20/10/2021

A PRIMAZIA DA INSENSATEZ Tomislav R. Femenick – Mestre em economia, com extensão em sociologia e história Alguns psicólogos, neurocientistas e outros estudiosos da mente e do comportamento humano admitem que a cosmovisão e a maneira de agir dos indivíduos têm origens em três fatores: a) a genética, isto é, o conjunto de qualidades transmitidas dos pais aos seus descendentes; b) o meio ambiente em que eles vivem, considerando, também, o lugar e a época; e c) a autodeterminação, ou seja, o dom de decidir por si mesmo, fazendo livre escolha para sua forma de pensar e agir perante fatos e ideias. Os pensadores divergem entre si sobre qual determinante é mais preponderante. Entretanto, é aceito que esses elementos – a genética, o meio ambiente e a autodeterminação – são a base da inteligência (do latim “intelligens, entis”, que compreende, que conhece), a capacidade que as pessoas têm para formulações lógicas, para a abstração e, principalmente, para a compreensão das narrativas e dos fatos. Recentemente, a revista Veja publicou uma matéria sobre o assunto, em que constata um fato constrangedor. Depois de décadas em que a inteligência humana (medida pelo QI) evidenciava um crescimento constante, desde o início deste século o quadro se inverteu. Se antes os filhos se mostravam mais argutos que seus pais, hoje eles são menos interessados e mesmo alheados sobre assuntos do mundo em sua volta. Por outro lado, o jornalista Spike Dolomite, do site norte-americano “Medium Daily Digest” (spikedolomite.medium.com) publicou uma matéria intitulada “O Desfile dos Idiotas” (tradução livre) na qual ele cita alguns exemplos: embora o Texas tenha ultrapassado quatro milhões de casos de covid, aquele Estado e mais vinte e três outros estão planejando processar Presidente Biden pela obrigatoriedade das vacinas. Isso só vem a comprovar que, desde a eleição de Trump, houve uma regressão cognitiva lá “pras bandas dos states”. Diz ele: “Nunca seremos capazes de superar a Covid, a menos que esses estados admitam que estão errados e mudem seus caminhos. Latinos e negros americanos estavam relutantes em tomar a vacina, por razões culturais, mas, desde a obrigatoriedade, ambos os grupos alcançaram o grupo caucasiano em números. O único grupo indiferente são os republicanos. O número de republicanos que foram vacinados é de pouco mais de 50%. Os democratas são mais de 90%. Os democratas usam máscaras e são vacinados para proteger a si mesmos e aos outros de um vírus mortal. Os republicanos se recusam erroneamente e deliberadamente a usar máscaras e a se vacinar porque querem que o mundo inteiro saiba que eles não estão evoluídos e não dão a mínima para outras pessoas”. Como lá, aqui por estas plagas abaixo da linha do Equador, onde nada é pecado, temos um presidente negacionista, ministros se vacinando escondido (para não contrariarem de Sua Excelência), a primeira-dama recebendo a vacina em Nova York, e mais de seiscentos mil óbitos atribuídos à covid 19. No entanto, o senhor presidente continua achando que quem toma vacina pode virar jacaré. Isso tudo enquanto o Conselho Federal de Medicina e alguns planos de saúde se apegam à autonomia médica, para justificar receituários fora da ciência, tão somente por convicção política ou por obstinação pessoal. E tome entrevistas em rádios e TV’s, aparições de vídeos nas redes sociais, tudo em busca de se transformarem em celebridades; se possível recebendo uns trocados, miúdos ou graúdos. Realmente este é um país da consagração das idiotices. Será que esse é o Brasil em que eu nasci? Basta ver as notícias do cotidiano escalafobético. Dois esteios do liberalismo econômico pátrio, ocupantes de altos cargos da administração federal foram pegos “em arapuca de pegar gambá”. O Ministro da Fazenda e o presidente do Banco Central, responsáveis por dar credibilidade à política econômica do governo, têm dinheiro aplicado em paraísos fiscais. É legal? É. É moral ou pelo menos recomendável que assim ajam? Não. Como esperado, o Congresso fez alarde, convocou os maljeitosos agentes públicos, etc. e tal. E nós? Nós vamos esperar os próximos capítulos dessa horrenda novela mexicana. Tribuna do Norte. Natal, 20 out. 2021
Meritocracia e mediocridade Padre João Medeiros Filho Hoje, é frequente a decepção com vários líderes, parlamentares, administradores, magistrados e religiosos. Nomes – tampouco partidos – não bastam para convencer. Urge a presença de autênticos gestores para nosso povo, desprezando amadores, oportunistas, aventureiros e arrivistas. Infelizmente, o coronelismo ainda não foi abolido. Reaparece travestido de ideias democráticas, mas com iniciativas e ações autoritárias e autocráticas. Há carência de cidadãos verdadeiramente carismáticos, isentos de discursos maquiados e despidos de sofismas. É premente a presença marcante de indivíduos e grupos, imbuídos de ética, justiça, trabalho e sensibilidade social. Necessita-se de pessoas qualificadas, que atuem nas esferas nacional e regionais, voltando-se para os diversos segmentos da sociedade. Sem o surgimento de lideranças legítimas, as instituições permanecerão órfãs e não se ajustarão às necessidades contemporâneas. Isso não significa simplesmente ter esperança neste ou naquele chefe ou sigla. Ao contrário, aspira-se à articulação de pessoas com propósitos sérios e dedicação às instituições. Gente que possa servir e não se utilizar delas para seus projetos individuais. Muitos buscam guarida nos entes públicos, privados e até religiosos, com intuito de ocupar um lugar que lhes garanta vantagens e benesses. Procuram blindar-se, pois almejam cobranças em suas ações. Acomodam-se e contentam-se com resultados pífios, decorrentes de suas opiniões e atuações. A sociedade hodierna está rejeitando estes velhos costumes e métodos. Ela vem tecendo uma dinâmica cultural, na qual não se aceitam conchavos e barganhas, onde predominam benefícios pessoais ou de grupos. A carência de líderes comprometidos com o bem comum e o progresso da nação é consequência de uma insuficiente formação humanística e cívica. Outrossim, as religiões devem fazer o “mea-culpa”. Sem isto, corre-se o risco de se deixar conduzir por princípios duvidosos e envolver-se nas malhas da injustiça e desonestidade. Neste ponto, o papel das crenças religiosas é urgente e essencial. No Brasil atual – salvo engano e verificadas as exceções – consolidam-se hegemonias medíocres. Está se tornando habitual na sociedade a presença de governantes e legisladores incapazes de oferecer soluções aceitáveis para os mais comezinhos problemas. E o pior: muitos se destacam no voo livre do despreparo e improviso. E deste modo, relega-se ao desprezo a valorização dos méritos. Os pseudolíderes são habilidosos em ocultar seus interesses e erros. Há quem ouse, à sorrelfa ou às claras, defender as maquinações de desvio do dinheiro público e enriquecimento ilícito. Assemelha-se a uma ética de guerra, na qual os fins justificam os meios. Uma característica relevante dos medíocres consiste em não admitir seus erros e perceber suas limitações. Os despreparados são ousados e candidatam-se, sem pejo, a funções de grandes responsabilidades, sem a mínima condição de exercê-las. Os probos, muitas vezes, se abstêm, pois são imbuídos do exercício da autocrítica, imprescindível à renovação. As entidades brasileiras, inclusive religiosas, necessitam de uma nova onda de sérias lideranças. Jesus já alertava contra o perigo dos remendos: “Não se põe conserto de pano novo em roupa velha.” (Mt 9, 16). O país exige outras dinâmicas para superar estorvos obsoletos. A população está saturada de discursos teatrais e inócuos. Um político, já falecido, ao dirigir-se à tribuna do Senado, assim se expressou: “Não suporto mais essa pletora de palavras vazias, desprovidas de ideias e propostas de soluções”. É-nos lançado um grande desafio: modificar a cultura da mediocridade, que contamina indivíduos, instituições e lugares. Esse processo requer a dedicação de todos à autocrítica e ao compromisso de fazer escolhas bem fundamentadas. É indispensável agir com sabedoria no exercício das responsabilidades. Não se deve permitir espaços àqueles que escondem a própria superficialidade, dominando pessoas, grupos e entidades. É hora de prevalecer o mérito, a partir de uma ação inteligente e inovadora, dedicada à vida, paz e justiça. Cristo, usando metáforas, desaprovava as atitudes de seus contemporâneos, comparando-as a cegos que conduzem outros deficientes visuais. “Ora, se um cego guiar outro cego, ambos cairão no precipício.” (Mt 15, 14). E o profeta Isaías, oito séculos antes do cristianismo, alertava seus contemporâneos: “Vários de seus responsáveis são míopes. Muitos são como cães mudos... Seu prazer é dormir e permanecer insensíveis ou incólumes a tudo!” (Is 56, 10).

15/10/2021

O DIA DO PROFESSOR Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes Hoje é um dia especial, pois que consagrado a uma das mais nobres profissões do universo, em todos os tempos. Impossível enumerar o nome de todos aqueles ou aquelas que me ensinaram o be-a-bá - isso estou resgatando em um livro que estou escrevendo, dando conta da minha passagem por esta dimensão da existência. A minha admiração pela profissão me concedeu a graça de ensinar, de uma maneira geral, por cerca de 50 anos, entre universidades, escolas e instituições, fazendo da minha vida um prazer sem tamanho. Hoje, já distanciado das salas de aula, fico emocionado quando vou, esporadicamente a um desses lugares onde ensinei e quando convivo com inúmeros professores atuais ao ser convidado para participar de algum seminário. Tudo o que eu possa dizer sobre a profissão será sempre pouco. Por isso, prefiro trazer a transcrição de alguns depoimentos lúdicos, poéticos e emocionais:

13/10/2021

CENTENÁRIO DE ALUÍZIO ALVES Valério Mesquita* Mesquita.valerio@gmail.com A memória do ex-governador, deputado federal, ministro e jornalista Aluízio Alves jamais deixará de despertar em todos nós, novas reflexões sobre a sua vida e obra. É o mesmo que afirmar que sempre se dirá dele a penúltima palavra mas nunca a última. Assim foi e continuará sendo com relação a vultos da estirpe de homens públicos como Juscelino Kubitschek, Getúlio Vargas e Carlos Lacerda. Isso tudo porque efetivamente Aluízio foi um líder porque inovou, recriou, reinventou e redimencionou a máquina, os métodos e as práticas político-administrativas que imperavam desde a Velha República. Assim ocorreu nas lutas que abraçou como deputado federal e governador do Rio Grande do Norte quando desafiou e derrubou as estruturas arcaicas da administração pública por um novo modelo na educação (método Paulo Freire); na industrialização, o progresso social através da energia de Paulo Afonso, além de inúmeras obras estruturais sob o timbre da modernidade. Foi líder porque despertou os acomodados. Apaixonou o povo pelas suas causas. Dividiu opiniões sem medo do julgamento dos apressados. Como jornalista revelou-se o criador de empresas de comunicação. Como político sensível e hábil criou o seu próprio marketing, o seu estilo e a sua logomarca. Das sombras do eclipse da democracia brasileira optou pela cambiante concretude do processo da industrialização do novo nordeste, apesar da mordaça política. Por isso, como líder nato, permanente, eu não o comparo. Eu o separo. Ele tinha o selo e a marca da exclusividade. Ninguém foi como ele. Como empresário, no curso dos dez anos da cassação, trouxe para o Rio Grande do Norte inúmeros investimentos, os quais geraram empregos, e se não tivessem sido implantados naquele tempo, não seriam hoje continuados por outros investimentos. Como Ministro da Integração deixou o legado maior: o projeto de transposição do Rio São Francisco. Dir-se-á que Aluízio Alves conquistou o futuro. Ao lado de suas ideias e sentimento, ele possuía a convencedora energia da palavra, eloquente e ágil. Ninguém na vida pública do Rio Grande do Norte, a não ser ele, sabia fazer de forma tão mágica e carismática. Era um vocacionado desde adolescente em 1934, quando discípulo de José Augusto Bezerra de Medeiros. Em 1946, com 25 anos já é constituinte da República, convivendo com os luminares da redemocratização do país. Aluízio foi um predestinado que empreendeu uma cruzada digna e necessária em prol do desenvolvimento do Rio Grande do Norte, tanto como deputado federal, governador, líder popular, ser humano, desprendido, abdicando de ser senador para acolher companheiros de partido (PMDB). Tudo o mais já foi dito sobre ele e reproduzido em todos os jornais. Falar mais é repetir-se. O que importa, é que nenhuma instituição pública, nem as gerações futuras deixem de reconhecer e proclamar os seus méritos que estão gravados no bronze da história político-administrativa do nosso Estado. Político nos seus defeitos comuns e humano nas suas contradições naturais. Aluízio Alves foi o ícone de todas as lideranças políticas do Rio Grande do Norte, de todos os tempo. Permita-me narrar um fato que elucida a sua visão superior de homem público. Em 1951, o município de Macaíba foi assolado por rigoroso inverno que derrubou a ponte da cidade, dividindo-a ao meio. O então deputado estadual Alfredo Mesquita procurou a bancada federal do seu partido (PSD) a fim de obter os recursos necessários, visto que, o governo do Estado (José Varela) não dispunha de verbas. O Ministério de Obras e Viação, ante a demora burocrática, recebeu o apoio integral do udenista Aluízio Alves que conseguiu locar e liberar os recursos necessários. Neste 2021, são decorridos setenta anos e a ponte permanece intacta. Ninguém possuirá em mais alto grau, a força de vontade, tenaz e formidável, a magia política, a capacidade de trabalho e a extraordinária flexibilidade do seu talento. Foi jornalista, escritor e orador, tanto no palco iluminado do Congresso Nacional daquele tempo, como em qualquer ruazinha modesta do Rio Grande do Norte no lampejo das antigas passeatas vindas lá do sertão do Cabugi. Neste dia 11 de agosto de 2021, fará cem anos e como dói a sua ausência. Não há mais líder como tal no Rio Grande do Norte. Mas hoje, ele é uma lembrança que o tempo não desfez. (*) Escritor
A OUSADIA DE CRIAR Valério Mesquita* mesquita.valerio@gmail.com Alberto Frederico de Albuquerque Maranhão nasceu em Macaíba, em 02 de outubro de 1872 e faleceu em Angra dos Reis (RJ) no dia 1º de fevereiro de 1944. Um meteoro de luz incandescente, que já aos 20 anos de idade colava grau na Faculdade de Direito do Recife. Ocupou inúmeros cargos: promotor público, secretário de governo, deputado federal por dois mandatos e governador do Rio Grande do Norte, por duas vezes. Intelectual, publicou livros e colaborou com diversas revistas literárias. Fundador do Instituto Histórico e Geográfico do RN, em 29 de março de 1902. Era filho de dona Feliciana e Amaro Barreto de Albuquerque Maranhão. Teve irmãos que também se notabilizaram como ele na história. De compleição altiva, olhar sobranceiro, Alberto conduzia na palavra e nos gestos toda a obstinação de uma inteligência que escolheu a cultura como altar de sua crença. Naquele limiar do novo século era o homem esculpido, de ritmo inimitável de ascensão para a luz que surpreendeu até o irmão primogênito e líder Pedro Velho. E como primeiro impulso em favor das artes e da literatura, através da Lei 145 de 06 de agosto de 1900, proposta por Henrique Castriciano, estabeleceu a premiação de livros produzidos por autores domiciliados no Rio Grande do Norte. E, logo em seguida, inaugurou o teatro Carlos Gomes, hoje Alberto Maranhão, cuja renda do seu espetáculo inaugural foi revertida em favor dos flagelados da seca que se concentravam em Natal. O seu humanismo e nobreza de caráter alçaram-no à estatura de um Péricles de Atenas, tão expressiva foi a sua afirmação cultural com a obra administrativa que realizou. No segundo mandato, fundou o Conservatório de Música, o Hospital Juvino Barreto, a Casa de Detenção, além da implantação da luz elétrica e dos bondes em Natal. Sem esquecer, ainda, a criação da Escola Normal e a reforma da educação, bem como, a edificação do Palácio do Governo na Praça 07 de Setembro. Uma visão global da obra de Alberto Maranhão me leva a dizer que ele foi um intelectual arrojado com uma intuição administrativa admirável, ao mesmo tempo que um dirigente operoso com uma visão cultural futurista para o inicio do século vinte. Conseguiu, até os nossos dias, irradiar uma luz tão forte sobre a sua personalidade política, ao ponto de merecer o respeito unânime de várias gerações, eternizado no tempo e no espaço. Por tudo isso, no dia 04 de outubro de 2005, os restos mortais dele e de sua Inês, por iniciativa da Casa da Memória do Rio Grande do Norte, apoiada pelo Governo do Estado e pelo Conselho Estadual de Cultura foram trasladados para Natal. O homem não passa de uma extensão do espírito do lugar. Tudo se desfaz, menos os elos nativos que o prendem à terra. O homem será sempre prisioneiro de sua origem. Alberto Maranhão foi capaz de compreender o legado dos seus ancestrais e apaixonou-se pela causa pública no firme desiderato de dar glória ao seu Rio Grande do Norte. Nele se resume a dimensão da política no seu sentido aristotélico. Cito Pablo Neruda: “Ele sabia compartilhar conosco o pão e o sonho”. E a ousadia de criar. (*) Escritor

05/10/2021

Marcelo Alves Os alienistas jurídicos Friedrich Dürrenmatt (1921-1990) foi um escritor suíço de língua alemã. Nasceu numa pequena cidade do cantão de Berna. Sua família era conservadora e protestante. Foi cedo morar na belíssima capital de facto do seu país. Estudou filosofia, filologia, literatura e até “ciências” nas universidades de Zurique e Berna. Logo abandonou a vida acadêmica. Foi escrever romances e, em especial, teatro neoexpressionista. Dürrenmatt não era engajado partidariamente, mas tinha uma posição político-filosófica de vida. À moda do grande Bertolt Brecht (1898-1956), embora mais desmascarador do que didático, suas peças (e seus romances também) visam menos o entretenimento da plateia/leitor e mais fomentar o debate público sobre temas fundamentais. É denúncia. E é bastante original. Dürrenmatt foi também pintor. Mas, cá entre nós, foram os seus leitores e espectadores que tiveram mais sorte. Sua primeira peça foi “Está escrito” (“Es steht geschrieben”, 1947), que estreou com grande polêmica. A trama gira em torno de uma “batalha” entre um cínico carreirista e um fanático religioso, que leva as escrituras ao pé da letra, tudo isso acontecendo enquanto a cidade em que vivem está sob um cerco. A noite de estreia foi um furdunço. E aí já dá para se ter uma ideia do tipo de “denúncia” de que estamos falando. O primeiro grande sucesso foi a peça “Rômulo, o Grande” (“Romulus der Grosse”, 1950). Segundo Otto Maria Carpeaux (1900-1978), em “A história concisa da literatura alemã” (Faro Editorial, 2013), aqui, “ideias expressionistas, modernizadas up to date”, inspiram essa tragicomédia pseudo-histórica, “em que o último imperador romano, alvo do escárnio de milênios, é homenageado como grande estadista que não quis ‘salvar a civilização’, porque é impossível salvar civilizações. E que civilização!”. Sua obra-prima possivelmente é “A Visita da Velha Senhora” (“Der Besuch der alten Dame”, 1956), uma mistura grotesca de comédia e tragédia sobre uma mulher rica que oferece ao povo de sua cidade natal uma fortuna se eles executarem o homem que a abandonou no passado. Em “A Visita da Velha Senhora”, como anota Carpeaux, “o desfecho é a morte trágica de um ‘herói’ nada trágico, causada pela vingança patológica de uma velha senhora e pela cobiça patológica de todos”. Já no drama satírico “Os físicos” (“Die Physiker”, 1962), “a ameaça trágica da bomba atômica é uma intriga de manicômio e levará ao poder um governo universal, encabeçado por uma louca”. Quão atual! Entretanto, para nós, cultores da literatura e do direito, talvez (e enfatizo a dúvida, uma vez que o autor escreveu outras peças e romances “jurídicos”) a mais interessante obra de Dürrenmatt seja “O Casamento do Senhor Mississippi” (“Die Ehe des Herrn Mississippi”). Como registra Carpeaux, o louco promotor público dessa peça, “que manda centenas de sujeitos à forca para moralizar a vida pública, é personagem tipicamente expressionista”. É, assim, peça de pleno desmascaramento. Pondo de lado as relações pessoais entre as personagens, a peça tem como centro o radicalismo do promotor Mississippi, que se acredita um lutador pela “justiça do céu”. Ele internalizou de uma maneira muito peculiar os ditames da Bíblia, especialmente as chamadas “Leis de Moisés”. Convidado a simpatizar com a “esquerda”, ele refuga. É infenso a qualquer moderação. Após uma revolta popular abortada, ele vai para um manicômio. De lá foge. Num ritual macabro de envenenamento recíproco, Mississippi morre ainda na crença de que o homem pode ser mudado por punições inumanas. Tem doido para tudo. Ao final, na peça, as personagens retornam à ribalta e fazem um balanço dos acontecimentos. Bom, e que balanço nós podemos fazer disso aqui? Há um meramente literário. “O Casamento do Senhor Mississippi” me lembra bastante “O Alienista” (1882), do nosso Machado de Assis (1839-1908), cujo protagonista da confusão é o médico psiquiatra Simão Bacamarte, o dono da Casa Verde, o seu próprio manicômio, até porque acabou internado lá. Mas eu prefiro aqui meditar sobre uma observação do multicitado Carpeaux. O teatro expressionista/fantástico de Duerrenmatt “denuncia o absurdo na atualidade, que lhe garante sucesso universal”. Desmascara tragédias. Mas “o que parece tragédia, no mundo de hoje, é na verdade uma farsa, apenas de desfecho trágico”. Vimos isso entre nós, não vimos? Marcelo Alves Dias de Souza Procurador Regional da República Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL