05/12/2018



[Palestra] Uma casa, a história

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Uma casa, a história
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Numa pequena cidade, 
que há pouco tempo desfrutava de luz 
elétrica, transporte 
público, que era o 
bonde, e água 
encanada...
1/12/2018



Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. Trabalho lido no I Encontro de Cultura e Turismo do RN: O IHGRN no cenário histórico-cultural local. Natal/RN, 01 de dezembro de 2018. Palestrante, Gustavo Sobral, sócio do IHGRN.

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Creio que só devemos e podemos avançar, quando conhecemos a história.

Comecemos. Comecemos por onde estamos, esta casa. Construção de 1906, estilo neoclássico, elevada da rua, amplas janelas com luz e ventilação, vista para a primeira praça da cidade, de um lado; e, do outro, pela rua por onde adentramos nós, há mais de 300 anos os holandeses desceram para tomar a fortaleza; e não podemos esquecer as horas!, salvos pelo sino da matriz, badalando há tanto tempo, todo o tempo que já passou e o que virá.

Repare que a exposição começa no largo, com a Coluna Capitolina, presente de Mussolini, anos 1930, e veio da Itália; o Pelourinho, na sacada, lembrança de que um dia fomos colônia; o brasão do Império e o da República.
 
Observe o museu, ali ao lado, são relíquias de diversos tempos, registros de diversos fatos. A primeira pia batismal, o primeiro aparelho de telefone de Natal, bustos, retratos, etc, etc, um mundo, a história, em permanente exposição, para conhecer, se interessar e se sentir parte. Encontrar suas raízes, lugar, passado e história.

O instituto andou diversos endereços até aqui se fixar definitivamente em 1938. No passado, dividiu as instalações com o Tribunal de Justiça e, nesta sala em que estamos, no sossego da tarde, talvez; e em cadeiras de balanço, descansavam os desembargadores das acaloradas sessões. Outros tempos, outros ventos.

Quando o Instituto brasileiro é criado em 1838, a preocupação era escrever a história de um país que nascia para que se pudesse criar uma identidade e uma nação. Os estudos do Brasil colonial, da cultura indígena, o papel dos viajantes estrangeiros, em expedições, conhecendo a fauna, a flora, tudo foi essencial para que começássemos a escrever a história do Brasil.

Repare que a escrita da nossa história não tem 200 anos!

A República instaurada, os estados, com o auxílio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, vasculhavam documentos, papéis, mapas, o que houvesse para finalmente pacificar as fronteiras. Eram as questões lindeiras. No Rio de Janeiro, Rodolfo Garcia, o historiador do Brasil, auxiliava o Conde de Afonso Celso em outros limites.

E o Rio Grande do Norte?
Havia a disputa com o Ceará.
História que passou como a “questão de Grossos”.

Nós, norte-riograndenses, dizíamos: é nosso! E os cearenses, não poderia ser diferente, a dizer o mesmo: não é de vocês, é nosso! É nosso! Não, é nosso! Eles diziam que era deles; e nós, que era nosso. Mas não bastava o dizer. Alguma coisa teria que auxiliar a vitória da causa que chegou ao Supremo Tribunal Federal.

Mas o que seria?

Não pensem, que foi o grande orador, tribuno, causídico, a sensação brasileira, ministro que foi, figura lendária, autor de um discurso que ninguém esquece e repete: Ruy Barbosa da oração aos moços! Ruy foi nosso advogado e o fim da história é que vencemos, mas o é preciso contar que não é só isso. É outra, a parte da história que precisamos conhecer.

É graças não a Ruy Barbosa, mas a necessidade de documentos, livros, registros, para simplesmente sustentar a argumentação e a tese jurídica e provar o que ficou provado, e mais que isso, para escrever a história do Rio Grande do Norte, que era necessário e imperativo fundar um instituto histórico local.

Fundado por um grupo de intelectuais da época, que eram os que sabiam ler e escrever, professores, bacharéis, políticos, este instituto nasceu numa pequena cidade que há pouco tempo desfrutava de luz elétrica, transporte público, que era o bonde; e água encanada, e era apenas Ribeira e Cidade Alta. Foi nesta pequena cidade que o instituto histórico se fez.

O primeiro jornal em circulação em Natal, fundado em 1832, pelo Padre Guerra, era impresso fora; não tínhamos tipografia e, ainda era assim em 1877, quando a considerada primeira história local, por Manoel Ferreira Nobre, também se mandara imprimir fora.  Um sopro veio com a revista norte-riograndense, mas já era o fim do século XIX e durou poucos números e, então, veio o século XX, o Instituto e a sua revista até hoje publicada, e o depois.

Tivemos também uma vida breve e sobressaltada de bibliotecas. A história registra que a biblioteca estadual chegou a funcionar nas dependências do instituto por falta de espaço e de quem cuidasse.

E tudo isto aqui se construiu por trabalho voluntário e doações. Assim chegaram os primeiros livros, documentos e peças de museu que reúnem mais de 400 anos de história colonial, imperial e republicana.  O instituto teve e tem a sua importância que precisa ser registrada. É a mais antiga instituição cultural do Estado e a biblioteca mais antiga.

E assim a história da casa se confunde com a própria vida e com os que nos antecederam. É certo que o tema da história não é a vida, pois a vida é finita. A história é mais antiga que a escrita, mais antiga que Homero e Heródoto e começa com os poetas que foram capazes de torna-la, em contraste com a fugacidade da vida, maior que o tempo. Infinita.

E os historiadores se formaram nos arquivos do instituto...
José Augusto Bezerra de Medeiros (1941), registra:

Abro aspas

“O Rio Grande do Norte possui atualmente dois filhos justamente reputados entre os maiores cultores das letras históricas do Brasil: Rodolfo Garcia e Tobias Monteiro.
Os estudos de ambos, porém, abrangem o país em seu conjunto: um, Rodolfo Garcia, esmiuçando e esclarecendo as origens mais remotas da nossa pátria, esse período colonial cujas principais etapas ele tem descrito à luz de vasta documentação, interpretada pelos mais severos e seguros métodos de investigação histórica; o outro, Tobias Monteiro, já agora consagrado o mais voraz e autorizado conhecedor da história brasileira, a datar dos albores da nossa independência.
A história particular do Rio Grande do Norte tem encontrado também investigadores ilustres, não só entre os filhos da terra, como entre os nascidos em outros trechos do Brasil.
Ferreira Nobre, o primeiro na ordem cronológica, Rocha Pombo, Vicente de Lemos, Luiz Fernandes, Meira e Sá, Pedro Soares de Araújo, Manoel Dantas, alguns outros, entre os que já não pertencem ao número dos vivos, deixaram obras de conjunto ou monografias especializadas do melhor e do mais puro quilate.
Tavares de Lira, ao mesmo tempo um dos mais autorizados historiadores nacionais, Nestor Lima, Antônio Soares, Câmara Cascudo, são atualmente os continuadores esforçados dos que foram buscar nos arquivos, para conhecimento dos contemporâneos, a documentação que esclarece o perpassar da vida do pequeno Estado do nordeste desde a hora primeira do seu povoamento”.

Fecho aspas.

Reflito. Reflitamos

Em tempos difíceis, quando a leitura e o conhecimento são desprezados, os jornais desaparecem, bibliotecas perecem, museus incendeiam, não se pode deixar de acreditar que o futuro sempre foi e, sempre será, o conhecimento, os livros e o instituto histórico e geográfico.

Biblioteca, arquivo, museu, os institutos são importantes, relevantes, necessários, imprescindíveis. Utilidade pública. Hoje, constam dos 26 estados brasileiros, 21 institutos ativos, responsáveis pela história local, documentos, arquivos, etc.

Embora escrevamos a cada dia uma nova página, a história desta instituição ainda está para ser contada. Passados mais de cem anos em que aqueles fundadores se reuniram, embora não soubessem que aqui hoje estaríamos, acredito que, que estariam certos que haveria a continuidade.

Como na passagem do escritor português,
José Saramago:

“Imaginemos por um momento que estamos numa praia: o mar está ali, e continuamente aproxima-se em ondas sucessivas que chegam à costa. Pois bem, essas ondas, que avançam e não poderiam mover-se sem o mar que está por detrás delas, trazem uma pequena franja de espuma que avança em direção à praia onde vão acabar. Penso, continuando a usar esta metáfora marítima, que somos nós a espuma que é transportada nessa onda, essa onda é impelida pelo mar que é o tempo, todo o tempo que ficou para atrás, todo tempo vivido que nos leva e nos empurra. Convertidos numa apoteose de luz e de cor entre o espaço e o mar, somos, os seres humanos, essa espuma branca e brilhante, cintilante, que tem uma breve vida, que despede um breve fulgor, gerações e gerações que se vão sucedendo umas às outras transportadas pelo mar que é o tempo. E a história, onde fica?”

E aqui, termino eu.


Natal/RN, 01 de dezembro de 2018

Gustavo Sobral

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