16/07/2013

Natal no início do século XX



Elísio Augusto de Medeiros e Silva


Empresário, escritor e membro da AEILIJ


Natal no início do século XX vivia a tranquilidade de seus dois bairros: Ribeira e Cidade Alta. Cidade de topografia pequena, pouco mais de 20.000 habitantes compunham o seu acervo populacional.

A Ribeira terminava na Rua Silva Jardim, nas proximidades do atual cais do Porto. Depois, as Rocas, bairro de pescadores isolados pelo mangue. Em 1908, foi criado o bonde, puxado a burros, passando com um curioso tilintar nos trilhos lembrava o som de uma campainha.

A luz elétrica havia sido instalada em 1911, no segundo mandato de Alberto Maranhão, mas alguns ainda usavam a iluminação a gás acetileno. Nesse ano foram criados os bondes elétricos.

Nessa época, surgiram na cidade os primeiros gramofones, RCA Victor, movidos à manivela, e de voz desagradável, rouquenha.

As serenatas nas noites escuras tinham os seus autores preferidos: José Lucas, Aristóteles Deolindo Lima, ao lado de violinistas não menos famosos, como Heronides França e Cavalcanti Grande.

Nas residências os “assustados” eram alegres, divertidos, porém dentro do maior respeito, indo até no máximo meia-noite, quando já se narrava o local da próxima festa.

As poesias tinham os seus declamadores, um costume muito em moda em nossa Capital.

Na Ribeira, nas proximidades da Igreja do Bom Jesus, havia a lapinha mais famosa do bairro, frequentada pelo poeta Ferreira Itajubá, que ali fazia as suas exibições.

Na época, existiam vários cantões na Cidade Alta e Ribeira, e cada um tinha seu feitio próprio, onde os amigos conversavam de tudo. Alguns, até de política.

Na Avenida Rio Branco existia um cantão que ficava na residência do Urbano Hermilo, onde não se falava de política, e sim de arte, literatura. Os frequentadores mais assíduos eram: Alberto Maranhão, Celestino Wanderley e Segundo Wanderley (irmãos), Manoel Dantas, Pinto de Abreu, Henrique Castriciano e Pedro Soares.

Os rapazes vindos do interior para a Capital, a fim de estudar, hospedavam-se nas repúblicas.

O “Diário de Natal”, de Elias Souto, circulava, e a sua redação funcionava na Rua da Conceição – era um jornal oposicionista a Pedro Velho.

O jornal “A República” também já circulava, sob a direção de Pedro Velho. Depois, surgiu a “Gazeta do Comércio”, direção de Pedro Avelino e Augusto Leite, tendo a sua sede à Rua 13 de Maio.

As roupas da época eram de tecido francês ou inglês, pois tudo que era bom era importado - o País ainda era carente de indústrias. A moda normalmente era ditada por figurinistas franceses.

A garotada daquele tempo usava canivetes Rodgers. Não existiam judô, nem caratê, as brigas eram resolvidas no murro, pau ou rasteira. As brigas domésticas, entre irmãos, eram resolvidas pelos pais na base da vara de goiabeira.

O carnaval de rua ainda era na Avenida Tavares de Lira e na Praça Leão XIII, ambas na Ribeira. Apenas em 1936, ele passaria para a Cidade Alta, primeiro na Rua Vigário Bartolomeu, e depois na Avenida Rio Branco.

Em Natal, sempre havia um circo na cidade, cujos palhaços e trapezistas davam uma volta, anunciando o espetáculo noturno e gritando: “O palhaço o que é?”. A garotada respondia: “É ladrão de mulher”. “Hoje tem marmelada?”. “Tem sim, senhor”.

Já se jogava ping-pong em Natal nos melhores clubes da época. O rádio era coisa nova, e televisão nem existia.

Nas antigas livrarias da Ribeira, os livros de Machado de Assis, Humberto de Campos, Euclides da Cunha, Dostoiévski eram os preferidos da pequena elite literária.

A moda que se iniciava entre os rapazes era tocar violino, flautas e clarinetes. As moças preferiam o piano.

Na Ribeira todos aguardavam ansiosos a chegada dos trens e, ocasionalmente, dos cargueiros que vinham descarregar e apanhar mercadorias no Porto.

O comércio da Ribeira atraía os fregueses da Capital e os que vinham do interior para as compras. Na Rua Frei Miguelinho, a firma Góes & Filho vendia ferragens para luz de acetileno (arandelas, zinco, cotovelos, torneiras e carbureto), ao lado de óleos, tintas e perfumarias.

Com a abertura do cinema Polytheama, inaugurado em 1911, novos hábitos começaram a surgir entre a população, que descobria uma moderna opção de lazer – o cinema mudo.

À noite, as famílias reuniam-se nas calçadas com os vizinhos e amigos para a prosa habitual, que se encerrava às vinte e uma horas. A partir desse horário, só os boêmios ficavam nos bares e casas de prostituição.

Na Ribeira, os palacetes lindos e imponentes, recuados e com estilo próprio, ladeavam a Praça Augusto Severo, de jardins amplos e bem cuidados, assim como o coreto, que a tudo assistia.

Assim diz a memória do tempo!


                                   CONVITE
A Academia de Letras Jurídicas do Rio Grande do Norte – ALEJURN -  convida Vossa Excelência para a palestra FORMAÇÃO JURÍDICA DAS SOCIEDADES EMPRESARIAIS, a ser proferida pelo Doutor Tomislav R. Femenick , no próximo dia 19/07 (sexta-feira) às 10h, no Auditório da Procuradoria Geral do Estado, situada à AV. Afonso Pena, 1155, Tirol, Natal-RN.
Sobre o palestrante  
Tomislav é escritor, jornalista,mestre em Economia, pela PUC/SP, com extensão em Sociologia e História; pós-graduado em Economia Aplicada para Executivos, pela FGV/SP e Bacharel em Ciências Contábeis pela Universidade Cidade de São Paulo. É Professor universitário, Auditor, Consultor e Perito Contábil e Especialista em Avaliação de Sociedades Empresárias. Membro da Academia Norte-rio-grandense de Ciências Contábeis e do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.
É autor, com cerca de 40 obras e seus livros são adotados por importantes universidades brasileiras
ALEJURN
Telefax (84)3232-2898 

 alejurn2007@gmail.com

15/07/2013

JORNAL "HORA DO POV O" III




5. O Plano Revolucionário
Fechadas as portas à saída política, a solução revolucionária passa ao centro da cena. O plano que vai sendo arquitetado tem por objetivo  estratégico a obtenção do controle sobre 1ª Divisão de Infantaria, sediada na Vila Militar, para, com base nela, organizar uma coluna revolucionária que marchasse até o Catete e depusesse o governo.
Os revoltosos acreditavam que com apoio no 1º Regimento de Infantaria e em unidades situadas nas proximidades - Escola Militar de Realengo, Batalhão Ferroviário, Batalhão de Engenharia, Escola de Aviação - seria possível forçar o 2º Regimento de Infantaria e demais corpos da 1ª Divisão de Infantaria a se integrarem ao movimento.
Obtido esse resultado, o marechal Hermes, escoltado por um piquete do 15º Regimento de Cavalaria, assumiria o comando da coluna que iniciaria o seu deslocamento pelo eixo ferroviário da Central do Brasil. Na região do Méier, previa-se um confronto com as tropas da Marinha, do 1º Regimento de Cavalaria Divisionária, da 3ª Companhia de Metralhadoras Pesadas e do 3º Batalhão de Infantaria da Polícia Militar.
A vanguarda revolucionária suportaria o choque, enquanto a retaguarda, tomando o rumo de Jacarepaguá, se deslocaria pela estrada do Pica-Pau, em direção à Tijuca, visando a Zona Sul, por onde avançaria sob a cobertura dos canhões do Forte Copacabana e da Fortaleza de Santa Cruz, também previamente sublevados, para alcançar o Palácio das Águias, bairro do Catete, sede do governo federal.
Hermes da Fonseca Filho, biógrafo do marechal, apresenta a seguinte avaliação:
"Esse plano não deixava de ser bem estruturado, pois enquanto o combate no Méier empolgasse as atenções do governo, levando-o a concentrar ali todos os reforços, o ataque revolucionário diversionista pelo lado Tijuca-Copacabana-Gávea desenvolver-se-ia a toque de caixa".
O plano previa também a sublevação da guarnição federal de Mato Grosso, chefiada por seu comandante, o general Clodoaldo da Fonseca.
6. O Fechamento do Clube Militar
Durante o mês de junho, a tensão política se eleva. O governador de Pernambuco protesta contra a intervenção de Epitácio Pessoa nas eleições daquele estado. O presidente alega inocência. O incidente, porém, desencadeia uma escalada que culmina no levante de 5 de Julho.
Uma concorrida Assembléia do Clube Militar, realizada no dia 28 de junho, aprova por aclamação o telegrama do marechal Hermes ao coronel Jaime Pessoa, comandante militar de Recife, recriminando a intervenção do Exército nos incidentes contra o governo estadual, provocados pelos Pessoa de Queirós, sobrinhos de Epitácio. Os jornais de Recife estampam o texto do documento. A violência em curso já havia provocado a morte do dentista Tomás Coelho, com um inconfundível tiro de fuzil mauser que convulsionara o estado.
Diz o telegrama:
"O Clube Militar está contristado pela situação angustiosa em que se encontra o Estado de Pernambuco, narrada por fontes insuspeitas que dão ao nosso glorioso Exército a odiosa posição de algoz do povo Pernambucano. Venho fraternalmente lembrar-vos que mediteis nos termos dos artigos 6º e 14º da Constituição, para isentardes o vosso nome e o da nobre classe à que pertencemos da maldição de nossos patrícios... Não esqueçais que as situações políticas passam e o Exército fica".
                Em sua resposta, o coronel Pessoa, também parente de Epitácio, comete a imprevidência de sublinhar que estava agindo por ordens superiores - "outro não é nem será meu intuito que obediência à lei e autoridades constituídas". A indiscrição expõe e deixa furioso o presidente da República.
No dia seguinte, o coronel é forçado a pedir demissão do comando da 6ª Região Militar. Epitácio incumbe também o ministro da Guerra, Pandiá Calógeras, de interpelar o marechal Hermes sobre a autoria do telegrama que considera desrespeitoso à sua autoridade.
Em 1º de julho, o marechal e a diretoria do Clube Militar reafirmam sua responsabilidade sobre o telegrama. O governo anuncia, então, duas decisões explosivas. O fechamento do Clube Militar por seis meses, baseado na Lei Adolfo Gordo, que autorizava a interdição - a bem da moral pública - de casas de tavolagem e lenocínio, antros de vigaristas e rufiões, sociedades de cáftens e anarquistas. A outra seria uma medida disciplinar, sob a forma de repreensão, contra o marechal Hermes, que repele pronta e energicamente a punição dirigindo-se à Epitácio nos seguintes termos:
"Considerando que a minha alta patente e a condição de chefe do Exército nacional me conferem tacitamente o direito de aconselhar e encaminhar na senda honrosa, sempre trilhada pelas forças armadas, àqueles oficiais que porventura possam ser mal orientados... declaro à vossa excelência que não posso aceitar a injusta e ilegal pena que me foi imposta"..
            No dia 2 de julho, Hermes preside a tormentosa Assembléia do Clube Militar, na qual o tenente Gwyer lança a dramática advertência: "estamos às portas da revolução". Naquele momento, mais que desejo ou vaticínio, essa era a constatação de um fato.
7. Preparativos Finais
                Condenando o decreto de suspensão do Clube e a repreensão ao marechal Hermes, o Correio da Manhã publica um editorial incendiário, no dia 3 de julho, onde  afirma:
"Afinal o crime do marechal Hermes e do Clube Militar foi o de terem em documento público aconselhado o respeito a Constituição... Não é preciso mais nada para saber que entramos num estado revolucionário da pior espécie, aquele em que é o agente da ordem que o provoca e entretém. O fechamento do Clube Militar toma o caráter de uma medida em que só se vê o fel que amarga as resoluções de pura vingança"..
O ultraje aos militares e oposicionistas em geral não ficaria sem resposta.
No bairro do Leme, o general Joaquim Inácio em reunião com cem revolucionários, civis e militares de todas as armas, que vinham há meses preparando o levante, fixa o seu início para uma hora da madrugada do dia 5. 
Um dos presentes à reunião era o tenente Antônio de Siqueira Campos, brilhante oficial do Forte Copacabana. Nascido numa fazenda de café, em Rio Claro, interior de São Paulo, leitor assíduo de textos sobre a história do Brasil e                          a revolução mexicana de Villa e Zapata, ocorrida na década anterior, Siqueira, com 24 anos de idade, seria o protagonista da epopéia que o transformaria no grande baluarte do Movimento Tenentista.
Das seis fortalezas que guarnecem a baía da Guanabara, Copacabana (1ª Bateria Isolada de Artilharia de Costa) era a mais moderna. Com suas cúpulas protegendo gigantescos canhões de 305 milímetros, o Forte Copacabana era o que dispunha de maior poder de fogo. Sua guarnição estava sob o comando do capitão Euclides Hermes, filho do marechal Hermes.
Os revolucionários contavam também como certa a adesão da Fortaleza de Santa Cruz (2º Regimento de Artilharia). As demais - Vigia, Laje, São João e Pico - dependeriam da evolução dos fatos. Mas Copacabana e Santa Cruz, pela localização e potência de fogo, eram as principais unidades de artilharia da Capital da Federal.
A 3 de julho, o Forte acelera os preparativos para a revolução. A despensa é abastecida com víveres para um mês; barricadas com centenas de sacos de areia são erguidas em pontos estratégicos; a guarda é reforçada. Siqueira Campos minara diversas áreas do terreno, desde o portão da guarda até o farol. Concentra-se, agora, em recuperar o holofote da unidade.

CONVITE


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Sobre o palestrante  
Tomislav é escritor, jornalista,mestre em Economia, pela PUC/SP, com extensão em Sociologia e História; pós-graduado em Economia Aplicada para Executivos, pela FGV/SP e Bacharel em Ciências Contábeis pela Universidade Cidade de São Paulo. É Professor universitário, Auditor, Consultor e Perito Contábil e Especialista em Avaliação de Sociedades Empresárias. Membro da Academia Norte-rio-grandense de Ciências Contábeis e do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.
É autor, com cerca de 40 obras e seus livros são adotados por importantes universidades brasileiras
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13/07/2013

HOMENAGEM A PEDRO SIMÕES NETO


CAPATAZ DOS MISTÉRIOS CIRCUNDANTES - AUTORIA DE VALÉRIO MESQUITA.

ESCRITOR VALÉRIO MESQUITA
PEDRO SIMÕES NETO


 É assim como consigo definir o amigo que se encantou: Pedro Simões Neto. Ele foi “o pássaro azul” de Maurice Maeterlinck que dizia “nós só morremos, de fato, quando somos esquecidos”. A minha amizade com Pedro nasceu nas manhãs de ressurreição dos idos de cinquenta quando ingressamos no Colégio Marista: primário, ginasial, secundário, até a Faculdade de Direito, direto depois para as lutas da vida. Atravessou as fases do tempo, como advogado, professor de Direito, escritor, jornalista, pensador e acima de tudo, como ceará-mirinense de corpo e alma. Ele foi tanto Ceará-Mirim ao ponto de assemelhar-se a Leon Tolstoi quando afirmou: “se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia”. Falar sobre ele a literatura emerge de todas as variáveis da condição humana. Porque Pedro sabia captar as verdades que se ocultavam por detrás do funcionamento da sociedade de sua época. Fomos missivistas e nativistas incorrigíveis. Fazíamos de Ceará-Mirim e Macaíba, irmãs siamesas. Numa de suas notáveis epístolas telúricas, confidenciou-me que ia sempre a sua “Quinta dos Pirilampos”, paraíso incrustado em Tabatinga, área rural, território macaibense. E em sua viagem de circunavegação polar, além da ponte de Igapó, proveniente de Ceará-Mirim, dizia-me na narrativa, que “apesar de todos os perigos, sentia-se tentando a seguir pela estrada que leva a ponte das lavadeiras, a curva da morte, o peixe-boi, pelos Guarapes, até chegar a Mangabeira, só para evocar o tempo de menino dos anos cinquenta”. Pedro Simões foi excelente cronista, memorialista e ficcionista nato. Tudo estava dentro dele. A percepção da beleza de Ceará-Mirim e o encantamento do seu vale, de sua história, como junção amálgama e simbiose entre o ver e o querer, o desejar e o fazer, o sonhar e o buscar, o nascer e o renascer. Como Pedro aplacava a indignação dos maus que o afligia? Como ele deflagrava um renascer permanente de esperanças em torno de sua terra? Eu percebia nele uma perfeita sintonia de escritor com a vida e a beleza. Acreditava, como o apóstolo Paulo, que o sofrimento engrandece o homem. Foi um idealista na forma, no conteúdo e no proceder porque universalizava os seus temas, nascidos na província, entre os simples. A Academia Ceará-Mirinense de Letras e Artes, da qual é fundador, imprimiu nova dimensão e estatura cultural ao município de tantas tradições. Pedro a criou para Ceará-Mirim ascender, sempre, avançar um percurso sem fim. A instituição transformou-se no seu legado, transferido às novas gerações, não obstante, os contrastes e as heterogeinades da vida social e política. Ela se consagra pelo homem e para o homem. Revela a humanidade ontem, hoje e sempre do Ceará-Mirim. Pedro trazia dentro de si, vivo, a alma do seu tempo; os sonhos, os encantos e desencantos, as paixões telúricas e atávicas, as crenças, os valores e compromissos. Na sua literatura, entre a realidade e a ficção, muitas vezes fazia-me lembrar Gustave Flaubert ante a estupefação da sociedade francesa da sua época, com as aventuras e desventuras de Madame Bovary, desvendou o mistério: “Madame Bovary sou eu”. Nos seus voos literários em busca de decifrar enigmas, ele reafirmou a sua vocação literária com um estilo articulado, conciso e moderno. O nome de Pedro Simões Neto está chantado na província submersa do Ceará-Mirim, porque foi memória, presente e futuro.

Valério Mesquita - Escritor
 Mesquita.valerio@gmail.com

12/07/2013

JORNAL "HORA DO POVO" II





3. As Eleições de 1922
                A pressão que a oligarquia cafeeira mantinha sobre a sociedade acabaria explodindo nas eleições presidenciais de 1º de março de 1922. Os estados do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Bahia lançariam Nilo Peçanha, contra o candidato oficial Artur Bernardes - a quem a voz do povo, revelando notável antipatia, logo carimbaria com os apelidos de Seu Mé e Rolinha.
            O Clube Militar, presidido pelo marechal Hermes, coloca-se frontalmente contra a candidatura situacionista. Empurrado para um papel cada vez mais subalterno, desprestigiado pelos baixos soldos, mas cioso do papel preponderante que desempenhara na Abolição e na constituição da República, o Exército via com olhos cada vez mais críticos o rumo tomado pelo país.
            A gota d' água viria no dia 9 de outubro de 1921. O jornal carioca Correio da Manhã publica em primeira página uma carta de Bernardes dirigida a seu principal colaborador, o senador Raul Soares, lavrada nos seguintes termos:
"Estou informado do ridículo e acintoso banquete dado pelo Hermes, esse sargentão sem compostura, aos seus apaniguados, e de tudo que nessa orgia se passou... esse canalha precisa de uma  reprimenda para entrar na disciplina. Veja se o Epitácio mostra agora sua apregoada energia, punindo severamente esses ousados... A situação não admite contemporizações; os que forem venais, que é quase a totalidade, compre-os com todos os seus bordados e galões".
            Os protestos de Bernardes quanto à falsidade do documento não encontraram eco na oficialidade. Uma longa, desgastante e acirrada polêmica sobre a autenticidade da carta arrastou-se durante meses. A idéia que ficou pode ser resumida numa afirmação que revela o grau de radicalização atingido pelo confronto:
Se não escreveu, foi o que disse. E se não disse, é o que pensa.
                Nos últimos dias de dezembro, o General Ximeno de Villeroy, depois de condenar com veemência a "desbragada delapidação dos cofres públicos" e a "onda de lama que ameaça submergir a República" lança um dramático apelo:
"Republicanos! Até quando sofreremos tanta ignomínia e abjeção? Uni-vos que é chegada a hora de fazermos justiça implacável! Discípulos de Benjamin Constant! Soldados de Floriano e Deodoro, que vos importam os insultos de um politiqueiro de baixa estofa?"
                A campanha da Reação Republicava, nome pelo qual a chapa oposicionista evocava o compromisso com a causa pública contra o processo de privatização do Estado promovido pela oligarquia cafeeira, empolga as ruas. Era absolutamente nítido o contraste entre a vibração produzida pelas duas campanhas. No carnaval, cantada e tocada até a exaustão, apesar de proibida pela polícia, a marchinha de Freire Júnior e Careca, Ai Seu Mé, renovava as esperanças:
                        Ai, Seu Mé!
Ai, Seu Mé!
                                Lá no Palácio das Águias, olé!
                                Não hás de pôr o pé!
               
4. Tribunal de Honra
            Encerrada a votação, Nilo Peçanha começa a articular, com o apoio do Clube Militar, a criação de um Tribunal de Honra, para garantir a "apuração isenta" do pleito. Em favor da tese, é invocado o exemplo norte-americano das eleições presidenciais de 1876.                                     
            Ao substituir a comissão de verificação de poderes do Congresso, o Tribunal de Honra poria em cheque o principal trunfo da oligarquia para produzir a vitória de seu candidato: a fraude.
            A proposta ganha força na sociedade. Os pronunciamentos militares se sucedem. O presidente Epitácio Pessoa tenta contê-los através de atos administrativos, transferências, punições, o que só faz elevar a temperatura.
            A oficialidade jovem revela-se cada vez menos disposta a aceitar que as eleições terminem num novo cambalacho. Os tenentes sonhavam com um Brasil livre dos grilhões da monocultura cafeeira, renovado pelo voto secreto,  educação pública, industrialização, moralidade administrativa, erradicação da miséria. A fraude eleitoral significava o contrário. Uma idéia vai ganhando força nos quartéis:  Tribunal de Honra ou Revolução!
            No mês de abril, são presos quatro aviadores navais, sob a acusação de planejarem o bombardeio do trem presidencial, que transportaria Epitácio Pessoa em sua viagem de Petrópolis para o Rio de Janeiro, no dia 28.
            Na noite de 1º de maio, o presidente realiza uma reunião de emergência, no Palácio do Catete, com os mentores da candidatura oficial, para avaliar a conveniência de, como resposta ao Tribunal de Honra, promover uma reforma no regimento do Congresso, para que a comissão de verificação de poderes ganhasse o caráter de comissão de arbitragem constituída por três representantes de cada candidato. Seria uma proposta de acordo, que contava com o apoio de Nilo Peçanha.
            Os ministros da Guerra e da Marinha alertam para o estado agudo e explosivo da crise militar e consideram o acordo uma boa saída.
            O senador Raul Soares - já eleito para substituir Bernardes no governo mineiro - contesta a idéia. Argumenta que tal comissão, por ser paritária, terminaria seu trabalho num impasse, não reconhecendo nenhum dos dois candidatos, o que acarretaria a anulação do pleito.
A bem da verdade, a renúncia dos candidatos e a convocação de uma nova eleição não estava fora das cogitações de Epitácio. Em carta a Bernardes, Raul Soares relata o diálogo que manteve com o presidente:
-  O Artur Bernardes - é a minha convicção - não se agüentará 24 horas no Catete... É possível que aqui ainda obtenha certo apoio da guarnição, porque está organizada com o máximo de cuidado... Mas e os estados? As deposição de governadores partidários de Bernardes se sucederão. Não ficará um só governo de pé e o Bernardes não terá forças para restabelecer a ordem. Teremos, pois, a revolução, a anarquia e o mais que se pode prever.
- De acordo com a sua exposição só há uma solução: a desistência do Artur...
- Exatamente, a desistência de Bernades seria a solução.
O senador paulista Álvaro de Carvalho, que havia apoiado a tese do entendimento, comunica, no encerramento da reunião, o recado que Washington Luís lhe transmitira através de uma ligação telefônica: São Paulo não aceita nem reforma, nem renúncia, nem qualquer alteração das regras eleitorais. O pronunciamento do governador reafirmava os termos da nota do Partido Republicano Paulista, porta voz da oligarquia cafeeira, contra as tentativas de apaziguamento realizadas antes da eleição: 
"São Paulo, como sempre, assumiu atitude definida e definitiva".
O assunto estava encerrado. No dia 7 de junho, o Congresso proclamaria a vitória de Bernardes. Porém, até a posse, em 15 de novembro, muita água ainda haveria de rolar por baixo e por cima da ponte.

11/07/2013

JORNAL "HORA DO POVO" I


 
 
A Revolução de 1922
 
OS 18 DO FORTE
 
"Que povo não se orgulharia de possuir na raça tais leões?"
 
 
1. Às Portas da Revolução
 
Domingo, 2 de julho de 1922. O decreto de fechamento do Clube Militar, anunciado pelo governo, é debatido em Assembléia dirigida pelo marechal Hermes da Fonseca, presidente do Clube. Presentes cerca de 600 oficiais, em clima de grande agitação. Contra o tenente Gwyer de Azevedo, que discursa na tribuna,  disparam apartes o major Euclides Figueiredo, o coronel Tertuliano Potiguara, os generais Setembrino de Carvalho, Napoleão Felipe Aché, Carneiro de Fontoura, membros da cúpula militar comprometida com a velha ordem que começava a desmoronar. O relato do episódio, firmado pelo próprio tenente Gwyer de Azevedo, é representativo da tensão que marcava a época. Oito anos e três meses mais tarde, a oligarquia cafeeira seria derrubada do poder pela Revolução de 1930.
Tenente Gwyer: ... Os jornais noticiam que o senhor Presidente da República ...vai mandar seus agentes fecharem amanhã o Clube Militar, baseado numa lei proíbe as sociedades de anarquistas, de cáftens e de exploradores do lenocínio...
Major Euclides Figueiredo: O senhor Presidente da República tem toda a razão.
Tenente Gwyer: Vossa Excelência concorda que o presidente feche o Clube Militar baseado naquela lei?
Major Euclides Figueiredo: Concordo.
Tenente Gwyer: Então Vossa Excelência é cáften? É explorador do lenocínio?Queira desculpar porque, francamente, eu não sabia.
Marechal Hermes: O senhor tenente Gwyer precisa modificar a sua linguagem...
Tenente Gwyer: ... O que revolta é oficiais emprestarem seus galões a um bandido, ... deixando-o cavalgar livremente o Exército e fechar o Clube Militar de maneira infame, injuriosa e opressora.
Coronel Tertuliano Potiguara: Vossa Excelência se atreve a chamar o senhor presidente da República de bandido?
Tenente Gwyer: Ele não é somente bandido, é ladrão também, está provado...
Capitão Teopon Vasconcelos: Vossa Excelência é indigno de vestir a farda do Exército. Não agrida seus superiores!
Tenente Gwyer: Eu falei com o coronel Potiguara, e não com o seu ordenança...
Capitão Teopon Vasconcelos: Vou lhe mostrar quem é o ordenança, seu cachorro...
Marechal Hermes: Se os senhores oficiais continuarem nessa linguagem, serei obrigado a suspender a sessão. Todos nós somos do Exército, e o que está se passando aqui depõe contra nossa cultura e nossa educação. Continua com a palavra o Tenente Gwyer de Azevedo.
Tenente Gwyer: A observação do senhor presidente atinge aqueles que me obrigam a responder com violência aos apartes violentos e indelicados...
Coronel Potiguara: Vossa Excelência é um cretino.
Tenente Gwyer: Cretino é Vossa Excelência. Não estamos no Contestado, onde Vossa Excelência mandava fuzilar a torto e a direito...
General Setembrino de Carvalho: Fosse eu presidente do Clube, esse oficial não continuaria a falar.
Tenente Gwyer: ... Como poderia ser presidente deste Clube um oficial-general que na campanha do Contestado roubou da nação dois mil e seiscentos contos, assinando recibos fantásticos de víveres e deixando os soldados morrerem de fome?
Coronel Potiguara: Vossa Excelência é um caluniador:
Tenente Gwyer: Vossa Excelência toma as dores porque mandou encher de palha os 15 vagões que deveriam levar roupas para os soldados no Contestado, remeteu 30 volumes de pedras no lugar de 30 volumes de granadas  ... fluidificou 20 mil pares de botas de montaria que nunca foram vistas, em ponto algum do planeta, a não ser nas algibeiras de Vossa Excelência, vastas como o oceano...
General Napoleão Felipe: Torna-se necessária uma reação da nossa parte, porque esse oficial está nos enxovalhando.
Tenente Gwyer: Vossa  Excelência também tem rabo de palha..
General Napoleão Felipe: Aponte uma irregularidade minha.
Tenente Gwyer: Vossa  Excelência, na França, requisitou dinheiro do Tesouro Nacional para pagar dívidas contraídas em conseqüência de jogo e libertinagem... Isso está no relatório do embaixador do Brasil enviado ao Ministério do Exterior.
General Napoleão Felipe: Mas esse embaixador é um canalha...
Tenente Gwyer: Não sou o culpado. Entenda-se com o senhor embaixados.
Marechal Hermes: Não posso aceitar os termos em que o senhor está se expressando...
Tenente Gwyer: Senhor presidente... Estamos às portas da revolução!
 
2. A República do Café
               
Em 1894, com a ascensão de Prudente de Moraes à presidência, a oligarquia cafeeira paulista assumira o controle da República.
A produção do café viera se expandindo continuamente, desde 1830. A partir de 1870, com a marcha para o Oeste paulista e a introdução da mão de obra assalariada, esse crescimento foi fortemente acelerado. Porém, no final do século, grandes dificuldades despontaram no horizonte.
Em 1893, a saca de café no mercado internacional estava cotada a 4,90 libras. Em 1899, o preço caíra para 1,48 libras - uma queda de 70% em seis anos. Sob comando dos cafeicultores, a resposta do governo era a desvalorização cambial. A oligarquia cafeeira recebia menos libras por cada saca de café. Mas compensava a perda no momento em que trocava as libras valorizadas pelos mil-réis desvalorizados.
Do outro lado da moeda, o preço, em mil-réis, dos produtos importados se elevava. Como a oligarquia não queria nem ouvir falar em política de industrialização, o país seguia importando quase tudo o que consumia. Portanto, quem acabava pagando a conta da política de manutenção dos lucros do café através da desvalorização cambial era o povo, assolado por uma inclemente carestia.
Em 1901, a produção nacional de café atingiu 16,3 milhões de sacas, enquanto o consumo mundial era de apenas 15 milhões. O problema tornava-se mais grave.
Em 1906, uma nova política foi inaugurada, através do Convênio de Taubaté. O governo paulista - secundariamente os de Minas e Rio -, com o aval do governo federal, contrairia empréstimos junto aos bancos ingleses e norte-americanos para comprar e estocar café, de modo a que a oferta excessiva do produto não acarretasse a redução dos preços.
O resultado era previsível: estoques invendáveis se acumulariam e os bancos não abririam mão de receber seus empréstimos. Para atendê-los o governo acabaria promovendo a socialização dos prejuízos, drenando os recursos do conjunto da sociedade.
Batizada de política de valorização do café, esse expediente arquitetado para garantir lucros à oligarquia cafeeira e ao sistema financeiro internacional, às custas da expropriação de todos os demais setores da sociedade, perdurou até a Revolução de 1930, convivendo, inclusive, em vários períodos com a desvalorização cambial.
Tal situação se refletiria diretamente sobre o sistema político. Na impossibilidade de mantê-la através de regras minimamente democráticas, seus beneficiários transformaram o processo eleitoral num grosseiro cambalacho.
Além do voto a bico de pena - aberto e não secreto - que propiciava toda a sorte de pressões, intimidação e encabrestamento dos eleitores, o sistema de apuração alterava escandalosamente o veredicto das urnas.
A designação de todos os componentes das mesas eleitorais era de responsabilidade exclusiva dos presidentes das casa legislativas. Depois de colhidos e contados, os votos eram incinerados. Sobravam as atas, cuja validação e totalização também estavam sob estrito controle dos presidentes dos legislativos.
Quando isso não se mostrava suficiente para alijar os candidatos oposicionistas, as comissões de verificação de poderes das Assembléias Estaduais e da Câmara Federal, nomeadas pelo mesmo critério, se encarregavam da degola: termo pelo qual celebrizou-se o ato de transformar candidatos derrotados em vencedores e vice-versa.
Tal sistema eleitoral, fraudulento até a medula, garantia às elites estaduais o controle sobre sua província e à oligarquia paulista, coadjuvada pela mineira, o controle sobre a máquina federal.
Só uma única vez, em 1910, uma cisão entre paulistas e mineiros produziu a brecha que levou à presidência da República um candidato fora do eixo café-com-leite, o marechal Hermes da Fonseca.