “de condição vil e ordinária” .... “para que vendo o povo o castigo lhe servisse de exemplo; frequentes como eram os delictos nas terras da capitania”.

30/04/2014

Assunto: Base Aérea de Natal/RN

Justa homenagem
Durante a segunda guerra mundial, os americanos estabeleceram uma base aeronaval na cidade de Natal, no Rio Grande do Norte.
O que determinou a escolha do local, não foi o fato de Natal ser uma das mais aprazíveis cidades litorâneas do Brasil, com uma deliciosa e refrescante brisa sempre soprando do mar, mas sim a sua localização estratégica, em uma das extremidades do ponto mais curto de travessia do continente americano para a África.
De Natal até Freetown, a capital de Serra Leoa, são apenas uns 2.900 quilômetros.
Diz a lenda que muitas crianças nascidas naquela época em Natal, foram batizadas com o nome de Usnávi, uma corruptela do "U. S. Navy", que os natalenses viam escrito nos aviões americanos daquela base.
Não sei se isso foi mesmo verdade, ou se é só folclore, mas não deixa de ser uma história divertida.
Quando os americanos finalmente conseguiram convencer o Getúlio Vargas a deixar de lado a sua simpatia pela Alemanha e entrar na guerra tomando o partido dos Aliados, o Brasil recebeu bastante material bélico, para reforçar as suas defesas.
Foi criada uma tal de Lei de Empréstimo e Arrendamento, ou Lend-Lease, que facilitou bastante essa transferência de equipamento militar.
No meio desse armamento todo, estavam incluídos 30 bombardeiros North American B-25 "Mitchell", nas versões B, C, D e J, que chegaram no Brasil entre os anos de 1942 e 1944.
Os B-25 eram bombardeiros relativamente pequenos, mas eram muito eficientes e deliciosos de se pilotar, além de serem resistentes e de fácil manutenção, coisa indispensável em um teatro de guerra.
No total, 9.984 deles foram construídos e ajudaram bastante na vitória dos Aliados contra os nazistas e contra os japoneses.
North American B-25 "Mitchell"
Aliás, foi uma esquadrilha desses B-25 americanos que consegui a proeza de decolar sem catapulta de um porta-aviões e fazer o primeiro bombardeio a Tóquio, em uma espécie de resposta ao ataque a Pearl Harbor.
Esse incrível vôo sem volta, cada um dos 16 aviões que participaram da missão pousou ou caiu onde deu lá na Ásia, aconteceu em abril de 1942 e, além de Tóquio, também destruiu alguns alvos em Nagóia.
Só uns poucos daqueles milhares de B-25 que foram produzidos durante a guerra sobreviveram e hoje estão em museus, ou nas mãos de colecionadores particulares. Não é raro vermos algum desses sobreviventes que pertencem a particulares, se apresentando em shows aéreos nos Estados Unidos.
Foto W.Duck
Era comum os aviões de bombardeio serem batizados com o nome de mulheres, com direito ao nome bem grande e um retrato da homenageada pintados no nariz da aeronave.
Um dos casos mais famosos foi o do Memphis Belle, um Boeing B-17F "Flying Fortress" que foi o primeiro bombardeiro pesado a conseguir completar as 25 missões exigidas das tripulações, antes que elas pudessem dar baixa e voltar para casa.
Conhecidos como Fortalezas Voadoras, esses quadrimotores fizeram um estrago danado na parte nazista da Europa.
O Memphis Belle foi praticamente destruído na última missão, mas mesmo assim conseguiu pousar e, depois de restaurado, foi para um museu dos Estados Unidos, aonde se encontra até hoje.
A senhorita de Memphis que foi a musa desse B-17, se chamava Margaret Polk e era a namorada do então Capitão Robert Knight Morgan, o comandante do avião.
 
United States National Archives
Um outro caso clássico é do Enola Gay, o Boeing B-29 "Superfortress" que jogou a bomba atômica em cima de Hiroshima.
Enola Gay Tibbets era o nome da mãe do comandante da aeronave e também comandante do esquadrão aéreo encarregado do lançamento de todas as bombas nucleares que foram e que seriam produzidas pelos americanos, o Coronel Paul Tibbets.
Arq. pessoal
O Coronel Paul Tibbets, posando ao lado do Enola Gay.
E já que americano pode, brasileiro também pode e, por conta disso, alguns dos bombardeiros da nossa força aérea também tiveram o nome de suas musas pintados na fuselagem.
O caso mais pitoresco foi o da Maria Boa, que foi homenageada por um daqueles B-25 que vieram a reboque da entrada do Brasil na guerra do lado dos americanos. Maria Boa era a dona de um lupanar em Natal onde, além das raparigas, os clientes podiam saborear uma cerveja gelada servida em mesas ao ar livre. Como boa parte dos tenentes, pelo menos uma vez, foi até lá para conhecer e saborear uma cerveja, com justa homenagem lembraram-se da Maria Boa.

Arq. da Força Aérea Brasileira
Tratava-se de um North American B-25J "Mitchell", que na Força Aérea Brasileira recebeu a matrícula FAB 5071.

Arq. da Força Aérea Brasileira
Infelizmente eu não tenho nenhuma foto "de corpo inteiro" do Maria Boa, a única que tenho é a de um modelo dele, muitíssimo bem confeccionado por sinal.


Aeromodelo construído e fotografado pelo Guick, de Curitiba.
Da homenageada, a Maria Boa, eu também não tenho nenhuma foto de corpo inteiro, somente este pequeno retrato.
Na verdade Maria Boa era só um apelido, o seu nome de batismo era Maria Oliveira Barros.
Nascida em Campina Grande, na Paraíba, ela era a dona do mais famoso e mais agitado bordel da cidade de Natal, naquela época da base aero-naval dos americanos e, depois da guerra, na base aérea da FAB.
Não há como negar que ela foi uma das muitas heroínas da época do chamado esforço de guerra...

Maria Oliveira Barros, a Maria Boa (1920-1995)
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COLABORAÇÃO ENVIADA PELO MÉDICO ROBERTO FURTADO DE MENDONÇA

Toda cidade precisa de um Grande Ponto
Lívio Oliveira – livioliveira@yahoo.com.br
Ainda hoje recordo – nas conversas com papai – das vezes em que fazíamos, no seu fusca branco, o percurso entre o Barro Vermelho e a Cidade Alta, idos dos anos 70. Ele ia em busca de jornais, e eu me metia logo em meio aos gibis exibidos nas bancas do tradicional Grande Ponto. Passear naquele cenário movimentado (durante a semana) e tranquilo (nos sábados à tarde, domingos e feriados) era uma diversão imensa, olhando vitrines e saboreando um clima ameno e saudável de socialização e descoberta do mundo. Papai aproveitava sempre para botar a conversa em dia, no Café São Luiz e nas calçadas em que circulavam simpáticos e familiares transeuntes. Muitas vezes, aproveitávamos para cortar o cabelo no Salão “Pequeno Príncipe”, quando me premiavam com pirulitos e balas após a sessão do corte curtíssimo. Em época natalina, admirava as luzes coloridas e decorações diferenciadas que os lojistas armavam amorosamente em seus estabelecimentos. Havia algum glamour na Cidade Alta, algum perfume, algum sonho a ser realizado, alguma materialização plena da fantasia humana.
Confesso que hoje não frequento mais o Grande Ponto, justamente porque não reconheço ali aquele ambiente agregador de outrora, de certa forma feliz, que via há aproximadamente três décadas atrás. Naqueles anos 70 – e mesmo nos 80 – presenciei importantes eventos políticos, culturais, artísticos, em contato pleno com a ebulição social e a realização humana, o que ia além do comércio e das coisas do capitalismo. Cheguei a conhecer – até certo ponto com algum temor reverencial – o poeta Milton Siqueira escrevendo seus poemas, vestido com roupa toda cáqui e um boné, com uma espécie de bolsa a tiracolo e um monte de papéis amarelados e umas canetinhas bic ou lápis, sentado num batente de loja como se estivesse num trono, altivo e impenetrável no seu olhar sério e profundo. Sabia que ali havia mistérios. Sim, havia. Como gostaria de ter um daqueles poemas, hoje! E vi e ouvi muito mais no Grande Ponto. Muito mais, durante anos a fio.
Hoje, diante desse meu saudosismo, dessa nostalgia que vez por outra teima em invadir o meu espírito, deparo-me com uma publicação literária de exato nome “Grande Ponto”, uma revista de alta qualidade e que insiste em nos lembrar que nesses tempos que mencionei, além de outras décadas mais remotas, o Grande Ponto se fez essencial à vida social, cultural, política e até econômica da nossa cidade. Ainda é assim, mas não com o mesmo brilho.
Hoje, certamente não mais com o glamour e o poder comunicativo e de entrosamento de outros tempos, mas o GP ainda continua lá, fazendo as vezes de pequena ágora da cidade. Lugares como aquele são essenciais a qualquer cidade do mundo. Gostaria muito de ter a certeza de que não foram totalmente substituídos e ultrapassados pelos corredores e praças de alimentação dos shopping centers, pelo bem ou pelo “Mall”. Mas, fazer o quê diante de realidades inexoráveis de nosso tempo?!
Quero destacar que a revista “Grande Ponto” de que falo, já está no terceiro número – capitaneada pelos escritores Leonardo Sodré e Racine Santos –, seguindo como uma publicação rica em iconografia e textos, à qual dou realce e destaque neste momento, ao tempo em que sugiro e indico como leitura de ótimo padrão, por traduzir não somente o espírito do antigo centro nervoso da cidade, mas por espelhar o espírito mesmo da pólis em tempos atrás, talvez quando havia ainda certa ingenuidade, um “tempo da delicadeza”, guardando-se a marca humanística de um congraçamento real (não se tratava de uma ágora virtual) em que as histórias das pessoas, assim como as linhas dos velhos bondes, entrecruzavam-se em torno da mágica aventura da vida.