07/08/2013

GILENO GUANABARA

O S  J A N D A I A S                              
Natal das serenatas e das mocinhas casadoiras permaneceu assim por dezenas de anos, uma cidadela inocente e pueril. O fausto da boemia se impregnava na juventude a qual, mal superando a adolescência, exercitava patéticas noções de bem viver a boa vadiagem. Mas cedo teria de enfrentar a realidade da vida.
Sob o pretexto de que “periquito come...a jandaia leva a fama”, sem data de fundação, pouco se sabe de Os Jandaias, já que não era um partido, nem um clube, não tinha sede, não tinha ata, nem estatuto. Havia princípios respeitados: “Ver, ouvir e calar”. Daí a solidariedade que reinava entre os sócios, todos jovens. A ação misteriosa facilitava o anonimato de suas traquinagens.
Promoviam encontros e desencontros, festas, saraus, bailes, piqueniques à sombra de juazeiros frondosos, em sítios afastados, longe da indiscrição e da maledicência dos intrusos. No relato de Gothardo Netto, nada poderia ofuscar a alegria de Francisco Herculano a cantar: “Caso de amor tão fingido, eu já fiz,/ hoje não faço; / eu por ti já dei a vida,/ hoje não dou um passo.”. Ou o boêmio a estancar os idílios, com o gorjeio de despedida: “Apenas neste silêncio, ouço gemer uma fonte/ que vem descendo do monte com sonoro trepidar.../Adeus, ò virgem, que o bardo não quer teu sono turbar.”
Lourival Açucena, desde que provocado, fustigava com a sua troça: “Em terra escabrosa, de brenhas escuras, por entre fraguras nasceu linda flor... Ao vê-la senti no meu triste peito o mágico efeito que produz Amor!”. Ao fim choramingava: “Minha gentil Porangaba, imagem, visão querida, só teu amor me conforta nos agros transes da vida.”. Ficou conhecido como “o poeta da Porangaba”.
Aos tragos do “Madeira” espumante, ou do vinho “Málaga” valoroso, o “chambary” ao gole da “Paraty”, liberavam-se as libações: “Nesta pandega animada em que estamos, vamos alegres cantar, pois quem não canta e não dança não sabe a vida alegrar: não haja tristeza ! não haja tristeza ! vamos pandegar.”
Não obstante serem empertigados menestréis das trovas e das modinhas, havia também carícias plenas no furtivo balanço das redes. Palavras adocicadas, como “bom-bons”, e o oba-oba durante os carnavais. As colombinas e os pierrots entoavam as marchinhas, na picardia dos foliões: “Catuco, meu bem”; “Sabão sabiá”; “Caritó”; e outras tantas marchinhas que foram sucessos do ano de 1924.
O hino oficial de Os Jandaias, a marchinha “Pedra da Saudade”, foi da autoria do poeta Tabira, cujo codinome era “Gato Mourisco”. A letra composta por João Estevam (“Morfina”) dizia assim: “Os Jandaias, meus senhores,/Também prestam neste dia,/Homenagens e louvores/Ao reinado da Folia./Nesta doida alacridada/Tudo nos faz esquecer,/Não à Pedra da Saudade/Que um dia nos viu nascer.”.
Emidio Fagundes (“Barão da Vila Flor”) foi o presidente de Honra de Os Jandaias e João Estevam foi o Secretário Perpétuo. A iniciação dos sócios com os aparatos se dava com a adoção do apelido de guerra: “Doce Esperança” (Antônio Braga); “Cavalo do Cão” (João Vasconcelos); “Jeque” (Evaristo); “Zero” (Diolindo Lima); “Pantaleão Bodoque” (Gothardo Netto); “H. Pachola” (Ponciano Barbosa); “Zé d’Esperança” (Ivo Filho); “Felix Fidelis” (Jorge Fernandes); “Z. Balos” (Virgílio Trindade); e “Dr. Patife” (Josué Silva).
 A “J. Vadio” (ou “Morfina”), que era João Estevam, competia musicar os apelidos. Referiu-se a Evaristo com a quadra musicada: “A cor, não!/ Ninguém consegue decifrar com precisão,/ Do velho fraque de “Jeque”,/ Que esteve na Exposição”. Dizia do conjunto fraque preto e calça listrada, que Evaristo não cansava de usar, inclusive, na visita à Exposição da Independência, no Rio de Janeiro.
A marcha “Vestido Azul”, com música do seresteiro Olímpio Batista (“Dr. Caruco”) e versos de “Morfina”, representava o enigma simbólico “passos perdidos”, na misteriosa cavilação que nem o melhor dos dançarinos, Bulhões (“Casaca de Couro”) conseguiu desvendar. A letra de “Vestido Azul” dizia: “Vamos, portanto divertir com animação/ Nesta função/Vamos folgar,/Vamos sorrir,/Vamos dançar,/Vamos viver assim, Vestido Azul,/ para os Jandáias, não tem fim.”.
Assim transcorria a vida boemia e generosa de gerações saudáveis que, até com certa indiferença, atravessaram os horrores da Segunda Guerra Mundial. Sem perder a alegria de viver, cada um, a seu modo romântico peculiar, tornou pitoresca a graça de ser jovem e ternamente enamorado. Foi assim na cidade do Natal.

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