09/09/2021

Marcelo Alves Estórias filosófico-jurídicas Hoje vou misturar dois temas da minha estima: a ficção filosófica e a ficção jurídica. A primeira é a ficção que tem a filosofia como um dos seus temas principais. Nela, a filosofia é tratada de forma explícita, em primeiro plano, sendo intenção do autor fazer o leitor refletir sobre as grandes questões da vida. Já jurídica é a ficção cujos enredos têm forte ligação com o direito, porque, entre outras coisas: (i) boa parte da estória se passa perante um aparelho judicial em funcionamento; (ii) são inspiradas em casos reais ou mesmo em grandes eventos da história do direito; (iii) foca na temática da filosofia do direito, a exemplo da tensão entre a falibilidade de um sistema judicial e a noção de Justiça, que é, como na filosofia em geral, quase infinita em sua variedade. O conceito de ficção jurídica é, assim, bem amplo, podendo abarcar obras centradas em coisas tão diversas como as “personagens” do direito (o advogado brilhante ou o promotor severo), a história de um caso célebre ou os conceitos em si de direito e de Justiça. Na conceituação da ficção filosófico-jurídica, o espectro da ficção jurídica é reduzido, cuidando apenas dos enredos que têm como tema principal a filosofia do direito (subespécie da filosofia política), tratando dela intencionalmente para fazer o leitor refletir sobre suas questões fundamentais. Uma observação importante é que, para os fins deste texto, o conceito de filosofia do direito se mistura com os de ciência e de teoria geral do direito, que eu nem mesmo sei (e acredito que ninguém saiba), sem controvérsia, diferenciar. Os subtemas da ficção filosófico-jurídica são quase intermináveis. Socorro-me da lista elaborada por André Karam Trindade e Roberta Magalhães Gubert, no texto “Direito e literatura: aproximações e perspectivas para se repensar o direito”, constante do livro “Direito & literatura: reflexões teóricas” (Livraria do Advogado Editora, 2008): “a negociação da lei e a metáfora da aliança ou do contrato social (Êxodo, do Antigo Testamento), o problema da legitimidade do direito (Antígona, de Sófocles), a relação entre vingança e justiça (Oréstia, de Ésquilo), a secularização frente aos critérios morais de classificação dos crimes e punições que lhes são correspondentes (A divina comédia, de Alighieri), a obrigatoriedade de aplicação da lei penal (Medida por medida, de Shakespeare), o problema da interpretação jurídica (O mercador de Veneza, de Shakespeare), a busca de uma justiça idealizada e as adversidades inerentes à realidade (Dom Quixote de la Mancha, de Cervantes), o indivíduo e a fonte de direitos a ele inerente (Robinson Crusoé, de Defoe, e Fausto, de Goethe), as falácias da argumentação jurídica (As viagens de Gulliver, de Swift), as implicações da anistia (O leitor, de Schlink), os efeitos perversos que subjazem nas leis mais bem-intencionadas (O contrato de casamento e A interdição, de Balzac), a complexidade psicológica da culpa (Crime e castigo, de Dostoievski), as descobertas e os avanços da criminologia (A ressurreição, de Tolstói), a incoerência das formas e conteúdos que o sistema jurídico estabelece (O processo, de Kafka), o processo de submissão dos indivíduos a partir do controle social exercido pelo regime totalitário (1984, de Orwell, e Admirável mundo novo, de Huxley), o absurdo do desprezo legal pela singularidade e subjetividade (O estrangeiro, de Camus), a Lei como instrumento de interdição (O senhor das moscas, de Golding), a questão do adultério e da construção da verdade (Dom Casmurro, de Machado de Assis), a loucura e o tratamento jurídico a ela dispensado (O alienista, de Machado de Assis), os dilemas da democracia e o papel do Estado (Ensaio sobre a lucidez, de Saramago), o caos e a barbárie num mundo sem direito (Ensaio sobre a cegueira, de Saramago), o controle social e o poder ideológico exercido pelas ditaduras (A festa do bode, de Llosa), a decadência dos valores e seus reflexos na ordem jurídica (O homem sem qualidades, de Musil), a necessidade de humanização do sistema penal (Os miseráveis, de Victor Hugo), os dilemas do casamento frente aos interesses hereditários (Orgulho e preconceito, de Austen), o problema das presunções normativas (Oliwer Twist, de Dickens), entre outros tantos”. E, para ilustrar melhor o que ora afirmo, analisaremos uma dessas obras: “O processo” (1925), de Franz Kafka (1883-1924). Rogo só paciência. Marcelo Alves Dias de Souza Procurador Regional da República Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
O REPENTE NA ACADEMIA Diogenes da Cunha Lima A nossa Academia Norte-rio-grandense de Letras eleva os valores da cultura e é aberta às manifestações populares. O programa “Academia para Jovens” recebe alunos e professores para aprimorar o sentimento da importância da cultura transmitida pela educação. O improviso e o repente dos cantadores não lhe são ausentes. A prodigiosa memória do professor Lúcio Teixeira surpreendeu o inesperado. Estavam dois cantadores na casa do fundador da Academia, Luís da Câmara Cascudo, quando um besouro cascudo pousa no ombro do Mestre. Foi o bastante para um cantador versejar: “Estou vendo dois cascudos/Um do outro é diferente/Um não tem raciocínio/O outro é inteligente/No mato cascudo é bicho/Na praça Cascudo é gente”. Em cerimônia acadêmica, falava um companheiro não da simpatia do poeta Luiz Rabelo, um mestre da arte do improviso. O orador falava baixo e com alguma impropriedade de linguagem. O cachorro da zeladora começa a latir. Logo, Rabelo descreveu a sessão magna; “O acadêmico falava/Mas o cachorro latia/Era bem grande a arrelia/Nada o auditório escutava. /Assim se desenrolava a sessão na Academia/Afinal ninguém sabia (era impressão que deixava) /Se o cachorro discursava/Se o acadêmico latia”. O desafio do violeiro começa normalmente com um autolouvor exagerado de um cantador para intimidar o parceiro. Certa vez, convidei dois cantadores para uma apresentação na Academia. Sugeri o tema: A chegada do cantador no céu. O potiguar-paraibano Antônio Sobrinho discorreu sobre as suas vantagens na visita celestial, havia recebido o aplauso dos santos. O poeta pernambucano contestou. Disse que, no “céu”, o companheiro foi recebido por um anjo de rabo e chifre, que soltava fogo pelas ventas. Teria sido mergulhado em enxofre fervente. Por sorte, consegui decorar a resposta: “Viajei num transporte igual ao vento/E fui conhecer o céu empíreo/Nas mãos eu levei a flor do lírio/E nos braços levei meu instrumento/Ao chegar no céu nesse momento/Me senti o poeta mais feliz/Jesus me escutando pedindo bis/E eu repeti a mesma cena/Namorei com Maria Madalena/Não casei lá no céu/Porque não quis”. A plateia, emocionada, aplaudiu. O acadêmico Veríssimo de Melo deixou copioso legado de suas pesquisas folclóricas. Deu especial relevo à atualidade da poética popular. Entre tantos estudos, revelou a cantoria feita para a visita do Papa João Paulo II a Natal, a morte de Tancredo Neves, registrou a exposição de cordel no Museu Britânico. Muitos desafios surpreendentes. Vamos prestar-lhe a devida homenagem nos cem anos do seu nascimento. Estamos convidando dois cantadores para, em sessão aberta e com transmissão pela internet, louvarem a sua vida limpa e sua obra semeadora. A Academia trabalha com a colaboração do tempo, promovendo ensaios, valorizando experiências intelectuais, como orienta o seu lema, buscando a luz dos astros na sabedoria popular.
IMAGEM E IMAGINAÇÃO Valério Mesquita mesquita.valerio@gmail.com Não posso morrer de silêncio. Mesmo ante a impotência dos vocábulos. Em ar de conversa vou desfazendo equívocos e revolvendo arquivos desta quadra transitória. No cafezinho habitual do ponto, perguntam-me se Carlos Eduardo Nunes Alves se reelegeria prefeito de Natal? Ora, se Vilma Maria de Faria elegeu Aldo Tinôco avalie ele? Mas, nem só de pergunta vive o homem à hora do café e do crepúsculo. Li certo dia, uma crônica do amigo Rômulo Xavier uma alusão incorreta a meu respeito, a despeito dos seus generosos elogios. Trata-se de uma placa afixada em Natal que contava os dias faltantes para o então governo terminar. Esclareço que não foi de minha “verve”, como imagina o respeitável escritor e jornalista. Conheço a história e as razões que pertencem aos arquivos mplacáveis do Rio Grande do Norte. No ritmo de Zeca Pagodinho, deixando a vida me levar, deparei-me com a nova e violenta refilmagem da Paixão de Cristo. Nos confins dos anos 59, quando assistia em preto e branco aos primeiros filmes sobre o tema, eu chorava com o sofrimento de Jesus. Indagado se assisti a versão do Mel Gibson, respondi que não. Iria realimentar minha paixão antiga contra os responsáveis pelo homicídio universal. Os evangélicos já depuseram no fórum da história, apontando os culpados sobre os quais ainda hoje recai o sangue do inocente. Certa vez, ouvi do saudoso e querido padre Penha afirmar, saindo da exibição do filme, que Jesus fora vítima dos partidos políticos da época. Nível, qualidade de serviço, educação, devem ser questões pontuais das empresas que compraram as estatais brasileiras no setor das comunicações. Por exemplo: quando o usuário desejava passar um telegrama fonado é Recife que atende. Bom, até aí entendo mais ou menos. Mas o despreparo dos atendentes era lamentável e alarmante. Sempre recebia cópias dos telegramas emitidos. A maioria, chegava com erros. O último que enviei, dirigido ao ex-ministro Almino Affonso, o telegrafista (o nome é esse?) pernambucano escreveu “onorário” em vez de honorário. Lembrei-me do ex-prefeito Chico da Bomba de João Câmara: “Dr. Varela, hospício é com “o” ou com “h?”. “É com h, Chico, com h, respondi.” Na verdade o saudoso Chico da Bomba queria escrever um ofício à Sudene e usar a palavra auspício. (*) Escritor

07/09/2021

Minhas Cartas de Cotovelo – versão de 2021-40 Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes Eis que o Sol brilha mais forte no firmamento, porque um motivo maior se alevanta – o Dia Glorioso da Liberdade da nossa terra, onde a bandeira do Brasil beija e balança. Criaturas se engalanam com as suas flâmulas para homenagear a data com amor, honrando as tradições dos nossos heróis sacrificados e que pela Pátria perderam suas vidas ou liberdades. Contudo, também será possível encontrar aqueles que, sob a máscara da falsidade e escudado, sem patriotismo, na nossa bandeira, expressem o seu efetivo desejo partidário ou ideológico, maculando a real festividade deste dia, nas ruas ou em versos falsos, que já se encontram na mídia. Para estes o melhor caminho seria o silêncio. Mas para os verdadeiros brasileiros aponto o verso do Hino da Independência: Não temais ímpias falanges que apresentam face hostil, vossos peitos, vossos braços são muralhas do Brasil. A exaltação uníssona do passado foi, ao longo dos anos, perdendo o seu vigor posto que a clava forte do poder e das ideologias exóticas foram se aninhando entre os brasileiros, manchando desnecessariamente de sangue o auriverde pendão da nossa terra, apesar de gritos isolados de alguns modernos (Cazuza) que versejaram: Grande Pátria Desimportante em nenhum instante eu vou te trair. Não vou te trair. Os que se maquiam por trás do nosso pavilhão altivo para fazer postulações estranhas – manter ou voltar com as estruturas de domínio, sem olhar para o sofrimento de um povo bom, ordeiro e tolerante, que assimila com esperança e fé dias melhores para a sobrevivência digna que ficou cravada com as expressões do Criador – a dignidade da pessoa humana. Hoje, façamos vencer o milagre da solidariedade, unidos trabalhando pela Pátria lutando num único sentido do restauro da nossa dignidade perante o concerto das Nações. Não aceitem que a intolerância presida as ações representadas nas manifestações cívicas que iremos vivenciar nesta data sagrada, mas ocorra o milagre de um só pensamento: resgate das nossas tradições e amor que foram tão presentes no tempo da Independência. Do contrário, estaremos repetindo as expressões de Castro Alves: Meu Deus! Mas que bandeira é esta, que impudente na gávea tripudia? Silêncio. Musa chora e chora tanto que o pavilhão se lave no teu pranto! Deixemos brilhar com intensidade mil, o glorioso estandarte do BRASIL.

01/09/2021

REPOSIÇÃO DE FATO HISTÓRICO Valério Mesquita* Mesquita.valerio@gmail.com Na posse do famoso coronel Estevão Moura, no século dezenove, o engenho Ferreiro Torto vislumbrou tertúlias memoráveis, visitas ilustres de presidentes da província e dignitários do império, com banquetes e bailes. Como amigo da boa mesa, todos conheciam o modo fidalgo com que o coronel tratava seus hóspedes, fidalguia herdada por todos os seus descendentes diretos, sobre os quais, assevera mestre Câmara Cascudo: “foram fiéis ao signo da hospitalidade generosa, completa, ampla, inimitável”. Com o falecimento de Estevão Moura, o engenho Ferreiro Torto, no espólio, coube a sua filha mais nova, Isabel Cândida de Moura Chaves, casada com Francisco Clementino de Vasconcelos Chaves, pais do jurista João Chaves, nascido na residência em 1875. Isabel Cândida vendeu a propriedade em 1900, para sua sobrinha Maria Suzana Teixeira de Moura, que na década de 1920, a transferiu para Francisco Coelho e depois a Bruno Pereira que se desfez do imóvel na década de 1930, alienando-o a Amélia Duarte Machado, que desde então o manteve até as terras serem desapropriadas pela prefeitura de Macaíba, em nossa gestão como prefeito (1974). Por ser patrimônio histórico, foi transformado em museu de Arte Sacra, mantido pela Fundação José Augusto, que tombou e restaurou o antigo palacete colonial, graças aos recursos da Emproturn. Depois de funcionar como sede da prefeitura de Macaíba entre os anos de 1983 a 1989, o solar foi transformado em museu municipal na gestão de Odiléia Mércia da Costa. Posteriormente fechado, reabriu como museu regional na gestão Mônica Nóbrega Dantas. Novamente fechado e após sofrer assaltos e depredações, foi reinaugurado como Complexo Turístico e Cultural, em abril de 2003, apresentando coleções de fotografias antigas da cidade da Macaíba e dos seus filhos que se destacaram nos mais variados segmentos sociais, culturais e políticos. O nome Ferreiro Torto teve origem em um coqueiro muito alto e torto, que existia bem próximo à porteira da fazenda, e quase embaixo dessa árvore um ferreiro havia montado a sua tenda e oferecia os seus serviços aos tropeiros, que por ali passavam a fim de corrigir as ferraduras dos animais. A história de sua restauração começou efetivamente em 1974, na oportunidade em que fui prefeito de Macaíba e desapropriei a área que circundava os escombros do sobradão. A questão foi ajuizada e com coragem mantive a decisão, encomendando um projeto de recuperação ao escritório do arquiteto Airton Vasconcelos, que se valeu das fotos existentes e das dicas dos habitantes mais antigos da cidade e historiadores. Em 1975, deixei a prefeitura para assumir a presidência da Emproturn. Nessa estatal, no governo de Tarcisio Maia, enfrentei contenda com o diretor administrativo e financeiro Francisco Revoredo, que defendia a alocação do recurso no valor de um milhão de cruzeiros, à época disponível, com destino a sua terra Mossoró, e não para a restauração do Ferreiro Torto, em Macaíba. A divergência ganhou as manchetes dos jornais. E por fim, com o voto de desempate do diretor técnico Valmir Targino, fomos vitoriosos. Procurei o presidente da Fundação José Augusto Sanderson Negreiros e, através de convênio, a Emproturn repassou a importância mencionada para o órgão cultural responsável (FJA) afim de adaptar ou ampliar o projeto técnico antes elaborado. Muitas dificuldades junto ao Patrimônio Histórico foram, enfrentadas em Recife. O IPHAN restaurava monumentos mas não os reconstruía. Era a norma. Polêmicas foram travadas, porém ao final prevaleceu o critério da equipe técnica da Fundação José Augusto, chefiada pelo arquiteto Paulo Heider Feijó. O Solar, foi inaugurado em 1979, com as presenças do governador Tarcisio Maia e Franco Jasiello da Fundação José Augusto, além do governador do Pará, doutor Aloísio Chaves, neto do jurista João Chaves que morou e faleceu no Ferreiro Torto. Esses fatos não podem ser esquecidos. Quando se falar sobre o Ferreiro Torto, devemos nos lembrar que sem a decisão inaugural e obstinada de desapropriar a área, conseguir os recursos e arrostar as dificuldades que se impuseram contra a reconstrução não existiria um legado tão importante da história do Rio Grande do Norte e de Macaíba. (*) Escritor

25/08/2021

VIAGEM INTERROMPIDA Valério Mesquita mesquita.valerio@gmail.com Conhecemos o poeta e jornalista Carlos Drummond de Andrade em 1984, no Rio de Janeiro, através do conterrâneo Antônio Carlos de Oliveira, seu amigo e confidente. Magrinho, fala mansa, olhar vivo e perspicaz, o poeta beirava os 82 anos. Nossa missão, como presidente da Fundação José Augusto, era convidá-lo a visitar Natal e cumprir uma agenda sucinta, na qual estava prevista uma visita a Câmara Cascudo. Viria acompanhado de sua filha única, da primeira união, Maria Julieta Drummond de Andrade e de Antônio Carlos, espécie de cônsul honorário potiguar e gerente do Banco do Estado do Rio Grande do Norte. Para chegar ao escritor mineiro não foi tão difícil. Tudo foi conseguido pelo padre João Medeiros Filho que residia lá, à época. Todos os dias, Drummond "batia ponto" no banco e tinha por Antônio Carlos uma ternura paternal, tanto assim que, no seu livro póstumo "Poesia Errante", Drummond lhe dedicou um verso (página 15): "Antônio Carlos de Oliveira e seu coração potiguar são exemplos da verdadeira arte de compreender e amar". Antônio é natural de Upanema. Radicou-se no Rio de Janeiro exercendo por muitos anos a atividade bancária. É também fazendeiro e criador no Rio Grande do Norte mas com residência fixa na terra carioca. No centro da capital carioca, as ruas do Rosário, da Alfândega e Buenos Aires, ficavam os bancos dos estados nordestinos, numa área de menos de um quilômetro quadrado, inclusive o banco de Mossoró, conhecido pelo lema: “pequenino mas resolve”. O amigo padre João Medeiros Filho que articulou nosso encontro com o poeta mineiro, falava que o escritor Oswaldo Lamartine denominava esse complexo bancário de “o polígono das secas”. Naquela tarde do verão de 1984, conhecer Carlos Drummond de Andrade foi uma emoção especial. A sua simplicidade e recato (características da maioria dos mineiros), faziam-no economizar as palavras. Dia seguinte, no mesmo horário, com tudo organizado por Antônio Carlos, voltamos à entrevista com o poeta, desta vez, com a presença de sua filha Maria Julieta, procuradora e public relations. Viera acertar a data da visita a Natal que deveria ocorrer uns 30 dias depois do encontro, até que melhorasse a sua saúde. Oferecemos livros de Cascudo recém editados, pinturas de Dorian Gray e Newton Navarro. Palavras amenas, cortesias e despedidas. Nessa data, Maria Julieta ainda não descobrira que padecia de um câncer de mama do qual veio a falecer em agosto de 1987, três anos depois. Dois dias antes da data aprazada do embarque do poeta e comitiva para Natal, Antônio Carlos ligou-nos do Rio informando que a filha de Drummond hospitalizara-se para extirpar um caroço no seio, cancelando a viagem. Ficaria adiada sine-die. O tempo passou. Foi-se Drummond em 1987, 12 dias após a morte da filha. E Natal se privou de conhecer um dos maiores poetas desse país, nascido em Itabira do Mato Dentro, nono filho de um fazendeiro mineiro. Meses depois, reencontrei em Natal, Antônio Carlos de Oliveira num almoço repleto de evocações. Na sobremesa "Poesia Errante", sétima edição da Record que Antônio me ofertou com a frase (marca registrada) do poeta do cotidiano: "Se procurar bem você acaba encontrando não a explicação (duvidosa) da vida mas a poesia (inexplicável) da vida". Saudades do poeta. (*) Escritor