Gileno Guanabara.
A Cidade do Natal das primeiras
décadas do século passado teve por referência personalidades bafejadas pelo
talento, ungidas pelo trabalho, ou agraciadas pelo humor. Por isso ou por
aquilo, tornaram-se respeitadas. João Estevam Gomes da Silva, ou “Seu
Estevinho”, é uma dessas personalidades. Residiu em seus últimos anos de vida na
casa do filho e nora, Ademar Galhardo e Alice, na Rua Gonçalves Ledo, 711.
Pelos fundos, na Rua Vaz Gondim, funcionava a Tipografia Santa Therezinha. Em sendo
tipógrafo por profissão, dedicou sua vida a compilar e publicar notícias. Fez
amizades e via o lado bom da vida. Conheci a sua esposa, Dona Lila, que faleceu
paraplégica.
“Seu Estevinho” é parte da crônica boemia da
cidade. Passeava sempre de óculos finos, terno escuro, gravata borboleta preta,
lenço na lapela e sapato lustrado, de duas cores. Participou do jornal “A
Imprensa”, criado por Cascudinho, no ano de 1918. Conviveu com jornalistas
renomados – Pedro Velho; Augusto Severo; Manuel Dantas; Augusto Lira; Augusto
Leite. Assistiu a boêmios notívagos, Gotardo Neto, Ferreira Itajubá, Antônio
Emerenciano, Ulisses Seabra de Melo, poetas, menestréis e músicos. Criou a Loja
Maçônica “Filhos da Fé”. Fundou a entidade, quase secreta, “Os Jandaias”.
“Seu Estevinho” começou nos idos de
1897, como auxiliar, nas oficinas de Elias Souto, que foi depois diretor de “O
Diário de Natal”, no palacete de Chiquinha Freire, esquina da Avenida Rio
Branco e Rua João Pessoa e, por último, na Rua da Conceição. Tipógrafo, trabalhou
na “A República”, tendo por diretor Pedro Velho e por redatores Augusto Severo,
Augusto Lira, Pedro Avelino e Antônio de Souza. Tinha especial admiração por
Eloy de Souza e Manuel Dantas, que também foram seus diretores. O Chefe das
oficinas era Augusto Leite e, paginador, José Pinto. Foi inspetor de aluno no
Atheneu Norte-riograndense. O escrivão Salustiano Peregrino da Rocha Fagundes propôs
a “Estevinho” trocar o lugar de amanuense no Atheneu pelo de escrivão do Cartório.
Relutou, mas aceitou. Logo depois foi exonerado pelo movimento revolucionário de
1930, de que não era simpático. De volta a “A República”, como encadernador,
foi eleito Deputado Estadual. Foi aposentado como chefe da revisão de “A
República”, ao tempo de Romildo Gurgel.
“Seu Estevinho” pilheriava que
flagrou Manoel Dantas comendo banana e farinha com as mãos, sobre a mesa da
diretoria. Contava que, durante a Segunda Grande Guerra, chegavam telegramas forjados
à redação. Em geral, as notícias eram fixadas num placar, em frente de “A
República”. Alberto Roselli, que passava de bonde defronte o jornal, viu a
aglomeração e, por curiosidade, quis ver a novidade. Era a notícia dando conta do
bombardeio de uma cidade francesa. Dizia haver morrido dez mil pessoas. Roseli
esclareceu o engano, pois a cidade bombardeada só possuía duas mil pessoas.
Manoel Dantas ordenou: “menino, apague ali no placar dois zeros.”.
Segundo “Seu Estevinho”, o jornal
publicava um suplemento, transcrevendo o romance “Crime e Castigo”, de
Dotoiewsky. Certo dia, o linotipista perdeu algumas páginas. Na confusão,
originou-se uma grande preocupação com a edição do suplemento. Manuel Dantas
pediu calma. Redigiu a parte perdida, ordenando que nada fosse dito sobre o sumiço.
O jornal circulou e nenhum leitor desconfiou.
“Seu Estevinho” registrava prazeroso que
Eloy de Souza ditava dois artigos diferentes a um só tempo. Certo dia, ao
escrever um artigo atacando um adversário político, adentrou na sala o
Monsenhor João da Mata que, ao ouvir trecho do artigo, assegurou que o tal
adversário havia aderido e já era correligionário. Eloy de Souza não titubeou:
“...assim dizem seus inimigos. Para nós, entretanto, o Sr. fulano de tal é um
cidadão íntegro, etc., etc.”
“Seu Estevinho” relatava que Manoel Dantas
queria descobrir um “espia” que vazava as notícias para o jornal concorrente. Desconfiava
de um cidadão que, vez por outra, adentrava na redação. Simulou um telegrama e
o entregou a José Pinto, sem antes lamentar de viva voz: “coisa danada, morreu
o papa”. O cidadão ouviu e sumiu. No outro dia o Diário de Natal publicou a
manchete principal: “Cobre-se a Igreja Católica de luto. Morreu o Papa”. O “espia”
fora descoberto. Era Paulo Viveiros.
Enquanto viveu, na Tipografia Santa
Therezinha, “Seu Estevinho”, no dia 23 de junho, publicava “Milho Verde”, “Revista
Sanjuanesca Ilustrada”, como dizia, desde o ano de 1931. Em suas páginas contribuíram
Edgar Barbosa, Newton Navarro, Luiz Maranhão, Segundo Wanderley, Veríssimo
Melo, Zé Praxedes, Rodrigues Alves, Antídio Azevedo, Otoniel Meneses, Jorge
Fernandes, Fagundes de Meneses, Gotardo Neto, Josué Silva, Esmeraldo Siqueira, e
outros intelectuais, políticos e poetas da Cidade do Natal.