10/03/2014

        O REI MALVADO
Por: Gileno Guanabara, advogado

Ao final do século V, a ameaça de guerra com que D. João II, Rei de Portugal, se arvorou para exigir dos soberanos espanhóis uma terça das terras recém- descobertas no Ocidente, resultou na assinatura entre ambos do Tratado de Tordesilhas (1494) e, por isso, afinal, foi possível a existência de uma colônia portuguesa no Sul da América. Esse pedaço foi ampliado pelos bandeirantes e veio a compor o imenso território a que se chamou Brasil.
Não sei a que atribuir o fato de D. João II ter passado à História como o “Príncipe Perfeito”. No entanto, ele foi um psicopata, um assassino cruel, como confessou ao pedir ao Papado a absolvição pelas maldades que praticara.
Relatou com frieza indescritível que atraiu e matou, à punhaladas, D. Diogo, o Duque de Vizeu, seu aparentado, após convidá-lo para ter acesso ao camarim do palácio. O Bispo de Evora, D. Garcia de Meneses, teve pior sorte. O déspota ordenou  - alegando ser de melhor piedade  - que o bispo fosse jogado numa fossa cheia de sapos, para se divertir e se alimentar da carne macia dos batráquios. O sexagenário morreu de fome e pavor. Tal ignomínia, fê-la o malsinado rei, louvando-se no Rei Luis IX, de França, que trancafiou um desafeto numa jaula de ferro, como se presa mantivesse uma fera. Ou a prisão e o envenenamento do Bispo de Safim, D. João Sotil.
O fidalgo D. Fernando, Duque de Bragança, de linhagem nobre, foi atraído e preso em Palácio por D. João II. Acusado de traição através depoimentos forjados, segundo os quais conjurava contra o rei, foi condenado a morte, tendo a cabeça decepada em patíbulo, na praça pública e confiscada a sua fortuna em favor do soberano.
Outra vítima de D. João II foi o Conde de Haro que escapou inicialmente da ira do rei, cuja intenção confessa era extirpar-lhe o coração pelas costas. O Conde fugiu para a Espanha e depois para a França, onde foi achado e assassinado por um sicário, a mando do seu perseguidor.
Aos tantos homicídios cometidos, em número de oitenta, somam-se outros tantos executados a mando, em cadafalso, ao fio da espada, amputações, esquartejamentos, decapitações em praça pública, devorados por feras, como confessou. Para isso, forjavam-se as provas. Os testemunhos e confissões eram obtidos mediante tortura. Na súplica que dirigiu ao Papa Inocêncio VIII e renovada depois a Alexandre VI (Biblioteca do Vaticano, 14/10/1456 – in Hist. Genealógica da Casa Real portuguesa - Antônio Caetano de Sousa, 1746), o soberano malvado, já no leito de morte, confessou as simulações, a falsidade das correspondências, as provas forjadas para incriminação, os falsos testemunhos, a infâmia estendida às gerações futuras das vítimas, a peita impingida aos juízes e o confisco do patrimônio dos condenados. Por isso, Camilo Castelo Branco (Gaseta Literária, Porto, 1868) chamou o Rei João II de “Rei Carrasco”, porque fora cruel, mesquinho e hipócrita.
Trecho da súplica que o soberano dirigiu ao papado, com a confissão das centenas de crimes que cometeu - assassinatos; roubo; prevaricação; suborno; falsos testemunhos obtidos sob tortura; calúnia e sadismo, tal o nível de penúria que impingia às vítimas  - revela sua angústia final, quanto ao futuro que o aguardava no inferno: “... as terras de chistans os publicava por traidores, tomando-os a seus próprios herdeiros e avendo-as dava, e muitos que com temor de sua perseguição fugirão com vitupérios, e cartas defamatórias erão delle, suplicante, perseguidos, e, finalmente outros em Reynos extranhos padecerão morte, e de tal maneira que o Rey, suplicante, confessa que sob calor de título de justiça e por seu induzimento farão mortos oitenta homens ou mais” ... “mas na verdade sua Santidade fora falsamente informado, por cuja causa pede perdão a Deus e a V. Santidade.”
O historiador João de Barros (Décadas. Portugal) informa que Cristovam Colombo ofertou ao Rei criminoso seus planos marítimos de, através de caminho mais curto e seguro, na direção do ocidente, chegar às Índias Orientais. O Rei apelou aos conselhos de astrônomos judeus e de um Bispo de Ceuta que concluíram ser absurda a proposta de navegação. O Rei desconsiderou o projeto e despediu o navegador. Restou a notícia de uma provável tentativa de assassinato de Colombo em Portugal.
Colombo foi recebido em Castela (1484) quando relatou aos reis Fernando e Izabel o seu plano e, por isso, ficou retido. Quatro anos depois, em Granada, após a oitiva dos conselheiros reais, os soberanos espanhóis acolheram a empreitada. As esquadra de Cristovam Colombo, composta de três caravelas, partiu do Porto de Palos, em Andaluzia, no mês de agosto do ano de 1492. Atravessou o Oceano Atlântico e descobriu a América. Como consequência da desdita do Rei João II à proposta de Cristovam Colombo, a América deixou de ser inteiramente portuguesa, de Norte a Sul do continente.

Garcia de Rezende, cronista de época, relatou o remorso que teve o Rei malvado, pouco antes de sua morte. Registrou a sentença que ele mesmo ditou e se lhe reservou em forma de epitáfio: “Não me confortais, que eu fui tão mau bicho que nunca me acenaram que não mordesse”. 

08/03/2014



LUCIANO ALVES DA NÓBREGA

Jurandyr Navarro

Do Conselho Estadual de Cultura

Nascido no abrasado Seridó, soube honrar as tradiçoões de seus antepassados, cultuando os ensinamentos cristãos no cerne da família e transmitindo aos círculos de  amizade.

A sua atividade social foi traçada por uma linha sem deflexões. Em Caicó, ainda moço, foi atraído pelo canto mavioso da sereia da Política, elegendo-se Vereador, nos verdes anos primaveris. Esse único mandato legislativo foi qual sonho de uma noite de verão... para a carreira política iniciada.

A fim de continuar seus estudos, iniciados no Ginásio Diocesano, veio para Natal onde estudou no Colégio Pedro II, sediado na Ribeira, próspero bairro da época. Esse aprendizado levou-o ao Recife, metrópole adiantada de então, onde cursou Filosofia e fez o CPOR, na idade própria da sua convocação para Reservista, recebendo a espada, símbolo do oficialato.

No retorno ao torrão potiguar, submeteu-se ao vestibular de Direito, tendo sido, durante o bacharelado, eleito presidente do Diretório Acadêmico, pelo prestígio de sua liderança.

Diplomado, a exemplo de colegas veteranos, efetuou os primeiros ensaios nas lides advocatícias. Vocacionado para o magistério, com o tempo, tornou-se educador, não somente em sala de aula, mas, também, ocupando cargos públicos dos mais importantes, na Pasta da Educação, fazendo parte, por um espaço de tempo, do seu egrégio Conselho.

Depois, ingressou no quadro da Procuradoria Geral do Estado, no cargo de Procurador, servindo, durante anos na Secretaria da Educação, dirigindo o Setor Jurídico. E o fez com a devida competência.

Aposentado, após algum tempo, participou da criação da Academia de Letras Jurídica, do Rio Grande do Norte, como Acadêmico, na Cadeira nº 35, cujo Patrono é o Professor Otto de Brito Guerra, parente próximo, seu conselheiro e amigo, que, na intimidade, chamava-o de “Tio Ótimo”!

Nesse cenáculo lítero-jurídico, desempenhou afazeres relevantes, fazendo parte da sua organização interna, no cargo de Diretor da Revista. Em reuniões solenes, teve ele a grata oportunidade de proferir palestras e orações outras, da sua tribuna, sempre prestigiando, com sua presença e participação, esses encontros culturais.

Na Revista que dirigia, escreveu num de seus números, em sua Apresentação: “A Revista da Academia deve cultivar as Humanidades, tornando obrigatória a existência de espaço para exposição de temas humanísticos e científicos, sobre aqueles uma vista quanto ao majestoso conjunto das ciências que lhe são próprias, o campo do pensamento, da imaginação, da memória e das artes. Ensaios ou análises referentes à ciência e à cultura, aos estudos de diferentes tendências para análise múltipla. Visão tecnicista ou pragmática sobre material de excepcionalidade.

Enfim, haverá um plano para a fixação, a visão de novas perspectivas, sugestões ou repensar metódico do que se constata nos conhecimentos hodiernos, propostas e conclusões e até sugestões de mudanças estruturais. Órgão de instituição que vivencia a ciência e a cultura do Direito, impossível suas páginas não transparecerem os debates que lhe são próprios, existenciais, compatíveis com as necessidades do povo e do seu meio”.

A sua vida foi, toda ela, ligada a ocupações de ordem sócio-intelectual, tendo pertencido ao Rotary Club, onde a sua dedicação à causa levou-o ao posto de alta confiança, de seus confrades, o de Governador, por um mandato, repleto de realizações.

Outras instituições culturais tiveram-no como integrante, inclusive o Instituto Histórico e Geográfico do RN, onde no vetusto e tradicional casarão, realizou pesquisas, durante algum tempo.

Nos seus estudos alicerçou apreciável lastro cultural em literatura e noutros domínios do saber. Deixou pesquisas anotadas e escritos inéditos. Tinha mente ativa e curiosa.

Era dotado de uma Fé inquebrantável. Na idade madura a saúde física sofreu cruel abalo, somente vencido por pessoas abençoadas. Dos olhos marejados, pelo doloroso sofrimento, afastou, naquela ocasião, pela graça de Deus, a maldição da morte, que abatera à sua porta, antes da hora.

Muita coisa boa teria, ainda, de realizar na vida, com sua família, sempre unida ao seu lado. E esse tempo precioso seria-lhe concedido pela bondade da divina Onipotência, que tudo pode.

As continuadas ocupações sociais de Luciano, livram-no dos momentos de dissipação, por muitos experimentados. Tais ocupações ocuparam o seu espírito afeito às generosas realizações.

O labor bem direcionado, na razão de ordem temporal, espiritual e ética, conduziram-no às boas obras. Tudo, na convergências de um resultado satisfatório à  alma e ao intelecto, desabrochando, daí pensamentos positivos.

Avizinhando-se da idade octogenária, dentre outros afazeres, ofertou-se de corpo e alma, à causa do catolicismo, dando continuidade à sua crença, arraigada desde a infância, por transmissão hereditária. Prestou, assim, na fase derradeira, serviços a uma Capela do seu bairro, acompanhado de amigos do mesmo credo religioso.

Fecho feliz, o da página final do livro da sua vida!

A esposa, Deuze, e filhos, muito contribuíram para tamanho sucesso, o da sua trajetória luminosa, e que sua despedida final ocorresse em ambiente de plena paz.



07/03/2014


A Coluna do Gal. Miguel Costa/Prestes em São Miguel/RN, em 1926. (VIII)
Luiz Gonzaga Cortez.

A Passagem do Exército Brasileiro rebelde, conhecida por Coluna General Miguel Costa/Prestes, em 1926, pela Vila de São Miguel, um lugarejo mixuruca de quatro ruas, não deixou rastro de terror e destruição, pois já existia banditismo, coronelismo de baraço e cutelo, assassinatos de encomendas, crimes hediondos, mandonismo, eleições sujas, etc. Matava-se por qualquer motivo, à luz do dia. Sem me aprofundar no estudo da violência quem imperou nas últimas 10 décadas na região  Alto Oeste Potiguar, a 500 quilômetros de distância de Natal,  consultei o livro de Zenaide Almeida Costa, “A Vida em Clave de Dó”, e extraí alguns trechos sobre os potentados da região que eram chamados de “chefes”, mas que não passavam de chefetes.

Houve um carnaval no “Grupo Escolar” de São Miguel, em plena Quaresma, animado pela orquestra “Samba da Bola Preta”, durante três dias e três noites, com muita cachaça, brigas e foguetórios, música e danças na escola e no meio da rua. O chefe não estava na cidade. Quando chegou e soube do ocorrido, disse para o pai de Zenaide, Sr. Celestino, do cartório: “Celestino, ele não presta! É meu genro, mas não presta! Ele me paga! Fique sabendo que não vai ficar assim!”. O coronel Farias, poderoso Chefe da Vila, político de longas datas, estava furioso! O genro, Pedro Inácio, tinha criado, sem o consultar, uma ala política diferente da sua. Foi uma discussão violenta, de lá de casa ouvimos os gritos. O Coronel, alto, vermelhão, nariz achatado, cabelos crespos já grisalhos, era conhecido pela sua valentia e pelo seu poder absoluto. Não tinha inimigos declarados, mandava matar todos eles. Mandara matar o próprio irmão, deixando o cadáver exposto na estrada, proibindo que alguém chegasse perto. Com sua fala fanhosa, passara ordem para que o corpo ficasse onde estava. Que os porcos bebessem o sangue e os urubus comessem a carne. Quem desobedecesse cairia morto no mesmo lugar”.(p.36). “.... Outras pessoas sofreram vexames semelhantes. Emboscada, cabra morto enterrado nas beiras das estradas, era o clima em que se vivia. Ninguém tinha coragem de viajar de noite, não se ficava nas calçadas depois das nove horas”, (p.37).

O coronel Farias tinha contratado Lampião para entrar na vila, matar o genro, Pedro Inácio e ir embora, foi ao encontro do cangaceiro na estrada real, a 3 léguas de Pau Branco e avisou que não fizesse o ataque. Lampião “seguiu seu caminho de destruição em busca de Patú, Apodi, Mossoró”.

Um dia depois de uma grande festa religiosa na Vila, o coronel Farias saiu de casa para ver as suas hortaliças na beira de uma lagoa, passou perto local onde seu irmão caiu morto, quando foi atingido por cinco tiros de revólver. Relata Zenaide Almeida Costa, na página 45 do seu livro: “O peito varado, o corpo caiu entre as pedras, ficando encurvado, a cabeça em cima de umas, os pés em cima de outras. Escondidos no mato, os dois cabras saíram de seu esconderijo, caíram  em cima do corpo de faca na mão, furaram sem piedade, cortaram o pescoço para arrancar a cabeça e espetar nas estacas da cerca. O sangue corria, tingindo pedras e chão. Ninguém por perto presenciava, apenas eles dois se satisfaziam na sua missão escabrosa. Quando conseguiram o osso, faltando apenas acabar de cortar o couro para separar a cabeça do corpo, uma mulher que morava nas imediações, estranhando os gemidos que ouvira dos tiros, aproximou-se da cerca, viu que estava acontecendo, saiu correndo aos gritos histéricos em busca de casa: Acudam, pelo amor de Deus, que tem dois cangaceiros matando um homem no Riacho das Mulatas!”.

Os assassinatos continuaram, mataram um irmão de Pedro Inácio, o mandante da execução do Coronel Farias. Pedro Inácio foi absolvido em dois júris, e mudou-se para o Ceará e nunca mais  retornou a São Miguel/RN.

O caro leitor sabe que a impunidade e o “Sindicato do Crime” no alto oeste do RN, principalmente em São Miguel, somente passou a ser combatida pelo Estado nos primeiros meses de 1983, após a posse do governador José Agripino Maia?  E a apuração de vários crimes começou depois que o Diário de Natal, dirigido pelo jornalista Luiz Maria Alves, passou a cobrir as investigações desenvolvidas pelo delegado Maurílio Pinto de Medeiros, a partir de denúncias de familiares de Francisco de Assis Queiroz, o “Assis de Totô”, filho de Antonio Cipriano de Queiroz, que dando tiros na estrada de acesso a São Miguel. Mas isso é outra história.
Renato Gomes, um poeta popular.

Luiz Gonzaga Cortez*

"Memórias de um leigo" é o livro de estreia do poeta popular Manoel
Renato Gomes, natural de Currais Novos, nascido e criado até os 18
anos no sítio Liberdade, a poucos quilômetros do casarão da sua bisavó
Maria Senhorinha Dantas Pegado Cortez, conhecida por "Marica Pegado",
uma mulher culta e inteligente que administrou uma hospedaria em "São
Luiz", até fins de 1927. Octogenário, Sr. "Santos", apelido familiar,
muito cedo deixou os estudos para se dedicar a agricultura e ajudar a
família. Quando atingiu a maioridade, se alistou na Aeronáutica, mas
foi dispensado porque dois irmãos já serviam na Base Aérea de Natal,
em Parnamirim. O sonho de estudar na capital, fracassaram.
Decepcionado com a discriminação, o  poeta "Santos" arrumou a mala e
partiu para o Sul do Brasil, em busca de trabalho. Andou pelo sul,
sudeste, norte e centro-oeste, trabalhando em fazendas e empresas
urbanas, sem deixar de gravar na memória o universo humano, as
desigualdades sociais, a convivência entre pobres e ricos, as
diferenças étnicas, a qualidade de vida, a marginalidade, a política e
a cultura.
Depois de mais de 5 décadas de viagens pelo Brasil, Manuel Renato
Gomes conseguiu editar o livro de memórias, através da "Petry -
Gráfica e Editora Ltda.", de Brasília/DF, em 2011. O livro é recheado
de pensamentos, adágios, sonetos, críticas aos dirigentes da Nação, a
minoria da classe política que não se preocupa com os problemas
coletivos, etc. Não escapa ninguém que fez e faz o mal ao povo. Nem o
pai escapa. Analise duas estrofes do poema "Espelho" (p.153) e tire
suas conclusões do poema do sertanejo sofredor, mas feliz, hoje: "Eu,
desde menino bem pequeno/meu fraco era brincar no frio e calor/porque
chovendo eu não ia para a roça/E fazendo sol até hoje eu não vou. / Eu
nasci numa bendita fazenda/Que tinha o nome de liberdade/E eu fui um
dos escravos brancos/ Que sofri muito castigo e maldade".
Segundo a romancista Custódia Wolney, no prefácio, "a poesia de Renato
Gomes traduz a sabedoria de um homem que sabe extrair do cotidiano a
essência da vida. Observa, sente. Seu ser é invadido por  uma
necessidade de transformar em estrofes e rimas as faces que  delineiam
um fato. Homem de muita sensibilidade, palavras francas e olhar
sincero. Um artista que foi esculpido ao longo da vida por
experiências que lapidaram o seu ser e por volta dos 50 anos, surgiu
um Poeta pleno com a habilidade de tocar o íntimo do coração do
leitor, com suas palavras cheias de verdade e sentimento. Goiás Velho,
cidade de Cora Coralina, de Goiandira Couto, e tantos outros
importantes artistas, ganha hoje um grande Poeta, Renato Gomes, que
vem fazer história e acrescentar sua forte e marcante contribuição ao
acervo cultural da cidade".
Renato Gomes escreve talqualmente fala o homem do povo. Apesar de
pouca instrução, ele é rico em cultura popular e assegura: "Ser
inteligente com humildade e simpatia é caminhar em direção ao último e
mais alto degrau da competência e sabedoria. Fazer o mal é fácil, o
difícil é colher o fruto que ele produz". "Memórias de um leigo" foi
produzido pela Petry Editora, SIBS , Q.03, Conjunto "A", Lote 11,
Núcleo Bandeirantes -DF. Tel (61) 3386.2944/ 3879.9292/ - imeio:
petrygrafica@gmail.com
Obs.: O livro de Francisca Noélia de Oliveira, "Grandes Personagens do
Sertão - A história dos esquecidos pela história",  Editora Travessia,
Manaus, 2012, é outra obra literária, que deve ser lida pelos amantes
da poesia e prosa de uma parte do Seridó potiguar. Manoel Renato Gomes
e Francisca Noélia de Oliveira são curraisnovenses, mas não se
conhecem. Ambos se preocupam com os problemas sociais e dos excluídos.

*Luiz Gonzaga Cortez é jornalista.

06/03/2014


MÁRIO TAVARES

Jurandyr Navarro

Do Conselho Estadual de Cultura

Nascido em Natal onde iniciou os primeiros passos no estudo da Música, continuando-o no Recife e ultimando-o na então Capital brasileira. Impulsionado pelo ardor febril da aristocrática profissão, conseguiu diplomar-se pela tradicional Escola Nacional de Música. A partir daí, aperfeiçoando continuamente o entendimento musical, percorreu, durante sua existência, trilha luminosa de triunfos os mais animadores, sentindo, final­mente, o êxtase da glória na arte da melodia e da sonoridade musical.

Num período de um decênio -1950-60 - atuou, com rara desenvoltura, na Orques­tra Sinfônica Brasileira. Teve a oportunidade de exercer a docência no Conservatório Pró-arte, em Niterói e na escola Villa-Lobos.

Mário Tavares é considerado o maior intérprete do insigne compositor Villa-Lobos. Prêmios inúmeros recebeu o emérito músico natalense, em concursos nacionais. Foi Regente titular da Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, assinala Leide Câmara.

Representou o Brasil no V Seminário Internacional de Música de Câmera de Zechron Yaac. Recebeu a Medalha "Gabriela Mistral", no Chile, sendo premiado, tam­bém, em Porto Rico, Bogotá, Romênia e Bulgária pelos seus méritos invulgares como Maestro de nível internacional. Todas essas nacionalidades, por intermédio de dirigen­tes políticos e embaixadores, reconheceram o valor do grande Regente brasileiro, ou-torgando-lhe honras as mais distintas.

"Exaltação a Natal", poema sinfônico-coral é de sua autoria, com letra de Fagundes de Menezes. A sua apresentação pública deu-se, em nossa Capital, por ocasião das festividades do Quarto Centenário, tendo sido interpretado pela Orquestra Sinfônica do Rio Grande do Norte, no Teatro "Alberto Maranhão" e na Catedral pela Orquestra do Coral Canto do Povo, sob a Regência de Mário Tavares.

A Música, a arte da sonoridade, enlevou a alma sensível do ilustre Maestro. Para quem estuda e vive a Música deve experimentar o seu sabor todo especial.

Carlos Beauquier, na sua "Fisiologia da Música", tece o seguinte comentário sobre as maravilhosas combinações de ondas e vibrações, comparando às outras artes, nos termos:


"Tais combinações de sons e de movimentos equivalem aproximadamente o que é para a vista a arte pura da decoração, da ornamentação; os caprichosos arabescos, os florões, os de­senhos, os estofos, de tapeçaria, etc. Há, na Música,  ideias filosóficas de sentimentos, de imitação, de propósito literário, quanto no estampado de um rico tecido de damasco ou de brocardo, ou nas pinturas decorativas das velhas catedrais... Estes desenhos, que o decorador tira da imaginação, feitos com linhas e cores, o músico os compõe com os sons. Desenha com o ritmo e pinta com a harmonia. Uma sinfonia não passa, pois, de um vasto painel decorativo, cujas linhas estão em movimento, um quadro que se descobre sucessivamente... A impressão geral da música sobre o ouvido é a mesma do caleidoscópio sobre a vista"


Em relação ao sentimento humano, todas as artes que tocam a vida afetiva dão a mesma sensação de prazer. Todas elas exaltam os sentidos. O poeta, o pintor, o músi­co se comovem com um verso, uma tela, uma melodia...

Mário Tavares experimentou, na alma, a emoção e o perfume embriagador desta arte que envolve uma auréola de Beleza.

O ilustre filho do Rio Grande do Norte foi Membro da Academia Nacional de Músi­ca.

A operosa e brilhante atividade artística do grande Regente conquistou o aplauso dos seus conterrâneos. E a memória cultural guardará, com desvelo, o nome de Mário Tavares, orgulho da nossa arte divina.






04/03/2014


O polonês que não gostava de dogmas
 
Tomislav R. Femenick – Mestre em economia, contador e historiador
 
Dois poloneses contribuíram para a queda do império soviético. De forma direta, Karol Józef Wojtyła, o Papa João Paulo II, profundamente arraigado aos dogmas da igreja católica, minou o poder político dos comunistas. De forma indireta e não intencional, Michal Kalecki, um economista marxista, porém antidogmático, ao estudar as causas e efeitos das contradições internas do capitalismo, terminou por contribuir para encontrar os meios de regeneração capitalista, depois de suas crises periódicas.
Aliás, economistas comunistas e socialistas sempre estudaram o comportamento do capitalismo. Não é à toa que a principal obra de Karl Marx se chama “O capital”, cujo primeiro volume foi editado em 1867. Somente para citar alguns expoentes, nos anos 1910 Rosa Luxemburgo publicou “A acumulação capitalista” e Lênin o seu “Imperialismo: fase superior do capitalismo”. Em 1922/24 o soviético Nikolai Dmitrievich Kondratiev, comunista de carteirinha, desenvolveu a “teoria dos ciclos econômicos”, segundo a qual no modo de produção capitalista existiriam períodos (com duração média 54 anos) com duas fases que se contrapõem. Na primeira os preços sobem e a taxa de desemprego se reduz. Na fase seguinte há queda de preços e cresce a taxa de desemprego, o que força o reordenamento da produção e da distribuição de riqueza; recriando as força do capitalismo. Obviamente suas conclusões não agradaram e Kondratiev foi deportado para a Sibéria, aonde veio a morreu em um campo de trabalho forçado. Nas últimas décadas do século passado Michel Aglietta, um marxista francês, despontou como o novo arauto da debacle capitalista, principalmente com o livro “Regulación y crisis del capitalismo”.
O que há de comum a todos eles é a busca do fim desse modo de produção. Quando não o encontram, tentam explicam porque o capitalismo sempre acaba vencendo as crises e se impondo, embora que remodelado.
Mas, voltemos a Michal Kalecki. Todo o seu pensamento é alicerçado em conceitos marxistas, tendo por base, se não a luta, porém o conflito de interesses das classes sociais. Suas teses, em parte muita parecidas com as de Keynes, foram desenvolvidas paralelamente ao do economista inglês, sem que houvesse interação entre os dois. Para o polonês, o âmago dos problemas da economia capitalista é o equilíbrio da demanda efetiva; a igualdade da procura por bens e serviços com a capacidade de pagamento dos consumidores. Assim, quando essa correlação de força é quebrada (procura x capacidade de pagamento) eclodem as crises, cuja solução exigiria uma forte intervenção do Estado na economia, incentivando o aumento da produção e emprego e, consequentemente, o aumento da massa de salários e capacidade de pagamento das pessoas. 
Para Kalecki, sempre que os investimentos privados sejam insuficientes para manter essa adequação, o Estado deve intervir no sistema produtivo, via financiamento das empresas ou assumindo diretamente a tarefa de gerar empregos. Para isso teria que aumentar o endividamento do governo, via lançamento de títulos públicos, cujo pagamento futuro seria facilitado pelo aumento da arrecadação de tributos, resultante do aumento da produção e circulação das mercadorias e serviços. Ao assumir essas ideias ele quebrou o dogmatismo do credo marxista e, indiretamente, ensinou o capitalismo a reviver e se fortalecer, ao final de cada uma das suas crises sistêmicas. 
Pagou caro por isso. Em 1968 o governo da Polônia, controlado pelos dogmáticos soviéticos, afastou Kalecki de todos os cargos público.
Tribuna do Norte. Natal 02 mar 2014.
O Mossoroense. Mossoró, 27 fev 2014.

03/03/2014


115 anos de Luís da Câmara Cascudo
Por: Severino Vicente
 
Na minha modéstia visão de pesquisador provinciano, para se medir um grande homem não há quadro comparativo. Cada um tem seu próprio universo para exercitar sua grandeza estrelar. O mundo do espírito, do intelecto, da compreensão do fenômeno humano no dizer de Teillard de Chardin. Estes foram e continuarão sendo o campo onde as qualidades do mestre Luís da Câmara Cascudo serão sempre lembradas. O universo político do homem, o ecúmeno, a área onde se exerce e são estimadas as qualidades desenvolvidas no mundo intelectual.

Luís da Câmara Cascudo, este sábio sem fronteiras, tem características específicas para as gentes tropicais que somos e as amorenadas que vivem entre os trópicos.

O Estado do Rio Grande do Norte notadamente as instituições de natureza cultural, devem a este notável homem de cultura, projetando o Estado e sua querida Natal e o Brasil no mundo da pesquisa, mormente no universo do folclore e da cultura popular. De seu gabinete de trabalho, na província que amava da qual nunca se afastou, apesar das constantes solicitações de importantes universidades, instituições cultural do Brasil e do mundo que queriam manter seu nome em altura ideal, preferiu ficar em Natal, exercendo ao máximo sua capacidade mental, o amor e o prazer pelo trabalho.

Cascudo foi o primeiro intelectual tropical em toda extensão, num mundo em que ainda se preferia pensar que a ciência, o conhecimento puro, a eficácia intelectual, a proficiência do pesquisador seriam o apanágio das gentes das regiões temperadas, onde os longos invernos, com as baixas temperaturas propiciavam o estudo, estimulavam a cultura e o progresso material, porque, para os europeus, a cultura e o progresso eram um privilégio desse mundo de luzes e de preconceitos anti-tropicais.

Parece-me que foi Tolstoi que aconselhou: “buscai o universal, escrevendo sobre tua aldeia”. Cascudo provou que o gênio e o talento são superiores aos preconceitos, que não há barreiras intransponíveis, para o trabalho honesto, a pesquisa séria mesmo realizada num idioma de menor projeção universal.

Luís da Câmara Cascudo consagrou-se nas primeiras décadas do século XX como a figura do intelectual tropical esboçada por Debret na terceira década do século XIX. Rede pronta para recebê-lo a qualquer hora do dia ou da noite, de pijama, chinelas e charuto entre dedos em sua casa de teto alto e portas abertas, rodeadas de plantas e da brisa morna de Natal.

Nesta visão de ente tropical por excelência, fica mais fácil compreender Cascudo com sua prosa densa e rica como a própria floresta que tanto assustou a vassalagem da Coroa Portuguesa. Como a música de outro gênio, Villa Lobos, a prosa cascudiana flui em catadupas como a intensa renovação das florestas dos trópicos em solos fertilizados pela constante digestão das folhagens.

Meus amigos: muito me emociona estar aqui nesta tarde de verão dionisíaco, baconiano, como representante da mais importante instituição de estudos do folclore brasileiro, a Comissão Nacional de Folclore.

Receba minha amiga Anna Maria Cascudo Barreto e familiares o abraço do Brasil e me dê o privilégio de transmitir aos amigos estudiosos do Folclore Brasileiro do Amazonas à Paraíba, o abraço fraterno de Luís Câmara Cascudo e da Cidade do Natal.
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Palestra realizada em 30 de dezembro 2013, Instituto Luís da Câmara Cascudo.
Severino Vicente
Presidente da Comissão Nacional de Folclore
Cidade do Natal, 30 de dezembro de 2013
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