A PALAVRA E SUAS CONVENIÊNCIAS
Por: Gileno Guanabara, advogado.
O sentido tradicional
da expressão “patriarca” se aplica a quem exerce chefia, o juizado da família, do
clã, da tribo, o padre, pai ou Pagé. No Brasil, se atribuiu a José Bonifácio o
título de “O Patriarca da Independência”. A vinculação do título ao Conselheiro
do Império não se deveu a historiadores da época, apesar da sua participação
nos atos que antecederam e procederam a proclamação da Independência. Mas a causa
maior foi uma graça. Um comerciante expôs na sua loja da Rua do Olvidor, no Rio
de Janeiro, a tela, de autor desconhecido, que retratava José Bonifácio entre
dois anônimos e onde estava inscrito na parte inferior: “Patriarca da
Independência”. Quer se tratasse de mera brincadeira, quer fosse simples humor,
no entanto, a ideia vinculada na obra ganhou repercussão entre os partidários
do suposto homenageado, que não eram poucos, havendo também reações contrárias de
parte dos seus desafetos.
José
Bonifácio tivera papel político relevante, quando se incorporou ao Gabinete de
D. Pedro I, superando contradições políticas com o Imperador. No entanto, se
indispôs com a influência crescente da Marquesa de Santos junto ao monarca, ela
que era simpática aos partidários da independência. Diferentemente, o Conselheiro
perseguiu os carbonários, cuja ação conspiratória se dava na Maçonaria, na
Igreja e na imprensa. No poder, José Bonifácio desencadeou intensa repressão e ordenou
a prisão de José Clemente Pereira e do Cônego Januário da Cunha Barbosa, dentre
outros. Joaquim Gonçalves Ledo, maçon, jornalista e panfletário, vivendo sob a
iminência de ser preso, escapou vestido de padre e se exilou na Argentina.
Os
adversários de José Bonifácio, participantes dos atos da proclamação ocorrentes
em 1821 e 1822, após a sua demissão, trataram de desfazer o equívoco, de
desmistificar a brincadeira inclusa na tela. Mesmo assim, sem querer, o termo
“patriarca” ganhou um novo sentido e assim ficou no vernáculo nacional.
A pantomima referida
na expressão atribuída ao paulista que ajudou o Brasil a fazer o Império, traduzia
bem as contradições de sua prática naquele momento político. Afinal, faça o que
eu digo, não faça o que eu faço. O patriarca costumava recomendar aos
brasileiros a política dentro da razão e
da moral. Contrariamente, no Ministério, mandou prender inocentes e
adversários, libertou criminosos, perseguiu seus desafetos, destituiu a
carreira de juízes que não lhe eram simpatizantes, e desviou verbas públicas a
fim de custear seus partidários. Em cartas que endereçou ao Conde de Funchall,
José Bonifácio afirmou que praticara o que as circunstâncias e as oportunidades
o exigiram.
Outra
expressão que viu alterado o seu sentido tradicional, foi o vocábulo emérito, cuja origem latina decorre do
composto “ex”, fora, e da expressão méritus, merecimento. Dessa forma,
emérito teria o sentido de imprestável, inútil, sem valor. Nas Catilinárias de
Cícero, vê-se a expressão emeritus cônsul,
no sentido de cônsul aposentado. Em Seneca, lê-se emérita dies, como dia acabado, dentre outras expressões referentes
ao vocábulo.
Dicionários portugueses
definem o termo emérito no sentido de:
aposentado, gozando os vencimentos do emprego;
ou também glosado como: “Emérito, adj.
Aposentado. Ex: soldados eméritos, isto é, reformados, jubilados.”.
A deformação ocorrida
se deveu ao texto de um jornalista lusitano que ao legendar a foto de um
político ementou: Emérito patriota.
Afora a discussão que gerou, no entanto, a expressão cunhou um novo sentido.
Deixou de se referir a aposentado, inútil, e passou a ser entendido como
corruptela de ilustre, de notável (Significações Burlescas, Fialho
de Almeida, Lisboa, 1885).
A renovação do
conteúdo das palavras não tem fronteira. O caso de emérito chegou e foi adotado no Brasil, nos conformes do novo
sentido. De igual forma, também chegou a Paris, cuja imprensa registrou “emérite”, referindo-se a Victor Hugo,
como sendo um destacado escritor. Escusado dizer das manifestações ocorridas pró
e contra aquela mudança.
Graciliano
Ramos nas crônicas que escreveu, registrou um erro de grafia atribuído a um linotipista
de jornal que, em consequência, distorceu o sentido da notícia a ser divulgada. A nota rabiscada pelo redator e dirigida às
máquinas dava conta da presença do Imperador D. Pedro I, na festa de um subúrbio
carioca. O inusitado, porém, era o destaque, segundo o qual o Imperador, que
havia caído de um cavalo, teria fraturado um dos pés. Daí ter saído amparado
num par de muletas. A matéria foi publicada com equívoco: O Imperador D. Pedro compareceu a um baile no subúrbio. Ao se retirar,
caminhava trôpego amparado num par de mulatas.
Por descuido ou imperdoável mau humor, a
notícia verdadeira dera lugar ao equívoco e provocou um mal estar governamental.
O soberano tinha comparecido e se ausentara do baile amparado num par de muletas. Portanto, o sentido pejorativo da
notícia tal o erro publicado, encontrou guarida no procedimento libertino do
monarca, de todos sabido, que não podia ver rabos-de-saia na sua frente.
A radicalização
da campanha política em 1960, no Rio Grande do Norte, notabilizou-se pelas
passeatas populares em que os candidatos e os eleitores caminhavam nas ruas, durante
noites inteiras. O então Governador, Dinarte Mariz, líder da UDN, posicionou-se
ao lado da candidatura de Djalma Marinho. No vale tudo que prevaleceu, tencionando
sensibilizar os eleitores numa avenida do bairro do Alecrim, reduto da
oposição, Dinarte subiu o tom do desabafo e acusou o opositor, Aluísio Alves,
da Cruzada da Esperança, de lhe fazer acusações indevidas. Do alto do palanque,
o governador proclamou: “Foi numa noite como essa, nas Quintas, que Aluisio me
desonrou”. A turba de eleitores oposicionistas, incrédulos, no entendimento precário
e dúbio da revelação, respondeu: “vai casar ... vai casar”.