02/04/2014

PMN



MÍSTICO E INTELECTUAL

Jurandyr Navarro

Raríssimos os sacerdotes católicos que enveredaram pelo estudo das ciências do método indutivo, por ser comum, a eles, a natural inclinação vocacional pelas letras. Reduzido, portanto, o número dos afeiçoados por esse ramo do conhecimento humano, sendo pastores: Copérnico, que foi Cônego; Mendel, monge e Rogério Bacon, padre franciscano, para citar alguns deles. Estes, celebrizaram-se universalmente. O primeiro, na Astronomia, o segundo, na Genética e o último, por ter sido o precursor do chamado método experimental, em  plena Idade Média.

O Cônego Jorge O’Grady de Paiva foi, no Brasil, um dos raríssimos sacerdotes católicos entendedores da Física, Astronomia, Matemática, adicionando-se a Biologia, conhecida ciência da vida.

Autor de obras várias, dentre elas , o famoso “Dicionário de Astronomia e Astronáutica”, em segunda edição. Saliente-se ter sido este livro, o primeiro, no assunto publicado na América do Sul.

Além de penetrar nos segredos da Esfinge científica, ele também foi crítico literário, conhecedor da literatura universal, com títulos desse gênero, lançados nos círculos intelectuais do Rio de Janeiro.

Filho do Ceará-Mirim, luxuriante torrão potiguar, o entardecer de sua laboriosa existência terrena, ele passou em solo carioca, após deixar Mossoró, onde dirigiu, por anos, o conhecido educandário “Santa Luzia”.

Portou-se  um educador por excelência. “Educar é formar o homem todo: visar-lhe o corpo e apreender-lhe a alma”, conceituou o Anjo das Escolas.

Não é bastante instruir e ensinar sem o complemento da educação e da orientação. É mais fácil à criança arrastar-se aos máus, que aos bons hábitos. A educação aprimora a instrução com a proteção da ética e da moral. Sendo excepcional, a dosada pelos preceitos cristãos.

O padre Jorge tinha as credenciais e autoridade, para imprimi-la na mente e na consciência da juventude, idade própria da sua absorção.

Foi ele o exemplar mestre-escola, no aprendizado da mocidade estudiosa. Os doutos, os que sabem, brilham como o firmamento mais os Mestres, os que ensinam, brilham como as estrelas, externou o poeta hebreu Daniel.

Fascinado pelo seu devotamento e cultura, pela causa religiosa, o então Cardeal Dom Jaime Câmara, que tinha sido Bispo de Mossoró, levou-o para Arquidiocese guanabarina.

Recebeu em 1953, da Academia Brasileira de Letras, o Prêmio “Carlos Laet”, em reconhecimento ao seu invulgar talento literário.

Quatro Academias abrilham-lhes os pórticos: a Carioca de Letras; a Norte Rio-Grandense de Letras; a Potiguar de Letras e de a de Ciências do Rio Grande do Norte.

Editou mais de uma dezena de títulos. Cito alguns deles: “Dicionário de Nomes Próprios Pessoais”; “Prédicas e Mini-Prédicas”; “João Gualberto, Varão da Eternidade”; “Verdade e Vida”; “Prédicas, Saudações e Necrológios”; “Na Seara das Letras, da Fé e da Ciência” e o título anteriormente citado, linhas atrás.

Muitos os seus trabalhos para revistas, jornais e para imprensa, divulgados. Tinha predileção por dois deles: o ensaio intitulado “A Teoria Religiosa da Música” e outro sobre o “Soneto”, discorrendo-os sob todos os seus ângulos.

O espaço do presente texto é exíguo para uma análise mais acurada da sua cultura, assim como da apreciação de sua personalidade, examinadas num todo, da sua figura humana, de elevado conceito. Sacerdote virtuoso, amante do próximo, seu irmão, a sua alma foi sempre enamorada da verdade.

Tive a bênção de tê-lo como professor, à distância, pois, com ele, me correspondi durante vinte e seis anos! Ensinou-me a arte da reflexão, já que repetia sempre: “O pensamento antecede à ação. Refletir, antes de qualquer iniciativa”. Imitava Aristóteles, na sua pedagogia, da potência e do ato?

A lição era vez por outra, repetida.

Parecia seguir o aconselhamento de Goethe: “Reflete, reflete antes de escrever. Tudo depende da concepção”.

Muito aprendi com seus sábios conselhos.

Certo dia, visite-o com minha esposa, Arilda, no seu apartamento, na Cidade Maravilhosa. Já octogenário, pareceu-me um homem solitário, na sua grandeza. Os olhos, já cansados, refletiam a luz interior, de um espírito aberto à misericórdia dos nossos pecados.

Referindo-se a Leopardi, proferiu Bentempelli: “O homem solitário, anjo caído do Céu”. E acrescenta, que todos na humanidade somos anjos caídos. Mas que a sua quase totalidade não consegue refazer as asas para retornar ao Céu, porque se perde nos vícios da multidão.

E que, raros, os que libram as asas para o pouso antigo, afastados que foram, das impurezas do mundo.

 O Cônego Jorge foi um desses anjos últimos. Foi ele, também, um desses anjos solitários da nossa cultura literária e científica.


01/04/2014

 A ALEJURN FAZ HOMENAGEM AO SAUDOSO JOSÉ ARNO GALVÃO, DIA 04-04-2014.




Homenagem a José Arno Galvão
A Academia de Letras Jurídicas /RN-ALEJURN, através de convite de seu Presidente, Procurador Adalberto Targino, comunica que irá prestar homenagens póstumas ao pranteado Acadêmico José Arno Galvão, ultimo ocupante da cadeira de numero 38 (Patrono –Jurista Hélio Galvão), em solenidade de começará às 10h do dia 04 de abril/2014, em sua sede provisória, no Edf. Da Procuradoria Geral do Estado,  sito à Av. Afonso Pena, 1155, Tirol.
O Necrológio será proferido pelo Acadêmico Valério Marinho e outras homenagens serão prestadas  ao falecido intelectual, pelos demais membros do Colégio Acadêmico da ALEJURN, que, naquela data, estarão reunidos em Assembléia Geral.
O saudoso Confrade José Arno Galvão era membro vitalício fundador daquela Academia, advogado militante há 50 anos, foi Procurador Geral do Município de Natal, Diretor Geral do Tribunal de Contas do estado e colaborador de vários jornais do RN.  Era conhecido pela sua capacidade como advogado e escritor, mas, sobretudo, como servidor público austero e honrado.



           

AS IRMÃS ALCÂNTARA BRASILEIRA
Por: Gileno Guanabara, advogado

Izabel Maria de Alcântara Brasileira, a primeira, filha primogênita da união quase matrimonial do Príncipe Regente, Pedro I, com a marquesa de Santos. Nos seus primeiros anos de vida gozou da intimidade do irmão, Pedro II, com quem brincava nos festins da freguesia de São Cristovão. Reconhecida a paternidade, por ato oficial de filiação acordado, aos cinco anos de idade, Izabel Maria foi tirada da convivência com a mãe e, por decisão paterna, foi internada no Colégio Sagrado Coração, em Paris, onde, com a maioridade, seria ordenada freira.

Em súplica feita na hora da sua morte, Pedro I pediu a sua esposa, Dona Amélia de Leutchenberg, que teve filhos, para que amparasse a sua filha bastarda e dela cuidasse devidamente. Assim ela o cumpriu. Da Europa, onde viveu exilada, na condição de ex-imperatriz do Brasil, Dona Amélia, através de carta, dava notícias aos de cá. Certa vez, notificou o Imperador Pedro II que havia contrariado a última vontade do pai da menor. Havia transferido Izabel Maria para o Instituto Real das Moças, de Munich, desfazendo o projeto de ter na família uma freira. O intuito foi de prepará-la para o casamento bem sucedido na Alemanha.

O imperador Pedro II, acompanhou à distância o crescimento da irmã natural, cujos laços de sangue também reconheceu pelos afetos que lhe dispensou. Recebia cartas periódicas da cunhada, dando conta da beleza e os esforços que mantinha com a ajuda da madre superiora do educandário, a fim de arranjar um bom casamento para a enteada.  

A maior preocupação que a curadora manifestava era o valor da herança que o pai, no caso, seu marido, ao morrer, deixara em favor da filha e de outras dádivas que lhe fizera em vida, somando o valor de 500.000 francos, o que dificultava a efetivação de um bom casamento. Sugeriu ao imperador um presente de núpcias, em dinheiro ou diamantes, para compor o dote. Revelou D. Amélia que a rainha de Portugal, irmã do imperador, Dona Maria da Glória, se comprometera com a doação de um valor, tornando possível um bom casamento e existência felizarda da sobrinha. D. Pedro II remeteu a importância de 50.000 francos ouro, enquanto que a irmã dispôs 100.000 francos, ao que se somaram mais 50.000 francos doados pela madrasta.

Izabel Maria de Alcântara Brasileira, duquesa de Goiás, filha legitimada de Pedro I, príncipe regente do Brasil e ex-rei de Portugal, com o dote de um pouco mais de 500.000 francos, tornou-se apta a contrair casamento. Em outubro de 1842, D. Amélia, a duquesa de Bragança, comunicou ao Imperador Pedro II os termos do contato de casamento da afilhada com o fidalgo Ernesto Fischler, conde de Truberg, barão de Holzen, filho da princesa real de Hohenzollern Simaringen, grande dignitário da Ordem de Rosa. O casamento realizou-se em abril de 1843, perante a corte do rei da Baviera.

Maria Izabel de Alcântara Brasileira, a segunda filha de Pedro I e Domitila, Irmã de Izabel Maria que ficara no Brasil, criada em São Paulo, sob os cuidados da mãe. Casou-se com o conde de Iguassu, de quem, em pouco tempo, se separou. Teve vida familiar atormentada por fuxicos e aventuras que vinculavam amores fugazes e a vida atribulada de sua mãe. A convivência da marquesa de Santos com os problemas existenciais de sua época custou um preço. Sobre Maria Izabel, condessa de Iguassu, refletiram as turbulências vivenciadas por sua mãe. De beleza igual a da irmã primogênita, teve um destino conflagrado, apesar de igual pecúnia e do mesmo nome que herdou. Pela atribulação de sua vida conjugal, rogou uma praga antecipada ao ex-marido, que fosse direto para o purgatório.

 Domitila enfrentou preconceitos religiosos, em razão da convivência extraconjugal tornada pública, que manteve com o príncipe regente e que resultou o nascimento das duas filhas. Aderiu à causa da independência, convivendo com a agitação dos maçons e a corrupção de padres católicos; influiu sobre as dubiedades políticas de Pedro I, diante da oportunidade entre fundar um novo império e os direitos presuntivos à coroa portuguesa. A influência de Domitila sobre o príncipe regente, a ponto de ver-se condecorada marquesa, contrariava os interesses conservadores da sociedade, bem como se antepunha aos representantes da Corte Portuguesa que insistiam nas tentativas de recolonizar o Brasil.

 Izabel Maria, a quem se destinou a sina de ser freira, terminou sendo a condessa de Treuberg. Teve vida meritória na corte da Europa. Com a morte do marido, em 1867, confessou em carta ao irmão, Pedro II, “... amei o meu inesquecível marido como poucas mulheres terão amado o companheiro de sua vida.”.

Izabel Maria e Maria Izabel, filhas de D. Pedro I, ex-imperador do Brasil e ex-rei de Portugal, irmãs de Pedro II, Imperador do Brasil, ambas nascidas das entranhas e do pecado de Domitila, a marquesa de Santos, tiveram vida e ideários diferenciados, independentemente de suas vontades.

Feira


 Foto: Feira do Passo da Pátria, início do Século XX
(Acervo de Giovana Paiva), tirado do blog Natal de Ontem
A Feira do Passo da Pátria

Elísio Augusto de Medeiros e Silva

Empresário, escritor e membro da AEILIJ
elisio@mercomix.com.br

Segundo Câmara Cascudo, o povoamento do Passo da Pátria data de 1780. Esta denominação foi dada pelo então presidente da Província Olinto Meira, para registrar a façanha do General Osório na Guerra do Paraguai, quando ele atravessou o Rio Paraná de uma margem a outra, penetrou no território paraguaio e derrotou as tropas de Solano Lopez.

Todos os sábados, em finais do século XIX, o local da feira do “Passo da Pátria” estava cheio de gente de todas as camadas sociais. Ali era um ponto de abastecimento das famílias.

Desde as cinco horas da tarde, desciam pela íngreme ladeira empedrada moças, rapazes, senhoras e cavalheiros, soldados, comerciantes, cabeceiros, funcionários públicos, pescadores, marchantes, mundanas...

No pátio, próximo ao Rio Potengi, ficavam os botequins e as barracas de venda de picado, caldo de cana, refrescos. O local era também muito frequentado pelas bancas de jogos: jogo de dados, “jaburu”, carteado...

No outro lado, ficavam as bancas que vendiam tapiocas de coco, alfenins de açúcar com figuras de animais e flores, sequilhos de goma, broas, doces secos, pés de moleque, biscoitos de goma e de araruta, cuscuz, etc. Próximo, ficavam as grandes mesas de madeira, onde serviam café com bolachas secas, pães, bolos e grudes de Extremoz.

Algumas barracas vendiam cachaça com sarapatel, mocotó de boi, tripa de porco assada – local apreciado pelos boêmios. Perto dessas barracas não faltavam os tocadores de viola, sanfona, que a guisa de uns trocados animavam o local com modinhas da época. A cachaça corria solta, e a polícia sempre estava por perto para evitar os furtos e desordens.

Por todo o pátio, espalhavam-se as barracas de carne verde, peixe, crustáceos e outros que vendiam carne de “miúças”: bode, porco e carneiro. Existiam ainda as bancas que vendiam produtos do sertão; queijo de coalho e manteiga, chouriços, carne-seca, manteiga de garrafa...

Algumas bancas vendiam frutas, verduras e legumes. As bancas de cereais vendiam feijão, arroz, farinha da terra. Alguns feirantes dedicavam-se ao comércio ferragista de lamparinas, candeeiros, urinóis, facões, panelas, baldes, etc.

Não existia luz elétrica no local – somente chegaria em 1932, na gestão do prefeito Gentil Ferreira.

Às oito horas da noite, as famílias se retiravam e o “Passo” ficava entregue aos boêmios e mulheres da vida que não tinham hora para se retirarem do local.

Logo depois estava formada a “Sabatina”, um baile semanal que se realizava na casa do mestre João Contente, um endinheirado bodegueiro do local. Ali as danças se estendiam até a madrugada, sob os olhares vigilantes da polícia para evitar brigas e desordens sangrentas.

Essa feira do “Passo da Pátria” permaneceu sendo frequentada até a inauguração do mercado da Cidade Alta, quando caiu em declínio e desapareceu.

31/03/2014

JF

João de Barros (o filho), jogos e dívidas

João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN, membro do IHGRN e do INRG
As informações sobre a nossa capitania hereditária são as mais desencontradas, tanto quanto ao tamanho como aos seus donatários. Fala-se em 100 léguas, algumas vezes, outras vezes 50 léguas. Uma hora só João de Barros, outra, com Aires da Cunha. Essas distorções são provenientes do desaparecimento dos documentos de doações. Encontram-se somente os Forais, que tratam mais dos direitos e deveres dos donatários. Por isso, trazemos, através dos artigos, informações colhidas no livro de Antonio Baião - Documentos inéditos sobre João de Barros: sobre o escritor seu homônimo contemporâneo, sobre a família do historiador e sobre os continuadores das suas “Décadas”.
Em uma mercê a João de Barros referente à sua capitania do Brasil, datada de março de 1561, nas terras que chamam pitigares, consta que ele enviou uma armada há vinte anos onde despendeu muito de sua fazenda e outra há cinco anos onde foram seus dois filhos a povoar a dita terra. Essas datas correspondem mais ou menos a 1540 e 1555.
No último artigo falamos sobre uma petição de Jerônimo de Barros,  dono de uma capitania de 50 léguas ao longo da costa dos potiguares e vinte cinco na boca do Rio Maranhão, que herdou do seu pai, por ser primogênito. Hoje, vamos falar do irmão, João de Barros, que veio com ele para o Brasil, onde passaram mais de cincos anos, conhecendo mais de 500 léguas de costa. No livro de Baião constam muitas informações sobre as dívidas de João de Barros, que ele deixou por escrito, talvez, em algum testamento.
 Vamos priorizar, resumindo-as, as informações que se relacionam com o Brasil, seus familiares e algumas pitorescas.  Pena que de Jerônimo e João não se conhece qualquer relato circunstanciado dos cincos anos que passaram no Brasil. Vejamos as proezas de João de Barros, o filho.
Conta João de Barros, que sendo moço, quando se foi do Brasil, na Ilha Margarita jogou, sob sua palavra, com o cura de lá, que lhe ganhou duzentos cruzados, que lhe mandaria, e, que tinha pai e mãe, e mais não tinha para lhe pagar. Essa Ilha deve ser a que existe na Venezuela, no mar do Caribe.
A Bento Dias, do Brasil, devia vinte mil réis, parte deles por empréstimo de muito boa mente, e outro deles me ganhou em casa de Dom Álvaro Coutinho em Almeirim. Encontrei dois Almeirim, um no Pará e outro em Portugal, no Distrito de Santarém. Talvez, seja o do Pará.
O filho de Antonio de Coimbra, no Brasil, me serviu alguns dois anos e meio ou três e chamava-se Miguel, e nunca dei nada a seu pai e mãe, somente mil reais uma vez. E este moço serviu-me muito bem, deem alguma coisa a seu pai e mãe. Um filho de Diogo Castanho, de Leiria, que se chamava Fernão Castanho, me serviu, me parece, dois anos no Brasil e morreu lá, também aos herdeiros do dito Castanho deem alguma coisa, parece-me que tem mulher. Mas, resta aqui que estes dois moços eu não os levei ao Brasil, ainda que o Miguel, do amo, parece-me que já ia meu criado, e assim iam a buscar vida como eu, que a ia buscar, mas contudo deem-se alguma coisa para eles ficarem contentes. Havia um Diogo Castanho, de Leiria, processado pela Inquisição, em 1611, possivelmente, dessa família. 
Um irmão de uma guarda, que se chamava Antonio Gomes, e era parente do Bispo Pinheiro, me serviu um ano, pouco mais. Um seu irmão, no Brasil, e cá em Portugal. Também à mãe, lhe dê alguma coisa que deve ser viva.
Uns botões e medalha que Antonia de Azevedo emprestou a senhora Ana de Almeida para mim e eu nunca  mais lhe dei. Pedir-lhe perdão disto, não valia muito.
João Gonçalves de Câmara (será o Zarco) devo três mil réis que me emprestou, mas ele ganhou-me mais dinheiro em jogo, que eu não sabia jogar, não sei se sou obrigado a pagar-lhos.
Aos herdeiros de Álvaro Pais de Souto Maior, tio de Fernão Gomes de Grãa, de uns arcos de ferro que me deu em Cananor que lhe entregasse em Cochim (Índia), se perderam os arcos que valeriam mil e oitocentos réis. Álvaro Pais é citado no livro Décadas, de João de Barros, e foi capitão de Cananor.
A umas mulheres do tempo que estive em Santa Bárbara que vendiam vinho lhe fiquei devendo dois tostões, dei-nos a quem mandar um teólogo.
João de Barros, o cônego de Algarve, meu irmão Lopo de Barros e eu quando viemos de Mazagão nos emprestou dinheiro, devemo-los ambos, mas eu mais. Nunca o pediu, não sei se nos quitou, saber de seu testamento.
Lopo de Barros, meu primo, quando foi para Índia me mandou de Évora, um moio de trigo e não sei que coisas de carne de porco. Quando vim, não lhe mandei nada, o que foi mal feito, prometendo-lhe que faria. Saber se sou obrigado. E assim o seu parente, escrivão da Câmara de Évora, que é falecido, me mandou não sei quantos presuntos e dois queijos e nada lhe dei, saber o que sou obrigado a isto.
A senhora Maria de Barros, minha irmã, dois mil e quinhentos lhe darão por uma capa barrada que lhe deu meu irmão Antonio de Barros, e que me perdoe.
O nosso contra mestre, baixo de corpo, que foi com v.m (deve ser Jerônimo) e comigo ao Brasil e pousava em Boa Vista, lhe houve de Diogo de Castro uma estrica, e ele me emprestou vinte cruzados e minha intenção era pagar-lhe, e depois lhe dei uma capa em cruzados que bem vendida foi, e lhe fico devendo outros dez por um assinado meu, se sou obrigado a pagar-lhe isto ou não, pergunte-se, e peça perdão.
A uma filha de mulher que mataram que se chamava C.ª Figueiro, diz a moça que emprenhou de mim uma filha, ela está no Limoeiro, pressa de saber dela se é viva, já lhe mandei perguntar, não me respondeu, porque quem lá foi não apertou com ela, saber se é viva a menina, e que lha tomem, ainda que não seja minha, se é consciência e a metam, por servidora, em um mosteiro longe de Lisboa.
E sendo caso, que eu depois de morte seja obrigado a pagar o dote da senhora Izabel, minha irmã, que em tal caso, peço o senhor Lopo de Barros e a senhora dona Izabel, se queiram pagar pelos rendimentos da capela, e nisso se ajam como irmãos que são.
Ao Nuno, que dizem ser meu filho, e por este se criou, dos Rendimentos da Capela por espaço de oito anos, lhe deem dezesseis mil em um colégio para aprender, para frade, latim, e, não querendo ele, deem cem cruzados e o mandem caminho da Índia, e não lhe dou mais por que não posso, mas a ele lhe peço muito que seja religioso porque esta é a verdade.
João de Barros, 1º capitão do RN.


CELESTINO PIMENTEL


Jurandyr Navarro

Procurador do Estado, aposentado, e Presidente

do Instituto Histórico e Geográfico do RN

Relembro o Atheneu Norte Rio-grandense dos anos 40, no seu antigo prédio da avenida Junqueira Aires, da subida da Ribeira. Evoco emocionado esse tempo da minha mocidade.

Educandário criado em 1834, o primeiro ou segundo do Brasil, por lá passou um sucessão de gerações. Mestres-escolas, docentes outros, funcionários e estudantes deram vida àquela escola de humanidades.

De época em época, pontificavam em suas salas de aulas artífices da sabedoria magisterial, dentre esse corpo docente houve, também, nomes que se destacaram na direção do seu destino.

Um deles foi Celestino Pimentel, professor dos mais ilustres e ilustrados.

Autores aludem que os primórdios da escola pública são consignados desde a batalha de Maratona, Grécia, quando a cidade de Trezena hospedou velhos e crianças, sob a ameaça dos Persas, ocasião em que os Trezenenses alimentaram e pagaram os salários dos mestres educadores, fato narrado por Plutarco, no livro “Vida de Temístocles”. Séculos depois, Políbio, historiador, censura Roma por ainda negar a instrução às crianças, uma medida já antiga utilizada pelos gregos. Tal iniciativa helena é gravada em inscrições referentes à estatização da escola. Havia legislação atinente à educação das crianças, por parte do poder público. Em Roma o educador inicial era o chamado pater familae.

Relatos históricos da época assinalam ter sido Espúrio Carvílio o pioneiro em abrir uma escola em Roma.

Dessas raízes, alteou-se a frondosa árvore da Escola Pública até os nossos dias.   O Atheneu, no Rio Grande do Norte, do Brasil, recebeu essa herança bendita, abençoada através dos séculos, em abnegação e trabalho.

O velho educandário hospedou durante anos um verdadeiro símbolo principalmente nos anos 30/40 que se chamou Celestino Pimentel, cujo nome incorporou-se à sua existência.

 Vocacionado para a instrução pública, o conhecido educador lecionava o idioma inglês. Na sala de aula pontificada a sua pedagogia conservadora, tipo lorde britânico, ensinando uma língua enviesada para a época, suscitando a curiosidade geral dos alunos. Nesse tempo, um dos nossos colegas, chegando em casa foi indagado pelo pai, se o inglês era difícil, respondeu: “muito difícil, papai. Basta dizer ao senhor que as palavras dessa língua tem três significados. Por exemplo: o professor disse uma palavra que se escreve five, pronuncia-se  faive e quer dizer cinco!”

Todavia, tais dificuldades de começo eram resolvidas pela didática compreensiva do mestre experimentado neste mister.

Celestino Pimentel, pela sua capacidade, credenciou-se a ocupar um cargo importante,  conferido pelo poder público: - o de tradutor oficial da língua inglesa do Estado. E nessa investidura, de grave responsabilidade, permaneceu por longos anos.

Era ele conceituado docente, porém, denotava um perfil bem característico diverso do usual da sala de aula. Vocacionado se apresentava mais para dirigir do que para lecionar, embora se apresentasse um professor dos melhores.

O lugar de Diretor de estabelecimento escolar preenchia os requisitos de sua personalidade, cuja empatia era portadora de liderança. Tinha ele mais qualidades para o pragmatismo das ações. O desempenho irrepreensível no posto de comando, a política educativa junto ao alunado e a sintonia bem correspondida ao lado dos colegas professores, constituía-se no trinômio plausível a uma salutar administração.

Reunindo esses requisitos positivos, o seu nome foi, progressivamente, aclamado, durante anos, para a direção do velho Atheneu. E sob o seu criterioso comando o vetusto educandário, famoso se tornou na historia da instrução pública do Rio Grande do Norte.

Lembro-me de alguns componentes da sua diretoria, os executores dos chamado serviços burocráticos, que era composto por figuras importantes da nossa sociedade de então. Todos eles, competentes e cumpridores dos seus deveres funcionais.

Chamavam-se Emídio Fagundes, maçom ilustre da época; Sérgio Santiago, secretário e escritor de livros sobre o Espiritismo e outros assuntos; Elesbão de Macedo, inspetor de alunos, vocacionado para a Política, tendo, depois, sido eleito Vereador.

O professor Celestino marcou época na direção do Atheneu. O biótipo lembrava o estrangeiro anglo-saxônico, de tez corada, alvo, aquilino, dolicocéfalo e de gestos nobres.

 Recordo que ele se apresentava um docente e dirigente incansável. Dava expediente diário, o dia todo, no velho educandário. Nas horas vagas gostava de fumar charuto, de cheiro suave. De costume, portava terno azul, de paletó e gravada e era temível nas provas orais do final do ano, provas complementares dos exames escritos parciais.

Recordo-me que em períodos de férias regulamentares convidava professores para dar Cursos de Férias. Num desses cursos a cargo do professor Antônio Fagundes, houve uma palestra do padre Luiz Monte, Professor de Latim e Matemática, que discorreu sobre o tema, “Formação Moral e Cívica da Mocidade”, realizado se me não engano, na Associação dos Professores, prédio localizado na avenida Rio Banco, desta Capital. De outra feita, a palestra ficou sob responsabilidade do professor Clementino Câmara, intitulada “Caldeamento de Raças; o mestiço, o mulato e o cafuzo, depois do descobrimento do Brasil”.

Noutra data, o palestrante foi o professor Israel Nazareno, que teceu comentários sobre “o Idioma Nacional e a nova ortografia”.

Era assim Celestino Pimentel, trabalhando sem alarde, mas, sempre atuante e delegando tarefas educacionais a outros colegas de magistério, contanto que o aluno não ficasse esquecido.

Raramente era visto sentado no seu birô da sala da Diretoria. A sua constante era o atendimento com o professor, o funcionário e o aluno.

Homem de simplicidade a toda prova, no seio da família, na Diretoria, na sala de aula, e na sociedade. O recato também era outro atributo da sua personalidade marcante.

A figura eloqüente do professor Celestino Pimentel deverá ser mais cultuada pela geração presente. O seu nome não deve ser esquecido na memória da educação pública do Rio Grande do Norte.


30/03/2014

CINEMA



Rocky Lane

Juarez Chagas/Professor do Centro de Biociências da UFRN (Juarez@cb.ufrn.br) 

          Completei este Ano “10 anos” como articulista em O Jornal de Hoje e, para continuar enumerando o número dez, sendo os artigos publicados semanalmente, se fosse contar (posso fazer isso, pois tenho separados e guardados em dez volumes, todos os artigos publicados no tablóide) somaria mais ou menos 500 (quinhentos) artigos, uma vez que num mês publico de 4 a 5 artigos, ou seja, uma vez por semana, isso multiplicado por dozes meses ao ano...É importante observar que, ao longo desse tempo, não teria deixado de escrever mais do que dez artigos, ao todo. Isso por razões diversas, como feriados, problemas em computadores, viagens, etc.

          Já que comecei o artigo introduzindo essa questão, confesso que isso me envaidece por dois motivos específicos: regularidade na publicação dos artigos sobre temas variados e, por manter, por opção, publicação apenas neste Jornal de Hoje. Acrescentaria ainda outro fator pessoal que é, neste mesmo jornal, fazer parte de um seleto grupo de escritores e articulistas, alguns dos quais têm mais tempo do que eu.

          Estatística à parte, é inegável dizer que ainda há assuntos ou temas sobre os quais ainda não escrevi e que, gostaria de escrever. Sobre Rocky Lane tem sido um deles. A propósito, recebi ontem do Ebay (espécie de mercado livre pela internet) o livro que vinha buscando há muito tempo e não conseguia encontrar “Allan Rocky Lane-Replubic´s Action Ace, considerado raridade, inclusive nos Estados Unidos, onde o ator cowboy nasceu e brilhou como poucos nos filmes de westerns ou faroestes, como se costuma chamar no Brasil. Agora, além dos dez primeiros números originais da revista Rock Lane e uma coletânea de filmes e seriados com 51 títulos, tenho sua difícil biografia. Na verdade, Rocky Lane era, dividindo espaço com Roy Rogers e Rex Allen, um dos principais mocinhos dos seriados e filmes B´s de farwest.

          Allan Lane, mais conhecido como Allan “Rocky” Lane (Mishawaka,  1904 - Califórnia,  1973) ator norteamericano que se especializou em Westerns B, tendo sido o grande cowboy da Republic Pictures no final dos anos 40 e início dos 50, tendo atuado em mais de 125 filmes e shows de TV. Sua carreira estendeu-se de 1929 até 1966, quando dependurou os revólveres cinematográficos.

          Além dos westerns, teve também importantes participações, inclusive num filme Alfred Hitchcock Presents, no episódio "Lamb to the Slaughter" em 1958. Também se tornou conhecido por fazer a voz do cavalo na série de TV Mister Ed, nos anos 1960.

          O mais famoso mocinho dos seriados dominicais do cinema, Rock Lane era disputadíssimo tanto nas telas como nas revistas em quadrinhos, pela garotada dos anos 50 e 60, quando sua fama atingiu o auge, mesmo já estando ele praticamente recluso e fora das telas.

          Seu primeiro Western foi em 1938, “The Law West of Tombstone” (“A Lei da Terra dos Bandoleiros”), para a RKO Pictures, ao lado de Harry Carey, Tim Holt, Tom Tyler e Ward Bond, onde interpretava um “fora-da-lei” Em 1953, fez seu último Western-B para a Republic, e depois disso fez apenas alguns papéis secundários para a Universal Pictures, sendo seu último filme, para a Rank, “Geronimo’s Revenge” (“A Vingança do Pele-Vermelha”). Antes deste último filme, já no final de sua carreira, interpretou um papel secundário no filme de Audie Murphy “Hell Bent for Leather (Com o dedo no Gatilho), em 1960.

          Antes de se tornar o famoso cowboy Rocky Lane, Allan Lane fez outros papéis importantes como o seriado de 1940 “O Rei da Polícia Montada (King of the Royal Mounted) e também o seriado de Nyoka “Daredevils of the West” (“A Tribo Misteriosa”) em 1943, e “The Tiger Woman” (“A Mulher Tigre”), em 1944. Também entre 1944 e 1946, Lane estrelou seis filmes para a Republic, substituindo Don “Red” Barry, o primeiro deles “Silver City Kid (À Procura do Assassino), em 1944.

          Mas, como não há um bom sem defeito, Allan Rocky Lane também era tido, por seus próprios colegas e pouquíssimos amigos de filmagens, como a pessoa mais antipática e arrogante que se conhecia. “Ele parecia um cavalo batizado e foi a pessoa mais desagradável e “besta” que já conheci”, falou na época Kay Aldridge, a Nyoka do seriado que teve que dividir com Allan Lane.

          Então, vale o ditado que diz que “nem tudo que brilha é ouro”, mas se alguém fosse falar isso para os fans de seus filmes e seriados, na época, certamente não ouviria boas coisas.