28/05/2014



F R A G M E N T O S   D O   T E A T R O   E M   S Ã O   P A U L O
Por: Gileno Guanaraba, sócio do IHGRN

            A primeira notícia fora a encenação da catequese pelos jesuítas. Nos alfarrábios do Instituto Histórico de São Paulo, nos tempos coloniais do Conde de Sarzedas, o primeiro teatro localizado no largo do Palácio, chamado Casa da Ópera. No seu  camarote nº 11, em noite de gala, o padre Ildefonso Xavier Ferreira proclamou D. Pedro, rei do Brasil. Ali, o sábio francês Saint Hilaire assistiu a encenação da comédia O Avarento. Os atores eram mulatos; acadêmicos travestidos; e as atrizes, mulheres públicas. A plateia era dividida, homens de um lado e mulheres do outro.

 Depois o Teatro S. José, cuja construção data do ano de 1852, só em 1864 foi inaugurado provisoriamente, com a encenação de três peças: Tunica de Nessus, de autoria do acadêmico Sizenando Nabuco (irmão do diplomata e escritor Joaquim Nabuco); O Bobuletismo; e Por Direito de Conquista, encenadas por artistas locais.

No ano de 1876, aquele espaço cultural foi restaurado, retomando a sua importância para as artes cênicas. Com a sua reinauguração, organizou-se uma companhia dramática, para trabalhar no Teatro inteiramente reformado. Faziam parte empresários e os atores Joaquim Augusto; Henrique Costa; João Eloy Quesado; Paulo Petit; e as atrizes Maria Velluti; Júlia Carlota; Minervina Gonçalves; Maria Lima; Balbina Montani, dentre outros. Nesse tempo, apresentou-se a Companhia Lírica Italiana, com a ópera Lúcia de Lamermoor (soprano Adelina Cortesi; tenor Selmi; cantores Spallazi, Silvestroni e Frivero).  

Em 1898, o São José foi alvo de um incêndio e finalmente demolido em 1912. Três dias antes do sinistro e a dúvida da última encenação: ou a peça Há caça...e caça, direção de Moreira Sampaio, da Companhia do Teatro Apolo do Rio de Janeiro; ou a Morgadinha de Valflor, de Pinheiro Chagas, pelo grupo de amadores Gil Vicente.

            O Teatro S. José acolheu artistas renomados, dentre eles o italiano Ernesto Rossi, na época, um dos maiores interpretes de Shakespeare. Chegado pelo trem do Norte, foi recebido na estação. De lá a multidão o acompanhou até o Grande Hotel, de cuja sacada discursou em agradecimento aos que o aplaudiam. Apresentou a tragédia Othelo. Seguiram-se Romeu e Julieta, e Hamlet. Tomado de entusiasmo, um dos espectadores não se conteve: O orador vale o ator. Ambos são grandes. A influência de Rossi  contaminou os acadêmicos que se sentiam os próprios príncipes dinamarqueses, a repetirem, de capa espanhola e bengala: Essere o non essere. Eco il problema.

            A boa lembrança de Ernesto Rossi perdurou, enquanto os espetáculos se sucediam e remanesciam os seus efeitos. Quando da apresentação por artistas amadores da peça Quem é o pai da Criança ?, a dúvida suscitada diretamente à plateia, um excelentíssimo senhor doutor acadêmico respondeu de bate pronto: Pois não sabe, seu calouro ? O pai é você. Mas se não for você, é o Rossi”.

            O ator Giovanni Emanuel, também interprete de Shakespeare, representou no São José Othelo e Rei Lear. Nesta última, causou espécie a cena em que o rei reclama a demora dos cavalos e lança a maldição sobre os filhos que se esqueceram dele e lhes dirige a maldição dos netos.

            Gloriosa foi a passagem da musa francesa Sarah Bernhardt por São Paulo, em junho de 1886. A sua estreia constou do drama Fedora de Vitoria Sardou. Ao encerrar a sua apresentação, o público em delírio a conduziu ao Grande Hotel, enquanto os acadêmicos estendiam as suas capas pretas, a fim de a atriz não pisar no chão. De um espectador entusiasmado: Pensava que raios de inteligência fossem figuras de retórica. Mas, não são. Eu vi tudo isso em Sarah Bernardt”.

            O Teatro S. José abrigou personalidades da ópera lírica (Maria Durand; Taragno; Batistini; Storti; Bulterini, Faletti, dentre outros). Ecoaram as apresentações de Huguenotes; Dinorah; Fausto; Gioconda; Carmem; Guarany; Salvador Rosa; Tosca e outras.          Marcou época a apresentação do maestro Antônio Carlos Gomes. Recebido com ovação, a multidão o conduziu até a Rua da Imperatriz (atual Rua 15 de Novembro), onde se hospedou. Ao final da apresentação de O Guarani, foi saudado pelo bacharel Affonso Celso Júnior: Maestro, o povo e a classe acadêmica de São Paulo fizeram do seu entusiasmo uma escada para chegar até vós, que sois a mais bela gloria nacional.

            O Teatro S. José acolheu sessões cívicas, cujos oradores notabilizaram-se nas letras e na política: Castro Alves, José Bonifácio, Assis Brasil, Affonso Celso, Silva Jardim, Rui Barbosa, dentre outros tribunos. Das celebridades que deixaram no livro de registro suas passagens pelo teatro, o autógrafo de Sarah Bernardt: Messieurs. C’est avec une profunde émotion que je responde à votre simpathie.....et votre pensée rencontrera la mienne torjours émue et reconnaissante. Vive le Brésil.   

No ano de 1873, inaugurou-se em São Paulo o Teatro Provisório Paulistano, por iniciativa de Horácio de Souza Muniz e Cia. A cerimônia de batismo constou de discursos e foi apresentado o drama Helena, pelo grupo dramático Seis de Janeiro. Ganhando novas instalações, recebeu o nome de Teatro Sant-Anna e funcionou até o ano de 1911, quando foi demolido e deu lugar ao Viaduto Boa Vista. Na inauguração do Paulistano foi apresentado o drama A Calúnia, escrito pelo poeta Carlos Ferreira, antecedida pela recitação do poema A Arte !, do mesmo autor, pela atriz Rosina Muniz. Durante a inauguração foi encenado A República dos Pobres, com   participação do Coral Germano, cânticos alemãs sob a direção do maestro Gabriel Girandon.     

Ao mecenas e prefeito da cidade, Antônio da Silva Prado, os paulistas devem muito pela existência do Teatro S. José, bem como pela concepção do suntuoso Teatro Municipal de São Paulo, que o substituiu, construído e mantido até os dias atuais com a mesma pompa arquitetônica clássica, desde 1912. Naquele ano, foi reinaugurado em Natal o Teatro Carlos Gomes, obra do arquiteto Herculano Ramos.

           

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