Elísio
Augusto de Medeiros e Silva
Empresário,
escritor e membro da AEILIJ
Natal no início do século XX vivia
a tranquilidade de seus dois bairros: Ribeira e Cidade Alta. Cidade de
topografia pequena, pouco mais de 20.000 habitantes compunham o seu acervo
populacional.
A Ribeira terminava na Rua Silva
Jardim, nas proximidades do atual cais do Porto. Depois, as Rocas, bairro de
pescadores isolados pelo mangue. Em 1908, foi criado o bonde, puxado a burros,
passando com um curioso tilintar nos trilhos lembrava o som de uma campainha.
A luz elétrica havia sido instalada
em 1911, no segundo mandato de Alberto Maranhão, mas alguns ainda usavam a
iluminação a gás acetileno. Nesse ano foram criados os bondes elétricos.
Nessa época, surgiram na cidade os
primeiros gramofones, RCA Victor, movidos à manivela, e de voz desagradável,
rouquenha.
As serenatas nas noites escuras
tinham os seus autores preferidos: José Lucas, Aristóteles Deolindo Lima, ao
lado de violinistas não menos famosos, como Heronides França e Cavalcanti
Grande.
Nas residências os “assustados”
eram alegres, divertidos, porém dentro do maior respeito, indo até no máximo
meia-noite, quando já se narrava o local da próxima festa.
As poesias tinham os seus declamadores,
um costume muito em moda em nossa Capital.
Na Ribeira, nas proximidades da
Igreja do Bom Jesus, havia a lapinha mais famosa do bairro, frequentada pelo
poeta Ferreira Itajubá, que ali fazia as suas exibições.
Na época, existiam vários cantões
na Cidade Alta e Ribeira, e cada um tinha seu feitio próprio, onde os amigos
conversavam de tudo. Alguns, até de política.
Na Avenida Rio Branco existia um cantão
que ficava na residência do Urbano Hermilo, onde não se falava de política, e
sim de arte, literatura. Os frequentadores mais assíduos eram: Alberto
Maranhão, Celestino Wanderley e Segundo Wanderley (irmãos), Manoel Dantas,
Pinto de Abreu, Henrique Castriciano e Pedro Soares.
Os rapazes vindos do interior para
a Capital, a fim de estudar, hospedavam-se nas repúblicas.
O “Diário de Natal”, de Elias
Souto, circulava, e a sua redação funcionava na Rua da Conceição – era um
jornal oposicionista a Pedro Velho.
O jornal “A República” também já
circulava, sob a direção de Pedro Velho. Depois, surgiu a “Gazeta do Comércio”,
direção de Pedro Avelino e Augusto Leite, tendo a sua sede à Rua 13 de Maio.
As roupas da época eram de tecido
francês ou inglês, pois tudo que era bom era importado - o País ainda era
carente de indústrias. A moda normalmente era ditada por figurinistas
franceses.
A garotada daquele tempo usava
canivetes Rodgers. Não existiam judô, nem caratê, as brigas eram resolvidas no
murro, pau ou rasteira. As brigas domésticas, entre irmãos, eram resolvidas pelos
pais na base da vara de goiabeira.
O carnaval de rua ainda era na
Avenida Tavares de Lira e na Praça Leão XIII, ambas na Ribeira. Apenas em 1936,
ele passaria para a Cidade Alta, primeiro na Rua Vigário Bartolomeu, e depois
na Avenida Rio Branco.
Em Natal, sempre havia um circo na cidade,
cujos palhaços e trapezistas davam uma volta, anunciando o espetáculo noturno e
gritando: “O palhaço o que é?”. A garotada respondia: “É ladrão de mulher”.
“Hoje tem marmelada?”. “Tem sim, senhor”.
Já se jogava ping-pong em Natal nos
melhores clubes da época. O rádio era coisa nova, e televisão nem existia.
Nas antigas livrarias da Ribeira, os
livros de Machado de Assis, Humberto de Campos, Euclides da Cunha, Dostoiévski eram
os preferidos da pequena elite literária.
A moda que se iniciava entre os rapazes
era tocar violino, flautas e clarinetes. As moças preferiam o piano.
Na Ribeira todos aguardavam
ansiosos a chegada dos trens e, ocasionalmente, dos cargueiros que vinham
descarregar e apanhar mercadorias no Porto.
O comércio da Ribeira atraía os
fregueses da Capital e os que vinham do interior para as compras. Na Rua Frei
Miguelinho, a firma Góes & Filho vendia ferragens para luz de acetileno
(arandelas, zinco, cotovelos, torneiras e carbureto), ao lado de óleos, tintas
e perfumarias.
Com a abertura do cinema Polytheama,
inaugurado em 1911, novos hábitos começaram a surgir entre a população, que
descobria uma moderna opção de lazer – o cinema mudo.
À noite, as famílias reuniam-se nas
calçadas com os vizinhos e amigos para a prosa habitual, que se encerrava às
vinte e uma horas. A partir desse horário, só os boêmios ficavam nos bares e
casas de prostituição.
Na Ribeira, os palacetes lindos e
imponentes, recuados e com estilo próprio, ladeavam a Praça Augusto Severo, de
jardins amplos e bem cuidados, assim como o coreto, que a tudo assistia.
Assim diz a memória do tempo!