22/09/2020

Marcelo Alvest
A tricolor
Faz muitos anos, estudando em Cambridge, fui a Londres assistir a “Cats”, o musical. Encantado com a música de Andrew Lloyd Webber (1948-) e com os versos de T. S. Eliot (1888-1965), já na semana seguinte, fui assistir uma segunda vez, numa excursão da escola de línguas em que eu estudava. Lembro-me muito bem.
Meu encantamento era como aquele narrado por Annette Y. Kirk, na edição que possuo de “A era de T. S. Eliot: a imaginação moral do século XX” (Realizações Editora, 2011), de Russell Kirk (1918-1994), “com a dança e a música dos felinos, bem como com a graça e a sagacidade de Resmungato, Velho Deuteronômio, Mister Mistfelino, Macário, o Gato Misterioso e todo o bando do Livro do Velho Gambá sobre Gatos Travessos”. Para mim, também, talvez o mais tocante do musical tenha sido “Grazibela cantando ‘Memories’, uma canção que nos desperta a atenção para o páthos da vida humana. Sua morte e ascensão expressam o profundo anseio pela vida eterna, tema sempre presente nos poemas, nas peças teatrais e na prosa eliotianos”.
De 1939, musicados por Lloyd Webber em 1981, é provável que T. S. Eliot nunca tenha imaginado que, dramatizados, os seus “poemas sobre gatos fossem atingir um público muito maior que a soma de todas as pessoas que assistiram às suas peças” ou mesmo a soma dos que, durante a sua vida, “compraram seus livros”. Mas atingiram até este nordestino aqui. Em cheio.
O fato é que eu também me envolvi com uma colônia de gatos ao estilo “eliotiano”. Só que gatos de verdade, que observei e alimentei, todos os dias, encantado, durante mais de cinco meses desta pandemia. A colônia habita uma pracinha, ladeada de uma mata, quase em frente ao meu apartamento. Era minha respirada de ar, nos fins de tarde, nestes tempos tão difíceis.
Tinha a velha gata preta, mansíssima, que está ali há séculos. A gata branca e pintada, mãe de duas ninhadas, que foi adotada, junto com os filhotes pequeninos. Os dois jovens gatinhos irmãos, da primeira ninhada, quase idênticos, só diferenciados pelos focinhos branco e preto. A gatinha-irmã tricolor, a mais arisca e assanhada do bando, que suspeitei até estar grávida, em seguida dado cria, o que atrapalhou nossa programação de castrá-la. O gato branco velho, que vai e volta, e suponho ser o pai de todos os jovens. E, claro, tinha os gatos ocasionais: o frajola que tratamos da pata machucada, o rajado que comia embaixo, um amarelo furtivo, um branco do rabo escuro que só aparecia à noite e por aí vai. E eu me sentia o gato “Manda-Chuva” (o “Top Cat”), do velho desenho de Hanna-Barbera. Aliás, me sentia o Guarda Belo. Apesar das trapalhadas, no final, tudo dava mais ou menos certo na nossa colônia.
Até o dia em que a bela gatinha tricolor sumiu. Procuramos bastante. Até achamos, sem querer, o corpo de um outro gatinho, rajado, visitante ocasional do lugar. Encontramos o corpo da tricolor já bem deteriorado, num matinho, próximo a pista. Contam que ela foi atropelada. Deixou o seu lugar e o seu bando. Talvez uma escapada em busca de uma alimentação mais fina. Talvez a volta de uma namoradela. Quase como a Grazibela, glamourosa, na sua juventude. E foi colhida por um carro, como a Iracema do nosso Adoniran Barbosa (1910-1982).
A gatinha tricolor não vai mais voltar para o seu bando, como fez a Grazibela de “Cats”, já velha e sarnenta, apenas uma lembrança dos tempos de gata jovem e glamourosa. Não vai cantar “Memory” para os seus companheiros de tribo, inclusive eu. Tenho certeza de que seria bem-vinda. E o seu desaparecimento definitivo, desbotando as tardes, me deixou muito triste.
A única coisa que me conforta é que a tricolor morreu como viveu. Arisca, assanhada, bela. Fazendo o que queria. E instantaneamente, suponho. Morreu dignamente, dizem alguns. É o que todos nós queremos um dia, gatos e humanos, acredito. E é a única coisa que me conforta.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
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21/09/2020

 A 5ª DIMENSÃO DO ESTRESSE


Valério Mesquita
mesquita.valerio@gmail.com


Tudo incomoda o vivente. O sobrevivente. Provar a sensação amarga da guerra perdida. Contemplar do alto do edifício urbano as maiorias fúteis impondo iniquidades sobre Natal. O ter que habituar-se com a visão torta e vesga dos poderosos de plantão que impõem suas regras pela mídia. Natal sem becos, sem esquinas boêmias, sem praças, sem preces, povoadas de vultos inexpressivos que não serão falados amanhã. Extraviaram a noção de história. Os anos inaugurais do século XXI, não têm o glamour dos fatos e das figuras do século passado. O homem coisificou-se. Perdeu a densidade, a identidade, a musculatura dos gestos e dos passos que fazem história.

Na política, não temos mais líderes como antigamente: os neófitos já significam  os náufragos que irão morrer amanhã. A paisagem é deserta. As instituições se burocratizaram em blocos de ferro e cimento armado. Não têm mais lume nem leme. “Igrejinhas” tão somente. Não sei se há esperança. Não sei se há salvação. A única ameaça à ordem constituída continua a ser o câncer de próstata. Muitos acreditam que é o maior desafio ainda não enfrentado pelo Ministério Público.

Por outro lado, Natal a cada dia, fica mais insuportável com a quantidade de veículos. De motos. Principalmente aquelas que cortam o seu carro pela direita. Mas, assim caminham as capitais, as metrópoles para o futuro enganoso oferecido pelas imobiliárias. O ensino público e privado mercadejou-se tanto quanto o turismo sexual. Perdeu a qualidade. E viva a quantidade.

Fortunas repentinas arremetem-se para o alto iguais ao crescimento vertical da cidade. Não há explicação. Não há investigação. Tudo é volátil e volante. Expresso em arcos voltaicos celebrados na crônica social. É aí que se deduz que toda celebridade quando não é célere, é celerada. Ou fazem de cômicas todas as autoridades.

Saio de mim para penetrar na imponderabilidade do oceano que assiste, lá fora, a decomposição humana. A visão misteriosa do oceano pacifica e beatifica o pecador solerte, já dizia o décimo terceiro apóstolo de Cristo, perdido no tempo e no espaço, ainda acreditando na grandeza do último milagre. Mas, estresse é coisa séria. Pode ser trágico, para não dizer cômico. Não há como escapar de suas ilações, reações adversas e efeitos colaterais. Mas, que Natal está chata e irreconhecível infelizmente é verdade.

Tenho ultimamente pensado muito em Lucrécia. As duas. A Bórgia e a do Oeste. São pontos de fuga. Estações de tratamento para os dias. Os mesmos dias.

18/09/2020

 A 5ª DIMENSÃO DO ESTRESSE


Valério Mesquita
mesquita.valerio@gmail.com


Tudo incomoda o vivente. O sobrevivente. Provar a sensação amarga da guerra perdida. Contemplar do alto do edifício urbano as maiorias fúteis impondo iniquidades sobre Natal. O ter que habituar-se com a visão torta e vesga dos poderosos de plantão que impõem suas regras pela mídia. Natal sem becos, sem esquinas boêmias, sem praças, sem preces, povoadas de vultos inexpressivos que não serão falados amanhã. Extraviaram a noção de história. Os anos inaugurais do século XXI, não têm o glamour dos fatos e das figuras do século passado. O homem coisificou-se. Perdeu a densidade, a identidade, a musculatura dos gestos e dos passos que fazem história.

Na política, não temos mais líderes como antigamente: os neófitos já significam  os náufragos que irão morrer amanhã. A paisagem é deserta. As instituições se burocratizaram em blocos de ferro e cimento armado. Não têm mais lume nem leme. “Igrejinhas” tão somente. Não sei se há esperança. Não sei se há salvação. A única ameaça à ordem constituída continua a ser o câncer de próstata. Muitos acreditam que é o maior desafio ainda não enfrentado pelo Ministério Público.

Por outro lado, Natal a cada dia, fica mais insuportável com a quantidade de veículos. De motos. Principalmente aquelas que cortam o seu carro pela direita. Mas, assim caminham as capitais, as metrópoles para o futuro enganoso oferecido pelas imobiliárias. O ensino público e privado mercadejou-se tanto quanto o turismo sexual. Perdeu a qualidade. E viva a quantidade.

Fortunas repentinas arremetem-se para o alto iguais ao crescimento vertical da cidade. Não há explicação. Não há investigação. Tudo é volátil e volante. Expresso em arcos voltaicos celebrados na crônica social. É aí que se deduz que toda celebridade quando não é célere, é celerada. Ou fazem de cômicas todas as autoridades.

Saio de mim para penetrar na imponderabilidade do oceano que assiste, lá fora, a decomposição humana. A visão misteriosa do oceano pacifica e beatifica o pecador solerte, já dizia o décimo terceiro apóstolo de Cristo, perdido no tempo e no espaço, ainda acreditando na grandeza do último milagre. Mas, estresse é coisa séria. Pode ser trágico, para não dizer cômico. Não há como escapar de suas ilações, reações adversas e efeitos colaterais. Mas, que Natal está chata e irreconhecível infelizmente é verdade.

Tenho ultimamente pensado muito em Lucrécia. As duas. A Bórgia e a do Oeste. São pontos de fuga. Estações de tratamento para os dias. Os mesmos dias.

15/09/2020

 

Os Monomotapas

Tomislav R. Femenick - Historiador

 

O e-mail era lacônico: “O que sabe do gd Zimbábue?”. Respondi sucinto: “É assunto do meu livro Os Escravos”. Recebi de volta: “Então escreva um artigo”. Aqui está ele:

Entre os anos 300 e 850 d.C. povos chonas (shonas), vindos de terras próximas ao lago Taganica, chegaram à região onde hoje se localizam as repúblicas de Zimbábue, Zâmbia e Malaui. Anos depois, iniciaram as primeiras edificações de pedra que integram um dos mais intrigantes monumentos da história da raça negra e uma das maiores e mais notáveis construções da Idade do Ferro: o “Grande Zimbábue”. Os primeiros prédios teriam sido erigidos por volta do ano 1100 e as grandes muralhas entre os anos 1350 e 1400. Esse conjunto (e outros de menor grandeza) localiza-se entre os rios Zambeze e Limpopo, em um platô com altitude que vai de mil a dois mil metros.

Hoje o Grande Zimbábue é reconhecidamente um dos mais importantes sítios arqueológicos da África Negra. Acredita-se que tenha sido a corte real e um centro de rituais religiosos. É uma construção feita com pedras de tamanho quase igual, que se encaixam de maneira precisa e uniforme, em fileiras contínuas e curvilíneas, sem qualquer argamassa para fixação. Na parte superior da muralha há várias torres circulares, algumas medindo até quatro metros de altura, separadas por intervalos iguais, com desenhos decorativos em monólitos de granito ou de pedra-sabão. No seu interior há outros muros menores.

Ao serem redescobertas, em 1905, alguns estudiosos elaboraram a teoria de que eram realizações de um povo perdido ou teriam sido os árabes que haviam projetado as grandes construções de pedra. Hoje não há dúvidas; esta é uma realização dos chonas.

No princípio do século XV, eles se tornaram um império, conhecido como Monomotapa (ou Monomopata); como os portugueses o denominaram. Esse Estado emergiu de um processo de competição entre pequenos reinos antes existentes e, também, como resultado de um conjunto de condições econômicas objetivas, que tinham como fim controlar a produção de ouro.

A atividade econômica mais comum entre os povos da Grande Zimbábue era a criação de bovinos e a agricultura. Como as suas terras não eram propícias à formação de pastagens durante todo o ano, desenvolveram o sistema de transumância, deslocando o gado da planície para o planalto, na estação de seca, e do planalto para a planície, nas estações chuvosas. Dedicavam-se, também, à metalurgia de ouro, à extração de pedras preciosas, à mineração de ferro, estanho e cobre, bem como ao comércio de marfim e escravos. Seus mercados eram o Egito, outros países africanos, a China e, possivelmente, a Índia.

Em meados e até perto do final do século XV, o Império atingiu o seu apogeu. Foi nesse período que Vasco da Gama aportou na ilha de Moçambique, então um enclave árabe na terra dos chonas. Os relatos de seus diários de bordo fazem referência à riqueza e cultura desse povo da costa oriental africana. Antes de partir, o navegador luso mandou bombardear a cidade. Na sua chegada a Lisboa, recebe “honrarias e mercês”, entre outros motivos por ter localizado as minas de ouro dos monomotapas.  

Em 1501, Pedro Alvares Cabral, de regresso das Índias (para onde foi após ter descoberto o Brasil), enviou um emissário à “terra do ouro”, objetivando trocar tecidos de algodão e miçangas pelo metal precioso. No ano seguinte Vasco da Gama voltou à região e iniciou os estudos para a construção de uma fortaleza e uma feitoria.

O mito, a verdade, o simbolismo e o fascínio do ouro dos monomotapas, contagiaram muitos europeus. Até Luís de Camões, em seu grandiloquentíssimo poema laudatório dos feitos e conquistas portuguesas, baseado em viagem que Vasco da Gama empreendeu à Índia, caiu pelo encanto desse ouro. Sofala é citada em pelo menos três vezes. “...as ondas navegamos, de Quíloa, de Mumbaça e Sofala [...], donde a rica Sofala o ouro manda [...]. Olha a casa dos negros [...], qual bando espesso e negro de estorninhos, combaterá em Sofala a fortaleza Nhaia com destreza” (Os Lusíadas; Primeiro Canto, verso 54; Quinto Canto, verso 73, e Décimo Canto, verso 94, respectivamente).

 

Tribuna do Norte. Natal, 11 set. 2020.

 




07/09/2020

 

tSiuulcaprgdod
Um estágio
Estes dias, pela Internet, andei comprando umas belezuras na Livraria Cultura. Tudo com 90% de desconto (e quem me conhece sabe que adoro descontos). Entre elas estava um tal “Confronting Animal Abuse: Law, Criminology, and Human-Animal Relationships” (Rowman & Littlefield Publishers, 2009), de Piers Beirne. E desse dito cujo eu tirei a ideia desta crônica.
Em “Confronting Animal Abuse” há um capítulo intitulado: “Is there a Progression from Animal Abuse to Interhuman Violence?” (“Existe uma progressão dos maus-tratos a animais para a violência para com humanos?”). O tema não me era desconhecido, claro. Já tinha lido sobre essa progressão em livros e produções acadêmicas e, nos últimos meses, em artigos de jornal. Mas achei a abordagem de Beirne, histórica e imparcial, deveras interessante.
De início, lembra o autor de “Confronting Animal Abuse” que a relação entre abuso animal e violência para com os humanos é uma “proposição com um antigo e impressionante pedigree. Afirmações acaloradas sobre sua veracidade podem ser encontradas em pensadores tão diversos como Pitágoras, São Tomás de Aquino, Montaigne, Kant, Mary Wollstonecraft, Gandhi e Margareth Mead. Exposta pelos seus defensores num alto nível de abstração, ela é hoje frequentemente disseminada no bordão, quase mantra, denominado ‘o link’. É principalmente defendida e estudada por feministas e por membros de agências governamentais e organizações filantrópicas que trabalham com famílias em situação de risco. Ela também implicitamente aparece em escritos de filosofia moral sobre bem-estar animal e direitos dos animais”.
Com base no que já li sobre o tema, incluindo agora “Confronting Animal Abuse”, acho que posso dividir essa temática em quatro eixos ou relações: (i) maus-tratos de animais e violência familiar; (ii) maus-tratos de animais na infância e o futuro da criança; (iii) vida pregressa de adultos violentos e maus-tratos de animais; e (iv) a progressão da crueldade individual para o abuso institucionalizado de animais. São essas as minhas sacadas de hoje.
Embora ainda careçamos de informações oficiais no Brasil, pelos dados já existentes e analisados (aqui e, em especial, nos EUA), acredita-se existir uma clara relação entre a violência familiar e os maus-tratos de animais de companhia. Nos EUA, entre veterinários, instituições de controle e abrigo de animais, defensores dos direitos das mulheres e a própria polícia, pela experiência diária e pelos números, há um consenso sobre como o abuso de animais e a violência familiar andam juntos. Tudo misturado, familiares violentos tendem a ser agressivos também com os animais de casa. E até primeiramente com estes, para, só em momento posterior, o serem com os outros membros humanos da família. Os números assustam.
Uma outra relação é entre os maus-tratos de animais na infância e o futuro da criança. Segundo o autor de “Confronting Animal Abuse”, crianças que apreendem a ter compaixão pelos animais têm maior probabilidade de se tornarem adultos sensíveis e gentis. Doutra banda, crianças que são abusivas para com os animais – a maioria, por sinal, meninos e com notável comportamento antissocial – tendem ou tenderão a ser abusivos e violentos quando adultos, contra animais e humanos. Mais uma vez, os dados coletados mostram isso. Podem pesquisar.
Aliás, é aqui que chegamos ao terceiro link, que deve ser entendido de forma regressiva. Quando se investiga a vida de adultos violentos, frequentemente se descobre um indivíduo, já na infância ou adolescência, violento para com os animais. Há até relatos – e já não sei dizer se é mito – de serial killers que, no passado, estiveram metidos em maus-tratos de animais. Pode haver uma certa mitificação desses indivíduos. Mas não deixa de ser um dado a considerar.
E há a progressão da crueldade individual para o abuso institucionalizado de animais. Os circos romanos, os nossos velhos circos, as caçadas, as rinhas de galos e de cães, a tourada, a vaquejada etc., todas essas coisas são adoradas por indivíduos insensíveis ao sofrimentos animal. Homens violentos, muitos deles. Do indivíduo, da soma ou agrupamento destes, chega-se a esse tipo de abuso naturalizado e institucionalizado. Acredito que nossa sociedade está em progresso contra isso, ainda lento, mas constante. Um dia, com a ajuda do direito, chegaremos lá.
Bom, eu poderia fechar este riscado apenas lembrando que estou na companhia dos grandes pensadores citados acima. Entretanto, serei mais pedagógico e dramático. Recomendo uma espiada na gravura “First Stage of Cruelty” (1751), do grande William Hogarth (1697-1764). Afinal, uma imagem vale mais do que mil palavras (minhas).
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

 

NOSTALGIAS

Valério Mesquita
mesquita.valerio@gmail.com


Vivo o desconforto e a nostalgia de mim mesmo ao me deparar com o sonho dos meus vinte anos que a idade madura não confirmou. Sinto-me disperso, irrealizado, quando retorno às minhas origens telúricas. A meta de trazer o passado ao presente, reconstruí-lo pela palavra e pensamento a fim de reconquistar a minha autoestima, parece-me uma tarefa hercúlea porque constato que o personagem não sou eu mas, sobretudo, o tempo. Deduzo que, precisaria recriar os fatos e renascer as pessoas. Verifico que sou o resultado de todas as convivências e acontecimentos afins do passado. Por isso o vácuo e a irritação me arrastam ao entendimento inconcluso de que tudo foi ilusão e fantasia, ou infecção sentimental.


Mas, o patrimônio existencial da terceira idade, onde a memória olfativa, a auditiva e, principalmente, a visual, procuram restituir-me o universo perdido das fases inaugurais da vida. Aquela lua cheia, por exemplo, vista do cais do rio Jundiaí em Macaíba, como se estivesse pendurada por fios invisíveis, atrás dos coqueiros e eucaliptos, infundia-me na adolescência negro mistério do tempo da colonização dos escravos, índios e colonos, de escuridão e medo, como se as fases da lua chegassem naquele tempo por édito imperial. Como me perco na contemplação do Solar do Ferreiro Torto e os seus sortilégios de poder, carne, cobiça e paixão. E a descortinação surpreendente do Solar dos Guarapes. Quantas perguntas insaciadas não existem sobre o que ocorreu ali? Os seus fantasmas que subiam e desciam a colina sob a batuta do senhor de engenho numa cosmovisão ora polêmica, ora lírica, dentro do abismo da memória? “Tu não mudas o mundo. Mas o mundo te muda”. Talvez essa frase de Otto Lara Rezende explique e me convença que o futuro nada tenha a ver comigo, porque o passado está mais presente em mim do que o próprio presente. Em cada rua onde passo em minha terra revisito os mortos na lembrança tentando reconstituir os fatos com os quais dividi o tempo. Adquiri o hábito de rezar por quase todos eles, todas as noites. Faço-os prolongar no meu convívio pela relembrança. Para mim o chão dos antepassados é sagrado, mesmo que estejam sepultados nele resquícios enferrujados e rangentes de um antigo fausto. Mesmo debilitada pela decadência física, da feição das caras e das coisas, o que mais me dói nele é  decadência das mentalidades e dos antigos costumes, como se fosse hoje um porão cheio de escuro, melancolia e solidão. Nostalgias, nada mais.


                


DIA DA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL

Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes(*)

       Hoje comemoramos mais um dia de amor ao Brasil, data em que em 07 de Setembro de 1822, D. Pedro I ratifica a decisão de sua esposa, Dona Leopoldina, declarando o Brasil independente de Portugal.

    A decisão foi de extrema coragem, haja vista a fragilidade dos apetrechos bélicos existentes e o diminuto contingente de soldados, mas uma imensidão de cidadãos e cidadães amantes deste País amado.

    Este ano, por contingências da pandemia, não teremos os desfiles comemorativos, mas em cada casa certamente haverá um momento de respeito e devoção à pátria amada.

    O sentido do amor à Pátria, nos dias perniciosos de hoje, ressoa com a deformação ideológica dos que se opõem ao governo atual, sendo a sua invocação motivo de chacota pelos que pretendem implantar um estado totalitário.

        Deploro esses sentimentos e repudio a política que deturpa o sentimento nativo do Brasil, que não respeita nem mesmo as vítimas da pandemia, tornando-a motivo de exploração em causa própria de pessoas ou facções.

        Renovando o amor à minha Pátria, relembro os dias cívicos dos desfiles dos colégios, grupos, instituições culturais e desportivas na "Parada da Raça", com o garbo natural dos filhos dessa Mãe Gentil. Depois os desfiles dos corpos militares de todas as armas, da Polícia Militar e Corpo de Bombeiros, deixando aos que ali compareciam com o sentimento renovado de patriotismo.

        Lamento que não tenhamos aprendido, ainda, o amor à terra em que nascemos. Contudo, não tenho receio de ser pichado de retrógrado ou piegas, ou mesmo reacionário. Prefiro manter firme o meu sentimento de patriotismo, repetindo os grandes poetas do passado:

HINO À BANDEIRA

Olavo Bilac

Salve lindo pendão da esperança!
Salve símbolo augusto da paz!
Tua nobre presença à lembrança
A grandeza da Pátria nos traz.

NAVIO NEGREIROS - VI

Castro Alves

Existe um povo que a bandeira empresta
P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio. Musa... chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto!...
Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança.

OU DEIXAR A PÁTRIA LIVRE, OU MORRER PELO BRASIL

(*) Cabo Reservista do Exército e escritor