21/01/2015

O marechal e o padre, 1914




João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN, membro do IHGRN e do INRG
No jornal “A Época”, de 3 de janeiro de 1914, digitalizado pelo Hemeroteca Nacional, há uma matéria com o título: Fracassou o projeto  de acordo entre aciolistas e rabelistas para normalizar o Ceará. Nessa matéria, teremos oportunidade de conhecer melhor o marechal Hermes, que apoiou a sedição de Juazeiro, chefiada pelo padre Cícero, uma das páginas mais vergonhosas da república brasileira. Está escrito lá:
Ontem, à tarde, quando tumultuosamente palpitava a multidão na expectativa ansiosa de rever e aplaudir essa inconfundível e arrojada figura de Santos Dumont, palestravam, à porta do cinema Avenida, dois nortistas, que exercem influência  na política  dos respectivos Estados.
Um deles, rabelista ardoroso, relatava ao seu companheiro, adversário curagé(?) da oligarquia norte-riograndense, o insucesso das negociações propostas pelo marechal Hermes, no sentido de ser obtida a pacificação do Ceará.
- O fracasso do acordo que se pretendia realizar, ou melhor, que o marechal patrocinava, como advogado da facção oposicionista, é um fato. O Moreira da Rocha, como representante de Franco Rabello, assegurava a anistia aos rebeldes, caso eles depusessem as armas, sendo condição indispensável ao cumprimento dessa medida, a retirada dos Drs. Lavor e Floro Bartholomeu, de Juazeiro, onde as suas presenças determinariam de futuro, a reprodução dos acontecimentos, que se estão desenrolando naquela região.
Como se vê, as condições propostas pelo Franco Rabello são as mais aceitáveis, e, se, realmente, houvesse, por parte do marechal, o desejo sincero de fazer cessar a luta fratricida, nenhum outro meio melhor do que esse se lhe antolharia.
- E que respondeu o marechal ao Moreira da Rocha? – atalhou o interlocutor.
- A princípio, teve evasivas, terminando, porém, por dar a entender claramente ao representante cearense, que os rebeldes não aceitariam, de modo algum, a proposta  do Sr. Franco Rabello. Pretendiam eles muito mais do que lhes oferecia, isto é, aspiravam ascender aos cargos públicos e ver admitida a sua influencia na política estadual.
O Moreira da Rocha teve, então, um momento de desânimo, mas refazendo-se logo, propôs ao marechal, que o observava com o olhar perquiridor:
- V. Ex. poderia, neste caso, telegrafar ao padre Cícero, salientando a sua reprovação ao movimento de rebeldia que ele se fez chefe, o que, estou certo, determinaria uma profunda modificação na sua conduta.
O marechal, como resposta, teve um largo gesto teatral que acompanhou de uma frase mais ou menos equivalente a esta:
- Não! Eu não me posso corresponder com o padre Cícero!
- Mas V. Ex., por ocasião da campanha eleitoral no Rio Grande do Norte, telegrafou ao capitão J.da Penha, procurando demovê-lo da luta.
- Fi-lo, mas, naquele caso, tratava-se de um companheiro de armas, com um nome e uma reputação respeitáveis, com quem eu me podia corresponder sem desdouro, e não um bandido como o padre Cícero.
Antes essa recusa formal, o Moreira da Rocha deu por terminada a sua missão e retirou-se.
Continuou, então, o autor da matéria do jornal “A Época”.
Afora a barretada ridícula e extemporaneamente feita ao ardoroso republicano capitão J. da Penha, tudo mais que Sua Ex. disse ao Sr. Moreira da Rocha, demonstra de modo patente, muito embora as afirmações em contrário, que S. Ex. se mantém irredutível ao lado dos rebeldes de Juazeiro e veria de muito bom grado a realização dos seus intuitos de deposição do governador.
É irrisória a declaração do marechal de que não pode corresponder-se com um bandido como o padre Cícero, quando nós vemos S. Ex., a servir de mediador entre duas facções em luta, uma das quais precisamente constituída pelos amigos e companheiros do famigerado sacerdote a quem S. Ex. tão pejorativamente se referiu.
E como o marechal não está disposto a descer do alto de sua dignidade para telegrafar ao bandoleiro “ousado”, que lhe manda diariamente notícias suas, o Ceará continuará mergulhado em sangue, até que o Sr. Franco Rabello jugule de vez o movimento e castigue os culpados com o merecido rigor.
No dia 22, do mês seguinte a essa matéria, era assassinado em Miguel Calmon, por um jagunço do grupo apoiado pelo governo federal, o capitão tão elogiado pelo marechal. Como se sentiu o Presidente da República, nessa hora, com a morte do seu colega de armas?

20/01/2015

Marcelo Alves
Marcelo Alves

Estranho seria

Conheci Antônio Augusto (cujo nome alterei um pouco aqui para dificultar a identificação) quando eu era servidor da Justiça Federal. Coisa de 1993 ou 1994. Formado a um par de anos, ele advogava por lá. Pelo que me lembro, fazia, em benefício exclusivo de um grande escritório da cidade, direito previdenciário. E, como era de praxe à época, também fazia, para tirar uns trocados, algumas audiências criminais, como advogado “ad hoc”, em prol de réus sempre desassistidos.

Mesmo com seus vinte e poucos anos, era muito calmo, pacato, quase lento. Era muito crédulo, talvez como resultado da criação das tias e da educação muitíssimo religiosa no Colégio Nossa Senhora das Neves. No foro, tinha pouca “manha”, característica que, se não é essencial, dá um empurrão danado na advocacia. O que ele queria, por aptidão de temperamento, e dizia isso a todos, era ser servidor público.

Se não era inteligente, era esforçado. Após muitas tentativas frustadas, que acompanhei curioso, ele acabou, para espanto dos mais céticos, sendo chamando, já na casa dos trinta anos, em um concurso que nem ele se lembrava quando e para o que tinha feito. Embora na rabeira da fila, mandou celebrar uma missa e tomou posse. E era isso o que importava.

Ainda no estágio probatório do seu venerável emprego, para espanto até dos mais crédulos, casou-se com Silvinha, jovem estagiária em uma promissora banca de advogados da cidade. E que estagiária! Silvinha, que por final era bem mais nova do que Antônio Augusto, tinha imaginação e manha de sobra.

Logo notou-se, ainda durante o estágio probatório (e, aqui, refiro-me aos primeiros meses do enlace amoroso), a falta de “sintonia” do casal. Silvinha - vítima de olhares cobiçosos, embora não fosse gostosuda do tipo de fazer motorista de ônibus subir meio-fio - era invariavelmente faceira. Antônio Augusto estava quase sempre cansado, exceto quando dava pra falar, sem mais nem menos, sobre seus dois assuntos prediletos: a teologia de São Boaventura de Bagnoregio (do qual se dizia profundo conhecedor, não havendo à mesa um interessado sequer para contraditar) e o método dos gráficos para fins de investimentos na nossa muito estável bolsa de valores.

Sempre houve rumores de escapadelas da manhosa Silvinha (e desde o estágio probatório). Financeiras e amorosas, registre-se. Com colegas advogados, com dois ou três amigos “das antigas” e com um primo que atendia pelo carinhoso apelido de “Ivanzinho”. Para ela, eram meras aleivosias. Para muitos, era “fato público e notório”. E tudo isso sempre chegou ao conhecimento de Antônio Augusto. Os amigos insinuaram que algo não batia nos investimentos financeiros e nos atrasos de Silvinha. Reafirmaram que nem sempre a TIM estava fora do ar (pelo menos não todas as quartas e sextas-feiras das 13 às 15 horas). Um amigo, que tomou todas, com a voz embrulhada, chegou a contar o “milagre” e o “santo” (no caso, para ser mais preciso, os “santos”) envolvidos na trama toda.

Mas Antônio Augusto sempre foi um “crédulo”. Leia-se: acreditava, sem questionamento ou espanto, em tudo o que dizia e fazia a manhosa Silvinha. Para ele, tudo estava bem e tinha uma explicação. E, se não tivesse, dizia ele: “era o desígnio de Deus, como afirmou, em seu 'Itinerarium mentis ad Deum', São Boaventura” (até hoje, por falta de proficiência no latim, não sei se o grande teólogo franciscano proferiu realmente essa “sentença”). Sem falar na sua chatíssima frase, repetida quase todos os dias, que dizia tudo e nada: “estranho seria se o cachorro miasse”. Minha vontade era sempre mandar esse “animal” para a PQP.

Finalmente, já com quase um lustro de anos de matrimônio, Antônio Augusto teve a oportunidade de dar um fim nas alegadas escapadelas de Silvinha. Um oportunidade de, vendo ou “tocando”, à semelhança de São Tomé, acreditar no que todo mundo sussurrava.

Era Natal, e ele “fugia”, antecipadamente, de um plantão que teve de dar lá para as bandas de Ceará-Mirim. Dizem que, quando chegou em sua casa, sita em um conhecido condomínio da cidade, desavisadamente (lembremos que o celular de Silvinha vivia desligado), flagrou um vulto fugindo pela janela de seu quarto matrimonial.

Como sempre fez, foi perguntar a Silvinha o que tinha acontecido. Mas, desta feita, Antônio Augusto fez algum barulho (dizer que fez escândalo é muito. O certo é que os vizinhos ficaram sabendo do ocorrido). É que havia uma coisa a mais fora de lugar: no quarto do casal, Antônio Augusto achou, além de uma Silvinha estranhamente cheirosa e excitada, uma roupa de Papai Noel. De um Papai Noel muito magro, mas definitivamente havia o gorrinho característico.

Sobre o vulto e a roupa de Papai Noel, a imaginativa Silvinha deu uma explicação. Um bom samaritano, que faz as vezes do bom velhinho, veio para dar presentes aos meninos. Um amigo da família. Talvez o próprio primo Ivanzinho. Apenas, por erro de fato plenamente escusável, errou de quarto.

Após pensar sete segundos, Antônio Augusto deu-se por satisfeito. Afinal, “era Natal”, disse ele, “e estranho seria se, naquela noite, tivesse aparecido o coelhinho da Páscoa”.

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London - KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

19/01/2015

OS MUROS DE BRASÍLIA

Públio José – jornalista

                                     
                   A guerra fria legou ao mundo, entre tantas desgraças, o Muro de Berlim. Anteriormente, Mao Tse Tung já dera sua contribuição ao tema ao erguer a Muralha da China. Tanto um como outro são símbolos físicos, palpáveis, do desejo do homem de separar, segundo loucas ideologias, determinados agrupamentos humanos dos demais. É também uma forma de se elitizar, de se diferenciar em relação a outros, em função do estabelecimento de doutrinas as mais diversas, de cunho ideológico, social, cultural, político, esportivo, religioso, militar, econômico... É ainda, e principalmente, uma forma de aprisionar pessoas segundo conveniências as mais variadas. São notórios os casos recentes da Coréia do Norte e de Cuba, e da antiga União Soviética, todos à esquerda do espectro político, países onde o ir e vir das pessoas era e é dificultado a todo momento, conforme apontem as idiossincrasias de seus dirigentes.
                        A direita também não ficou atrás e tratou de erigir seus muros, muitos dos quais, se não em formato físico, também contribuíram para o estabelecimento dos guetos mais diversos. Aliás, basta consultar a História para se ter conhecimento dos muros físicos e não físicos que o homem construiu para se separar de outros, ou para aprisionar populações inteiras – segundos seus interesses. Na China, das dinastias imperiais, a Cidade Proibida é um exemplo clássico de elitização e domínio de uma classe em relação às demais; na Grécia e na Roma antigas, as castas também serviram de muro para separar os nobres de escravos e plebeus; a Índia é famosa ainda hoje pelo sem número de castas que servem de muro no contexto geográfico e populacional do país. Enfim, até onde o olhar do passado e do presente alcançam, o homem teve em muros e separações de toda ordem uma forte marca do seu mover na História.  
                        Também pode ser incluído nesse tema a utilização, como muro, do aparato econômico para separar pessoas, embora, de certa forma, isso possa ser visto como incentivo às pessoas para a conquista de espaços maiores no ambiente social que habitam (o tal do “subir na vida” que nossos pais tanto bradavam). Mas, e os muros do Brasil? Como país diferente dos demais, ou melhor, mais criativo que os demais, o Brasil tinha que arrasar nesse quesito. Aqui, além dos formatos de muro conhecidos em outros quadrantes, a corrupção se estabeleceu com um forte baluarte da separação entre as pessoas. Outro muro a vicejar em solo verde e amarelo, além da corrupção, é o da impunidade. No Brasil, legislação, costumes, hábitos, canalhices, sem-vergonhices e que tais se transformaram em verdadeiros muros a beneficiar pilantras, ladrões de colarinho branco, políticos, autoridades, funcionários públicos, magistrados...   
                        Como exemplo de muro, de fenômeno a distinguir pessoas, a corrupção brasileira, principalmente em Brasília, chegou a tal ponto que saiu do terreno do palpável, do real – e achegou-se à ficção. Ora, em um país onde o trabalhador conta centavos para chegar ao fim do mês, como explicar um funcionário de quarto escalão da Petrobras ter em banco estratosféricos 100 milhões de dólares! Uau! Isso, sim, é que é muro! E o que se vê mais em Brasília? Integrantes do establishment local vivendo como nababos, padrão de vida incompatível com os salários declarados – surrupiando, para tanto, recursos da merenda de estudantes humildes, dos remédios dos idosos, de postos de saúde, estradas, portos... Note-se que, de toda a roubalheira divulgada, a Petrobras atingiu um nível ainda mais superior – pelos volumes registrados. Alguém da empresa na cadeia? Não. Não é Brasília cidade de portentosos muros?

18/01/2015

Thomaz Lourenço da Cruz, lá do Quimporó


João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
 
Professor da UFRN, sócio do IHGRN e do INRG
Do amigo Eliton Medeiros recebo um e-mail sobre um dos meus tetravós: Tudo bem? Então, lendo suas coisas sobre os descendentes de Thomaz de Araújo Pereira, de Florânia, lembrei que há algum tempo um amigo meu me passou umas folhas do inventário dele (Thomaz Lourenço) de 1849, que tem a lista de herdeiros que servirá para suprir as suas dúvidas da relação de filhos. O pessoal de Thomaz Lourenço, os Lourenços como são conhecidos, mora até hoje em Nova Palmeira-PB. Pessoalmente, conheço muitos membros dessa família que tem a pele rosada avermelhada, estatura elevada e muito louros. As casas velhas deles ainda se encontram de pé há alguma distância de Nova Palmeira, na "Data da Corujinha", numa região do município que faz fronteira com Carnaúba dos Dantas. Deve ser uns 8 km da cidade e são verdadeiras fortalezas pelas suas paredes, tamanho e altura. Espero ter contribuído um pouco para as suas pesquisas.
Das folhas enviadas por Eliton, extraí as seguintes informações: No dia 10 de julho de mil oitocentos e quarenta e nove, na casa de residência do Juiz Municipal, e de Órfãos, da Vila de Acari, Gregório José Dantas, compareceu D. Maria Rosa do Nascimento, viúva que ficou por falecimento do seu marido Thomaz Lourenço da Cruz. Disse a viúva que seu marido faleceu no dia 25 de maio daquele ano corrente, sem deixar testamento.
No título de herdeiros, além de Maria Rosa do Nascimento, foram listados 13 filhos. Vamos apresentá-los, complementando com outras informações obtidas em outras fontes.
Thereza Maria José, que casou com Manoel Ignácio de Lima, na Fazenda Quimporó, aos 11 de fevereiro de 1836, sendo ele filho de Francisco dos Santos Lima e de Maria Joaquina de Vasconcelos, na presença das testemunhas Alexandre de Araújo Pereira, solteiro e Luiz do Rego Brito, casado.
Ana Gertrudes de Santa Rita, que casou com André de Araújo Pereira, no mesmo local e data acima, e filho do mesmo casal acima, sendo testemunhas José Garcia do Amaral e Alexandre Batista dos Santos.
Thomas Lourenço de Araújo, que casou, na Fazenda Quimporó, aos 15 de setembro de 1840, com Francisca Maria da Conceição, na presença das testemunhas André de Araujo Pereira e Luiz do Rego Brito.
Maria José do Nascimento, que casou no Sítio Quimporó, aos 20 de julho de 1847, com Thomas Alves de Araújo, filho de Beraldo de Araújo Pereira e de Joana Batista do Santos, na presença de Fidélis de Araújo Pereira e Simplício Dantas de Medeiros.
Isabel Maria da Encarnação casada com Miguel Arcanjo do Rego.
Francisca Ermina (ou Hermínia) de Jesus, que casou no Sítio Quimporó, aos 20 de julho de 1847, com Alexandre Manoel de Medeiros, filho de Silvestre Garcia do Amaral e de Ana Vitorina dos Santos, na presença das testemunhas Antonio Garcia do Amaral e José Pereira da Costa.
Ignácio Rodrigues da Cruz, que casou, primeiramente, no Sítio Garota, aos 22 de setembro de 1843, com Isabel Francisca, viúva de José Pereira Bolcont, na presença das testemunhas Thomaz de Araújo Pereira Junior e Manoel Lopes Pequeno Junior; casou, pela segunda vez, aos 24 de agosto de 1854, na Fazenda Passagem, com Maria Alexandrina de Vasconcelos, viúva de Joaquim Garcia dos Santos, e filha de Alexandre Garcia do Amaral e de Maria Angélica do Rosário, na presença das testemunhas Alexandre Garcia do Amaral Junior e Manoel Rodrigues da Cruz.
Guilhermina Maria da Conceição, que casou aos 20 de julho de 1847, no Sítio Quimporó, com Silvestre José Dantas, filho de João Damasceno Pereira e de Angélica Maria do Amaral, na presença doas testemunhas André Corsino de Medeiros e Alexandre Pereira de Araújo.
Joaquim Theodoro da Cruz, que casou aos 28 de novembro de 1848, com Rita Joaquina de Medeiros, filha de Alexandre Garcia do Amaral e de Maria Angélica do Rosário; foram os pais do tenente Laurentino Theodoro da Cruz.
Manoel Rodrigues da Cruz, 21 anos, meu trisavô; Casou primeiramente, aos 24 de novembro de 1853, na Fazenda Passagem, com Inácia Maria da Conceição, minha trisavó, filha de Alexandre Garcia do Amaral e de Maria Angélica do Rosário, na presença das testemunhas Alexandre Garcia do Amaral Junior e José Paulino Dantas; casou, pela segunda vez, aos 21 de maio de 1859, com Antonia Francisca da Conceição, filha de Luiz José Machado e de Ana Francisca de Melo, na presença das testemunhas Joaquim Thedoro da Cruz e Manoel Correia Barbosa; casou pela terceira vez com Umbelina Olindina Bezerra Cavalcante.
Vicência, com 16 anos, mas sem nenhuma outra informação.
Alexandre Olegário da Cruz, com 13 anos, que casou aos 02 de maio de 1863, com Josefa Maria de Jesus, filha de Rodrigo José de Medeiros Junior e de Francisca Maria de Medeiros.
Pacífico Rodrigues da Cruz, com onze anos, que casou com Anna Senhorinha de Medeiros, filha de Manoel Bruno de Medeiros e de Maria Rosa de Jesus.
Lembramos que Alexandre Garcia do Amaral e Maria Angélica do Rosário eram os pais de João Porfírio do Amaral, conhecido como o “mata e queima”.
Luíza Avelino e Heráclito Clementino de Medeiros, descendentes.

17/01/2015


Marcelo Alves
Marcelo Alves



Os precedentes judiciais em uma federação (II)


Na semana passada, conversamos aqui sobre a vinculação vertical ao precedente dentro do sistema judicial federal dos Estados Unidos da América e sobre a mesma vinculação dentro dos limites de um sistema judicial estadual do imenso país. Na ocasião, disse que esses eram aspectos até certo ponto simples do funcionamento da teoria do “stare decisis” no EUA.

Hoje, chegou a hora de tratarmos de um aspecto bem mais complexo da temática: a inter-relação entre o sistema judicial federal e os vários sistemas judiciais estaduais daquele país.

Antes de mais nada, a regra é a independência entre a Justiça Federal e as várias Justiças Estaduais. Se dentro de um mesmo sistema judicial, uma linha clara de autoridade prevalece, devendo a corte inferior seguir o precedente da corte superior, o mesmo não se dá quando se inter-relacionam cortes de sistemas judiciais diversos (uma corte federal e uma corte estadual, é o exemplo disso). Nesse sentido, afirma Jane C. Ginsburg (na obra “Legal Methods”, publicado pela The Fundation Press): “é suficiente observar agora que a decisão tem completo status e efeito de precedente somente na circunscrição da corte que a prolatou”.

Entretanto, a regra da independência, para ser completamente entendida, há de ser encarada tendo-se em mente a existência de um direito federal e de vários direitos estaduais.

Levando-se em conta a existência dessas duas espécies de “direitos”, é seguro afirmar que os tribunais estaduais não estão obrigados pelas decisões das U.S. (Circuit) Courts of Appeal e das U.S. District Courts em matéria de direito não federal. E mesmo no que diz respeito às decisões das U.S. (Circuit) Courts of Appeal e das U.S. District Courts em matéria de direito federal, apesar de certas exceções, prevalece, na maioria dos tribunais estaduais, o entendimento de que também não estão eles vinculados a tais decisões.

É também digno de nota que até mesmo uma decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos pode não ser obrigatória, por exemplo, para uma corte do Estado de Maryland ou da Florida, ao menos que essa decisão da Suprema Corte cuide de matéria constitucional ou da interpretação da Legislação Federal.



Aqui, representa uma exceção o fato de a Suprema Corte dos Estados Unidos ser, conforme Victoria Sesma (em “El precedente en el common law”, obra já referida no artigo de domingo passado), “o único tribunal federal cujos precedentes podem ser obrigatórios para tribunais dos Estados. Mesmo que se possa encontrar diferentes formulações nas decisões dos tribunais dos EUA a respeito da autoridade dos precedentes da Corte Suprema dos EUA, de fato sua autoridade obrigatória limita-se aos precedentes relativos às questões federais. Quando surge um conflito entre um precedente de um tribunal estadual e um da Corte Suprema a respeito de uma questão federal, o precedente da Corte Suprema é obrigatório. Esta é a razão por que uma decisão da Corte Suprema dos EUA relativa à conformidade das leis estaduais com a Constituição Federal é obrigatória nos tribunais estaduais”.

Frise-se, entretanto, que, a bem da verdade, nestes casos em que existe a obrigatoriedade de seguimento da decisão da Suprema Corte americana, não se tem, propriamente, uma inter-relação entre cortes de dois sistemas judiciais diversos. Como explica William L. Reynolds (no livro “Judicial Process in a nutshell”, publicado pela West Publishing Co.): “a decisão da Supreme Court deve ser seguida pela Maryland Court ao lidar com um problema de direito federal, pois a Maryland Court, no caso, está, de fato, operando dentro do sistema federal”.

Aliás, o fato de uma corte estadual atuar como corte federal não é estranho a nós brasileiros. A nossa Constituição Federal dispõe, expressamente, no art. 109 que: “§ 3º Serão processadas e julgadas na Justiça Estadual, no foro domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela Justiça estadual” e “§ 4º Na hipótese do parágrafo anterior, o recurso cabível será sempre para o Tribunal Regional Federal na área de jurisdição do juiz de primeiro grau”.



No que tange ao sentido contrário da aplicação do precedente, ou seja, a vinculação ou não das cortes federais aos precedentes das cortes estaduais, a regra, em princípio, é a mesma. É preciso, mais uma vez, ter-se em mente a existência do direito federal e do(s) direito(s) estadual (ais). E mais: como registra Sesma, “de acordo com a doutrina de Erie v. Tompkins, o único common law substantivo é o common law dos Estados. De acordo com isso, os tribunais estaduais são os únicos órgãos que têm o poder de criar o common law de um determinado Estado e interpretar a Constituição e as leis deste Estado. O Tribunal Supremo do Estado resolve de forma final e obrigatória as questões jurídicas do Estado”.

Complicadinho, não?



Marcelo Alves
Marcelo Alves


Os precedentes judiciais em uma federação (III)

Chegamos, hoje, ao final da nossa “saga” sobre a aplicação dos precedentes judiciais nessa gigantesca e forte federação que são os Estados Unidos da América (vide os dois artigos publicados nos dois últimos domingos).

E o primeiro tópico a ser tratado hoje aqui é a inter-relação entre os vários sistemas judiciais estaduais.

Jane C. Ginsburg (na obra “Legal Methods”, já mencionada no artigo anterior), ao cuidar da influência de uma decisão judicial em “jurisdições” diferentes daquela de onde advém esta decisão, pede-nos licença para notar “um tipo de limitação territorial: uma decisão judicial é um precedente no sentido completo da palavra somente dentro do mesmo sistema judicial ou ‘jurisdição’”. Em outras palavras, no que tange à doutrina do precedente, a regra é independência entre as várias “Justiças”, e uma decisão judicial de uma corte superior só é vinculante para as cortes inferiores do seu próprio sistema.

Como exemplo disso, trazido pela mesma Ginsburg, “uma decisão da Suprema Corte da Califórnia é um precedente e é assim obrigatória para futuros casos ‘similares’ no próprio tribunal e em cortes inferiores da Califórnia, mas não é um precedente pleno que transcenda para futuros casos que surgirem nas cortes de Ohio ou Vermont ou de algum outro Estado”.

Todavia, não se pode deixar de lembrar que as decisões de outros Estados, sobretudo das suas “Courts of Ultimate Appelation”, podem ter - e frequentemente têm - forte poder de persuasão. Nesse sentido, como bem arremata Ginsburg: “A Suprema Corte do Tenessee, em apoio a um resultado que alcançou em um caso, pode citar ou mencionar decisões de tribunais de última apelação de Massachusetts, Oregon, Virginia e meia dúzia de outros Estados - até mesmo eventuais decisões da Inglaterra e de outras jurisdições filiadas à tradição do ‘common law’. Tais decisões de outros Estados não são precedentes no sentido pleno, mas devem ser considerados de acordo com o status e o peso de ‘persuasive authority’, o que significa que eles não são ‘vinculantes’ em qualquer sentido, mas podem ter influência, frequentemente, grande influência, em casos em que não haja precedentes locais ou eles sejam conflitantes ou confusos”.

Antes de terminar este conjunto de artigos, algumas palavras são necessárias sobre a vinculação dos tribunais americanos aos seus próprios precedentes (o que chamo de vinculação no plano horizontal).

Diferentemente do que ocorre na Inglaterra (onde se dá uma necessária vinculação às próprias decisões, com a honrosa exceção da United Kingdom Supreme Court, que substituiu a House of Lords como o mais alto tribunal do país), nos Estados Unidos, como regra aceita, nenhum tribunal está estritamente vinculado às suas próprias decisões anteriores. Em outras palavras, contanto que não o façam em descompasso com uma linha de precedente de um tribunal superior (isso é importante ser ressaltado), podem os tribunais americanos decidir em contrário aos seus próprios precedentes.

Uma exposição clássica da doutrina do “stare decisis” nos Estados Unidos, no que tange à vinculação das cortes às suas próprias decisões, pode ser encontrada na decisão da Suprema Corte americana em Hertz v. Woodman 218 US 205 (1910). Nela, o justice Lurton afirmou (apud Victoria Sesma, em “El precedente en el common law”): “A regra do stare decisis, embora recomende a consistência e uniformidade das decisões, não é inflexível. Se deve ou não ser seguida é uma questão totalmente sujeita à discrição do tribunal, que é chamado novamente a considerar uma questão que já foi decidida anteriormente”.

Por fim, para que não haja um falso entendimento da questão, é necessário deixar claro que, apesar de não haver a necessária obediência aos seus próprios precedentes, os tribunais americanos, sobretudo por uma questão de política (busca da estabilidade, da uniformidade etc.), normalmente os têm seguido.

Bom, com este e os dois anteriores artigos, espero que vocês tenham gostado da nossa “viagem” pelo direito dos Estados Unidos da América. Eu gostei de escrevê-los (os artigos). Embora confesse que viajar “de fato” por aquele imenso país tenha sido muito - mas muito mesmo - melhor.

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Mestre em Direito pela PUC/SP

16/01/2015

Anna Maria Cascudo B. (1936-2015)