23/08/2018


 
Marcelo Alves

 

Sobre Francisco Suárez (II)

Como dito no artigo da semana passada, Francisco Suárez (1548-1617), fundado na matriz tomista, tratou de diversos temas gerais da ciência jurídica (o conceito de Justiça, o direito divino, o direito natural, a lei e por aí vai) e, também, de institutos específicos do direito, vinculados aos ordenamentos jurídicos então vigentes (tais como o direito de propriedade e o próprio conceito de Estado soberano). Entretanto, embora partindo dessas premissas teológicas (como de regra se dava com os mestres de Salamanca), profundo conhecedor do direito romano e dos vários direitos nacionais e locais vigentes no seu tempo, ele extraiu novos conceitos e definições jurídicas precisas acerca dos temas analisados. 

Francisco Suárez, por exemplo, tinha uma visão bastante interessante do direito natural e das instituições jurídicas de maneira geral – visão mais moderna, com certeza, se comparada à ortodoxia tomista de até então –, que deveriam ter fundamento não somente na revelação divina, mas, também, a partir dos critérios da razão humana. Como registra Paulo Jorge Lima (no seu “Dicionário de filosofia do direito”, publicado pela editora Sugestões Literárias em 1968), Suárez, entre outras coisas, “considerava a lei natural como uma lei ética de sentido absoluto, superior e necessário, da qual Deus é o supremo legislador, igual para todos os homens e para todos os tempos. O direito natural é, pois, em si mesmo, imutável. Alguns dos seus preceitos, porém, podem variar, segundo o conteúdo social a que se apliquem e as situações históricas diferentes. Divide-se, assim, em direito natural preceptivo e direito natural dominativo. O primeiro é formado pelas determinações imutáveis e eternas, independentes da decisão humana, como, por exemplo, os preceitos do Decálogo. O segundo tem aspecto mais variável do que fixo, pois consiste em uma série de regras igualmente possíveis, entre as quais é lícito ao arbítrio humano escolher”. A título ilustrativo, indo do mais abstrato para o mais concreto, essa visão tinha aplicação no direito penal, no qual, como anota Antonio Padoa Schioppa (em “História do direito na Europa: da Idade Média à Idade Contemporânea”, edição da WMF Martins Fontes, 2014), “desenvolvendo motivos parcialmente presentes em De Vitória e, antes dele, em outros teólogos e juristas medievais, o mestre de Salamanca afirma que o poder de jurisdição, com a autoridade decorrente de punir os criminosos, era inerente à própria existência de uma comunidade, em virtude da razão natural, sem a necessidade de pressupor um pacto nem de uma atribuição de autoridade por parte de Deus, mas unicamente com base na vontade e no consenso da própria comunidade”. 

Também foi objeto do escrutínio de Francisco Suárez a questão do direito de propriedade, este que talvez seja o primeiro direito “desenvolvido” pelos homens. Cuidava-se de uma questão complexa e recorrente entre teólogos e juristas medievais: como aceitar a propriedade privada como um direito natural, sendo pacificamente reconhecido que, na origem dos tempos, a propriedade dos bens era comum a todos os homens? A solução de Suárez foi bastante inteligente. Para ele, a norma de direito natural pertinente à comunhão originária dos bens, assim como várias outras normas jusnaturalistas, devia ser tida como “permissiva” e não como “preceptiva”. A propriedade comum era permitida, mas não necessária. Assim, admitia-se naturalmente a propriedade privada dos bens móveis e imóveis, que, de toda sorte, era já devidamente protegida, em quase todos os ordenamentos jurídicos de então, pelos seus respectivos direitos positivos. Esse ponto de vista, aliás, abre a possibilidade de criação de direitos naturais, no desenrolar da história, pela razão ou por iniciativa dos homens, algo, aliás, bastante vanguardista levando em conta a teologia/filosofia jurídica de então. 

Por derradeiro, nesse rol exemplificativo de temas jurídicos analisados por Francisco Suárez, temos a sua concepção de Estado, que, embora não tão original, é bastante refinada. Assim como para São Tomás de Aquino (1225-1274) e para os ditos humanistas (vide os artigos “Os humanistas” I e II), também para Francisco Suárez o Estado, tido como a “sociedade perfeita”, era um resultado da natureza racional do ser humano. E Suárez relaciona o Estado à soberania e ao poder do “príncipe” ou governante. Como explica Cabral de Moncada (em “Filosofia do Direito e do Estado”, vol. 1, Arménio Amado Editor Sucessor, 1955), para Suárez, sem a soberania, “o Estado não pode existir. O homem nasceu animal social e político, como nasceu racional; e, como não é possível o Estado sem poder e soberania, segue-se daí que estes poder e soberania tão-pouco são criação arbitrária do homem, mas sim exigência da mesma lei natural e racional”. Doutra banda, “se o poder é inerente a estes modos de ser do homem, daí decorre ainda que ele, inicialmente, não pode deixar de residir na própria comunidade politicamente organizada para a qual existe. O poder sobre os homens, que não vemos estar nas mãos nem de Deus nem dos anjos, não pode pois estar senão nas mãos dos próprios homens, embora não considerados separadamente, uti singuli, nem mesmo como multidão amorfa, mas só como comunidade perfeita e já politicamente unida, uti universi”. E é aqui que Francisco Suárez, “partindo das premissas acima expostas, desenvolve com mais rigor certas ideias que, se estavam já no Doutor Angélico, contudo, estavam longe de ter nele a importância que depois alcançaram. Essas ideias são: a da contratualidade na base do Estado e a da posterior transferência da soberania do povo para o príncipe. Uma é a do pacto ou contrato social (pactum unionis) pelo qual os homens se reúnem em comunidade perfeita; a outra a do pacto ou acordo (pactum subjectionis) pelo qual eles transferem depois o poder para os governantes”. 

Para concluir, relembrando tanto Francisco de Vitória (1483?-1546), sobre o qual conversamos aqui faz uns quinze dias, como Francisco Suárez, mais uma vez anoto que a principal característica dos mestres de Salamanca foi analisar o direito – as suas questões jurídicas mais abstratas como também os seus diversos institutos – sob os pontos de vista do direito romano e dos diversos ordenamentos jurídicos então vigentes, mas submetendo-o, sempre, ao crivo dos valores e dos princípios da teologia cristã. Diz-se que, pela primeira vez, após séculos de exegese, sucessivamente pelos glosadores, pelos comentadores e pelos humanistas, o direito romano justinianeu – referente ao Imperador romano-bizantino Justiniano (483-565) e ao seu “Corpus Iuris Civilis” – era também acuradamente avaliado por um critério externo a ele, que podia, inclusive, levar à sua própria rejeição, se esse direito dos homens estivesse irremediavelmente em descompasso com os preceitos superiores, eternos e imutáveis da Revelação. 

Marcelo Alves Dias de Souza 
Procurador Regional da República 
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL 
Mestre em Direito pela PUC/SP

21/08/2018



INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO RN IHGRN <ihgrn.comunicacao2017@gmail.com>


Caro sócio,

Levamos ao seu conhecimento as duas próximas "Quintas Culturais":

23/08/2018 - 18h
TEMA: - O ARQUIPÉLAGO DE SÃO PEDRO E SÃO PAULO
PALESTRANTE: -  Professor Jorge Lins

30/08/2018 - 18h
TEMA: - O VIOLÃO: EVOLUÇÃO HISTÓRICA E MUSICAL
PALESTRANTE: - Professor e pesquisador Cláudio Galvão, com ilustração musical do professor e violonista Eugênio Lima de Souza

Contamos com a sua ilustre presença.

ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO
A história de Maria
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Doutor Silva receitou banho de mar e alertou: cuidado que o mar de Olinda é perigoso e ela não pode entrar sozinha


Maria adoeceu. Teve Beriberi e quase que se ia. Os médicos em Natal não acertavam a doença. Nina mandou busca-la para o Recife, lá era mais adiantado. Recife andava no bonde a burro, os homens de brim claro e branco, escândalo foi quando o príncipe de Gales desceu sem sobrecasaca. Doutor Silva Ferreira, que curou a asma de Abigail, desvendou o mal que atacava Maria. Beribéri. Banho de mar era remédio.

Chique era na praia de Boa Viagem coalhada de palacetes de gosto duvidoso, e muito misturado era o banho no Pina. Doutor Silva receitou banho de mar e alertou: cuidado que o mar de Olinda é perigoso e ela não pode entrar sozinha. Tia Cina, esposa de tio Gudes, tinha um casarão em Olinda e tratou de hospedar a doente e mandou logo providenciar uma cadeira de rodas.


A recomendação médica foi seguida à risca. Maria na cadeira de rodas e uma tijelinha que se enchia com a água do mar e levavam para molhar as pernas. Maria fez o tratamento, ficou boazinha e até morrer nunca mais teve nada.




A MULHER DO DELEGADO

Valério Mesquita*

Macaíba é um filão inesgotável de histórias e de tipos inesquecíveis. No final de semana reencontrei um velho amigo e conterrâneo hoje residente em Natal. Relembrou-me antigas passagens da vida emocional da cidade. Brindamos a vidinha de ontem e de hoje falando de coisas, de pessoas, daquela atmosfera lírica do final dos anos cinquenta para o início dos sessenta, sob testemunho e juramento do bom vinho do Porto. Só me pediu para que não revelasse o seu nome. E logo me contou uma do delegado de Macaíba, homem valente e de pavio curto designado no governo Dinarte Mariz para “resolver as pelejas políticas e as pendências dos contrários”. Aliás, delegado político naquele tempo era o que não faltava pelo interior do Rio Grande do Norte. Tratava-se de um tenentão, alto, olhos azuis, namorador, arbitrário, cuja presença no cabaré inibia até ereção. Tudo aquilo que representasse jogatina, roleta 36, jogo do bicho, caipira, etc., era permitido desde que pagasse “dízimo” à delegacia. Mas, o contraponto da conduta policial era proibir jogo de sinuca para os menores de dezoito anos. Nós dois estávamos inseridos no contexto proibitório, e, por várias vezes, batíamos em fuga com a aproximação dos marrons fardados.
Nessa época, Nelson Gonçalves desfilava os últimos sucessos que embalavam a boemia local nas festas e nos bares. Inclusive, lembra-me o amigo, ele estivera na cidade cantando no Pax Clube. Mas a nossa história começa no bar de Jorge Leite da Costa que fora arrendado a uma família chegada a Macaíba, vinda do interior. Uma garota, filha do locatário, tornou-se a sensação da cidade em plena rua João Pessoa, coração do comércio. Rosto e pernas bonitas, olhos e cabelos sensuais, tudo enfim, enfeitiçava a galera jovem que começou a fazer ponto no tradicional bar de Jorge Walkiria, assim chamado por causa da marca do seu charuto. Uma garota como Ivânia – esse o seu nome – o delegado tenente logo iria capturá-la – à guisa de proteção às atividades comerciais da família. Afinal, eram forasteiros. E, assim aconteceu. “Seu Delega” apaixonou-se, comentavam as vozes da rua. E logo chegou uma radiola novinha comprada na Importadora Omar Medeiros, Natal. A musa sentava-se à calçada ouvindo as canções de Nelson: “a flor do meu bairro, tinha o lirismo da lua...”. O vestidinho curto mostrava uma nudez parcial para desespero do delegado. A turma entrava no bar mesmo sem ter o que comprar. Inventava. O fato estava atrapalhando as missões e investigações do tenente que transferiu o seu expediente funcional para o bar. Qualquer olhar indecoroso de algum distraído esbarrava na cara do delegado. “O que foi que viu? Dê o fora!”.
A coisa atingiu um ponto que a delegacia se tornou um problema muito menor do que a incolumidade física da “flor do nosso bairro”. O ciúme policial havia chegado às raias do absurdo. Mas, só depois que um conhecido vereador foi surrado pelo delegado, flagrado com a sua paquera em atitude libidinosa no escurinho da esquina, é que tudo terminou. O tenente foi transferido, Nelson emudeceu, o bar fechou e a cidade perdeu a musa que veio de longe. Dia seguinte, a rapaziada afanosa procurava saber para onde havia partido a princesa. E teve gente que foi atrás. Aí começa outra história.

(*) Escritor.

20/08/2018

PAUSA PARA A MEDITAÇÃO - NINGUÉM É DE FERRO



Para descansar das labutas diárias do IHGRN, Dona Joventina Simões brindou os colegas com um cozido especial em sua casa. Papo solto, mas também discussão de projetos, pois o cachimbo deixa jeito na boca.





19/08/2018

QUINTA CULTURAL



A QUINTA CULTURAL DO IHGRN - SUCESSO TOTAL.


No último dia 16, o INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO RIO GRANDE DO NORTE viveu um dos seus grandes momentos de cultura histórica, com a excelente exposição do Arquiteto, artista plástico, escultor em madeira e escritor JOÃO MAURÍCIO, da tradicional família MIRANDA HENRIQUES, que encantou aos que compareceram ao evento, lotando o salão nobre da Instituição.

O tema desenvolvido foi por demais sugestivo: "FELIZ É A CIDADE DE ROMA", justificado pela exibição de fotos dos prédios mais importantes da cidade e que sofreram intervenções inadequadas, ou estão sem conservação, em contraste com a cidade de Roma, que preserva o seu patrimônio arquitetônico e dele faz o uso adequado.

Em seguida, apresentamos flagrantes da ilustrativa palestra:

O Presidente ORMUZ abre o evento

Em seguida, o Diretor Orador LÍVIO OLIVEIRA faz a apresentação do palestrante, com a leitura de um texto preparado pelo Assessor da Presidência, primo do palestrante, que por motivo de enfermidade súbita não pôde comparecer, assim deduzido:

QUINTA CULTURAL – IHGRN – NATAL 16/8/2018
APRESENTAÇÃO DO PALESTRANTE JOÃO MAURÍCIO

            JOÃO MAURÍCIO já seria suficiente para apresentar um profissional consagrado nas plagas potiguares. Contudo, a obrigação protocolar exige dizer sobre JOÃO MAURÍCIO FERNANDES DE MIRANDA, por sinal meu primo, é natalense de quase 85 anos, a completar na próxima semana (dia 24), posto que nascido em 1933.
            Veio ao mundo pelas mãos da parteira Dona Adelaide Cavalcanti, a mesma que muitas vezes foi requisitada pela família MIRANDA HENRIQUES, gente de sangue quente e fazedor de gente (até rimou).
            Menino irrequieto, herdou os predicados da competência, dedicação e honestidade dos seus pais (meus padrinhos) João Virgílio de Miranda e Dona Lili (Olívia Fernandes de Miranda), e os conserva até os dias presentes, ainda que relutante combatendo os moinhos de vento trazidos pela modernidade que se espelha em valores diferentes – oportunismo, ganância e falta de ética.
            João Maurício, por muitos anos, fez parte da geografia sentimental da Avenida Deodoro, 480, que recentemente começou a ser demolida, apagando o exercício da minha memória quando por ali sempre passo.
            Começou a ser alfabetizado no tempo da palmatória, quando eu era preparado para nascer, depois foi fazer parte da linhagem dos meninos do Marista.
            Viveu o clima da 2ª Grande Guerra, praticou remo no Centro Náutico Potengi (eu também o fiz), viveu a Natal do após guerra, ressurgindo como a era de ouro e em 1950 entrou na vida (profissional é claro), quando galgou seu primeiro emprego na Prefeitura de Natal, ganhando a afortunada remuneração de Cr$ 40,00. Foi para o Rio morar (de avião e não num Ita, como meu irmão Moacyr) e em lá chegando foi recepcionado em 14 de abril de 1953, exatamente por aquele primo que já se encontrava na Cidade Maravilhosa.
Hospedou-se, inicialmente, na pensão de Dona Antonieta, na Rua Conde de Baependi, quase num porão, pois da janela tinha acesso, apenas, às belas pernas das cariocas. Ali terminou o científico e o preparatório que o levou à Escola Nacional de Engenharia.
Chegou a se perder no emaranhado da cidade grande e encontrou o caminho de volta através da polícia, que deixou o pau de arara no Catete ao vislumbrar o prédio de sua morada.
Por ironia e sorte encontrou dois natalenses – Debussy e Ebenezer que lhe ofereceram trabalho como marceneiro, onde começou a aprender a arte do entalhe com a madeira, que lhe fez artista posteriormente, responsável por miniaturas de embarcações históricas. Seus ganhos passaram para o patamar de Cr$ 4.000,00, o bastante para pensar em deixar a Prefeitura, de onde estava licenciado.
Reminiscências de lado, formou-se em 1961, já casado e pai de Ana Maria e João Luiz. Regressa a Natal a convite de Aluizio Alves e em 1962 nasce João Henrique. Um pouco antes o mesmo acontecera com o primo Moacyr, convocado por Dinarte Mariz – que eram políticos em colisão, mas que não influíram na união dos dois e mais Daniel Holanda para aqui fundarem a PLANARQ.
Muito trabalho, muitos projetos, inúmeras realizações, mesmo com o entrave de 1964. Em 1965 a empresa perde Moacyr que foi cumprir a sua sina na construção do Castelão, mas continua firme com Daniel. Acontece o seu ingresso na UFRN, onde fez uma rica trajetória, sendo autor do Marco e da Capela do Campus e daí em diante, no dizer de Camões: ...Se mais mundo houvera, lá chegara...
Sua casa e atelier é na Rua Princesa Isabel, 438, nas cercanias de sua infância, onde pratica sua arte na construção de embarcações, em desenhos, pinturas, lendo e escrevendo livros, além da sua missão natural de projetos arquitetônicos, recebendo ali os seus parentes, amigos, clientes, curtindo sua esposa e seus netinhos.
Aposentadoria? O que? Arquiteto não se aposenta!
E já falei demais e João Maurício deve estar impaciente. “Ora direis ouvir a palavra do Grande arquiteto”.
É só, obrigado.
CARLOS ROBERTO DE MIRANDA GOMES

Honras ao palestrante

 
Assistência atenta aos detalhes

João Maurício apresenta o cenário do que será abordado


A velha construção da esquina da Rio Branco com a João Pessoa


Primeiro Plano Diretor

O Machadão (demolido)

 A M I G O S





   P A R A B É N S