15/09/2020

 

Os Monomotapas

Tomislav R. Femenick - Historiador

 

O e-mail era lacônico: “O que sabe do gd Zimbábue?”. Respondi sucinto: “É assunto do meu livro Os Escravos”. Recebi de volta: “Então escreva um artigo”. Aqui está ele:

Entre os anos 300 e 850 d.C. povos chonas (shonas), vindos de terras próximas ao lago Taganica, chegaram à região onde hoje se localizam as repúblicas de Zimbábue, Zâmbia e Malaui. Anos depois, iniciaram as primeiras edificações de pedra que integram um dos mais intrigantes monumentos da história da raça negra e uma das maiores e mais notáveis construções da Idade do Ferro: o “Grande Zimbábue”. Os primeiros prédios teriam sido erigidos por volta do ano 1100 e as grandes muralhas entre os anos 1350 e 1400. Esse conjunto (e outros de menor grandeza) localiza-se entre os rios Zambeze e Limpopo, em um platô com altitude que vai de mil a dois mil metros.

Hoje o Grande Zimbábue é reconhecidamente um dos mais importantes sítios arqueológicos da África Negra. Acredita-se que tenha sido a corte real e um centro de rituais religiosos. É uma construção feita com pedras de tamanho quase igual, que se encaixam de maneira precisa e uniforme, em fileiras contínuas e curvilíneas, sem qualquer argamassa para fixação. Na parte superior da muralha há várias torres circulares, algumas medindo até quatro metros de altura, separadas por intervalos iguais, com desenhos decorativos em monólitos de granito ou de pedra-sabão. No seu interior há outros muros menores.

Ao serem redescobertas, em 1905, alguns estudiosos elaboraram a teoria de que eram realizações de um povo perdido ou teriam sido os árabes que haviam projetado as grandes construções de pedra. Hoje não há dúvidas; esta é uma realização dos chonas.

No princípio do século XV, eles se tornaram um império, conhecido como Monomotapa (ou Monomopata); como os portugueses o denominaram. Esse Estado emergiu de um processo de competição entre pequenos reinos antes existentes e, também, como resultado de um conjunto de condições econômicas objetivas, que tinham como fim controlar a produção de ouro.

A atividade econômica mais comum entre os povos da Grande Zimbábue era a criação de bovinos e a agricultura. Como as suas terras não eram propícias à formação de pastagens durante todo o ano, desenvolveram o sistema de transumância, deslocando o gado da planície para o planalto, na estação de seca, e do planalto para a planície, nas estações chuvosas. Dedicavam-se, também, à metalurgia de ouro, à extração de pedras preciosas, à mineração de ferro, estanho e cobre, bem como ao comércio de marfim e escravos. Seus mercados eram o Egito, outros países africanos, a China e, possivelmente, a Índia.

Em meados e até perto do final do século XV, o Império atingiu o seu apogeu. Foi nesse período que Vasco da Gama aportou na ilha de Moçambique, então um enclave árabe na terra dos chonas. Os relatos de seus diários de bordo fazem referência à riqueza e cultura desse povo da costa oriental africana. Antes de partir, o navegador luso mandou bombardear a cidade. Na sua chegada a Lisboa, recebe “honrarias e mercês”, entre outros motivos por ter localizado as minas de ouro dos monomotapas.  

Em 1501, Pedro Alvares Cabral, de regresso das Índias (para onde foi após ter descoberto o Brasil), enviou um emissário à “terra do ouro”, objetivando trocar tecidos de algodão e miçangas pelo metal precioso. No ano seguinte Vasco da Gama voltou à região e iniciou os estudos para a construção de uma fortaleza e uma feitoria.

O mito, a verdade, o simbolismo e o fascínio do ouro dos monomotapas, contagiaram muitos europeus. Até Luís de Camões, em seu grandiloquentíssimo poema laudatório dos feitos e conquistas portuguesas, baseado em viagem que Vasco da Gama empreendeu à Índia, caiu pelo encanto desse ouro. Sofala é citada em pelo menos três vezes. “...as ondas navegamos, de Quíloa, de Mumbaça e Sofala [...], donde a rica Sofala o ouro manda [...]. Olha a casa dos negros [...], qual bando espesso e negro de estorninhos, combaterá em Sofala a fortaleza Nhaia com destreza” (Os Lusíadas; Primeiro Canto, verso 54; Quinto Canto, verso 73, e Décimo Canto, verso 94, respectivamente).

 

Tribuna do Norte. Natal, 11 set. 2020.

 




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