31/01/2022

Marcelo Alves · aOtn3ute1pgim3 9fàs 08:a3d2m91 · Vai o texto da crônica publicada hoje, 30 de janeiro de 2022, no jornal Tribuna do Norte (Natal/RN): ⬇️⬇️⬇️⬇️⬇️ O psicólogo penal Já escrevi, embora não recorde mais onde e quando, sobre Cesare Lombroso (1835-1909) e Enrico Ferri (1856-1929). Hoje é hora de conversarmos sobre Raffaele Garofalo (1851-1934), que, ao lado dos dois vultos precitados, formou a tríade da chamada Escola Positiva (italiana) do Direito Penal. Garofalo nasceu na belíssima Nápoles. Estudou direito na Universidade da sua terra. E foi ser muitas coisas na vida. Magistrado (promotor em Nápoles e juiz na Corte di cassazione do seu país) e senador do Reino da Itália. Foi jurista e, especificamente, criminólogo. Foi um exacerbado conservador (o que o distinguia de Ferri, notório socialista), tendo militado a favor da pena de morte, inclusive daqueles mentalmente doentes, e aderido, para o final da vida, ao fascismo de Mussolini (1883-1945). Como registra Walter Nunes da Silva Júnior (no texto “A escola positiva e os seus precursores”, constante da Revista da Academia de Letras Jurídicas do Rio Grande Norte, ano V, nº 6, novembro de 2021): “Garofalo foi um dos arautos da Escola Positiva e produziu extensa bibliografia. O seu escrito mais completo, no qual expôs o seu pensamento jurídico da Escola Positiva, foi Criminologia, editado em 1885. Outros escritos que merecem destaque foram Rippazazione alle vittime del delitto (1887) e La superstition socialiste (1895). Atribui-se-lhe o início da elaboração jurídica da Escola Positiva, trazendo, como elemento novo aos aspectos antropológicos de Lombroso e sociológicos de Ferri, as questões de ordem psicológica”. De fato, entre os seguidores de Lombroso, surgiram derivações que enfatizavam outros condicionamentos como causa – ou, pelo menos, concausa – da criminalidade. Segundo Antonio Padoa Schioppa (em “História do direito na Europa: da Idade Média à Idade Contemporânea”, WMF Martins Fontes, 2014), “teve particular importância a obra de Enrico Ferri (1856-1929), advogado e político de ideias socialistas – foi também deputado por muito tempo –, autor da Sociologia criminal (1884), bem como o pensamento de Garofalo, magistrado atuante na primeira fase de preparação do Código Penal de 1889. Esses criminalistas insistiam não apenas na denúncia das discriminações sociais como motivos da criminalidade, mas também e sobretudo no tema da prevenção como meio principal para a diminuição dos fenômenos criminosos”. A meu ver (e que não me xinguem os panfletários do punitivismo radical), a “pena” de Garofalo era pesada demais. A sua defesa da pena de morte, inclusive dos mentalmente doentes, da prisão perpétua, da prisão preventiva obrigatória para determinados crimes, a sua paixão por um processo penal inquisitorial (abeberando-se no outrora adotado pela Igreja), sem publicidade ou oralidade, a desimportância dada às nulidades (inclusive a ausência de advogado para o réu), a sua quase inversão do princípio da inocência, entre outras coisas, são, para mim, demais. Embora eu também entenda que era uma tática, exagerada (deixo claro), de se opor à Escola e ao direito penal clássico, de Beccaria a Carrara. E isso sem falar no seu abominável fascismo. Entretanto, assim como se dá com Lombroso, que “exagerou” em diversos pontos, há também muito de bom em Garofalo. Lombroso iniciou o estudo da pessoa do delinquente e foi, assim, sua antropologia criminal que primeiro jogou luz sobre a pessoa do criminoso, na busca das causas que levavam este a delinquir e de como evitar esse ato. A isso o marxista/socialista Ferri somou o seu fatalismo social. E Garofalo muito contribuiu com o seu determinismo, de ordem psicológica, que segue uma trilha antes aberta por Charles Darwin (1809-1882) e Herbert Spencer (1820-1903). Ainda hoje somos influenciados por Garofalo, entendendo que o Estado deve intervir sobre o indivíduo/criminoso que não se adapta às regras da sociedade, às exigências de convivência, segregando-o, porque psicologicamente tendente ao ilícito, prevenindo a sociedade do cometimento do crime (caráter essencialmente preventivo da pena). Tirando os exageros, que são muitos sob a lupa de hoje, há em Garofalo sobretudo o enorme ponto positivo de misturar a psiquiatria/psicologia nos estudos do direito penal. E, para resumir o papel de cada um dos “grandes” da Escola Positiva italiana, podemos dizer que Cesare Lombroso foi o seu antropólogo (penal); Enrico Ferri, o seu sociólogo; e o nosso Raffaele Garofalo, com certeza, o seu psicólogo. Daí a razão do título dado a este riscado. Marcelo Alves Dias de Souza Procurador Regional da República Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

27/01/2022

URNAS, PRA QUE TE QUERO? Valério Mesquita* Mesquita.valerio@gmail.com O grande problema do homem público brasileiro é que somente permite ao povo ver aquilo que ele quer. Há um lado oculto, insondável, obscuro dentro dele, cheio de egoísmos e ambições. Neste ano da graça de 2022, após tantas eleições passadas, já é tempo dos eleitores recusarem suas manobras inconfessáveis. Por mais rígida que seja, a cada eleição, a lei eleitoral, os mágicos das urnas aperfeiçoam os métodos e aplicativos. Existem prefeitos que compram, à preços fora do “mercado” toda a bancada de vereadores a fim de perpetuarem o comando do poder político e do erário público. O que é muito cômodo quando transformam a prefeitura em projeto familiar. Na tragédia “Coriolano” de William Shakespeare – profundo estudioso das caracteres e perfis humanos – ele realça a intrepidez e a decepção do general romano, vítima da ingratidão do sufrágio do povo e da trama solerte dos ladrões da coroa, quando, expulso da cidade, exclamou do alto de uma colina: “Vil matilha de cães, cujo hálito eu odeio, tanto quanto um pântano empestado. Cuja simpatia eu estimo, tal qual um cadáver insepulto e podre, que deixa o ar corrompido e irrespirável. Sou eu quem vos desterro e vos deixo na vossa inconsistência!”. Quantos bons e honrados gestores públicos não foram banidos ou afastados pelo voto equivocado do povo, instrumento fácil de quadrilhas de mal feitores nos municípios brasileiros? Certa vez, narrei um fato acontecido com um político, fazendeiro potiguar, indagado pelo seu vaqueiro, por que comprava boiadas toda semana, quando as suas propriedades já não comportavam mais cabeças de gado. Calmo, contemplando os bovinos contados em sua frente, respondeu sacando o talonário: “Dinheiro só serve para duas coisas: comprar boi magro, engordar e vender com lucro, e caráter de cabra safado em véspera de eleição”. A sabedoria do político ainda ecoa nos usos e costumes dos gabinetes parlamentares até hoje, nos períodos eleitorais e fora deles. E o pior acontece quando o gestor capadócio e caviloso, vira “brinquedo do cão”. O povo deve despertar para esses cenários de teatro baixo. Não sei até quando abusarão da paciência do povo ou até quando o eleitor continuará no papel de “besta quadrada”? Por que um prefeito ou líder político se perpetua no abrigo do erário – persegue, ameaça e compra pessoas como se mercadorias fossem? Cadê o Ministério Público, o TRE, o TCE, que não devem se descuidar da vigilância? Todos nós, eleitores desejamos eleições limpas. Li na imprensa a fábula de quase cinco bilhões de reais que será destinada aos partidos políticos para a eleição de 2022. Os eminentes magistrados sabem através da cultura jurídica e da observação consuetudinária, que muitas vezes, a quietude das aparências dos “donos das legendas”, engana, ilude e oculta muitos propósitos. A honra é uma essência. Muitos alegam possui-la, sem nunca tê-la tido. Daí, como ser impossível advinhar a consciência do povo, é mister fiscalizar os métodos e procedimentos partidários com tanto dinheiro no cofre. A campanha radical deste ano ficará na história face a luta fraticida que já se desenha e pela corrução sem teto dos gastos, hábitos e costumes. Uma das razões persuasórias do meu voto é o descompromisso com a larga porta. Desejo um presidente que tenha traços de mudança dos rumos na vida pública amanhecendo dentro de nós. E não mais pesadelos. O Brasil precisa de reflexão, madureza, cultura, inteireza, de palavras vestidas da humana claridade. Que tenha cores vivas vindas de sí mesmo e não reflexo de outros. Urnas, pra que te quero? (*) Escritor

13/01/2022

Novas Cartas de Cotovelo – verão de 2022-03 Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes A NATUREZA COBRARÁ Em leitura recente do livro Natal do Futuro, escrito por Arthur Dutra, por sinal meu ex-aluno, que me presenteou com um afetuoso autógrafo, registrei sua inteligente invocação do escritor potiguar consagrado desde o início do século passado Manoel Dantas, o qual proporcionou, no distante ano de 1909, o vaticínio de Natal dali a cinquenta anos (um dos anexos do livro em comento). Desde logo oferto a minha concordância com a diretriz preconizada: Precisamos reforçar esse traço da nossa personalidade coletiva e agregar ao presente as coisas boas que nossa memória urbana, social, política etc., podem nos proporcionar. Quais seriam os melhores caminhos? Ficou dito, entre as duas obras referidas: velar pelas nossas praças - verdadeiros pulmões da cidade; cultuar nossas artes e artistas; conservar o nosso patrimônio material e imaterial; recuperar nos rios e lagoas, da poluição que sofrem pela irresponsabilidade dos moradores comodistas, nativos e novos ricos na ocupação do solo de forma inadequada, permitindo a nefasta transformação de Selva de Pedra; incentivar a tecnologia em todos os seguimentos da vida urbana, para tornar a vida com melhor qualidade de vida. Deixando de lado os campos da teoria e da ideologia improdutivas, vamos direto a um desses graves problemas: salvar os nossos rios, a exemplo, pelo menos agora, do nosso romântico Potengi e o Rio Doce (Redinha), verdadeiras potencialidades para o turismo, economia, comunicação e paisagística, a exemplo do Tâmisa, Reno e Tejo. Em particular o Rio Doce, da minha infância já remota, o qual conheci puro, virgem, hoje um esgoto motivado pela incúria do poder público e descaso dos moradores ribeirinhos, quando se admite construções de conjuntos, demagogicamente com alarde social, mas nefastos por não terem proporcionado a infraestrutura essencial para um equilíbrio ecológico. A Revista NAVEGOS, de responsabilidade do jornalista e escritor Franklin Jorge, opportuno tempore, publicou uma reportagem sobre o desastre do Rio Doce, sob o título “Agonia de um rio”, com imagens do consagrado fotógrafo Canindé Soares, retratando esse rio que habita a memória afetiva de milhares de potiguares. Seguindo essa diretriz, denuncio, agora o perigo, pelo mesmo descaso, quanto a conservação das falésias, a teor das de Tibau do Sul, Baía Formosa, Cotovelo (onde moro), para que não se repitam as tragédias de Pipa e de Capitólio. Em meu pensar, cabe aos governos municipais regulamentarem as áreas non aedificandi, o regramento do solo urbano através dos seus Planos Diretores, ultimação dos planos do sistema de esgoto, como é exemplo o complexo dos distritos de Pirangi, Pium e Cotovelo, com os canos enterrados há anos, mas com funcionamento discriminatório, beneficiando apenas alguns empreendimentos, em detrimento das comunidades que permanentemente dão vida à região. Todos são cidadãos com os mesmos direitos. Este é o momento de começarem logo a agir – Prefeituras, Ministério Público, Ibama, Idema ... senão a natureza muito em breve nos cobrará! https://www.navegos.com.br/a agonia-de-um-rio/

10/01/2022

DESCASO OU COMPLEXO DE INFERIORIDADE Tomislav R. Femenick – Jornalista e historiador A nossa tradição é fortemente perversa quando se trata de preservar a imagem dos nossos heróis, ou mesmo das personagens mais simples da história da nação. Poucos são aqueles que escapam desse verdadeiro patrulhamento histórico-ideológico. Nem os mais cultivados ícones da brasilidade escapam. Até Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, se não o maior, mas o mais importante líder da inconfidência mineira contra a dominação colonial portuguesa, tem sido atacado pela ira dos iconoclastas destruidores da imagem dos nossos ídolos. Em épocas recentes, já disseram que era uma figura menor, sem importância, que somente entrou no movimento pela independência da então colônia pela porta dos fundos. Contestaram sua liderança, apresentaram-no como um ignorante, um simplista de raciocínio lento, um “Zé vai com os outros”. Sempre o vimos representado com uma vasta barba, do tempo do seu cativeiro. Pois bem, até tiraram sua barba. Outra vítima constante dos cultores revisores da história e pregadores da “nova história” tem sido D. João VI. Se não uma figura heroica no sentido de guerreiro, pois veio para cá fugindo das tropas de Napoleão, sua atuação foi mais do que importante, foi importantíssima para o Brasil. Chegando a Salvador, decretou a abertura dos portos (atendendo a uma reivindicação dos comerciantes locais, mas se diz que foi por pressão dos ingleses), transformou a colônia em reino, fundou a Biblioteca Nacional e o primeiro Banco do Brasil, criou a Imprensa Régia e as Escolas de Cirurgia da Bahia e do Rio de Janeiro, deu ares cosmopolitas à atrasada cidade do Rio de Janeiro, entre outros atos. Mesmo com esse cabedal de realizações, D. João VI somente é apresentado como uma figura caricata de comedor de frango assado. Deixemos as figuras emblemáticas da história nacional. Analisemos o que acontece com os ídolos do povo. Leônidas da Silva foi um dos maiores nomes do futebol brasileiro, inventor do gol de bicicleta e titular da seleção brasileira em duas Copas do Mundo. Jogou nos times do Bonsucesso (no tempo em que o Bonsucesso era sucesso), Peñarol, Vasco, Botafogo, Flamengo e, finalmente, no São Paulo, clube que defendeu por oito anos. Foi o artilheiro da copa de 1938, marcando oito gols e deu nome (sem receber royalties) a uma famosa marca de chocolate. Quando deixou de jogar passou a ser apenas mais um ex-craque. Mesmo em São Paulo, quase não era reconhecido por ninguém e andava pela cidade como se fosse mais um dos muitos cidadãos. Talvez por isso a sua mulher não quis falar com nenhum repórter no velório. Sofria do Mal de Alzheimer e de diabetes. Morreu internado em uma casa de repouso e esquecido. Frank Sinatra, Nat King Cole, Billie Holiday, Glenn Miller, para não falar em Elvis Presley, são ídolos da música e do povo norte-americanos que ainda hoje são venerados. E aqui? Quem houve falar em Chico Alves, Orlando Silva, Emilinha Borba? Até Vinícius de Morais já está entrando na zona de esquecimento; e pouco está faltando para o Tom, o nosso querido Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, nela também entrar. E olhe que ambos, o poetinha e o maestro, são os autores de uma das canções mais interpretadas no mundo, a famosa Garota de Ipanema. Uma nação, um povo, sem ponto de referência, sem paradigmas históricos e culturais, simplesmente passa a ser copiador da história, dos heróis e da cultura dos outros povos. No Brasil sabe-se mais sobre os peles-vermelhas do que sobre os índios nacionais; sobre Fidel Castro do que sobre Juscelino Kubitschek; vende-se mais Coca-Cola do que guaraná; diz-se “short” e não “calção”. A pergunta é: e de quem é a culpa? Dos grandes veículos de comunicação? Das escolas? Do governo? Ou de todos eles? De um hipotético complexo de inferioridade hereditário? É um tema para reflexão. Tribuna do Norte. Natal, 08 jan. 2022

06/01/2022

Nossas velhas figuras História Rio Grande do Norte Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte prepara, para o ano de 2022, dentre as comemorações dos seus 120 anos, mais uma série de artigos para o jornal Tribuna do Norte. Organizada por Gustavo Sobral e André Felipe Pignataro, também autores, a nova série registrará 25 nomes da história do Rio Grande do Norte e começará a ser veiculada em janeiro. Os artigos são publicados sempre aos domingos no espaço cativo do Instituto no jornal, o Quadrantes. Entre os perfilados, nomes como o da escritora e educadora Isabel Gondim; da poeta Auta de Souza; do ex-governador do Estado e promotor do voto feminino no Brasil, Juvenal Lamartine; do advogado, jornalista e escritor Manoel Dantas; e do historiador Câmara Cascudo. Colaboraram para pesquisa e redação dos artigos, além dos organizadores já mencionados, Daliana Cascudo, Jurandyr Navarro, Armando Holanda, Pedro Simões, Igor Oliveira, Francisco Galvão, Anderson Tavares e Francisco Martins. Confira abaixo todos os artigos da série e leia o texto na íntegra na Tribuna do Norte. Basta clicar sobre o título do artigo. Nossas velhas figuras Para ler este e outros escritos, acesse: gustavosobral.com.br

04/01/2022

ANTÔNIO SOARES DE ARAÚJO FILHO - O HUMANISTA Valério Mesquita mesquita.valerio@gmail.com Antônio Soares de Araújo Filho foi o caçador de estrelas. Em que observatório lunar ficou perdida a outra face da lua? Ele via o rosto oculto dos astros na planície aérea das noites natalenses de pastoreio. Conhecedor do sol e do vento, atravessou o seu tempo pela mão das estações. Professor, Diretor da Faculdade, fui seu aluno de Direito Processual Penal. Membro da Academia Norte-Riograndense de Letras por longo tempo, pertenceu ao Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte e ao Conselho Estadual de Cultura, onde compartilhei de sua amável companhia. Mas, o sensível e o imaginário em Antônio Soares de Araújo Filho não estavam somente na astronomia mas na política. Nela descobriu a vocação pública de servir através do PSD, o histórico partido dos dinossauros da política do Estado. Foi deputado estadual constituinte ao lado do meu pai em 1947. No exercício do mandato revelou-se diligente, regimentalista e constitucionalista. Era o estilo e a marca do bacharel. Exerceu, em seguida, a chefia do gabinete civil do governo Dinarte Mariz. Foi aí que Toinho, carinhosamente chamado pelos mais íntimos, demonstrou possuir a consciência da fugacidade do homem e do tempo. Domou o ritmo das aspirais de súplica e oferenda ao redor, pela depuração dos assuntos e das paisagens interiores dos processos: “Os que devem ser resolvidos hoje, os que podem ficar para manhã e aqueles que só o tempo vai dizer”. Eram os mistérios gozosos da política e da administração que Antônio Soares Filho filosoficamente distinguia, adestrando e afinando os sentidos e fazendo do mundo matéria de puro aprendizado, mercê de sua inexorável mutação. Mas, o seu lado encantatório, era a proverbial fidalguia. Tinha a magia de cerimonializar os gestos e solenizar os ditos. Na mecânica do mundo dos cumprimentos ele possuía o dom de sensibilizar as pessoas pelo cavalheirismo sem precisar torcer a coluna vertebral. A sua acuidade perceptiva na análise pictória e pitoresca dos fatos, fazia Diógenes da Cunha Lima acoimá-lo de "Guru". No Conselho de Cultura, ao lado de Américo de Oliveira Costa e Otto Guerra, formavam o nosso gurulato. Nessa pequena homenagem, tenho dele a lembrança nítida, leve e delicadamente humana que o tempo não vai desfazer.
“Não podemos calar” Padre João Medeiros Filho O profeta Miqueias preconizou um lamento de Cristo: “Meu povo, que te fiz eu, em que te molestei? Responde-me!” (Mq 6, 3). Tais palavras inspiraram um canto litúrgico da Sexta-Feira Santa. Fica-se aturdido ao ler relatos evangélicos, narrando que Herodes queria destruir a vida do Menino Deus (Mt 2, 16). Este, sendo Rei, nasceu num estábulo (Lc 2, 7). “Mutatis mutandis, a sanha herodiana continua existindo. Este texto não é apologético ou proselitista, e sim um comentário de fatos. Orquestram-se movimentos de ordem cultural e ideológica para banir Cristo e sua doutrina do mundo. Através de instrumentos legais, arquiteta-se a exclusão daquilo que lembre os valores judaico-cristãos. Questionava Santa Dulce dos Pobres: “Qual o motivo de tantos se sentirem incomodados com Cristo?” Em nome da “inclusão”, verifica-se um ódio perpetrado contra quem procurou, em toda a sua vida, transmitir amor, fraternidade e justiça. Em dezembro último, um organismo internacional recomendou que suas mensagens oficiais das festas de fim de ano não deveriam conter a palavra Natal. “Esta exprime um sentimento cristão, enquanto o mundo é plural”, argumentaram os seus dirigentes. Trata-se de ingente contradição, em que se busca incluir alguns, excluindo outros. Que mal fez Cristo? Se o mundo é realmente pluralista, por que tanta rejeição ao cristianismo? Por que expulsá-lo, usando-se um fórceps ideológico? No final de 2021, outra entidade mundial tentou orientar os países membros a não adotar nomes como Jesus, Maria e José, pois “não fazem parte da cultura universal, sendo uma terminologia estritamente cristã.” Prega-se o pluralismo, mas procura-se negar o direito ao emprego de termos seculares, consagrados por inúmeras nações. Onde fica o respeito às diferentes crenças? No parlamento de um estado do sudeste brasileiro apresentou-se um projeto de lei sobre assédio religioso, no qual se preveem cominações legais para quem falar de Cristo (e outros líderes espirituais) em lugares oficiais e públicos. O que Jesus fez de grave que deva ser rechaçado? A metáfora de Adão e Eva relata que eles queriam ser iguais ao Onipotente. “Vossos olhos se abrirão e sereis como Deus.” (Gn 3, 4). Este é o desejo de vários, repelindo a família tradicional. Isto equivale a pretender ser como o Criador. Não se pode confundir segurança social e jurídica com a natureza do matrimônio. Deus respeita todos. Mas, espera o mesmo para os seus planos, os quais não são propriedade de grupos, inclusive discordantes. No Brasil, projetos e ações judiciais visam a retirar crucifixos das repartições públicas, em nome do estado laico. Desconhecendo-se a sua semântica, confunde-se o termo (constitucional) com laicismo. A partir daí, há quem pense em mudar designações seculares como São Paulo, Espírito Santo, Santa Catarina, São Luís, Natal etc. Percebe-se uma fúria impositiva, na qual se comprova a pretensão de segmentos que se arvoram donos absolutos da verdade. Quem lhes outorgou tal prerrogativa? Por vezes, chegam a contradizer a história com sofismas e engenharias políticas. E a tentativa de proibir a presença da Bíblia – um livro histórico e cultural, não só teológico – nas escolas e bibliotecas públicas? Inegavelmente, tais ideias ignoram a história de civilizações milenares. O que dizer do escárnio a símbolos religiosos em “peças cênicas travestidas de arte”? A liberdade de expressão não confere poderes para agredir. Em palestra no Recife, Ariano Suassuna proferiu: “Querem a inclusão de alguns, discriminando-se outros e cometendo-se injustiça maior.” Os cartórios brasileiros – se aprovado um projeto de lei – irão retirar os vocábulos pai, mãe, marido e mulher do registro civil. A lei deve contemplar todas as situações. Mas, para agregar poucos não se pode coibir o direito de tantos. Cristo – a quem se pretende deletar – pregou a liberdade e o direito de escolha: “Se alguém quiser me seguir.” (Mt 16, 21-27). Atente-se ao primeiro verbo empregado pelo Mestre. Ele consagra a opção, sem obrigar. Proposição distingue-se de imposição. Talvez a doutrina cristã estorve projetos autoritários, daí o desejo de extingui-la. Condenam-se as Cruzadas medievais e a Inquisição Católica. Porém, certos movimentos desejam impor modelos radicais. Cabe-nos repetir as palavras dos apóstolos Pedro e João, perante o Sinédrio (cf. At 4, 20): “Non possumus non loqui.” (“Não podemos calar”).