Crimes econômicos (VII)
Hoje, pondo fim a esta série de artigos sobre o tema, tentarei
fazer um balanço da evolução do combate institucional à criminalidade
econômica e à corrupção no nosso país. E digo logo: levando em
consideração as últimas décadas, sobretudo a partir da Constituição
Federal de 1988 e dos anos 1990, o saldo é bastante positivo.
Primeiramente, avançamos com a legislação, sobretudo com a nossa
Constituição Federal, de 1988, e com os tipos penais econômicos
inseridos no nosso ordenamento jurídico a partir da década de 1990 –
período de intensa atividade legislativa penal em nosso país – ou mesmo
em anos mais recentes. Para além da nossa Constituição, com seus muitos
dispositivos orientados ao combate à criminalidade organizada e à
corrupção, aponto a Lei nº 7.492/86 (crimes contra o sistema financeiro
nacional), a Lei nº 8.078/90 (crimes contra as relações de consumo), a
Lei nº 8.137/90 (crimes contra a ordem tributária e contra a ordem
econômica), a Lei nº 8.176/91 (crimes contra a ordem econômica), a Lei
nº 9.613/98 (crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e
valores), a Lei nº 10.303/2001 (crimes contra o mercado de capitais) e
por aí vai. Isso mostra que o Brasil, embora um pouco atrasado, no que
toca à sua legislação repressiva, tem voltado os olhos para a
criminalidade chamada econômica ou de “colarinho branco”.
Em segundo lugar, a partir dessa legislação, temos novos
instrumentos de investigação e produção de prova, bastante eficientes no
combate à criminalidade econômica organizada. Boa parte desses novos
instrumentos estão discriminados na Lei nº 12.850/2013 (que, entre
outras coisas, define o que é organização criminosa e dispõe sobre a
investigação criminal e os meios de obtenção da prova em infrações
penais relacionadas a esse tipo de associação), a exemplo da colaboração
premiada, da captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou
acústicos, da ação controlada, da interceptação de comunicações
telefônicas e telemáticas, do afastamento dos sigilos financeiro,
bancário e fiscal e por aí vai. Comentei alguns deles aqui, registro.
Em terceiro lugar, temos uma nova mentalidade direcionada a esse
combate institucional à criminalidade econômica e à corrupção.
Atualmente, uma das grandes preocupações do direito e das autoridades
brasileiras, sobretudo daquelas verdadeiramente preocupadas com o futuro
do nosso país, é a investigação e a persecução penal da nossa velha
conhecida “corrupção” e dos denominados “crimes econômicos”. Vejo uma
crescente especialização na Polícia Federal, no Ministério Público
Federal e na Justiça Federal em prol desse combate. Vejo também outras
agências – a Receita Federal, o COAF, o TCU e a CGU, por exemplo –
engajadas na missão de viabilizar e otimizar a prevenção e a repressão a
esse tipo de criminalidade. E vejo a cooperação entre elas. Não é o
ideal. Mas um bom diálogo já existe.
Juntando tudo, acho que o Brasil se insere num contexto mundial de
crescente interesse pelo direito penal econômico. A globalização, com as
transformações operadas em todas as sociedades, contribui para isso. A
necessidade de integração entre os países – uma exigência da tal
globalização – impõe um olhar muito atento de todos os países em
condutas que possam afetar, de um modo ou de outro, a ordem econômica
local e global. Ademais, embora vivamos uma era do capitalismo, a
intervenção do Estado no domínio econômico ainda se faz necessária.
Basta lembrar que os grandes conglomerados econômicos estão aí e se faz
necessária uma política de proteção aos interesses da economia nacional e
da população como um todo. As próprias crises econômicas, tão
recorrentes no Brasil, com suas nefastas consequências, dão mais
argumentos para que tenhamos uma legislação forte no que toca ao direito
penal econômico. E, por fim, não resta dúvida de que vivemos uma era de
mudança social que alterou um paradigma da criminalidade. Saímos de um
modelo clássico de criminalidade, no qual a delinquência era sobretudo
um fenômeno individual, para uma criminalidade cada vez mais coletiva.
Claro que nem tudo são flores. Os problemas existem. Embora tenha
melhorado muito, o nosso combate à criminalidade econômica e à corrupção
ainda é consideravelmente ineficaz. Ainda se comete muito crime. A
corrupção ainda nos custa muito alto (algo entre 1,38% e 2,38% do nosso
PIB, segundo estudo da FIESP de 2010). O nosso Índice de Percepção da
Corrupção, divulgado pela Transparência Internacional, ainda é muito
ruim. Nossa posição mundial, de acordo com esse Índice, até piorou de
2016 para 2017. Ainda há muita impunidade. E, como tentei explicar no
artigo da semana passada, esse nosso combate muitas vezes se dá ao
arrepio da legislação, da Constituição e do próprio estado democrático
de direito. A espetacularização das grandes operações, os frequentes
vazamentos nas investigações (seletiva e direcionadamente), o
relacionamento pernicioso de algumas autoridades (encarregadas da
persecução penal) com a imprensa, as longas prisões preventivas (que
estão virando cumprimento da pena no Brasil), as colaborações premiadas
pessimamente negociadas, a criminalização da própria advocacia, a
criminalização e desmoralização da política, esses são apenas alguns dos
problemas que constatei ao longo desta série de artigos. Isso,
definitivamente, também não é bom.
Mas acho, sinceramente, que é só uma questão de ajeitar o prumo.
Observando as últimas décadas, a coisa tem melhorado bastante. Sem
dúvida. E devemos continuar na mesma balada, apenas otimizando essa
repressão à criminalidade econômica e à corrupção. Esse é o dever do
nosso país: prevenir (o que é sempre melhor) e investigar as infrações
penais, identificar os respectivos autores, processá-los e, se for o
caso, condená-los, exigindo o cumprimento da pena imposta. É a justiça
penal eficaz, consagrada constitucionalmente. Mas isso deve se dar,
sempre, dentro dos ditames constitucionais e legais, respeitando os
princípios da ampla defesa e do contraditório e os demais direitos
individuais. Isso é civilizatório. Algo que aprendemos com a história.
Acredito que você concorda comigo, caro leitor. A não ser que você
prefira um direito sem qualquer cientificidade. Um direito
constitucional do Twitter, um direito penal do Facebook ou o processo
inquisitorial do Whatsapp. A não ser que você prefira promotores e
juízes midiáticos agindo/decidindo, em busca do aplauso fácil, com base
na opinião pública (rectius, nas redes sociais) ou no que fomenta, a
partir dos seus próprios interesses, uma parte da imprensa. A não ser
que você prefira apenas gritar a suposta culpa dos outros. Ou mesmo que
você simplesmente adore odiar.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP |
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