30/03/2020


O quinteto mágico

Tomislav R. Femenick – Jornalista – Aviso: Não vou falar sobre coronavírus.

O responsável foi Catão. Nenhum daqueles de Roma antiga. Não foi Marcus Porcius Cato, também conhecido como Catão, o Censor; ou Catão, o Antigo, cuja vida serviu de exemplo para a regeneração dos costumes e que ficou famoso pela frase “Delenda est Carthago” (Cartago deve ser destruída), com a qual costumava concluir seus discursos. Também não foi Públio Catão, Públio Valério Cato, poeta, gramático e renovador da poética romana, ao abandonar o épico e o drama pelas histórias mitológicas curtas, elegias e obras líricas. Tampouco foi Marcus Porcio, bisneto de Catão, o Censor, e conhecido como Catão de Útica, tribuno militar e censor que defendeu o Senado e a República contra César.
            Não, não foi nenhum desses Catões, por mais importantes que tenham sido. Foi Catão, o funcionário do Banco do Brasil que era nosso vizinho lá em Maceió, capital das Alagoas. Foi ele o responsável pela minha aproximação com o jazz e com a música clássica – mais com o jazz –, lá pelos anos cinquenta do século passado. Ele morava em uma república de bancários, na praia da Avenida, e tinha uma eletrola moderna, com hi-fi (“high fidelity”, alta fidelidade) e preparada para tocar discos de três velocidades; 33 e 1/3, 45 e 78 rotações. Com todo esse equipamento, era natural que Catão, o bancário, ouvisse os seus discos em volume razoável. Somente uma rua estreita separava a janela do meu quarto daqueles acordes maravilhosos. E comecei a aprender a ouvir jazz. Logo, Charlie Parker, Dizzy Gillespie, Benny Goodman, Oscar Peterson, Billie Holiday, Artie Shaw, Duke Ellington, Count Basie, Glenn Miller, Jimmy e Tommy Dorsey e os divinos Louis Armstrong e Ella Fitzgerald passaram a povoar os meus sonhos musicais, fazendo companhia a Noel Rosa, Pixinguinha, Dorival Caymmi, Ataulfo Alves, Nelson Gonçalves, Severino Araújo, Linda e Dircinha Batista, Herivelto Martins, Luiz Gonzaga, Dalva de Oliveira, Araci de Almeida, Orlando Silva e outros artistas nacionais que se destacavam naqueles anos.
            Mas, afinal de contas, o que é o jazz? É uma forma musical de extrema riqueza e versatilidade, que teve origem nas canções dos escravos negros norte-americanos e sofreu influência europeia na sua instrumentação, melodia e harmonia. Esse modo derivou para o “ragtime” (uma música essencialmente sincopada) e para o “blue” (ainda sincopado, porém lento). O que o caracteriza como estilo musical são as variações melódicas que derivam de uma base harmônica, de um mote, para as improvisações dos intérpretes. Assim, assentadas em um ritmo regular, as interpretações são enriquecidas com ornamentos e improvisações. Hoje o jazz é uma forma universal de expressão artística, quer nas formas populares, especialmente vocal ou dançante, ou em sua modalidade mais sofisticada, quando é apresentando como concerto, o chamado jazz sinfônico.
Voltemos aos anos cinquenta. Estava no Rio de Janeiro, ainda capital federal, quando li, em uma edição espanhola da revista Life, uma matéria sobre o Blue Note, o templo nova-iorquino do jazz. Falava de um dos melhores Jazz Club do mundo, situados no coração do bairro de Greenwich Village, em New York. Era lá que todos aqueles músicos de jazz se encontravam e se apresentavam, era lá que todas as noites eram escritas novas páginas da história do jazz.
Na primeira vez que fui a New York, eu tinha o firme propósito de conhecer o Blue Note. Juntei meus parcos dólares e fiz a reserva e, à noite, fui um dos primeiros a chegar. Sentado sozinho, copo de whisky na mão, esperei o show começar sem nem ter visto a programação. Era um conjunto para mim desconhecido, mas foi uma interpretação maravilhosa. O pianista simplesmente dançava nos teclados; o baterista afagava os bombos, tambores, taróis e pratos do seu instrumento; o contrabaixista acariciava as cordas do contrabaixo; o cara do saxofone soprava sons hipnotizadores e um fulano tirava de um trompete melodias celestiais. Curioso, fui ver no programa, que estava em cima da mesa, o nome daqueles músicos. Era simplesmente Miles Davis e seu conjunto. O quinteto de Miles Davis que está entre os grupos mais notáveis da história do jazz, graças a um estilo muito peculiar de improvisos, doçura e lirismo.


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