03/03/2014

EDUCAÇÃO POPULAR  -  A alavanca que mudaria o mundo
O legado de Paulo Freire no Brasil, hoje.
Geniberto Paiva Campos – Brasília – Março / 2014
1. Paulo  Freire faz parte daquela estirpe de educadores que periodicamente aparecem para mudar o que está bem estabelecido e fazer o processo educacional avançar.
Juntamente com Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro, estes na educação de nível superior, Paulo Freire, na alfabetização de adultos, conseguiu mudar a nossa forma de pensar sobre  o tema – EDUCAÇÃO – que em várias  pesquisas de opinião pública, ainda hoje, aparece como item prioritário da lista de preocupação de todos os brasileiros.
Desde o período colonial evidenciava-se o “atraso” do Brasil em direção ao “progresso”.  Retórica permanente, a qual identificava as soluções mágicas capazes de fazer o país alcançar níveis aceitáveis de desenvolvimento. Foi assim com as ferrovias. Iriam fazer com que o país deixasse de engatinhar para, enfim, caminhar altaneiro rumo ao progresso.  Mas o milagre esperado não aconteceu. As “estradas de ferro não trouxeram o progresso, nem o país começou a andar” ( Faoro, R. 2007). Ainda segundo Faoro, esgotadas outras fórmulas mágicas, surgiu a “Ciência” , como o toque infalível “capaz de resolver todos os problemas”. Era a ciência como salvação, o valor mais alto da cultura humana. Talvez um mea culpa pela crença anterior, de resto inútil, na escolástica e no bacharelismo. Mas como fazer a “ciência” caminhar num país de iletrados?
Percebeu-se, então, que cabia um olhar prioritário, urgente, sobre o grave problema do analfabetismo. O qual se espalhava, como praga sem controle, por toda a população, particularmente entre os mais pobres e desfavorecidos. E que atingia, igualmente, os adultos.
Para espanto de todos, revolta e indignação de alguns, o Brasil entrava no século XX com níveis inaceitáveis de analfabetismo. Coincidentemente, também  não tínhamos Universidades dignas desse nome. Havia sim, um aglomerado de faculdades isoladas, uma espécie de federação de escolas de nível superior. Uma coincidência cronológica, talvez cronológica só aparentemente, acolhe duas experiências decisivas na Educação brasileira. Logo no início da década de 1960 é criada a Universidade de Brasília/UnB, representando o coroamento do esforço didático e político de Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro.  E começa, em seguida, numa  pequena cidade do Rio Grande do Norte, Angicos, a experiência de “Alfabetização de Adultos em 40 horas”, pelo método Paulo Freire. Sobre a trajetória épica da UnB muito já sabemos.
Falemos, portanto, da atualidade e do legado do educador brasileiro Paulo Freire. E do contexto histórico no qual o seu método seria  aplicado.
2. Meados da década de 1950, após o segundo governo Getúlio Vargas, no complexo período de saída da II Guerra Mundial, o Brasil vivia o governo JK. Ambos eleitos, democraticamente, pelo voto direto dos brasileiros. Depois de tantas turbulências políticas entrava-se, enfim, num período áureo, em que tudo parecia dar certo. Dizia-se, á época, que os deuses conspiravam para que a nação brasileira tivesse o seu encontro consigo mesma. Nunca esteve tão em alta a confiança e orgulho dos brasileiros no seu país. Numa sequência temporal de eventos felizes nas mais diversas áreas, o Brasil mostrou porque éramos chamados de “a pátria do futebol”: a taça do mundo era finalmente nossa. E fomos campeões de tênis em Wimblendon, com Maria Esther Bueno; a construção da Nova Capital, Brasília seguia a passos céleres, em breve estaria vivo e habitável um dos mais belos monumentos urbanos, a Capital da Esperança; a Bossa Nova e a sua nova  batida do samba encantava os brasileiros e  causava forte impacto no exterior; o Cinema Novo dava os seus primeiros passos, talvez já anunciando a conquista da Palma de Ouro em Cannes, com o “Pagador de Promessas”, belo filme, dirigido por Anselmo Duarte, com temática brasileira. Os brasileiros tinham todos os motivos para se orgulhar do seu país. E nosso desenvolvimento seria também célere: “50 Anos em 5”,  de acordo com o slogan do período JK.
E, no entanto, persistiam os níveis inaceitáveis de analfabetismo na população brasileira.

3.  No Recife, início dos anos 1960, estava em curso um movimento de educadores, com foco  no ensino básico. Com vínculos acadêmicos e na área executiva do governo local, esses educadores entrariam para a história como um dos grupos que mais ousou na área da inovação educacional no Brasil. O professor Paulo Freire fazia parte do grupo, o qual incluía, entre outros expoentes, Germano Coelho, Anita Paes Barreto, Paulo Rosas, Silke Weber. Eram pessoas com formação no exterior, com grande sensibilidade  social, quase todos ligados à Igreja Católica, que á época, vivia uma fase de grande abertura para o social, através do  Concílio Vaticano II, sob a égide do papa João XXIII.
A educação de adultos era uma das preocupações desse grupo, que ficaria conhecido como o “Movimento do Recife”. Uma pergunta pertinente, nunca bem esclarecida: por que o “Método Paulo Freire” de alfabetização de adultos não foi testado primeiramente na capital pernambucana? Uma explicação possível, de difícil confirmação: teria havido um impasse didático – pedagógico sobre a utilização de cartilhas na aplicação do Método. O seu idealizador se mostrava claramente contrário. Afinal, a “cartilha”, usada tradicionalmente no processo de alfabetização, era entendida como uma espécie de carta de navegação, também chamada “portulanos”. O papel desse instrumento didático, portanto, era o de criar uma trilha a ser percorrida pelo alfabetizando, com todas etapas  previamente sinalizadas. O que deixava muito pouco por conta da criatividade dos estudantes. Restringindo, dessa forma a sua liberdade de ação. Outros aspectos polêmicos do método: as escolas, denominadas “círculos de cultura”, com forte integração comunitária, não previam, obrigatoriamente, prédios escolares clássicos para o seu funcionamento. A “escola” imaginada por Paulo Freire podia funcionar em clubes, associações de bairros, residências particulares ou qualquer local disponível. Outra característica: o método era essencialmente baseado no aluno. O professor incentiva, orienta. Mas o aprendizado não ocorre de forma passiva , com assimilação acrítica dos conceitos didáticos. Outro aspecto essencial: o método repassava não só o “texto”, mas o “contexto”. Formando, assim, uma “consciência crítica” no estudante. (O que foi, maliciosamente,  propositadamente, confundido com politização ou partidarização. Estigmatizando o processo de alfabetização com um viés ideológico, o qual atendia aos objetivos de manutenção do status quo dos donos do poder).
Era preciso portanto coragem, e muita abertura para o novo, para por em prática   a aplicação de um método tão ousado  em suas inovações. Foi o que Paulo Freire encontrou no  então secretário de educação do Rio Grande do Norte, Calazans Fernandes. E na sua imediata sintonia com um jovem estudante de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Marcos Guerra, quase  adolescente, que enfrentou o desafio de assumir a coordenação do projeto pioneiro na cidade de Angicos/RN . O êxito do programa de alfabetização projetou-se no tempo, criando um protótipo de intervenção em políticas públicas, que se mostrou válido em diversas circunstâncias históricas.
 
4. A simples exposição desses conceitos mostra o quanto Paulo Freire estava á frente do seu tempo. Por isso, ao analisar, hoje, os atuais processos de comunicação, transmissão de conhecimentos e técnicas inovadoras de ensino/aprendizagem, baseados na “Conectividade”, surge a figura de Paulo Freire, projetando a atualidade dos seus já cinquentenários conceitos pedagógicos. Nos quais  o papel  do professor é compartilhado com os alunos. Cedendo, parcialmente, a importância docente,  priorizando a inventividade e a iniciativa do aluno, além  de  valorizar a sua capacidade e o seu ritmo próprio de aprendizado. E, sobretudo, o seu potencial de interação com elementos eletrônicos disponíveis, fonte indispensável, permanentemente acessível, de informações e conhecimentos. Neste momento, evoca-se naturalmente o legado de Paulo Freire. A sua incrível capacidade de visualizar o futuro. Orientando cidadãos conscientes, comprometidos com a Modernidade. Preparados, inteligentemente, para um mundo novo e desafiador.
Esta a herança, o legado histórico da ousadia do professor Paulo Freire.

01/03/2014


ADERBAL DE FIGUEIREDO 

Jurandyr Navarro

Do Conselho Estadual de Cultura

Nascido em Aquidaban, município do Estado de Sergipe, formado pela então Fa­culdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1922. Ainda cursando as últimas disciplinas, foi interno do Hospital de São João Batista, e da Assistência Pública de Niterói. Depois, da Assistência Pública do então Distrito Federal e, em seguida, do Hospital Central da Marinha. Neste último concurso obteve a primeira colocação dentre inúmeros concor­rentes. Posteriormente, foi Monitor do Hospital da Santa Casa de Misericórdia.

Já diplomado, foi exercer o seu primeiro cargo na condição de médico, como Inspetor Sanitário Rural do Saneamento e Profilaxia Rural de Sergipe, vindo, então, para o Rio Grande do Norte onde se fixou no município de Caicó.

Na antiga Vila do Príncipe, instalou, com sucesso, o Posto de Profilaxia Rural e saneamento. Desse seu trabalho resultou uma medida de higiene pioneira naquela cida­de: conscientizou aquela então atrasada comunidade a instalar o sistema de fossas sanitárias.

Entretanto, o maior feito do grande médico beneficente, foi a construção do Hospi­tal de Caicó, a primeira unidade desse tipo na região do Seridó e talvez em todo hiterland do Rio Grande do Norte. Esta Casa de Saúde foi inaugurada com a presença do Presi­dente da República, Washington Luiz, quando visitou o nosso Estado, no Governo José Augusto.

Transferiu-se, Aderbal de Figueiredo para Natal, onde fixou residência, casando-se com a prendada senhorita Dulce Meira e Sá, filha do Desembargador Francisco Meira e Sá.

Na Capital potiguar trabalhou como profissional no então Departamento de Saúde Pública e foi Diretor do Gabinete Médico Legal. Nesse mesmo calendário, assumiria função no Hospital Juvino Barreto, então sob a direção criteriosa de Januário Cicco, sendo dirigente da Clínica de Urologia.

A fim de aperfeiçoar os seus conhecimentos e a técnica operatória, viajou para a Capital Francesa onde cursou ginecologia cirúrgica com o famoso professor Jean Louis Faure. Na própria Paris especializou-se, também, em cirurgia geral, sob a direção magisterial do médico renomado, em toda Europa, professor Gosset; sendo discípulo, também, dos doutores Maurice Chevassu e Marion, enaltecidos mestres da medicina da época.

Retornando a Natal, seria o novo Chefe da Clínica Cirúrgica do seu melhor Hospi­tal, o "Miguel Couto".

Em plena atividade profissional, adoecera do coração, cedendo o lugar ao então jovem médico Onofre Lopes, seu Assistente.

Falecia pouco tempo depois. Era o ano de 1944.

Aderbal de Figueiredo não tinha somente como atividade exclusiva a profissão de médico. Dotado de espírito social, frequentava os círculos mais importantes da socieda­de natalense, participando de clubes e entidades culturais.

Vivendo em plena ditadura Vargas e advogando a liberdade de pensar livremente, jamais deixou de externar a sua repulsa aos atos atentatórios à boa política. Por tal atitude corajosa, teve de enfrentar prisão no Quartel do 29º B.C., durante cerca de um mês, por se manifestar adesista à Revolução Constitucionalista de São Paulo, em 1932. Politicamente pertenceu às fileiras do Partido Popular, legenda sob a chefia, na época, de José Augusto, vencedora do pleito em 1935.

Possuía Aderbal de Figueiredo, conforme escritos da sua viúva d. Dulce, de Luís da Câmara Cascudo, de Onofre Lopes e Clóvis Travassos Sarinho possuía Aderbal, do que pude deduzir da sua personalidade, uma auréola de simpatia contagiante. As aren­gas existentes entre colegas natural em todas profissões, nele teve o conciliador. Na sociedade natalense, todas as classes, por seus representantes mais autênticos, o admiravam, não somente pela competência na área médica, mas, sobretudo, pela lha­neza de trato.

Dele, disse Câmara Cascudo, seu amigo confidente:

“Aderbal conhecia História, arqueologia, numismática, como um técnico. Ultima­mente estava lendo Folclore. Lia em vários idiomas que aprendera. Era original em dizer, opinar, propor. Autodidata, estudava sempre, com uma sorridente curiosidade pela cultura humanística. Podia falar, como um mestre, sobre os assuntos mais distantes, prataria francesa, Dantzig, história do Corredor polonês, cirurgia, processos novos de narcose, a Clínica dos irmãos Mayo, corantes, vitaminas, moléstias profissionais, no­ mes de cientistas longínquos, suas figuras, ações, originalidades dos métodos, modifi­cações”.    

           
 A palavra de d. Dulce Meira e Sá de Figueiredo:
 
"Aderbal deve ter sido o primeiro médico que em Natal fez os primeiros embalsamamentos. Pacientes, os franceses Barrier, em 5 de setembro de 1935 e Lievre Pierre, em 27 de maio de 1936. Também foi o primeiro a fazer uma operação cesariana em Natal, tendo a nascida tomado o nome de Cesarina".

Travassos Sarinho e Januário Cicco também depuseram em relação a tão nobilitante figura humana. Disse este, no seu sepultamento: "Em Caicó, vencendo mu­ralhas de sacrifício com a caridade do seu coração e com a força do seu espírito, fundou o seu Hospital, hoje é uma instalação de grande proveito, de grandes alcances e de piedade humanas. E aquele: "- Não sendo, embora, filho do Rio G. do Norte, pelo que fez na terra potiguar, o seu nome não poderia ficar esquecido quando se pretende pôr em destaque a ação dos mais ilustres médicos do Estado".

Sobre o sítio do Tirol, d. Dulce atendeu o desejo do marido, doando-o a Ordem das Freiras Salesianas, onde hoje funciona o Colégio Nossa Senhora Auxiliadora.

Grande benemérito foi Aderbal de Figueiredo! A sua lembrança ficará perpetuada na classe médica que serviu com amor e dedicação humanitárias; e, também, perpetuada ficará a caridade da sua alma sensível devotada aos menos afortunados.

28/02/2014



RETALHOS DE HISTÓRIA DA VELHA RIBEIRA
Briga em um cabaré da Ribeira

Elísio Augusto de Medeiros e Silva

Empresário, escritor e membro da AEILIJ
elisio@mercomix.com.br


Não sabemos ao certo como começou aquela confusão. Num minuto, estava formado o maior quebra-pau dentro do cabaré.
Os dois antagonistas engalfinhavam-se, trocando socos e rolando pelo chão. De repente um dos rapazes levou um pontapé na barriga – levantou-se e saiu distribuindo socos a torto e a direito... pegasse em quem fosse. Aí a coisa complicou.
As prostitutas gritavam apavoradas, corriam e se refugiavam debaixo das mesas do salão. Os três garçons largaram as bandejas e se esconderam atrás do balcão do bar.
A luz vermelha do salão foi apagada e luzes normais acesas. No entanto, a essa altura, a confusão já estava formada. Um homem puxou um punhal, mas foi desarmado pelos seguranças da casa. Garrafas, copos e cadeiras eram arremessados de todos os lados.
O chão logo se encheu de perigosos estilhaços de vidro. Os dois rapazes que deram origem a confusão engalfinhavam-se, rolavam e trocavam socos no chão.
Correrias, gritos pavorosos e urros chegam até a Rua 15 de Novembro. Os guardas-noturnos das ruas próximas apitavam sem parar.
As mulheres gritavam apavoradas. Logo a rua estava cheia de curiosos que queriam ver o que acontecia lá dentro do cabaré.
As inquilinas da casa corriam desesperadas de um lado para outro. Algumas seminuas não sabiam o que fazer diante de tamanha confusão.
Os dois “leões de chácara” do cabaré não tinham o que fazer – era gente demais envolvida na briga. Ninguém sabia ao certo como tinha começado aquele bafafá. A briga já durava mais de dez minutos. O prejuízo era enorme.
Quando finalmente a polícia chegou, o salão estava todo quebrado – mesas, cadeiras em pandarecos – até a radiola de fichas não fora poupada. Havia gente de cabeça quebrada, dente fraturado, equimoses pelo corpo...
O grupo de rapazes a quem atribuíram a origem da confusão tinha se “escafedido” do local.
Naquela noite o cabaré fechou bem cedo. Um dos seguranças da casa, um negro de quase dois metros, tinha um olho roxo e um corte no lábio inferior.
- Iam lhe arrancando um olho, disse um dos garçons ao vê-lo. Será que não ofendeu a vista?
Na porta dos fundos, um cidadão gritava, dizendo que tinha perdido cinco mil réis durante a confusão. Quem vai me pagar? Quem vai me pagar? Perguntava preocupado.
Alguns dos envolvidos na briga foram detidos e levados até a delegacia de plantão, que, por sinal, não era muito distante do local. Funcionava ali mesmo, no bairro da Ribeira.
Na delegacia um dos detidos, metido à valente, contava “goga”, a respeito de sua atuação na briga. Ao ser interrogado pelo delegado de plantão, respondeu às perguntas que lhe foram feitas com ar de deboche. Pelo visto, queria dar uma de arrochado. O delegado não contou conversa e mandou meter o insolente no xilindró.
- Você que é disposto chegou na hora certa. Disse, enquanto o soldado conduzia-lhe até uma das celas.
Depois de colocado atrás das grades, o soldado informou-lhe: “Você vai fazer a faxina”. E lá foi o “brabo” de vassoura e balde fazer a faxina completa do local. Os outros presos e soldados olhavam a cena – alguns até riam disfarçadamente.