15/06/2017

RELEMBRANDO MOSSORÓ


  

   
Tomislav R. Femenick

CANGACEIRO: FRUTO DA FALTA DE
JUSTIÇA QUE IMPERAVA NO SÉCULO
PASSADO NO SERTÃO NORDESTINO


Reportagem de Tomislav R. Femenick, publicada no jornal Diário de Pernambuco, de 23 junho de 1968. 

É preciso que se faça um pouco de justiça quando tivermos de revisitar a vida dos cangaceiros e bandidos que infestam o Nordeste brasileiro, numa fúria de preamar de crimes, tropelias e devastações. 
Quando se diz “cangaceiro”, eu me recordo do famoso, Jesuíno Brilhante, que fizera justiça com o trabuco, na falta daquela que deveria punir com a Lei. 
FALTA DA JUSTIÇA – A falta de Justiça, no interior do País, gerou esse fruto perigoso que foi o cangaceiro, irmão siamês do banditismo. Jesuíno Brilhante, no entanto, não foi um bandido, na expressão do termo; foi o homem do cangaço, rebelde contra os seus inimigos. Isso nos idos do Império e albores da República, tendo como cenário, municípios do interior norte-riograndense e paraibano. Esse cangaceiro-cavalheiro protegia os fracos, as mulheres e todas as vítimas das misérias daqueles tempos. 
Antônio Silvio foi cangaceiro, também, e, como rezam as histórias das suas façanhas, protegia os pobres, dava esmolas, defendia os injustiçados. Devassava com os seus cabras, emboscando e, algumas vezes, queimando as propriedades e matando seus inimigos. Quando entrava numa fazenda, povoado ou vila, pedia apenas abastecimento para continuar a luta a fim de não ser capturado. 
RIFLE PELO EVANGELHO – Deixou prole e alguns de seus filhos, são de hoje oficiais das nossas forças armadas. Na cadeia dizia haver trocado o rifle pelo evangelho e morreu manso e regenerado. Tornou-se cangaceiro para vingar a morte de seu pai, cujo matador ficara impune e sob a proteção de maiorais políticos. 
Cangaceiros houve no Nordeste, em várias épocas: gente que enfrentava de armas na mão os mandões e até a polícia que lhes dava caça. Não empregavam o chumbo das duas espingardas e garruchas, para o latrocínio, o massacre, o assassínio de populações inermes. Eram, antes de tudo, injustificados que se rebelavam contra a má justiça, que, ainda hoje, gera a revolta das consciências indene a corrupção moral. Há, entretanto, o bandido, ladrão e assassino, que usava e abusava da lei do sertão, para matar friamente, massacrar criaturas indefesas e inocentes, para destruir, roubar e violar mulheres. 
FIGURA DE SALTEADOR – Na fila sinistra desse tipo de bandido, está a figura torva de “Lampião”, – corvo asqueroso e feroz sicário sedento de sangue e salteador. Produto do tempo, que os tuxauas políticos do sertão bravio escoravam o seu poderio eleitoral na força brutal do cangaceiro misturado ao banditismo, pode Virgolino Ferreira, livremente, talar fazendas, povoados, vilas e até cidades. Os seus sequazes, recrutados nas paragens sombrias do Riacho do Navio, Serra Duman, Gruta do Diabo, Vila Bela, porteiras, antros de fanatismo, ignorância e crimes, constituíam a mais terrível malta de salteadores e bandidos. 
Bandido sim, o “Lampião” que hoje serve, o seu nome tenebroso, o seu estendal de crimes, de temas e assuntos para revistas, livros, radio e cinema. “Lampião” da “mulher rendeira”, cantiga que hoje muita gente boa vive a entoar, sem se aperceber de que ela contém o veneno mortal, destilado pela alma danada de um bronco, bruto e feroz que desconhecia as fronteiras da virtude e do mais elementar sentimento de piedade humana. Houve, realmente, de 1912 a 1030, clima propício ao vicejar dessa planta daninha e maldita que foi o banditismo nordestino. 
RAZÕES – As agitações políticas que abalaram os grandes centros do País as suas raízes plantadas no obscuro sertão. Os coronéis e chefetes políticos, de vilas e cidades, cercavam-se de contraventores da lei, a sua brigada de choque e paus para toda obra. Os afamados Contendas, os Dungas, os Zeinácios de Barro, os Maciés e caterva, foram chefes temidos pelo seu poderio nos rifles de assalariados. 
O banditismo oficializado tomou foros de coisas aceita de fato, nos vastos sertões do Nordeste, sendo Juazeiros a Meca das hordas bárbaras que iam receber a bênção do Padrinho Cícero. “Lampião”, ali, invernava com os sequazes, descansando, refazendo-se, e se reabastecendo de armas e munições que lhe eram ofertadas ou vendidas pelos seus agentes e protetores, existentes até nos meios “mantenedores da ordem”. Só depois que “Lampião” assaltou Mossoró e diante do movimento geral de repulsa e repercussão causada pela sinistra aventura, fracassada felizmente, e que se generalizou o combate ao banditismo no Nordeste, numa ação convergente de todos os governos. Uma caça às feras, constantes e sistemáticas foi estabelecida, até que, afinal, o tenente Bezerra deu cabo da vida ao quadrilheiro famoso pelas suas correrias sangrentas através de vasto trato do sertão nordestino. 
PLANO AUDACIOSO – Foi um ambiente favorável ao banditismo que se arquitetou o mais audacioso plano de assalto a uma cidade à margem do litoral potiguar. Muito distante do repelente hinterland onde imperava o trabuco a serviço do latrocínio, do assassino e das ambições criminosas de coronéis boçais e valentões de tocais – tradicional cidade da Libertação de 1883 – mansas, ordeira e pacífica, estava, por uma série de barreiras geográficas e morais, afastada de ser vítima de um assalto. 

Primeiro foi a velha Apodi, um mês antes do tenebroso 13 de junho de 1927. Velhas rixas políticas determinaram a horrível pilhagem de maio, insuflada e dirigida de longe por espúrios elementos sedentos de vinditas, sangue e latrocínio. Incêndios, mortes, roubos, terror foi a colheita rubra de um grupo de bandidos. 
Incentivo e encorajamento a outras empreitadas, foi o resultado do saque de Apodi. “Lampião” distante, foi convidado pelo carbonários desse crime nefando a tentar, em estilo maior, um assalto que o compensaria as canseiras da longa travessia. Dos sertões adustos de Pernambuco e Ceará, às fraldas cinzentas da Serra Mossoró, umas oitenta léguas, o grupo de “Lampião” troteou em boa cavalhada e armado até os dentes, desceu das serras escarpadas à planície verde dos carnaubais e oiticicas seculares, certo de fácil colheita em dinheiro e objetos de custo alto. 
É certo o ditado popular: “o boi manso aperreado arremete” certamente; uma centena de homens valorosos deu, em “Lampião” e em seu grupo de mais de oitenta cabras um carreiro desabalada, deixando mortos e feridos. O quadrilheiro de fama voltou à sua Caverna do Caco, para não mais voltar à boa terra de Poti. Em Limoeiro, no Ceará, foi recebido com farta mesa de boas comidas. Aqui, porém foram-lhe ofertados repastos de chumbo. 
Combatido, em toda a parte, sem tréguas nem estágios, o bandido feroz foi cedendo em audácia e força, como que amaldiçoado pela vítimas inocentes da maior e mais infeliz das suas tropelias, e aventuras sangrentas: o ataque à velha, tradicional, mansa, ordeira e operosa cidade de Santa Luzia de Mossoró. 
40 CABRAS DE LAMPIÃO TOMARAM PARTE NO ASSALTO A MOSSORÓ – José Leite, temível do grupo de Lampião, que no Rio de Janeiro fora ordenança de coronel Antônio Francisco de Carvalho, quando foi capturado, após o ataque frustado à cidade de Mossoró, teve oportunidade de conversar com o delegado de então a narrar certos fatos da vida errante que levava com seus companheiros de aventuras. 
A narrativa do bandoleiro foi, na época, explorada pelos jornalistas do jornal “O Mossoroense”, então órgão semanal, que se ocupou do fato, tecendo comentários sobre o cangaço, que nos serve para evocar certos e determinados aspectos da entrevista de José Leite, conhecido na vida criminosa do cangaço como Jararaca. 
HISTÓRIA – Ele fora ferido quando Lampião e seu grupo tentava tomar de assalto a residência do então prefeito Rodolfo Fernandes. Informou na entrevista que “um tiro desfechado por defensores tocaidos na torre da igreja de São Vicente atingiu meu companheiro Colchete. Corri para ajudá-lo o fui igualmente ferido. A bala atingiu meu pulmão direito. Parei e caí. Fiquei alguns minutos rolando pelo chão e com dificuldade me dirigi para a estação central, onde fui novamente ferido. Com imensa dificuldade, arrastei-me para a ponte ferroviária, onde em seus dormentes fiquei até que fui capturado e levado para a prisão”. 
ESTRATÉGIA – Conta Jararaca que Lampião dividira i bando em dois grupos, a fim de facilitar a tarefa de assalto. Um dos grupos recebia as ordens do próprio Virgolino Ferreira e outro de Massilon Leite. Os que estavam comandados por Lampião atacaram pelo lado do cemitério e cada cangaceiro dispunha de 400 a 500 cartuchos. 
GRUPO – Quando do ataque a Mossoró, ainda conforme narrativa de Jararaca, o bando contava com os seguintes elementos: Sabino, Massilon, Ezequiel, Virgino, Luiz Pedro, Chumbinho, José Delfino, Manuel Antônio, Á de Ouro, Candeeiro, Serra do Mar, Vicente Feliciano, Luiz Sabino, Fortaleza, Moreno, Euclides, Beija-Flor, Quindu, José de Souza, Trovão, Camilo, Bitivi do Cariri, Dois de Ouro, Jurema de Medeiros – pertencentes às famílias dos Nóbregas e Medriros do Sabugi – Paraíba, Sabiá, Pingo de Ouro, José Relâmpago, Vinte e dois e seus irmãos Lua Branca ,Antônio Cacheado, Pernambuco, Chá Preto, Barro Nova, Pai Velho, José Pretinho, Luiz Pedro, Mergulhão, Coqueiro e Vareda. 
REBATE FALSO – Jararaca, que é pernambucano, de Pajeu de Flores, e contava, na época, 26 anos de idade, segundo o relato, não demonstrava arrependimento do que fizera. Explicando por que decidira ser um fora da lei, disse ser “coisa da vida”. Considerava o cangaço coisa ruim e era um dos poucos que evitavam que seus companheiros de crime maltratassem os prisioneiros. 
Preso, com muitos curiosos por perto, tendo alguns mais exaltados, nas imediações da cadeia, ameaçando linchá-lo, o bandoleiro jamais se perturbou e a tudo olhava com um sorriso nos lábios. Após sua condenação, quando narrou os fatos, teve oportunidade de dizer que quando tempos depois, uma volante da polícia militar da Paraíba deu entrada na cidade, trajada à moda dos cangaceiros, houve uma correria geral, pois se pensava ser Lampião que voltava para libertar os prisioneiros e liquidar todos. O fato é que nada disso acontecia, pois o que “Lampião desejava, quando retornava ao local de qualquer massacre, era conseguir dinheiro a fim de subornar a polícia pernambucana”. 
PODER DO DINHEIRO – Contou Jararaca que na Polícia Militar da Paraíba existia um sangrento, o Kelê, que usava cabelos longos, como promessa que fizera de vingar um seu irmão, que fora assassinado por Lampião, quando ambos viviam no cangaço. Kelé, ex-cangaceiro, pertencente ao grupo de Jararaca, passara para a vida militar por dinheiro, pois o Governo da Paraíba esquecera seus crimes, lhe oferecendo o posto de sargento e a direção de uma “volante” para dizimar os bandidos.
CANGACEIRO: FRUTO DA FALTA DE
JUSTIÇA QUE IMPERAVA NO SÉCULO
PASSADO NO SERTÃO NORDESTINO

Reportag...



14/06/2017


GUARAPES 2017: AUDIÊNCIAS PÚBLICAS!

Valério Mesquita*

O ponto alto das comemorações dos 140 anos da emancipação política e administrativa de Macaíba será o aniversário de 208 anos de nascimento do seu fundador Fabrício Gomes Pedroza, cujas cinzas foram trasladadas do Rio de Janeiro para a igreja matriz de Nossa Senhora da Conceição. O vinte e sete de outubro de 1877, pela lei nº 801, Macaíba – que antes se chamava Coité – desmembrou-se de São Gonçalo. Aí amplia-se o período de esplendor comercial do porto de Guarapes que irradiou energia econômica a todos os quadrantes. Monopolizou o sal para o sertão, incentivou a indústria açucareira do vale do Ceará-Mirim, financiou a produção adquirindo as safras das fazendas de algodão, cereais, couros e peles. Fundou a “Casa dos Guarapes” e do alto da colina comandou o seu mundo de transbordamentos, onde tudo era rumor, vida, agitação, atividade.
É nesse vácuo de duzentos anos que reside a minha perplexidade. Um silêncio dominado pelo abandono e a indiferença. Ninguém coloca em cena a coragem de contemplar restituído o universo oculto de Fabrício que fez brilhar o nome de Macaíba dentro e fora do Rio Grande do Norte, na segunda metade do século dezenove. Não bastam, apenas, reprisá-lo com lendas e narrativas, como tivesse sido um mundo de ficção. Melhor que a dispersão da palavra solta é ouvir o eco de suas paredes reerguidas, das vozes trazidas pelo vento das vidas que não se pulverizaram mas renasceram pelas mãos das novas gerações. Esse universo semidesaparecido, clamo por ele, aqui e agora, afirmando que a melhor imagem de um homem, após a morte, não são as cinzas, mas a obra (casarão dos Guarapes) que legou à posteridade, revivida e restaurada como reconfortante e fiel fotografia de sua história e vida. Audiência pública urgente! Na Assembleia Legislativa e na Câmara de Macaíba.
Como guerreiro solitário, luto há mais de quinze anos pela restauração dos escombros do empório dos Guarapes. Como membro, àquela época, do Conselho Estadual de Cultura do Estado, consegui o tombamento. De imediato, no desempenho do mandato parlamentar obtive do governo a desapropriação da área adjacente. Batalhei, em alto e bom som, junto aos gestores públicos a elaboração do projeto arquitetônico, que, até hoje, dormita em armário sonolento da burocracia. Foi uma agitação, apenas, que não se moveu nem comoveu. Saí dos movimentos da superfície oficial, para as janelas da imprensa e outras vozes, em coro uníssono, oraram comigo pelas ruínas da mais reluzente história da economia do Rio Grande do Norte: os Guarapes. Todo esse conjunto de verdades fixas foi ilusão imaginar que a lucidez jamais se disfarçaria em surdez. Como enfrentei e venci no passado, partindo de perspectivas débeis e precárias, óbices quase intransponíveis para a restauração das ruínas do Solar do Ferreiro Torto e da Capela de Cunhaú, sinto que não perdi os laços entre a fragmentação do sonho e a fé incondicional no meu pragmatismo, de que tudo, até aqui, nada foi em vão. Audiência pública urgente! Na Assembleia Legislativa e na Câmara de Macaíba.
Reproduzir a realidade, tal que se imagina que fosse, o burburinho comercial e empresarial daquele tempo de Fabrício, faz-nos refletir e aprender para ensinar aos jovens de hoje através de exemplos, imagens e ritmos, a saga de que vultos como o dele iniciaram uma figuração, nova, nítida e luminosa, pouco tempo depois, numa Macaíba que começava a nascer com Auta de Souza, Henrique Castriciano, Tavares de Lyra, Augusto Severo, Alberto Maranhão, João Chaves, Octacílio Alecrim e outros que construíram em modelos de vidas o prestigio da terra natal – que não se evapora, nem se desmancha. Essa realidade para mim é tensa e inquieta, porque cabe hoje revivê-la em todos nós. É imperioso que os nossos governantes tracem esboços para uma saída, uma superação, criando-se fendas e passagens, para juntos, todos, respirarmos o oxigênio da convivência com os nossos antepassados. Se todos nós pensarmos assim, com cada palavra significando labareda, lampejo, no centésimo quadragésimo aniversário, derrubem, pois, os obstáculos que impedem as luzes do empório dos Guarapes refletirem sobre a posteridade. Se assim não agirmos tudo será cinzas.
Audiência pública urgente! Na Assembleia Legislativa e na Câmara de Macaíba.

(*) Escritor.

13/06/2017

UMA NOITE INESQUECÍVEL


       A Solenidade realizada ontem na Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, pode ser considerada inesquecível, mercê de haver guardado um cerimonial elogiável, distribuído em quadros marcantes.
       O evento foi patrocinado por três entidades - a ANRL, o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte e a Academia de Letras Jurídicas do RN - ALEJURN, representado pelo Acadêmico Lúcio Teixeira dos Santos.
Inicialmente o Acadêmico Diogenes da Cunha Lima abriu a solenidade cumprimentando os presentes e as Instituições, dentre as quais a Maçonaria, que teve papel preponderante na luta nacionalista na Revolução Pernambucana de 1817. 
       Em seguida houve uma encenação emocionante de estudantes do Grupo de alunos do Cenep-Centro Estadual de Educação Profissional Senador Jessé Freire, por gentileza da Professora Isaura Rosado que diante do quatro de Parreiras encenaram a prisão e o julgamento do Padre Miguelinho, o grande homenageado da noite, nos seus 200 anos de morte (12 de junho de 1817), grupo muito aplaudido e elogiado.
              Composta a Mesa dos Trabalhos com os representantes da Instituições Patrocinadoras - Cláudio Emerenciano, pela ANRL, sendo inclusive o ocupante da cadeira n° 1  em que é Patrono Padre Miguelinho, seguido do Acadêmico e Jornalista Vicente Serejo, pela ANRL que revelou aspectos históricos da vida do homenageado, calçado em opiniões de escritores potiguares reveladoras de verdades das ocorrências, tendo em Edgard Ramalho Dantas o terceiro orador, que exaltou a obra do seu avô Manoel Dantas, com novas revelações contundentes e, encerrado a solenidade, a fala abalizada do Acadêmico Jurandyr Navarro, num discurso intimista do grande Herói e Mártir, estes últimos representando o IHGRN.

           Foi realmente uma noite esplendorosa para o resgate de uma história imorredoura, que enriquece a história do Rio Grande do Norte e consagra definitivamente o nosso maior herói, o Frei e posteriormente Padre secular Miguel Joaquim de Almeida e Castro (Padre Miguelinho).
A COMUNIDADE POTIGUAR AGRADECE TÃO MEMORÁVEL SOLENIDADE.

Casa do Mestre Cascudo

13/06/2017



texto Gustavo Sobral e ilustração Arthur Seabra

Um canto de muro esconde muito coisa que só ele revela. Num canto de muro habitam insetos, saltam pássaros, andam formigas, caem goteiras, crescem ervas daninhas, passeiam e sonham meninos. Um canto de muro feito assim vira literatura nas mãos de um Cascudo amigo que pela janela do seu sobrado colecionava os fins de tarde do rio Potengi.

Casa na avenida com nome do dono, Câmara Cascudo, subida da Ribeira para a Cidade Alta, Natal/RN. Na porta de entrada, a segurança necessária: um cangaceiro pintado pelo artista completo de todos, e amigo, Dorian Gray Caldas. Transposta a segurança, a escadaria leva ao alpendre que ali toma nome de vento e sossego de um chão desenhado de mosaico.

Na sala de entrada, retratos. Foto do zepelim, que sobrevoou a cidade dos anos 1900 e jogou flores ao aeronauta Augusto Severo, e de Villa Lobos, que oferece uma testa larga para um Cascudo amigo. E depois, na casa, as paredes pintadas com as assinaturas de quem entrou porta adentro e viu e viveu o mestre quando conversava no balanço da cadeira e baforava a lentidão no charuto.

A máquina de escrever descansa mais de cento e sessenta livros e plaquetes escritos e publicados sobre tudo, desde história, folclore, alimentação a cultura, tanto que teve de virar livro, trabalho de toda hora e de todo tempo para escrever sobre todas as coisas numa disciplina da madrugada de leitura e redação que o aviso na porta advertia: o mestre Cascudo só atende à tarde, que pela manhã dorme e à noite escreve.


O endereço ficou marcado para que não se perdesse, recebendo o seu nome, então a casa antiga ficou pertencendo à rua do dono, Avenida Câmara Cascudo, 377. Dizem que sua forma é chalé, a que gosto de época não se sabe, mas suas obras findaram em 1900, até ser comprada pelo sogro de Cascudo em 1910, e depois por ele, em 1947. Os pedacinhos da casa estão nas páginas dos seus livros, porque foi naquele chão e embaixo daquele teto que livros e mais livros, e muita história com sabor de quem conta, saíram por aí pelas páginas, provocando o encanto da descoberta de ler o que Cascudo conta.

11/06/2017

   
Tomislav R. Femenick

 
Biografia de um Monumento Humano

(Prefácio do Padre Sátiro Cavalcanti Dantas, ao livro "Padre Mota", de autoria de Tomislav R. Femenick). 

Há poucos dias, o menino do “Colégio Santa Luzia” que, aliás, nunca foi menino por causa de suas aparências intelectuais e presença para coisas sérias, o hoje escritor Tomislav Rodrigues Femenick, telefonou premiando-me com o convite para prefaciar o livro que acabara de escrever sobre Monsenhor Motta, seu tio e mestre de infância. Por sinal, este jovem estudante, nas décadas de cinqüenta e sessenta, convivia no casarão da Rua 30 de Setembro sob os cuidados e carinho do velho amigo Zé Rodrigues, seu avô. Cabia ao patriarca da família, apesar da mãe e do padrasto responderem pelo estudante na vida colegial. Acontecendo estar o jovem afastado da sala de aulas por falta do uso da farda, o velho amigo escreveu-me um bilhete: “Padre Sátiro, quem assiste às aulas é o menino ou a sua farda?”. Realmente, esse aspecto carece de aprofundamento pedagógico, penso hoje, com a experiência de tantos anos de ensino. 

Hoje, os livros de Tomislav são usados por importantes universidades brasileiras e, também, estão nas prateleiras das bibliotecas das mais importantes instituições de ensino da América do Norte e da Europa. Suas obras estão em Harvard, Princeton, Stanford, Brown University, Illinois University e na Universidade de Coimbra. 

Feita esta tal observação sobre o autor do livro a ser lançado, comento não em forma de Prefácio, na forma tradicional como introdução sobre a obra escrita, mas “currente calamo”, aplaudindo essa justa oportunidade, tão merecida ao retratado na obra. 

O autor já deu sinal sobre o conteúdo pesquisado em artigos recentes, editados na imprensa. Baseado no artigo Palavra “Os Motas” – etimologia incerta, contudo passando pelo Provençal e principalmente pelo italiano “Motta”, francês “Motte” –, apego-me à ortografia empregada pelo ilustre escritor Monsenhor Francisco de Sales Cavalcanti, na obra Monsenhor Luiz Motta, traços biográficos, com dois “t”. Ainda mais. Relaciono esta grafia ao interesse do então prefeito Padre Motta, marginando o rio Mossoró, flanco esquerdo, erigindo uma balaustrada com 643 metros de extensão, dotando-as de 41 postes de cimento armado, com instalação elétrica subterrânea. Verdadeira represa ou aterro, justificando, portanto, o seu sobrenome “Motta”. 

Os estudiosos, principalmente os da nova geração universitária, encontrarão, na obra, dados referentes às ações do padre, do prefeito e do cidadão mossoroense que, por assim dizer, deu o pontapé inicial de obras e projetos aperfeiçoados pelas administrações posteriores, mesmo numa em época em que as campanhas políticas não permitiam a estabilidade necessária para vôos mais altos. Mesmo em pequenas atividades, encontramos a presença do ilustre prefeito, à execução de tantos melhoramentos em prol da população. 

Hoje, falamos em bolsa família, programa do leite, cidadania, instrução pública, projetos estes, a sua maneira, presentes no Lactário mantido pela Prefeitura em uma casa doada pela Diocese, nas praças e jardins, no serviço de limpeza pública, no calçamento regular das ruas e praças, nas 12 escolas municipais. Tudo isso já pesquisado em livros e citações de autores potiguares. 

Sua vocação sacerdotal foi tardia, pois antes desejava estudar Agronomia. O escritor Raimundo Nonato viu nesse fato um segredo não revelado pelo sacerdote. Padre Motta foi um sacerdote que soube muito bem exercer o seu sacerdócio como Vigário, Cura e Pároco da Freguesia de Santa Luzia, posteriormente catedral da Diocese, passando logo, quando voltou de Roma, como capelão de São Vicente. 

Como político, como prefeito, não trouxe constrangimento aos seus bispos, sendo escolhido pelo próprio Dom Marcolino Dantas como o presidente da comissão na criação da Diocese de Mossoró. Ao primeiro pedido do nosso segundo Bispo, Dom João Costa, pelo qual mantinha carinhoso afeto e admiração, em 1945 renunciou o cargo de prefeito, para o qual tinha sido eleito e mantido pelo governo estadual após o Golpe de 1937. 

Passou ao seu sobrinho, Mota Neto, líder em ascensão, seu prestígio político, ao fundar com os líderes potiguares, Monsenhor Walfredo, Georgino Avelino, Teodorico Bezerra, Israel Nunes e tantos outros, o Partido Social Democrático–PSD, enfrentando, em Mossoró, as assim chamadas forças econômicas da época, Rosados, Alfredo Fernandes, Tertuliano Fernandes e família Duarte, todos alinhados na União Democrática Nacional–UDN. Desta forma, renovou o poder político em Mossoró, obtendo, na eleição da redemocratização de 1946, com o general Eurico Gaspar Dutra, uma maioria de 800 votos, coisa admirável na época, e fazendo Mota Neto deputado federal. Depois dessa época, Monsenhor Motta ausentou-se abertamente da política do Estado. 

Homem de tino administrativo, dizia o nosso Bispo Dom Costa. Consultar Padre Motta era ter certeza de uma resposta certa, prudente e eclesial. Gozava de estima e respeito entre os irmãos sacerdotes, sendo escolhido por três vezes vigário geral pelos seus bispos diocesanos, e eleito vigário capitular com a sede vacante, no interregno da sucessão de Dom Costa e Dom Eliseu. 

Com a transferência de Dom Jaime para Belém do Pará, sendo Padre Motta prefeito, na política interna diocesana estava em vista o Cônego Jorge O’grady, então diretor do Colégio Diocesano, para eleição do vigário capitular, Monsenhor Motta liderou a campanha “queremos Julinho”, elegendo-o para o cargo. “Julinho” era Monsenhor Júlio Bezerra, vigário em Açu, vindo, posteriormente, morar em Mossoró. 

Por causa do seu espírito alegre, mesmo as coisas sérias Monsenhor Motta realizava sempre com certo tom de jocosidade. Eis aí porque a campanha do “queremos Julinho”. Aliás, as anotações do jornalista Lauro Escóssia, em Anedotas do Padre Mota, retratam com muito humor vários relatos jocosos e até picantes na vida do Padre. 

Voltando de Roma, após sua ordenação sacerdotal, seu estudo superior, fixou-se em Mossoró, cuja história de 1922 até o fim de sua vida, marcou presença ativa na administração do Município e nas atividades religiosas, cargos que exercia com muito amor e zelo sacerdotal. Ninguém poderá apagar essa presença efetiva em obras, como o calçamento da cidade, ponte Jerônimo Rosado, plantação de “fícus benjamins”, limpeza pública, registro das carroças e até mesmo dos “cabeceiros” (os assim chamados chapeados), praças, mercado central, Banda de Música, serviço de som a “Amplificadora Mossoroense”, estradas intermunicipais, subvenções para escolas particulares, para o Hospital de Caridade entre tantos outros empreendimentos. Infelizmente, o Município “homenageou” a sua memória apenas com a Praça Monsenhor Motta, aquela pobreza das Caixas D’água, em frente ao atual Seminário Santa Teresinha, e a Escola Municipal “Monsenhor Mota”, localizada na rua Monsenhor Gurgel, no Bairro Abolição. 

Afirmo, com repúdio, que este verdadeiro monumento humano mossoroense que foi Padre Motta, pedra fundamental da modernidade municipal, mereceria homenagens mais expressivas, que retratassem fielmente o seu trabalho por essa terra. Com justiça, escreveu nosso historiador maior Câmara Cascudo: “Tua história é o teu grande trabalho, tua fé incontida no futuro do teu povo, tua esperança, tua teimosia em realizar certo que a razão cobrirá de argumentos o sonho que erguestes em pedras, cimento e amor”. 

As mensagens fúnebres enviadas à Diocese de Santa Luzia de Mossoró, por ocasião do seu falecimento – por autoridades e pessoas amigas, desde o Núncio Apostólico D. Sebastião Baggio e, inclusive, instituições nacionais e estaduais – e a multidão de pessoas presentes no Cemitério São Sebastião, comprovam o valor da vida desse grande sacerdote e cidadão mossoroense. 

Diante dessa grandeza, a inteligência brilhante do, então, prefeito municipal, Dr. Raimundo Soares de Sousa, à beira do túmulo do Monsenhor Motta, registrou a figura do Padre Motta na mais bela página da antologia potiguar. Numa conclusão saudosa e maravilhosa: “Adeus, Padre Motta, porque se o céu é o prêmio dos justos, tu foste justo; se é o prêmio dos bons, tu foste bom; se é o prêmio dos puros, tu foste puro, tu foste humilde, tu foste simples. Assim seja! Adeus, Padre Motta, sem lágrimas, sem desespero, sem desgraça! Mas com muita saudade, com infinita tristeza! Adeus!”. 

Mossoró, 25 de fevereiro de 2007