MÍSTICO
E INTELECTUAL
Jurandyr Navarro
Raríssimos os sacerdotes católicos que enveredaram pelo estudo das ciências
do método indutivo, por ser comum, a eles, a natural inclinação vocacional
pelas letras. Reduzido, portanto, o número dos afeiçoados por esse ramo do
conhecimento humano, sendo pastores: Copérnico, que foi Cônego; Mendel, monge e
Rogério Bacon, padre franciscano, para citar alguns deles. Estes,
celebrizaram-se universalmente. O primeiro, na Astronomia, o segundo, na
Genética e o último, por ter sido o precursor do chamado método experimental,
em plena Idade Média.
O Cônego Jorge O’Grady de Paiva foi,
no Brasil, um dos raríssimos sacerdotes católicos entendedores da Física,
Astronomia, Matemática, adicionando-se a Biologia, conhecida ciência da vida.
Autor de obras várias,
dentre elas , o famoso “Dicionário de Astronomia e Astronáutica”, em segunda
edição. Saliente-se ter sido este livro, o primeiro, no assunto publicado na
América do Sul.
Além de penetrar nos
segredos da Esfinge científica, ele também foi crítico literário, conhecedor da
literatura universal, com títulos desse gênero, lançados nos círculos
intelectuais do Rio de Janeiro.
Filho do Ceará-Mirim, luxuriante torrão
potiguar, o entardecer de sua laboriosa existência terrena, ele passou em solo
carioca, após deixar Mossoró, onde dirigiu, por anos, o conhecido educandário
“Santa Luzia”.
Portou-se
um educador por excelência. “Educar é formar o homem todo: visar-lhe o
corpo e apreender-lhe a alma”, conceituou o Anjo das Escolas.
Não é bastante instruir e ensinar sem o
complemento da educação e da orientação. É mais fácil à criança arrastar-se aos
máus, que aos bons hábitos. A educação aprimora a instrução com a proteção da
ética e da moral. Sendo excepcional, a dosada pelos preceitos cristãos.
O padre Jorge tinha as credenciais e
autoridade, para imprimi-la na mente e na consciência da juventude, idade
própria da sua absorção.
Foi ele o exemplar mestre-escola, no
aprendizado da mocidade estudiosa. Os doutos, os que sabem, brilham como o
firmamento mais os Mestres, os que ensinam, brilham como as estrelas, externou
o poeta hebreu Daniel.
Fascinado pelo seu devotamento e cultura,
pela causa religiosa, o então Cardeal Dom Jaime Câmara, que tinha sido Bispo de
Mossoró, levou-o para Arquidiocese guanabarina.
Recebeu em 1953, da Academia Brasileira
de Letras, o Prêmio “Carlos Laet”, em reconhecimento ao seu invulgar talento
literário.
Quatro Academias abrilham-lhes os pórticos:
a Carioca de Letras; a Norte Rio-Grandense de Letras; a Potiguar de Letras e de
a de Ciências do Rio Grande do Norte.
Editou mais de uma dezena de títulos.
Cito alguns deles: “Dicionário de Nomes Próprios Pessoais”; “Prédicas e
Mini-Prédicas”; “João Gualberto, Varão da Eternidade”; “Verdade e Vida”;
“Prédicas, Saudações e Necrológios”; “Na Seara das Letras, da Fé e da Ciência”
e o título anteriormente citado, linhas atrás.
Muitos os seus trabalhos para revistas,
jornais e para imprensa, divulgados. Tinha predileção por dois deles: o ensaio
intitulado “A Teoria Religiosa da Música” e outro sobre o “Soneto”,
discorrendo-os sob todos os seus ângulos.
O espaço do presente texto é exíguo para
uma análise mais acurada da sua cultura, assim como da apreciação de sua
personalidade, examinadas num todo, da sua figura humana, de elevado conceito. Sacerdote
virtuoso, amante do próximo, seu irmão, a sua alma foi sempre enamorada da
verdade.
Tive a bênção de tê-lo como professor, à
distância, pois, com ele, me correspondi durante vinte e seis anos! Ensinou-me
a arte da reflexão, já que repetia sempre: “O pensamento antecede à ação.
Refletir, antes de qualquer iniciativa”. Imitava Aristóteles, na sua pedagogia,
da potência e do ato?
A lição era vez por outra, repetida.
Parecia seguir o aconselhamento de
Goethe: “Reflete, reflete antes de escrever. Tudo depende da concepção”.
Muito aprendi com seus sábios conselhos.
Certo dia, visite-o com minha esposa,
Arilda, no seu apartamento, na Cidade Maravilhosa. Já octogenário, pareceu-me
um homem solitário, na sua grandeza. Os olhos, já cansados, refletiam a luz
interior, de um espírito aberto à misericórdia dos nossos pecados.
Referindo-se a Leopardi, proferiu
Bentempelli: “O homem solitário, anjo caído do Céu”. E acrescenta, que todos na
humanidade somos anjos caídos. Mas que a sua quase totalidade não consegue
refazer as asas para retornar ao Céu, porque se perde nos vícios da multidão.
E que, raros, os que libram as asas para
o pouso antigo, afastados que foram, das impurezas do mundo.
O
Cônego Jorge foi um desses anjos últimos. Foi ele, também, um desses anjos
solitários da nossa cultura literária e científica.