13/12/2017

                    
               Opinião


Fux e o auxílio-moradia

Ao julgar um pedido de suspensão do pagamento de auxílio-moradia a todos os juízes, o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), deixou de lado a questão do mérito e decidiu com argumentos meramente formais.

O Estado de S.Paulo  -                                                                                                                                                                   
11 Dezembro 2017 |                                                                                                            
Ao julgar um pedido de suspensão do pagamento de auxílio-moradia a todos os juízes, inclusive aos que têm casa própria e já residem na mesma cidade em que estão lotados, o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), deixou de lado a questão do mérito e decidiu com argumentos meramente formais. Segundo ele, o pedido foi feito por meio de uma ação popular e esse mecanismo processual, pela legislação em vigor, não pode ser usado para questionar decisões judiciais.
A decisão a que Fux se refere foi tomada por ele há mais de três anos, quando determinou o pagamento do auxílio-moradia aos juízes federais, por meio de uma simples liminar. Em seguida, ele ampliou o benefício para membros da Justiça do Trabalho, da Justiça Militar e dos Tribunais de Justiça. E, invocando a “simetria entre as carreiras”, que estão entre as mais bem pagas da administração pública, equiparou a verba paga aos magistrados ao valor pago aos membros do Ministério Público.
Apesar dos recursos judiciais que foram impetrados na época contra essas decisões, até hoje Fux não os julgou. E, como também não encaminhou o caso ao plenário, desde então os cofres públicos têm sido obrigados, mensalmente, a bancar o pagamento do auxílio-moradia – que hoje é de R$ 4.377,73. Pelas estimativas da Advocacia-Geral da União, a manutenção das liminares concedidas por Fux já custou R$ 1 bilhão aos contribuintes. Pelos cálculos da Consultoria Legislativa do Senado, o valor é estimado em R$ 1,6 bilhão.
Além de ser inconstitucional, como alguns ministros do Supremo já reconheceram publicamente, o auxílio-moradia tem uma característica perversa, do ponto de vista moral. Como ele é pago a título de benefício “indenizatório” e não “remuneratório”, os valores não estão sujeitos ao teto salarial do funcionalismo estabelecido pela Constituição. Graças a esse subterfúgio, os beneficiários do auxílio-moradia podem ultrapassar o limite de remuneração de R$ 33,7 mil. Atualmente, o benefício é concedido a 88 ministros de tribunais superiores, 2.381 desembargadores, 14.882 juízes de primeira instância, 2.390 procuradores do Ministério Público da União e a 10.687 promotores dos Ministérios Públicos estaduais. E, embora os tribunais de contas não pertençam ao Judiciário, pois são órgãos auxiliares do Legislativo, os 9 ministros do Tribunal de Contas da União e os 553 conselheiros dos tribunais de contas dos Estados, Distrito Federal e municípios também recebem o auxílio-moradia, em nome da isonomia.
As decisões de Fux nessa matéria, que beneficiam sua filha – desembargadora no Rio de Janeiro –, têm sido apoiadas por entidades de juízes e procuradores. Segundo seus porta-vozes, como o Executivo não tem reajustado anualmente os salários das duas categorias, “desvalorizando seus pleitos”, o Judiciário e o Ministério Público não tiveram alternativa a não ser multiplicar os penduricalhos de natureza indenizatória, para poder burlar o teto constitucional. Por mais imoral que seja, essa estratégia chegou a ser endossada publicamente há alguns anos pelo presidente de um Tribunal de Justiça de São Paulo, reconhecendo que os penduricalhos são “disfarce para aumentar um pouquinho os salários, o que permite que procuradores e juízes não tenham depressão, síndrome do pânico e AVCs”.
Esse é apenas um dos lados do problema. O outro está no modo de funcionamento do STF. Apesar de ser um órgão colegiado, seus ministros se sentem à vontade para engavetar processos ou abusar das decisões monocráticas. O adiamento das decisões por tempo indefinido cria fatos consumados e impede o desfecho dos julgamentos. A decisão monocrática permite que os ministros se apropriem individualmente de um poder institucional, que é a manifestação do plenário. Nos dois casos, a decisão do colegiado acaba sendo evitada por longos períodos, o que tende a favorecer corporações, o desprezo do interesse público e, acima de tudo, o descumprimento da ordem jurídica, como os despachos do ministro Fux têm deixado claro no caso do auxílio-moradia.

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