Os Monomotapas
Tomislav
R. Femenick - Historiador
O e-mail era lacônico: “O que
sabe do gd Zimbábue?”. Respondi sucinto: “É assunto do meu livro Os Escravos”. Recebi de volta: “Então escreva um artigo”. Aqui está ele:
Entre os anos 300 e 850 d.C. povos chonas (shonas), vindos de terras
próximas ao lago Taganica, chegaram à região onde hoje se localizam as repúblicas
de Zimbábue, Zâmbia e Malaui. Anos depois, iniciaram as primeiras edificações
de pedra que integram um dos mais intrigantes monumentos da história da raça
negra e uma das maiores e mais notáveis construções da Idade do Ferro: o “Grande Zimbábue”. Os primeiros prédios
teriam sido erigidos por volta do ano 1100 e as grandes muralhas entre os anos
1350 e 1400. Esse conjunto (e outros de menor grandeza) localiza-se entre os
rios Zambeze e Limpopo, em um platô com altitude que vai de mil a dois mil
metros.
Hoje o Grande Zimbábue é reconhecidamente
um dos mais importantes sítios arqueológicos da África Negra. Acredita-se que tenha sido a corte real e um
centro de rituais religiosos. É uma construção feita com pedras de tamanho
quase igual, que se encaixam de maneira precisa e uniforme, em fileiras
contínuas e curvilíneas, sem qualquer argamassa para fixação. Na parte superior
da muralha há várias torres circulares, algumas medindo até quatro metros de
altura, separadas por intervalos iguais, com desenhos decorativos em monólitos de
granito ou de pedra-sabão. No seu interior há outros muros menores.
Ao serem redescobertas, em 1905, alguns estudiosos elaboraram a teoria
de que eram realizações de um povo perdido ou teriam sido os árabes que haviam
projetado as grandes construções de pedra. Hoje não há dúvidas; esta é uma
realização dos chonas.
No princípio do século
XV, eles se tornaram um império, conhecido como Monomotapa (ou Monomopata);
como os portugueses o denominaram. Esse Estado emergiu de um processo de
competição entre pequenos reinos antes existentes e, também, como resultado de
um conjunto de condições econômicas objetivas, que tinham como fim controlar a
produção de ouro.
A atividade econômica
mais comum entre os povos da Grande Zimbábue era a criação de bovinos e a
agricultura. Como as suas terras não eram propícias à formação de pastagens
durante todo o ano, desenvolveram o sistema de transumância,
deslocando o gado da planície para o planalto, na estação de seca, e do
planalto para a planície, nas estações chuvosas. Dedicavam-se, também, à
metalurgia de ouro, à extração de pedras preciosas, à mineração de ferro,
estanho e cobre, bem como ao comércio de marfim e escravos. Seus mercados eram
o Egito, outros países africanos, a China e, possivelmente, a Índia.
Em meados e até perto do final do século XV, o Império atingiu o seu
apogeu. Foi nesse período que Vasco da Gama aportou na ilha de Moçambique,
então um enclave árabe na terra dos chonas. Os relatos de seus diários de bordo
fazem referência à riqueza e cultura desse povo da costa oriental africana.
Antes de partir, o navegador luso mandou bombardear a cidade. Na sua chegada a
Lisboa, recebe “honrarias e mercês”, entre outros motivos por ter localizado as
minas de ouro dos monomotapas.
Em 1501, Pedro Alvares Cabral, de regresso das Índias (para onde foi
após ter descoberto o Brasil), enviou um emissário à “terra do ouro”,
objetivando trocar tecidos de algodão e miçangas pelo metal precioso. No ano
seguinte Vasco da Gama voltou à região e iniciou os estudos para a construção
de uma fortaleza e uma feitoria.
O mito, a verdade, o simbolismo e o fascínio do ouro dos monomotapas,
contagiaram muitos europeus. Até Luís de Camões, em seu grandiloquentíssimo
poema laudatório dos feitos e conquistas portuguesas, baseado em viagem que
Vasco da Gama empreendeu à Índia, caiu pelo encanto desse ouro. Sofala é citada
em pelo menos três vezes. “...as ondas navegamos, de Quíloa, de Mumbaça e Sofala [...], donde a rica Sofala o ouro manda [...]. Olha a casa dos negros [...],
qual bando espesso e negro de estorninhos, combaterá em Sofala a fortaleza
Nhaia com destreza” (Os Lusíadas; Primeiro
Canto, verso 54; Quinto Canto, verso 73, e Décimo Canto, verso 94,
respectivamente).
Tribuna do Norte. Natal, 11 set. 2020.
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