08/10/2020

 

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Bons profetas?
Jules Verne (1828-1905) – que é um dos pais do “roman d’antecipation”, um tipo de ficção científica que evoca as supostas realizações do amanhã – imaginou a sua Paris do futuro. Isso foi no já bem distante ano de 1863. Deu ao livro/romance o título de “Paris no século XX” (“Paris au XXe siècle”, no original).
A Paris de 1863, ao tempo de vida de Verne, era muito diferente da cidade que conhecemos hoje, muito embora estivessem começando as reformas urbanas empreendidas por Napoleão III (1808-1873) e pelo Barão Haussmann (1809-1891). Entretanto, como explica Jessica Powell, em “Literary Paris: a Guide” (The Little Bookroom, 2006), na Paris do visionário Verne, na sua “Paris do futuro”, existem “elevadores, música eletrônica, carros, computadores e trilhos suspensos, nos quais correm trens movidos a ar comprimido e forças eletromagnéticas. E embora ainda fossem as lâmpadas a gás que dominavam as ruas parisienses em 1860, Verne previu que elas seriam um dia substituídas pelo barulho da eletricidade – e mesmo em Notre Dame, onde ‘o altar brilhava com a luz elétrica, e feixes de mesma fonte escapavam do ostensório levantado pelas mãos do padre’”. Uma agradável modernidade, pode-se dizer, que vimos acontecer plenamente. Mas tudo tem seu preço, inclusive nos romances de Verne: nessa Paris no século XX, “o latim e o grego são ‘línguas não apenas mortas, mas também enterradas’, e a Academia Francesa – o clímax da cultura e literatura da França – não mais tem qualquer literato entre seus membros. Bancos substituíram os antigos monumentos culturais, e os grandes homens da cidade não são mais os poetas e os filósofos, mas, sim, aqueles que falam ‘em gramas e centímetros’”. Aqui já é um triste cenário.
Curiosamente, embora fosse talvez o primeiro grande passo na formulação do que chamamos de “roman d’antecipation”, “Paris no século XX”, à época (1863), teve sua publicação rejeitada. Aliás, o manuscrito só foi redescoberto no final do século XX, constando dele uma deveras desestimulante crítica do editor: “Se você fosse um profeta, ninguém hoje acreditaria nas suas profecias”. E o romance acabou sendo publicado tardiamente, só em 1989.
Esse editor, pelo que sei, foi Pierre-Jules Hetzel (1814-1886), que fez fama no ramo da literatura para a infância e a juventude. Certamente Hetzel não acreditava nas suas próprias palavras. E dizem que ele apenas rejeitou “Paris no século XX” por considerá-lo um romance depressivo, que não cairia bem no gosto do público pelas “viagens extraordinárias”. Até porque a parceria Verne-Hetzel – e a amizade, pode-se dizer – talvez seja sem igual na história da literatura. Como explica Bruno Blasselle, em “Histoire du livre: le triomphe de l’édition” (Gallimard, 2006, vol. 2), “se existe um autor no qual o progresso científico há inflamado a imaginação das pessoas, este é Jules Verne. A aventura começa em 1862, quando Hetzel recebe o manuscrito intitulado Voyage en l’air, inspirado nas experiências com balões de Nadar. O editor fareja o sucesso, demanda ao autor várias correções, rapidamente executadas, e o faz assinar ao fim do ano um primeiro contrato, por aquilo que viria a ser Cinq Semaines en Ballon. Um autor, o mais lido do século XIX, nasce. A colaboração e mesmo a amizade entre Hetzel e Jules Verne não se acabará jamais”.
Bom, Verne passa a entregar a Hetzel dois ou três títulos por ano. Uma produção espetacular. A lista é enorme. Os meus preferidos são “Viagem ao centro da terra” (“Voyage au centre de la terre”, 1864), “Vinte Mil Léguas Submarinas” (“Vingt mille lieues sous les mers”, 1870) e “A volta ao mundo em 80 dias” (“Le tour du monde en quatre-vingts jours”, 1873). E temos, ao final, as famosas “Viagens Extraordinárias” (“Voyages Extraordinaries”) do autor alegadamente mais traduzido da história.
Loas para Hetzel, ele também um visionário, que apostou nas profecias de Jules Verne. O resto é história. De e da ficção científica.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
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