06/07/2013

“SEU ESTEVINHO”


                       Gileno Guanabara.                   

A Cidade do Natal das primeiras décadas do século passado teve por referência personalidades bafejadas pelo talento, ungidas pelo trabalho, ou agraciadas pelo humor. Por isso ou por aquilo, tornaram-se respeitadas. João Estevam Gomes da Silva, ou “Seu Estevinho”, é uma dessas personalidades. Residiu em seus últimos anos de vida na casa do filho e nora, Ademar Galhardo e Alice, na Rua Gonçalves Ledo, 711. Pelos fundos, na Rua Vaz Gondim, funcionava a Tipografia Santa Therezinha. Em sendo tipógrafo por profissão, dedicou sua vida a compilar e publicar notícias. Fez amizades e via o lado bom da vida. Conheci a sua esposa, Dona Lila, que faleceu paraplégica.

 “Seu Estevinho” é parte da crônica boemia da cidade. Passeava sempre de óculos finos, terno escuro, gravata borboleta preta, lenço na lapela e sapato lustrado, de duas cores. Participou do jornal “A Imprensa”, criado por Cascudinho, no ano de 1918. Conviveu com jornalistas renomados – Pedro Velho; Augusto Severo; Manuel Dantas; Augusto Lira; Augusto Leite. Assistiu a boêmios notívagos, Gotardo Neto, Ferreira Itajubá, Antônio Emerenciano, Ulisses Seabra de Melo, poetas, menestréis e músicos. Criou a Loja Maçônica “Filhos da Fé”. Fundou a entidade, quase secreta, “Os Jandaias”.

“Seu Estevinho” começou nos idos de 1897, como auxiliar, nas oficinas de Elias Souto, que foi depois diretor de “O Diário de Natal”, no palacete de Chiquinha Freire, esquina da Avenida Rio Branco e Rua João Pessoa e, por último, na Rua da Conceição. Tipógrafo, trabalhou na “A República”, tendo por diretor Pedro Velho e por redatores Augusto Severo, Augusto Lira, Pedro Avelino e Antônio de Souza. Tinha especial admiração por Eloy de Souza e Manuel Dantas, que também foram seus diretores. O Chefe das oficinas era Augusto Leite e, paginador, José Pinto. Foi inspetor de aluno no Atheneu Norte-riograndense. O escrivão Salustiano Peregrino da Rocha Fagundes propôs a “Estevinho” trocar o lugar de amanuense no Atheneu pelo de escrivão do Cartório. Relutou, mas aceitou. Logo depois foi exonerado pelo movimento revolucionário de 1930, de que não era simpático. De volta a “A República”, como encadernador, foi eleito Deputado Estadual. Foi aposentado como chefe da revisão de “A República”, ao tempo de Romildo Gurgel.

“Seu Estevinho” pilheriava que flagrou Manoel Dantas comendo banana e farinha com as mãos, sobre a mesa da diretoria. Contava que, durante a Segunda Grande Guerra, chegavam telegramas forjados à redação. Em geral, as notícias eram fixadas num placar, em frente de “A República”. Alberto Roselli, que passava de bonde defronte o jornal, viu a aglomeração e, por curiosidade, quis ver a novidade. Era a notícia dando conta do bombardeio de uma cidade francesa. Dizia haver morrido dez mil pessoas. Roseli esclareceu o engano, pois a cidade bombardeada só possuía duas mil pessoas. Manoel Dantas ordenou: “menino, apague ali no placar dois zeros.”.

Segundo “Seu Estevinho”, o jornal publicava um suplemento, transcrevendo o romance “Crime e Castigo”, de Dotoiewsky. Certo dia, o linotipista perdeu algumas páginas. Na confusão, originou-se uma grande preocupação com a edição do suplemento. Manuel Dantas pediu calma. Redigiu a parte perdida, ordenando que nada fosse dito sobre o sumiço. O jornal circulou e nenhum leitor desconfiou.

“Seu Estevinho” registrava prazeroso que Eloy de Souza ditava dois artigos diferentes a um só tempo. Certo dia, ao escrever um artigo atacando um adversário político, adentrou na sala o Monsenhor João da Mata que, ao ouvir trecho do artigo, assegurou que o tal adversário havia aderido e já era correligionário. Eloy de Souza não titubeou: “...assim dizem seus inimigos. Para nós, entretanto, o Sr. fulano de tal é um cidadão íntegro, etc., etc.”

 “Seu Estevinho” relatava que Manoel Dantas queria descobrir um “espia” que vazava as notícias para o jornal concorrente. Desconfiava de um cidadão que, vez por outra, adentrava na redação. Simulou um telegrama e o entregou a José Pinto, sem antes lamentar de viva voz: “coisa danada, morreu o papa”. O cidadão ouviu e sumiu. No outro dia o Diário de Natal publicou a manchete principal: “Cobre-se a Igreja Católica de luto. Morreu o Papa”. O “espia” fora descoberto. Era Paulo Viveiros.

Enquanto viveu, na Tipografia Santa Therezinha, “Seu Estevinho”, no dia 23 de junho, publicava “Milho Verde”, “Revista Sanjuanesca Ilustrada”, como dizia, desde o ano de 1931. Em suas páginas contribuíram Edgar Barbosa, Newton Navarro, Luiz Maranhão, Segundo Wanderley, Veríssimo Melo, Zé Praxedes, Rodrigues Alves, Antídio Azevedo, Otoniel Meneses, Jorge Fernandes, Fagundes de Meneses, Gotardo Neto, Josué Silva, Esmeraldo Siqueira, e outros intelectuais, políticos e poetas da Cidade do Natal.

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