24/07/2019


O jurista nacional


​Charles Dumoulin (1500-1566) é considerado um dos fundadores do que podemos chamar de “direito nacional”. Sob o ponto de vista do direito francês, ele certamente o foi.
​Du Moulin (em outra versão da grafia do seu nome) ou Molinaeus (seu nome latino) nasceu em Paris no seio de uma família nobre. Mas não teve uma vida fácil. Advogado no Parlamento de Paris, empolgado com a reforma protestante, abraçou o Calvinismo. Pegou briga com a Sorbonne. Os seus “Commentaire sur l'édit du roi Henri II sur les petites” (1552) e o seu “Conseil sur le faict du Concile de Trente” (1564), em momentos diversos, causaram muito alvoroço. Teve de fugir para a Alemanha. Foi professor em Estrasburgo e Tübingen. De volta à França, chegou a ser preso. Perdeu dois filhos no célebre massacre da noite de São Bartolomeu (na virada de 23 para 24 de agosto de 1572). E foi até a favor da criação de uma Igreja francesa, movimento conhecido como Galicanismo. No fim da vida, de mal com católicos e calvinistas, tornou-se luterano.
​Entretanto, foi como jurista Dumoulin ganhou seu lugar na história. Sua obra magna foram os seus “Comentários [e revisão] sobre os costumes de Paris”, originalmente publicados em 1539, mas reeditados várias vezes, em vida e post mortem, até pelo menos 1681, quando se tem, quando da publicação de suas obras completas, a versão considerada “definitiva” dessa sua obra-prima. Foi chamando, ainda pelos seus contemporâneos, de o “príncipe dos jurisconsultos”. E sua obra teve um impacto enorme no desenvolvimento do que veio a ser o direito francês.
​Aluno da Escola Culta (sobre a qual já escrevi aqui), mas considerado o fundador da Escola Costumeira, Charles Dumoulin foi um jurista de transição.
​Primeiramente, como registra o “Dictionnaire historique des juristes français (XIIe-XXe siècle)” (publicado pela PUF – Presses Universitaires de France, sob a direção de Patrick Arabeyre, Jean-Louis Halpérin e Jacques Krynen, em 2007), “seu estilo, a construção de suas obras, seu tratamento analítico e casuísticos dos textos, seu modo de raciocínio que confronta cada questão com argumentos pros e contra, são aqueles de um bartolista fiel aos métodos herdados dos séculos precedentes, mas sua cultura universal, sua abertura de espírito, sua audácia intelectual são dignas de um humanista”.
​Em segundo lugar, lembremos o status que tinha direito romano, como “direito comum” à época, para os Estados da Europa. “Jurista nacional (senão nacionalista)”, Dumoulin, como registra Jean-Marie Carbasse (em “Que sais-je? Les 100 dates du droit”, editora PUF, 2015), rejeita essa “tese dominante que fazia do direito romano o ‘direito comum do Reino’ e o substitui pelo direito costumeiro, ‘verdadeiro direito’ da França”. Para Dumoulin, sobretudo nas suas lições da maturidade, como explica Antonio Padoa Schioppa (em “História do direito na Europa: da Idade Média à Idade Contemporânea”, edição da WMF Martins Fontes, 2014), “era preciso considerar que o direito comum francês era constituído não pelo direito romano e sim pelo direito consuetudinário das grandes regiões da França”. Assim, o direito romano – ainda importantíssimo, frise-se –, passava a ter o status de regulamentação residual, ao qual se recorria quando necessário, até pela sua qualidade e por ser ele conforme ao direito natural, à razão e à justiça.
​Mas Dumoulin foi sobretudo um “inimigo da fragmentação feudal e da diversidade dos costumes”, como lembra Paulo Jorge de Lima (em “Dicionário de filosofia do direito”, Sugestões Literárias S.A., 1968), lutando por uma unificação do direito comum de então. O seu livro “De Feudis” (1539) é prova disso. Entre os vários “costumes”, o de Paris, redigido pela primeira vez em 1510, foi aos poucos ganhando uma prioridade clara como o texto jurídico mais importante do Reino francês (e fica óbvio, aqui, que existiam outros costumes em outras cidades e regiões da França). Dumoulin, explica o já citado Antonio Padoa Schioppa, “apontou algumas de suas lacunas e incongruências e propôs para ele uma redação revista, posteriormente realizada em 1580, com a incorporação de numerosas regras decorrentes das decisões do Parlamento parisiense. A partir de então, essa redação tornou-se o texto de referência mais acreditado, ao qual a jurisprudência recorria para o preenchimento de lacunas ou para a resolução de ambiguidades dos outros costumes”. Dumoulin foi, sem dúvida, o principal estudioso e comentador do tal Costume de Paris. Angariou vários seguidores, tendo a sua escola contribuído de maneira decisiva para a formatação do direito nacional francês.
​Nessa toada, especificamente, Charles Dumoulin tratou de muitos temas queridos ao direito privado: propriedade, contratos, obrigações, representação, sucessões, responsabilidade civil e por aí vai. Interpretando livremente o direito romano com base nos costumes nacionais, as teses de Dumoulin, reinterpretadas e replicadas pelo grande Pothier (1699-1772, sobre quem logo falaremos aqui), chegaram do Código de Napoleão (de 1804), fazendo dele (Dumoulin), com inteira justiça, um dos fundadores do direito da França.
​E essa “invenção” do direito nacional, sendo o Código talvez o seu mais importante produto, acabou sendo imitada mundo afora. ​
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

20/07/2019


O INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO RIO GRANDE DO NORTE
CONTINUA CUMPRINDO FIELMENTE SUA MISSÃO CULTURAL

Com grande sucesso, os associados do IHGRN tiveram a oportunidade de assistir o "Grupo Remelexo", de São José de Mipibu, com uma apresentação de Xaxado, uma dança tipicamente nordestina, criada pelos cangaceiros. Referida apresentação foi acompanhada de uma explanação sobre a dança, feita pela coordenadora do grupo.

O Largo Vicente de Lemos, do IHGRN, na última (quinta-feira), dia 18 de julho, viveu um dos seus melhores momentos culturais. Vejam flagrantes da festa:


  



Mais uma peça histórica recuperada pelas mãos do habilidoso Cônego José Mário de Medeiros. Trata-se do chapéu que pertenceu ao último capitão-mor a comandar a Fortaleza dos Reis Magos em Natal, Rio Grande do Norte.
Seu nome: João da Fonseca Varela, nascido na cidade dos verdes canaviais, a minha querida Ceará-Mirim RN.


17/07/2019



 MOSQUITO E OS VÍCIOS REDIBITÓRIOS


Valério Mesquita*
Mesquita.valerio@gmail.com

Sua Excelência Aedes Aegypti, o mosquito, bate a sai porta. Chegou ao Rio Grande do Norte em vôo de jatinho sem escala, fretado pelo descuido da Fundação Nacional de Saúde – FNS. O ilustre visitante está percorrendo bairros da periferia de Natal conhecendo o povo de perto além dos municípios de São Gonçalo, Macaíba, Açu, Ceará-Mirim, Caicó e outros que a sua assessoria não quis informar a reportagem do Blog. Sua Excelência, o Mosquito, estava, desde algum tempo, desaparecido do noticiário e dos registros hospitalares. Mas, um cochilo das autoridades federais, estaduais e municipais de saúde nos últimos anos facilitou o seu ressurgimento em grande estilo.
Os focos de Sua Excelência já detectados juntamente com os filhotes da Chikungunya parecem, não preocupar a hospitaleira atenção dos meios sanitários posto que, até hoje, o carro fumacê de boas vindas, ainda não pintou no pedaço. Andei pensando, nas últimas horas, que o rico defende uma tese, no mínimo interessante: o mosquito só pica pobre. Daí a lentidão das providências no combate a erradicação do transmissor.
Dizem as más línguas que o Aedes Egypti e o Chikungunya chegaram para ficar porque aqui é o seu lugar e não no Egito. Coisas de terceiro mundo. Porque primeiro mundo só na cabeça e na pose de Bolsonaro e de alguns deslumbrados. Num dia que ele picar uma dondoca aí o fumacê vai ser grande. Já leio nos noticiários registros das pragas no Rio, São Paulo, Belo Horizonte, Brasília e etc. Só no Rio Grande do Norte, só em Natal e adjacências as autoridades dormiram. E viva o turismo! No dia que o turista souber que no Cajueiro de Pirangi, nas dunas, nos hotéis, o guia são o Aedes Aegypti e a Chikungunya, aí não tem choro nem dengo, a dengue vai reinar sobre a incúria e a incompetência do ser humano, derrotado pelo mosquito.
O ar de superioridade daquele alto figurão chamava a atenção dos circunstantes. O primeiro palpite parecia certo. Era o segurança do bumbum de Carla Perez. Patrimônio quer seja público ou privado, é coisa séria, grande, imexível. Não é patamar atingido por qualquer mortal. É privilégio. É casta, pedigree. Para segurar coisas monumentais é preciso astúcia. E isso no Rio Grande do Norte não falta. Por isso, tenho me preocupado com alguns contratos milionários de certas empresas de segurança com o Poder Público. Os valores me parecem extrapolativos. Não desejo fazer mau juízo de ninguém nem de nada. Apenas, refletir sobre pagamentos exagerados de contratos de segurança de repartições oficiais até chegar a dedução plausível de que, sobre alguns, possa existir um manto de obscuridades. Não desejo levantar premissas intencionais ou dolosas, mas me indignar com palpáveis exageros. Os setores competentes tanto do Poderes Públicos Estadual e Municipal devem se acautelar para não pintar no pedaço almôndegas, baobás e Búfalos Bill.
O maior problema de qualquer governo é o tráfico de influências. Colateral e bilateral. As chamadas eminências pardas. O povo odeia os predadores do erário. Principalmente aqueles escondidos, os quais, muitas vezes, o governante nem sabe, nem enxerga, mas pressente. A palavra transparência é muito pronunciada, mas pouquíssimo exercitada. Os vícios embutidos, que no estudo do Direito se chama redibitórios, incomodam como os vírus adquiridos. Atuam latentes, vagarosos e eficientes. Os governos devem fortalecer as suas defesas orgânicas, os seus mecanismos repressivos. O dinheiro público não pode continuar com o timbre de dinheiro fácil. Ao longo do tempo, se sabe, que é com o recurso público que muitas campanhas políticas são financiadas, via empresas prestadoras de obras e serviços.
(*) Escritor

16/07/2019



ENCONTRO INESPERADO


Valério Mesquita*

Ela ainda guardava uma beleza aflita que não morre. De tudo quanto se esquece não pude esquecer o amor adolescente que havíamos vivido. Os seus braços ainda faziam lembrar meus cansaços e desatinos. Aquela mulher na fila comum do supermercado parecia que estava no estaleiro do tempo, estacionada nos cinquenta anos como se tivesse dissolvido a amargura das coisas. Os óculos escuros escondiam profundezas abissais de prazeres irrevelados e naufrágios conjugais.
Ali estava plantada como uma árvore morta com raízes na minha alma. Ela que se tornara ausência em mim desde aquela tarde morta de setembro. Não pude conter o ciúme retrospectivo. Apossou-se de mim, não mais que de repente, a fria solidão dos despossuídos. A poeira do tempo começara a lacrimejar os olhos de perdidas lembranças. Onde, aquele corpo juvenil de dançarina de mambo, rosto de Silvana Mangano e quadris de Ninon Servilha? O bongô oculto da orquestra invisível de Perez Prado cometia o milagre de resplandecer ali, as suas formas em movimento, à luz do ocaso. Ah! Tanta imaginação fugidia e ela nem olhava prá mim! Não. Ela não me vira. Com certeza. Não seria tão fingida. Outra surpresa me estava reservada. Como se tivesse saído da multidão dos seus abraços afetuosos e mágicos, fazendo descer pelo declive sonhos e ilusões de tudo o que já fomos. Valeria a pena dizer o nome de quem amei? Ou repetir a estrofe “de quem eu gosto, nunca falo”?
Conhecia-a na noite perdida da memória do Pax Clube de minha terra. Era a garota do baile. Isso é tudo como identidade e currículo. Sai quando ela cruzou a porta e se enfiou no carro com o jovem marido. Um riso antigo ainda pude colher, de soslaio, da boca sensual e conhecida. O sol e o ruído, lá fora, despertavam-me para a realidade. Tudo acontecia rápido e me impelia prosseguir na sobrevida da lembrança que o tempo não desfez. Procurei o meu carro no estacionamento solfejando o samba “Recado” que junto cantávamos procurando inventar o nosso mundo. “Você errou quando olhou prá mim. Uma esperança fez nascer em mim. Depois levou prá tão longe de nós, o seu olhar no meu, a sua voz”... Brumas, nada mais...

(*) Escritor


O caso antropofágico
Já escrevi aqui especificamente sobre o jurista norte-americano Lon Fuller (1902-1978), que, entre outras posições, foi professor na Universidade de Harvard por mais de três décadas. Seus muitos alunos, entres eles o também jurista Ronald Dworkin (1931-2013), ganharam o mundo. E os seus inúmeros livros e artigos – “Law in Quest of Itself” (1940), “Basic Contract Law” (1947), “The Case of the Speluncean Explorers” (badalado artigo de 1949), “Problems of Jurisprudence” (1949), “The Morality of Law” (1964), “Legal Fictions” (1967), “Anatomy of Law” (1968) e por aí vai – fizeram história no direito.
Dia desses, terminei a leitura do seu pequenino, mas clássico, “O caso dos exploradores de cavernas” (“The Case of the Speluncean Explorers”, no original, como citado acima), numa publicação da Livraria e Editora Universitária de Direito – LEUD, de 2008. A tradução não é boa, registro logo (e que me desculpem os responsáveis pela obra).
Mas o livro – falo aqui do que pensou e escreveu originalmente Lon Fuller – é muito bom.
Embora parcialmente inspirado em casos reais – U.S. v. Holmes (1842) e Regina v. Dudley & Stephnes (1884), com naufrágios em alto-mar e homicídio/canibalismo nos respectivos botes salva-vidas –, “O caso dos exploradores de cavernas” é uma obra de ficção.
O ano é 4300. E a coisa se passa na (fictícia) Suprema Corte de Newgarth, que julga um recurso de apelação dos réus contra a condenação, à morte por enforcamento, pelo Tribunal de Primeira Instância do Condado de Stowfield. Cinco exploradores de uma tal Sociedade Espeleológica ficaram presos em uma caverna após um grande deslizamento de terra. São resgatados, mas apenas quatro deles, após trinta e dois dias ali presos. O custo financeiro e humano do resgate, com dez operários mortos, é enorme. Descobre-se em seguida que os exploradores firmaram um contrato entre si, para que um deles fosse sorteado e sacrificado para servir de comida aos demais, evitando assim a morte de todo o grupo por inanição. O pacto foi sugerido por um tal Roger Whetmore, que veio a ser morto (e comido), mesmo tendo proposto, posteriormente, a anulação do pacto. Segundo a letra da lei do país, está-se diante de um homicídio, com previsão de pena de morte. Assim decidiu o júri de primeira instância. Pede-se clemência ao chefe do Poder Executivo. Apela-se à corte superior. Cinco magistrados – o presidente Truepenny e os seus colegas juízes Foster, Tatting, Keen e Handy – são encarregados de revisar o caso.
Antropofagia ou canibalismo não é um tipo penal autônomo no direito brasileiro. Todavia, nada mais repugnante ao homem (civilizado, aqui suponho), talvez até mais que o homicídio em si, do que esse “estranho” comportamento de alimentar-se da carne do seu semelhante. Como anota o nosso Lemos Britto (1886-1963), em seu “O crime e os criminosos na literatura brasileira” (Livraria José Olympio Editora, 1946), sobre quem também já escrevi aqui, “apesar de toda a sua perversidade o homem não admite que um seu semelhante, civilizado, e normal de espírito, se alimente de carne humana, como um carnívoro irracional, e, mais ainda, que mate para comê-la”. E “mesmo entre os selvagens raras são as tribos que a praticam, e, ainda assim, entre essas muitas o fazem por sentimento de vingança contra os vencidos que lhes caem em mãos ou em holocausto a seus deuses bárbaros”. Até na ficção, a antropofagia não é um tema fácil. Na literatura brasileira, registra o mesmo Lemos Britto, “a não ser na própria história, será difícil encontrar um trabalho literário em que se tome por tema o canibalismo. Só um escritor, creio, nos dá um caso desses, com todos os indícios, aliás, de verossimilhança. Trata-se de Rodolpho Theophilo, no conhecido romance da seca nos tempos do segundo império, A Fome”.
Entretanto, em “O caso dos exploradores de cavernas”, para a aplicação do direito ao caso concreto, a coisa não parece assim tão preto no branco. O homicídio seguido do canibalismo é temperado pelo estado de necessidade e a falta de esperança dos envolvidos. A escolha da vítima contratualmente e pela sorte dá um toque a mais ao caso. A desistência contratual é válida? Qual o peso da simpatia para com os réus e da comoção popular em tais casos? A condenação pelo júri tem sempre um quê de discricionariedade. Qual a lei aplicável? Qual o precedente aplicável? O perdão cai bem no caso? E tudo isso é analisado levando em consideração as muitas escolas da filosofia do direito – o jusnaturalismo, o positivismo, o historicismo, o consequencialismo e por aí vai –, o que empresta ao caso as mais diversas nuances.
É-nos apresentado, enfim, um caso em que diferentes veredictos se mostram possíveis. Essa diversidade de julgamentos escancara ao leitor a amplitude do direito e a dificuldade da sua aplicação. O nosso próprio “julgamento” é sucessivamente posto à prova toda vez que nos vemos diante de distintas interpretações dos fatos e de diferentes soluções para o caso, todas porém convincentes, constantes dos votos proferidos pelos cinco juízes da Corte Suprema.
E aí, acredito, está a lição deste livrinho: no direito, assim como na vida, existem meias verdades e verdades e meia. Ambas têm os seus pecados. Uma lição que deve ser aprendida pelos “donos do direito” de hoje. Aqueles com títulos, que fazem um uso indevido dos poderes do Estado. E, também, pelos chamados “idiotas da aldeia”. Eles que vivem canibalizando a opinião diferente, jurídica ou não, dos outros.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

15/07/2019


Foto do perfil de gustavosobral.com.br

11/07/2019





OS MOTAS
Tomislav R. Femenick – Mestre em economia, com extensão em sociologia – Do Instituto Histórico e Geográfico do RN

Qual o significado da palavra Mota? Consultados os dicionários, tem-se que, originalmente, ela designava certo tipo de lugar, portanto era um topônimo. É termo de origem controversa, talvez provençal pré-romana, para denominar aterro à beira de rio, açudes, muros, torres, fossos à maneira de um castelo ou fortaleza. Por sua vez o sobrenome “Mota”, antes escrito “Motta” (conforme o italiano “Motta” e o francês “Motte”), deriva do substantivo “mota”, vindo do germânico “motta”. Em escocês, em irlandês e em baixo latim (o latim da Idade Média, usado quase que exclusivamente na língua escrita), “mota” e “motta”, designava uma edificação rodeada por um fosso ou situada em uma elevação artificial de terra, com a intenção de criar obstáculo aos invasores.
 Em Portugal, alguns genealogistas defendem a ideia de que Mota, como nome de família, vem de um sobrinho do rei de França que, em Burgos, onde se fixou, era senhor de uma edificação chamada Mota. No entanto, de concreto, sabe-se que o nobre Fernão Mendes de Gundar era Senhor da Terra do Olo, no Conselho de Gestacô, enquanto seu filho, Rui Gomes de Gondar, morava na “Terra da Motta”. Este achou por bem acrescentar o nome “Mota” ao sobrenome, tornando-se o primeiro a dar início a uma família com essa denominação toponímica. Senhor de grandes posses, Rui fundou a “Quinta da Motta”, na Freguesia de Celorico de Basto, região do Minho, ao norte de Portugal. Além disso, possuía bens no distrito de Lanhoso, às margens do rio Ave. Isso teria acontecido durante o reinado de Dom Afonso II (1211-1223). Dr. Jerônimo da Mota, um dos seus descendentes, foi desembargador do Paço e da Fazenda Real, Juiz e nobre da corte de Dom João III, que governou Portugal de 1521 a 1557. De Dom João, Jerônimo da Motta recebeu, por decreto, o brasão de armas da família Mota. O baiano Miguel Calmon du Pin e Almeida, o marquês de Abrantes, corrobora essa versão ao dizer que Mota, como sobrenome, deriva do nome de um lugar Mota, no termo de Vilela ou, então, da quinta do mesmo nome, na freguesia de São Miguel de Fervença, comarca de Celorico de Basto; ou de outros lugares, vilas e quintas Mota, existentes em Portugal.
Quando do seu reinado (1495-1521), em plena época das grandes navegações portuguesas e do descobrimento do Brasil, Dom Manuel I mandou reunir todos os brasões, insígnias e letreiros, visando organizar e normatizar a concessão e o uso de brasões e armas.  Os estandartes com os brasões ficaram expostos no teto de uma das salas do Paço Real da Vila de Sintra, hoje chamado de Palácio Nacional de Cintra, também conhecida como a Sala de Armas. No centro do teto da sala, estão representadas as armas do rei D. Manoel I, circundadas por seis brasões, representando sua descendência masculina (os príncipes), e dois outros, em forma de losango, representando sua descendência feminina (as princesas). Circundando a sala, estão os setenta e dois brasões da nobreza da época, dispostos em ordem de importância. É um dos melhores exemplos da afirmação do poder real.
Esses brasões e armas portugueses foram também reunidos em livros, como modelos para formalização dos brasões das principais famílias lusas da época. Existiram três livros de brasões:  o “Livro Antigo dos Reis d`Armas”, de António Godinho, escrivão da Câmara Real, que teria desaparecido quando um terremoto destruiu o Cartório da Nobreza; o “Livro do Armeiro-Mor”, de João Rodrigues, supervisor de armas de Portugal; e o “Livro da Torre do Tombo”, esse de Antonio Rodrigues, também supervisor de armas. O Brasão da família Mota está tanto na Sala de Armas do Palácio de Sintra como nos três livros de regulamentação de brasões e armas portugueses.
Paralelamente à família Mota portuguesa, há a família Motta italiana, onde o sobrenome também e de origem onomástica (nomes próprios de e lugares, de origem toponímica), cuja fonte é anterior ao império romano. Este sobrenome possui muitas variantes, as mais comuns são “La Motta”, “Motti”, “Mottini”, “Mottola”, “Mottura”, “Mottisi”, “Mautisi”, “Mottana” etc.
Alguns integrantes da família Mota tiveram títulos nobiliárquicos, em Portugal e no Brasil. Alguns deles por direitos hereditários, porém a grande maioria foi agraciada em reconhecimento a serviços prestados às respectivas coroas. A lista contém dez nobres portugueses (7 Barões, 1 Conde e 2 Senhores de Casa) e sete brasileiros nobres ostentavam o sobrenome Mota (6 Barões e 1 Visconde).

Tribuna do Norte. Natal, 11 jul. 2019